Esse era o nome. O único que ele assinava em uma série de manuscritos e cartas. Não se sabe até hoje com certeza sobre sua identidade, sua história. As cartas, amareladas e envelhecidas pelo tempo, foram encontradas em uma seção um tanto esquecida da biblioteca nacional em Paris. Algumas mostravam sinas de grande desgaste, outras estavam chamuscadas, como se tivessem sido jogadas em alguma lareira e depois salvas em um último momento.
De uma maneira ou outra, o que chamou a atenção dos especialistas não foi o estado do material, mas sim seu conteúdo. As cartas traziam diversas datas, algumas com até 200 anos de diferença! Tempo demais para que um ser humano as tenha escrito de próprio punho. A vida humana, como todos sabemos, não dura tanto tempo.
E aí vai a grande novidade desses textos. Além de terem sido escritos em um período muito longo de tempo, elas também abismaram os historiadores pois quem as escreveu garantia que era uma criatura da noite, um vampiro!
Ora, senhores racionais, homens de pesquisa, vampiros não existem! Então vamos partir para uma nova visão, a de que tudo não passaria de mera literatura. Tudo bem, poderia ser uma resposta viável e racional para tudo o que lemos ali, mas as mais antigas cartas tinham sido escritas muitos anos antes de Drácula, o romance de Bram Stoker. Pior do que isso, testes e perícias feitas nas cartas atestaram que elas eram legítimas e tinham sido escritas exatamente nas datas que traziam em seus cabeçallhos...
Um grande mistério...
As perícias também demonstraram que a caligrafia e o modo de escrever também pertenciam a mesma pessoa. Isso não fazia muito sentido. Como alguém poderia ter escrito as cartas se entre a primeira e a última havia se passado mais de dois séculos?!...
Vai ver esse tal de Maximilian estaria enfim dizendo a pura verdade, mesmo sabendo que essa verdade não seria aceita nos dias racionais que vivemos hoje em dia.
Para tentar encontrar alguma lógica eu procurei pela pesquisa. Como pesquisador e historiador que sou, decidi correr atrás, pegar as datas que estavam nas cartas e procurar por informações que as comprovassem em jornais de época... Uma grande loucura, mas pensando bem, todos os tipos de historiadores possuem um elemento de loucura...
E através das próximas páginas vou reproduzir aqui o pensamento de Maximilian, suas impressões sobre o mundo, as coisas que vivenciou e viu ao longo de uma, pelo que consta, longa e interessante vida...
E se possível pretendo finalizar essa longa pesquisa tentando encontrar sua verdadeira identidade. Vampiro ou não, gostaria de saber de uma vez por todas sobre quem teria sido esse misterioso ser que carinhosamente até pensei em chamar de "O Vampiro de Versalhes"...
Tempos de Juventude
Paris, 19 de setembro de 1850
Resolvi escrever essa carta para lembrar, lembrar de um tempo que não mais existe. Antes de mais nada, devo me apresentar. Basta me chamar de Maximilian. Esse não é o meu nome real, mas é o nome pelo qual sou chamado agora. Eu a encontrei há muitos anos e você me conheceu pelo meu nome real, meu nome humano. Penso e acredito que conforme for lhe contando minha história você saberá de quem se trata. E então tudo ficará mais claro em sua mente. Talvez você sinta pena da minha pessoa ou então lamente por não ter vivido todas essas histórias ao meu lado. Não podemos subestimar a mente e o coração de uma mulher apaixonada.
Faz tanto tempo dessas lembranças que simplesmente penso que foi em uma outra vida, fui uma outra pessoa, um outro ser. Quando olho para o passado simplesmente fico pasmo pelas coisas que consigo me lembrar. A maioria das lembranças se foi pelas areias do tempo, mas outras sobreviveram, ficaram marcadas em minha mente para todo o sempre. Nem parece que vivi tudo aquilo que me lembro agora...
Maximilian foi um jovem afortunado. Nasceu em uma família nobre, ligado à Casa de Bourbon, a casa real francesa. Foi criado brincando nos jardins de Versalhes com o pequeno Louis. Quem seria esse amigo de infância? Ora, seria o futuro rei Luís XVI, de triste memória, pois o destino quis que ele se tornasse o último monarca da França pré-revolução. O adolescente Maximilian também foi grande amigo de juventude de Maria Antonieta.
