terça-feira, 22 de dezembro de 2009

O Vampiro de Versalhes - Parte 6

Londres, 1888
Um dos escritos mais interessantes do Lord Vampiro se refere a Jack, o Estripador. Isso mesmo, o infame assassino em série que colocou a Inglaterra em pânico com seus crimes em plena era vitoriana. Colocarei aqui as impressões de Maximilian na íntegra, a seguir. O texto foi retirado, mais uma vez, de uma de suas cartas enigmáticas. 

Pierre, Historiador.  

Londres, 16 de agosto de 1889
Prezada Estefânia,

Em 1888 eu fui até Londres. Quando estava em Paris soube que havia um assassino insano nas ruas da cidade, em um bairro pobre, cheio de prostitutas, chamado Whitechapel. Em um primeiro momento pensei se tratar de um membro da minha linhagem, um desgraçado chupador de sangue, que havia enlouquecido, matando e estuprando mulheres que eram conhecidas como desafortunadas, mulheres pobres, com problemas de alcoolismo, que vagavam pelas ruas e ofereciam seus corpos a quem estivesse interessado. Pobres mulheres perdidas nesse mundo vil e violento. Devo dizer que senti pena delas. Imagine ser uma mulher pobre, sem recursos sequer para provir sua alimentação diária. Precisando se prostituir para sobreviver. Até a dignidade de uma mulher é perdida em uma situação tão triste como essa! 

Infelizmente, para meu infortúnio, descobri que as mortes tinham cessado quando finalmente coloquei os pés naquela cidade suja, sempre com céu nublado e muita neblina asfixiante. Apesar de todo o glamour e pompa da rainha Vitória, devo dizer que viver ali naquela pocilga não era a melhor coisa do mundo. Sempre preferi o belo litoral do sul da França, isso apesar de, como é óbvio, não poder desfrutar das praias ensolaradas daquela região. Mas voltemos, voltemos, porque tenho uma revelação a fazer. Muito provavelmente ninguém vai resgatar esses meus escritos das areias do tempo, mas vou escrever, porque hoje é uma noite particularmente sombria.

O verdadeiro Jack, o Estripador era um pobre coitado corroído pela doença mental chamado Aaron Kosminski. Ele era um imigrante polaco, de origem judaica, que foi para Londres atrás de seu irmão mais velho que abriu um pequeno comércio de vendas de roupas para mulheres. O Aaron era o filho mais jovem dessa família. Ele foi criado sem pai, pois esse morreu muito cedo. Os judeus sofriam forte perseguição na Polônia. Por isso parte da família Kominski se mudou para a Inglaterra. Lá eles mudaram seus nomes para Abrahams. Primeiro porque era mais fácil de pronunciar na língua. Segundo, porque eles tinham medo de serem reconhecidos como judeus que eram. O medo era grande naquela época. O preconceito contra judeus era o normal. Eles meio que se escondiam para tentar sobreviver dentro daquela sociedade de castas. 

Aaron Kosminski matou aquelas mulheres porque estava em surto psicótico. Ele tinha esquizofrenia e iria passar o resto de sua miserável vida em um hospício imundo. Ele nunca escreveu aquelas cartas para a polícia de Londres se auto denominando Jack, o Estripador. Ele era analfabeto. Quem escreveu as cartas foi um jornalista que queria afinal de tudo vender jornais. Era o seu negócio. Penso até que esse louco do Kosminski sequer sabia o que estava fazendo. Ele não tinha consciência de seus crimes. Quando cheguei a Londres fui com o objetivo de trucidar o assassino Jack, mas quando descobri a verdade, simplesmente desisti. Não valia a pena. Eu tive pena e nojo dessa criatura.

