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domingo, 14 de abril de 2024

O Último Magnata

Título no Brasil: O Último Magnata
Título Original: The Last Tycoon
Ano de Lançamento: 1976
País: Estados Unidos
Estúdio: Paramount Pictures
Direção: Elia Kazan
Roteiro: F. Scott Fitzgerald, Harold Pinter
Elenco: Robert De Niro, Anjelica Huston, Theresa Russell, Jack Nicholson, Donald Pleasence, Robert Mitchum, Tony Curtis, John Carradine

Sinopse:
Baseado no romance escrito por F. Scott Fitzgerald, o filme "O Último Magnata" conta a história de um famoso e poderoso produtor de cinema em Hollywood durante a década de 1930. Ele tenciona transformar dois jovens atores em grandes astros, ao mesmo tempo em que disputa o controle de um dos grandes estúdios de Hollywood. Filme indicado ao Oscar na categoria de melhor direção de arte. 

Comentários:
Hollywood olha para si mesma, para seu passado e tenta entender o que se perdeu com o passar dos anos. Assim eu vejo esse filme que foi muito elogiado na época de seu lançamento original, embora não tenha feito boa bilheteria. Atribuo isso a um fato até relativamente fácil de compreender. Para realmente apreciar esse filme o espectador tem que ter uma boa base de conhecimentos históricos sobre o passado da indústria cinematográfica dos Estados Unidos. Por aí já se tira que nem todo muito possui esse tipo de conhecimento e muitos nem sequer vão ter interesse em conhecer. Por isso esse é um filme de nicho, para cinéfilos mesmo. De bom temos uma boa reconstituição histórica e como não poderia deixar de ser, mais uma bela interpretação de Robert De Niro. A direção ficou com o mestre Elia Kazan. Nome mais indicado para contar esse tipo de história não havia. Pena que ele já estava bastante envelhecido quando dirigiu o filme. Já estava se despedindo do cinema, então seus melhores dias já pertenciam ao passado. Enfim faltou, em meu ponto de vista, mais glamour da velha Hollywood. Esse clima de elegância e luxo parece mesmo que se perdeu nas areias do tempo. 

Pablo Aluísio.

sexta-feira, 26 de novembro de 2021

Marlon Brando e Elia Kazan

Em sua autobiografia o ator Marlon Brando foi enfático ao dizer que de todos os diretores com quem trabalhou Elia Kazan foi o melhor. Para Brando, Kazan tinha uma qualidade única ao dirigir atores pois ele próprio havia sido ator nos anos 30. Assim tinha plena confiança em seus intérpretes e fazia de tudo para que eles também fizessem parte do processo criativo de um filme. Por isso Kazan dava total liberdade ao seu elenco, algo que Brando admirava muito. Todos os detalhes de uma cena eram debatidos por Kazan e seus atores e juntos procuravam o melhor caminho para fazer o mais adequado para o filme. Essa forma de trabalhar deixava Brando completamente à vontade, muito concentrado em suas cenas, dando o melhor de si. O interessante é que Kazan ficava atrás das câmeras, recitando as falas, atuando como se estivesse em cena. Fazia gestos, poses e os atores se sentiam bastante desafiados a atuar da melhor forma possível para esse tipo de diretor tão engajado e emocionalmente comprometido com sua obra.

Apesar de profissionalmente se darem muito bem, na vida pessoal Marlon Brando acabou criando sérias divergências com Elia Kazan. Acontece que o diretor foi membro do Partido Comunista durante os anos 30 e anos depois caiu na malha fina do Macartismo, que naquela altura estava em uma verdadeira caça às bruxas contra comunistas dentro do cinema americano e do mundo das artes em geral. Convocado para depor Elia Kazan não pensou duas vezes e entregou todos os seus antigos companheiros de partido. Isso obviamente arruinou a vida desses profissionais que ficaram sem ter onde trabalhar ou arranjar emprego pois nenhum estúdio de Hollywood os contrataria após seus nomes estarem na lista negra. Alguns inclusive não aguentaram a pressão e se mataram. Foi uma atitude feia, vergonhosa e lamentável por parte de Kazan. O ato de ser um dedo duro covarde acompanharia e mancharia a biografia de Elia Kazan até o fim de sua vida.

Para completa surpresa de Marlon Brando ele também entrou na lista negra, só que por um ato menor, que no final das contas não o prejudicou em sua carreira. Anos antes Brando havia assinado um abaixo-assinado contra o enforcamento de um negro numa prisão do sul. Isso bastou para colocar seu nome entre os possíveis "vermelhos" de Hollywood! Pior aconteceu com sua irmã, Jocelyn Brando, que também foi incluída a lista negra por um erro absurdo: ela tinha o mesmo sobrenome de um infame roteirista comunista, só que na verdade ela nem conhecia o sujeito! Isso a prejudicou e ela ficou um tempo sem conseguir arranjar emprego em Hollywood e teve que ir para Nova Iorque para trabalhar em peças de teatro na cidade. Brando ficou indignado com as acusações. Ele nunca havia sido comunista e se tivesse sido teria assumido tudo de peito aberto. Era uma mentira e uma calúnia contra ele e sua irmã.

