quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

O Vampiro de Versalhes - Parte 3

Valerie de Versalhes
Paris, 10 de outubro de 1850
Prezada, obrigado por responder minha primeira carta. Já estava esperando ser ignorado. Quando sua carta de resposta finalmente chegou fiquei surpreso e feliz. E digo, felicidade não é algo que tenho sentido muito nas noites, nas sombras, por onde caminho. 

Você tentou descobrir minha identidade, mas errou muito. Eu conheci esse sujeitinho que você citou. Um homem com poucos valrores. Quase fiquei insultado em pensar que você me confundiria com ele. Não, não vá por esse caminho. Você ainda está longe de descobrir minha verdadeira identidade. 

Não fique aflita. Apenas pense em mim como Maximilian, até porque eu tenho pouca ou quase nenhuma identificação com o meu eu do passado. 

Bem, você pediu maiores dicas. Quer saber com quem me envolvi em meus tempos de Versalhes. Tudo bem, é uma reivindicação válida de sua parte. 

Ah, as mulheres... como perdi tempo com elas... Hoje em dia posso entender que muito desse tempo, que nos dias atuais seria valioso, foi perdido com mulheres que no fundo valiam pouca coisa. 

Uma dessas perdas de tempo e esforço me veio à mente quando você pediu que eu falasse mais de meus romances do passado. Então tudo bem, aqui vão algumas informações que penso que você vai apreciar. 

Eu ainda me lembro da primeira vez que bebi sangue. Foi na velha casa que servia de "fazendinha" para Maria Antonieta. Não poderia haver coisa mais inusitada. Enquanto os verdadeiros camponeses franceses sofriam com a grave crise econômica, muitos deles passando fome com suas famílias, a rainha brincava de camponesa em uma fazendinha de mentira perto do Petit Trianon, seu palácio privativo perto em Versalhes. 

Nesse lugar tinha tudo que uma verdadeira fazenda francesa tinha, como bois, porcos, aves, peixes. Só não tinha camponeses de verdade. Quem frequentava aquele lugar era a nobreza entediada que precisava preencher seus dias de tédio com alguma diversão.

Então um jovem Maximilian conheceu a jovem Valerie naquele mesmo lugar. Era filha de um dos serviçais de Versalhes. Uma mulher de longos cabelos pretos cacheados, carnes fartas, com jeito de ser muito quente na cama. 

Carnuda e muito sensual, Val pecava pela dentição ruim e feia. Ali ela se revelava mesmo uma senhorita das classes inferiores. Tinha dois dentes centrais prejudicados, chegando a serem ridículos. Maximilian porém não estava interessado em sexo. Ele poderia satisfazer sua lascívia entre as pernas da mulher quando bem entendesse. Só que ele não queria sua vagina, mas sim sua jugular. Maximilian queria sangue para se alimentar.

E o mais estranho é que Maximilian nem tinha tido consciência ainda que havia se tornado um vampiro, uma criatura da noite. Não sabia quem o havia mordido, provavelmente na madrugada anterior, numa orgia no templo do amor, onde nobres e garotas da plebe se entregavam ao máximo da luxúria. Onde ninguém era de ninguém, onde todos beijavam todos, chupando todos os membros sem se importar quem era os seus donos. 

Na orgia de sexo e bebidas provavelmente perdeu a consciência. Com o pescoço à mostra foi infectado, virando para sempre um desgraçado filho de Satã que jamais encontraria a morte... ou a vida!

Val pensou que Maximilian queria transar com ela. Levantou as saias, mostrou as coxas carnudas. Maximilian deu um salto, tal com um ente predador que ataca sua caça. Ela mal teve tempo de reação. Seus olhos abriram com espanto, tentou dar um grito, mas ele tapou sua boca e em um ato de extrema violência, quebrou seu pescoço. 

O sangue de presas vivas sempre foi mais saboroso para os vampiros. Eles conseguiam sentir o pulso de seus corações no delicioso líquido vermelho, mas como Maximilian ainda era um novato nem pensou muito nisso. Preferia matar, antes de ingerir. O inesquecível para ele nessa noite nem foi o sangue dela corrente em seus caninos, mas sim a sensação única de ver a vida de sua vítima escoar pelas pupilas dilatadas. A morte chegando e a vida indo, lhe trouxe um enorme prazer.

Relembrar esse dia me traz sentimentos e sensações estranhas. Eu não sou mais aquele jovem Maximilian. Hoje levo a experiência e a sabedoria de ter vivido muitos anos. O que era importante para mim naquele tempo muitas vezes não tem mais valor nos dias atuais. 

Ainda assim sinto uma certa pena daquele jovem Maximilian. Não tinha consciência de muita coisa na vida. E estava experimentando pela primeira vez a sensação de ser uma verdadeira criatura da noite. 

E não saber quem me violou, quem me mordeu e bebeu meu sangue, me transformando em um vampiro, me trouxe problemas ao longo de todos esses anos. Em alguns núcleos vampirescos da velha Europa eu ainda sou considerado um ser bastardo, justamente por não saber quem seria o meu mestre. 

Por outro lado minha existência se tornou masi responsável e centrada. Eu não preciso de mestres, eu levo minha própria vida. Eu não preciso de deuses, nem os que habitam os céus e nem os que vivem nas profundezas dos infernos. Eu vivo de acordo com minhas próprias escolhas e decisões.