Os judeus de Londres sabiam que Aaron Kosminski era Jack, mas esconderam a verdade. Por qual razão? Eles tinham receios que uma onda de violência contra judeus iria explodir depois que a verdade fosse espalhada. Por isso decidiram resolver a questão de uma forma menos escandalosa. A família de Aaron Kosminski o levou até um hospício e de lá ele nunca mais saiu. Morreu pesando 30 quilos, completamente louco, envolto em sua própria mente doentia. E isso foi tudo. Queria saber quem foi Jack, o Estripador? Está aí toda a verdade, pobre mortal...

Nas cartas você me faz diversas perguntas sobre Deus! Qual Deus, eu devo perguntar. Sim, porque ao longo da história muitos deuses foram criados pela mente humana. Centenas deles, milhares de deuses. Esse tipo de deus mais abstrato que você e sua família ocidental certamente seguem é uma invenção cultural recente, minha cara. Os deuses da antiguidade não eram seres abstratos. Pelo contrário, eles eram bem concretos. Desciam do monte onde habitavam, seduziam as mulheres, faziam sexo com elas, tinham filhos, etc. O deus da antiguidade tinha que ser viril, guerreiro, sexualmente ativo, caso contrário seria considerado um fraco e não seria seguido por absolutamente ninguém. 

Esse Deus (com D maiúsculo) que é seguido pelo mundo ocidental era, em seus primórdios, um típico deus da antiguidade. Ele tinha cabeça bovina, corpo humano e um pênis gigantesco que usava para arar a Terra, trazendo alimento e vida para todos os povos que viviam na Judéia nos tempos antigos. E o "Deus" também tinha nome. Ele se chamava Yaweh. A maioria dos cristãos nunca ouviu esse nome, no máximo conhecem o nome latinizado Jeová. O mesmo aconteceu com o próprio Jesus que aliás não se chamava Jesus. Seu nome real era Yeshua. Espero que um dia as igrejas tragam de volta os nomes verdadeiros desses seres supostamente divinos. 

Então, estou escrevendo tudo isso, para deixar claro que os deuses são invenções humanas, produtos culturais. Essa coisa de deus único também não é novidade na história. No Egito antigo já havia surgido um faraó muito louco que baniu todos os deuses do Egito e decretou que a partir dali só haveria um deus, o deus Sol, o círculo solar. Em minha opinião a ideia de monoteísmo que depois iria invadir o Judaísmo veio justamente dai. O faraó Aquenáton fez escola e em termos de pensamento religioso foi um dos homens mais influentes da história. Ainal, os judeus estavam escravizados no Egito e certamente conheceram toda essa revolução religiosa que surgia naquele momento.

Então é isso. Deus não salvou aquelas pobres mulheres da mão de Jack, simplesmente porque ele não existe. É um pensamento aterrorizador para determinadas pessoas, eu sei. Outras vão dizer que cheguei nessa conclusão porque afinal sou um vampiro e esses são seres do mal... aquelas coisas... mas eu não acredito no deus bovino e nem no diabo caprino. Tudo soa apenas como mitologia em meu entendimento. 

Abraços bovinos do amigo,
Max. 

Estrasburgo

Estrasburgo, 2 de janeiro de 1889. 

Querida Estefânia, 
Eu lhe escrevo para contar minhas últimas novidades. Recebi sua carta no último fim de semana e decidi responder, afinal sou um cavalheiro. Lamento muito saber que você andou doente. Eu sei que você não acredita em mim quando digo que sou um vampiro. Você ri e faz graça. Tudo normal, eu também dou minhas risadas noite adentro. Só que bem sei que nunca ficarei doente como você, pois vampiros são imortais e também super saudáveis, mesmo sabendo que algumas pessoas acreditam que estamos mortos! Eita gente sem noção! 

Estou no momento nesse bonita cidade na fronteira com a Alemanha. Há meses fico na dúvida se devo ultrapassar a fronteira. Não gosto muito da cultura alemã, nem de sua culinária. Na dúvida fica onde estou, curtindo o tempo passar, enquanto faço mil planos.