Quando ela foi para Versalhes, vinda de sua terra natal, a Áustria, a garota tinha apenas 14 anos de idade. Mal sabia falar a língua de seu futuro marido. Na época era comum as casas nobres trocarem casamentos entre seus membros. Era uma forma de selar a paz entre países e nações.
Ela iria se tornar a última Rainha da França, quem diria... Pessoalmente era uma mulher miúda, pequenina mesmo. Cabelos brancos, como era a moda na nobreza. Muito simpática, muito instintiva. Ao contrário de seu futuro marido, que muitas vezes não passava de um tonto bondoso, Maria tinha muita personalidade. Ainda lembro de seus grandes olhos azuis, que inclusive eram míopes como um morcego... Então quando ela parava seu olhar em você não significava que estava lhe paquerando ou algo do tipo, mas apenas que tentava enxergar alguma coisa...
Adorava cavalgar e tinha os melhores cavalos da França. Esse foi o principal elo de ligação da nossa amizade. Eu também, enquanto jovem ser humano cheio de vida, também adorava cavalgar. Maria saía nos bosques do Palácio de Versalhes e ficava horas cavalgando... Esse foi certamente o período mais feliz de toda a sua vida... A liberdade que desfrutou foi maravilhosa.
O Rei Luís XV adorava Maria Antonieta e de certa maneira a protegia dentro da corte. Ele sabia que o jovem Délfim, herdeiro do trono, era um rapaz um tanto obtuso. Ele tinha esperanças que a futura Rainha tomasse o controle do reino quando ele já não estivesse mais vivo.
Sua vida humana foi no luxo, na fartura e na festa, isso na corte mais luxuosa e excêntrica da Europa. Memoráveis foram as festas à fantasia promovidas pela amiga Antonieta, onde todos os membros da corte surgiam em fantasias belíssimas, com muita pompa e elegância. Tempos maravilhosos.
Eu realmente não tinha muitos talentos pessoais, não era particularmente estudioso e tampouco me preocupava em construir o futuro com meus próprios méritos. Isso não existia, em absoluto. Só pelo fato de ser um nobre já me definia como um homem bem sucedido. E o fato de ter sido amigo pessoal do casal que reinaria na França me qualificava para qualquer cargo público que quisesse, onde pretendesse e com o salário que pedisse. Era assim naquele mundo de altos privilégios.
Nesses anos de puro deleite tive algumas experiências inusitadas com a futura Rainha. Numa delas fomos parar em um lugar bem longe do Palácio. Fazia um pouco de frio e paramos um pouco para recuperarmos o fôlego. Maria se aproximou e sentou em meu colo. Confesso que minha vontade era beijá-la, mas isso obviamente seria visto como uma traição à coroa.
Mas não passou em branco. O jovem Maximilian não perdoaria nenhuma mulher, mesmo que ela fosse a prometida ao futuro rei. Desse momento nasceu um beijo muito terno e carinhoso à beira do lago azul. Foi um momento belo, de dois adolescentes descobrindo o amor. Não havia nada de malicioso ou cruel, mas obviamente a sexualidade veio à flor da pele.
Vendo que as coisas estavam saindo um pouco do comum e do controle, Maria Antonieta se recompôs. Olhou para o horizonte e desconversou, dizendo que uma tempestade iria chegar e que tínhamos que ir embora logo. Continuamos amigos nos anos seguintes. Como eu fazia parte da corte sempre a encontrava nos salões de baile ou nos corredores de Versalhes. Sempre que me via abria o sorriso. Sempre parecia realmente feliz em me encontrar e jamais voltou a tocar novamente na lembrança daquele beijo adolescente inocente.
Respeitei suas decisões. Era uma mulher católica e estava comprometida. Não iria desrespeitar sua posição com alguma fala que de alguma maneira a chocasse. Ficou uma lembrança que apenas a nós pertenceu. Nunca mais falamos naquilo, mas o olhar, a maneira de olhar dentro dos meus olhos, deixava aquela mensagem subliminar de que ela não havia esquecido aquele momento.
Era o nosso momento. Estava em nossas lembranças e isso era no final o que importava.
Pablo Aluísio.
O Vampiro de Versalhes - Parte 1
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