Eu nem gosto de pessoas. Eu sempre procuro evitá-las, principalmente quando apresentam personalidades tóxicas, gente insuportável. E a maioria dos seres humanos são assim. A maioria da humanidade não vale nada, não crie ilusões sobre isso. 

O mais próximo amigo pode ser o seu pior inimigo, vestido de parceiro. O irmão pode ser o algoz disfarçado. O parente é certamente a serpente que deseja tirar sua vida. A existência solitária é uma benção. A solitude verdadeira é a que traz paz e tranquilidade. Viver com gente desequilibrado consome muita energia e pode inclusive transformar sua existência materialmente falando. Pessoas negativas geralmente deixam as pessoas à sua volta, doentes. Por isso fuja delas, como o vampiro foge da cruz...

Sim, esse foi um trocadilho infame, eu sei, mas tudo bem. Mande mais notícias suas. Estarei esperando com grande ansiedade. Em cartas futuros lhe direi mais... ou não, dependendo das circunstãncias. 

Abraços, Maximilian. 

Anne
Paris, 24 de dezembro de 1880
Estou morto! Minha temperatura corporal é nula. Minha pele vai perdendo a elasticidade se eu não for atrás do néctar dos deuses. O que é o Néctar dos deuses? É sangue humano, minha querida. Eu preciso de sangue humano. Não importa, se de jovem ou velho, homem ou mulher. O sangue humano é preciso para que o corpo não entre em decomposição. Alguns disseram que ratos e animais inferiores eram o bastante. Não são! Só o sangue de um ser humano restaura a beleza da juventude. Eu sou um animal e preciso abater um animal da mesma espécie para continuar existindo.

E eu bem sei que ao ler esse primeiro parágrafo você deve ter dado boas gargalhadas... risadas sem fim... dizendo pra si mesma: Endoidou... 

Eu sei, eu sei, mas minha tragédia é que tudo o que escrevo agora é a mais absoluta verdade... acredite! 

As pessoas gostam de ver vampiros como seres nobres. Não são! São monstros. Se há alguma elegância, se há alguma educação ou modos finos, isso tudo é apenas a antevéspera do ataque. Eu quero morder o pescoço, eu quero quebrar a coluna de quem estou matando. Eu sou um predador e eu sou um imundo das trevas. Todos os vampiros que tive o desprazer de conhecer eram seres repugnantes. Asquerosos... asquerosos! Fingiam ser até mesmo religiosos, mas no fundo eram seres forjados no ódio. Não havia finesse, havia sede de sangue!

Eu quero triturar essa vadia, eu quero matar ela. É bonita? Se acha superior? Eu quero mostrar a ela quem é o superior! Eu sou superior, eu sou eterno! 

E isso me fez lembrar de um amor do passado que reencontrei durante "O Terror", aquela fase insana da Revolução Francesa onde todos morriam... até mesmo os líderes da própria Revolução...

Nunca a guilhotina foi usada tanto como naquele período...

Ela se chamava Anne Dubois. Depois de virar mãe solteira, ao ser usada como vasilha de esperma de um médico arrogante e insensato, ela ficou grávida. Ele a largou.  Quando eu era mortal havia gostado dela. Fui desprezado. Mais do que isso, fui ridicularizado! Maldita, maldita! Agora veja essa vadia. Largada, abandonada. Mãe solteira. Tu não vale nada, mas eu vou sair com você. Eu vou te seduzir na calada da noite. Vou te fazer sentir uma deusa, como nos velhos tempos quando eras jovem e bonita. 

Porém eu vou te destroçar quando levá-la a um quarto de quinta categoria de um bordel imundo de Paris. Eu vou te matar, mas antes vou fazer com que se sinta especial. Depois vou sugar seu sangue, cravar minhas unhas em sua pele bronzeada e vou tirar sua vida.  Com prazer enorme vou te jogar na lata de lixo! Pensa que me desprezou no passado e vai ficar por isso mesmo? Eu vou te destruir, eu vou sugar sua vida, sua desgraçada miserável. O amor não correspondido pode mesmo facilmente ser transformado em puro ódio irracional.

Eu a matei naquela noite em que Maximilien de Robespierre foi para a guilhotina. Eu estava lá... o povo gritou de prazer... e eu pensei, não havia sido esse que também havia mandado tantos para a morte em nome da revolução? Esse é um velho mundo em que nada faz sentido mesmo...

Depois lhe escreverei mais, com mais calma.

Abraços Fraternais,
Maximilian. 

Pesquisas históricas
Essa última carta manuscrita trouxe a primeira grande pista histórica de minhas pesquisas históricas. Segundo consta nos registros policiais o corpo de Anne Dubois foi encontrado numa velha casa no dia 29 de julho de 1794. Ela tinha a cabeça decepada e vários cortes em todo o seu corpo. Pelo tamanho das feridas havia sido atacada por um animal feroz, provavelmente um lobo ou um urso selvagem. Mas quem poderia imaginar um urso andando por Paris? Não havia sentido nisso. Por essa razão o inquérito ficou por anos sem solução até ser arquivado definitivamente cinco anos depois.

Se o que estava escrito era verdade ou não, o autor vampiro revelava tudo. A carta seguinte traria mais detalhes e informações sobre o crime.

Pablo Aluísio. 

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