Viver, de certa maneira, é fazer planos. Alguns dão certo e outros dão terrivelmente errados. Soube que você se casou com aquele sujeito. Olha, vou ser indelicado. Aquele não é homem para você. Além de já ter traído sua confiança, é um homem sem estudos, sem formação cultural. Fruto de uma cidadezinha do interior, rude e desprezível. Penso que ele vai ser um estorvo por toda a sua vida. Você vai carregar esse indíviduo nas costas, por toda a vida. Ele até pode ser bonito no momento, mas o tempo vai passar. Ele vai ficar gordo e tudo o que vai sobrar em sua vida é um homem ignorante e estúpido que você vai sustentar. Estou sendo rude? Pode ser, porém não tão rude como será seu casamento com ele. Essa é minha opinião sincera. Lamento dizer.

Espero que não corte os laços de amizade que tenho com você após escrever essas linhas que, admito, são brutalmente sinceras...

Em relação a mim, adotei a solteirice completa. Ser solteiro é ter liberdade. Hoje estou aqui, amanhã... não sei. Possa ser que acorde e decida fazer uma viagem. Ninguém vai ter nada a ver com isso. Não terei que dar explicações a ninguém. Tenho uma amiga. Ela reclamava de que seus pais a prendiam muito. Então se casou precocemente "para ter liberdade". Pobre mulher! Saiu das algemas de pais opressivos para uma nova jaula, agora controlada pelo marido. Triste destino. O homem solteiro vive por si. Tem suas próprias aventuras. Curte a noite, saboreia o luar. Casamento é uma das piores invenções humanas. Aprisiona em correntes, quase sempre enferrujadas. É um contrato. E como todo contrato a pessoa só assina se quiser. Prefiro não colocar minha assinatura em um papel desses. Prefiro ter minha carta de alforria sempre debaixo do meu braço.

Sobre os amigos dos tempos da juventude, estão mortos. Os que conseguiram sobreviver à matança da revolução francesa, tiveram um fim de vida muito miserável. Devo dizer que sinceramente falando muitos deles eu apenas suportava. Era muita conversa vazia sobre nada. Você descobre o quão um homem é vazio pelo teor de suas conversações. Se ele só fala em tolices e futilidades, pode ter certeza que há um idiota na sua frente. A maioria dos que conheci em Versalhes eram assim. Uma gente bem decepcionante, devo confessar. 

Os suportava na época da nobreza, mas agora não preciso mais suportar aquela gente. Com a revolução fiquei livre de todos eles! Tinha que existir alguma coisa boa no meio de toda aquela atrocidade, não é mesmo? Quando a revolução destruiu o sistema e classes sociais privilegiadas os nobres que sobreviveram à guilhotina ficaram sem ter como sobreviver. Eles não sabiam fazer absolutamente nada! Nunca tinham trabalhado na vida, eram uns inúteis em termos de trabalho e tirar o sustento com o suor do próprio rosto. Muitos acabaram se matando pois não conseguiam nem plantar batatas para ter o que comer. Em um dia eram condes, viscondes, barões. No outro dia se tornaram mendigos de rua. Realmente é algo que a mente humana não consegue absorver. 

E pensar que dez anos após a revolução um velho conhecido me enviou uma carta de Toulouse me convidando para uma reunião de velhos amigos. Deus me livre de um destino desses! Não quero... não quero... não desejo mal nenhum para aquelas pessoas, mas ao mesmo tempo também não quero eles por perto. Aguentar aqueles anos de sua companhia já foi o bastante... Eu era jovem e tolo, então nem percebia a inutilidade de tudo aquilo. Hoje só sento para conversar com quem tem algo interessante a dizer. Falar sobre cultura, artes e filosofia. Todo o resto me parece tempo perdido. Então é isso minha cara amiga. Desejo tudo de bom para ti e suas filhas!

Abraços de seu eterno amigo.Maximilian. 

Pablo Aluísio. 

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