Esses fatos por si só já tinham convencido Brando de que nunca mais trabalharia ao lado de Elia Kazan. Assim foi com muita resistência que aceitou fazer um último filme ao lado do diretor, "Viva Zapata!", uma cinebiografia do famoso revolucionário mexicano Emiliano Zapata. O roteiro lhe interessava particularmente e o fato de Kazan filmar algo com aquela proposta lhe soava como uma doce ironia do destino. O presidente da Fox achava que o projeto tinha poucas possibilidades de ser bem sucedido comercialmente e por isso disponibilizou um orçamento bem limitado. A fotografia também seria em preto e branco para economizar custos. Obviamente o filme hoje é considerado um clássico absoluto, para surpresa de muitos da época que diziam que seria uma bomba nas carreiras de Brando e Kazan. Sua qualidade cinematográfica porém acabou provando que se em sua vida pessoal e política Elia Kazan tinha do que se envergonhar, como cineasta ele continuava tão brilhante como antes.

Pablo Aluísio.

terça-feira, 22 de junho de 2021

Vidas Amargas

Pode ser considerado o primeiro filme de James Dean, mesmo ele tendo aparecido em pequenas participações em três filmes anteriores. Esse é o primeiro filme em que ele realmente teve a oportunidade de mostrar seu talento como ator. Nos filmes anteriores ele tinha poucas linhas de diálogos e em alguns deles era um mero figurante. Porém em "Vidas Amargas" o diretor Elia Kazan resolveu apostar naquele jovem ator de Indiana, dando a maior oportunidade de sua carreira até então. E Dean não decepcionou, atuando de forma brilhante em seu papel, a de um jovem com problemas familiares que ousava trazer à tona um segredo sobre sua mãe que poderia destruir sua família.

O roteiro foi baseado no best-seller escrito pelo autor John Steinbeck. Entretanto Kazan decidiu que só iria explorar a parte inicial da história contada no livro. Ele acreditava que a força dramática do livro se concentrava justamente em seus primeiros capítulos. Não interessava ao cineasta o desenrolar daqueles primeiros acontecimentos. E assim foi feito. O resultado ficou excepcional. Aliás é interessante notar como James Dean já encarnava nesse seu primeiro grande papel a figura do jovem rebelde, encucado e confuso, que não era bem visto nem mesmo por seu pai, um tipo conservador indigesto, que a despeito de ser um homem duro com os filhos, usava tudo como mera desculpa para torturar psicologicamente o filho de que não gostava, justamente o personagem de Dean. Em conclusão, "Vidas Amargas" é uma obra-prima da sétima arte. Grande filme  de James Dean e Elia Kazan, em momento inspirado de suas carreiras.

Vidas Amargas (East of Eden, Estados Unidos, 1955) Direção: Elia Kazan / Roteiro: Paul Osborn, Elia Kazan, inspirados no livro escrito por John Steinbeck / Elenco: James Dean, Raymond Massey, Julie Harris, Burl Ives, Richard Davalos, Jo Van Fleet / Sinopse: Nas vésperas da explosão da I Guerra Mundial, um jovem chamado Cal Trask (James Dean) descobre um grande segredo envolvendo o passado de sua família. E ele não deixará isso passar em branco, usando tudo para atingir seu rígido pai e seu irmão, considerado um jovem modelo na cidade onde vive. Filme vencedor do Oscar na categoria de melhor atriz coadjuvante (Jo Van Fleet). Também indicado nas categorias de melhor ator (James Dean), melhor direção (Elia Kazan) e melhor roteiro adaptado.

Pablo Aluísio. 


segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

O Que a Carne Herda

Filme clássico dirigido pelo grande Elia Kazan. A história é bem interessante. Patricia 'Pinky' Johnson (Jeanne Crain) é uma descendente de negros, só que com a pele branca, que retorna à casa de sua avó no sul dos Estados Unidos após se formar em uma escola de enfermagem no norte. De volta ao lar ela acaba se apaixonando pelo Dr. Thomas Adams, um médico branco, que nada sabe de sua herança negra. Sabendo de sua origem familiar, o Dr. Canady, um médico negro do sul, lhe pede que ajude um grupo de alunos afro-americanos mas ela recusa. Ela vive uma grande crise existencial, sem saber direito se assume sua herança familiar negra ou se esconde isso para ser aceita completamente na sociedade branca sulista, racista por tradição.

Não bastasse ter o grande Kazan na direção, essa produção ainda contou com a ajuda do mestre John Ford (embora ele não tenha sido creditado na direção). O tema é dos mais espinhosos, ainda mais para um filme realizado nos anos 40. Mostra as dificuldades enfrentadas por negros na parte mais racista dos Estados Unidos, o sul. O roteiro é engenhoso pois ao colocar uma personagem com a pele branca, embora descendente de negros, ele coloca uma opção a ela de simplesmente rejeitar sua herança negra para ser mais bem aceita pelos brancos sulistas. Afinal de contas para Pinky isso seria muito mais conveniente pois é apaixonada por um homem branco que dificilmente se relacionaria com ela se soubesse de suas origens. Então entra o dilema em sua vida, negar sua família, sua ascendência negra, ou assumir esse lado e viver com a consciência tranquila? Um belo exemplo do cinema socialmente consciente de Elia Kazan, uma obra inteligente e bem escrita que merece ser conhecida por amantes da sétima arte.

O Que a Carne Herda (Pinky, Estados Unidos. 1949) Estúdio: Twentieth Century Fox / Direção: Elia Kazan / Roteiro: Philip Dunne, baseado na novela de Cid Ricketts Sumner / Elenco: Jeanne Crain, Ethel Barrymore, Ethel Waters / Sinopse: Drama de época, enfocando a questão racial no sul dos Estados Unidos.

Pablo Aluísio.

sexta-feira, 1 de novembro de 2019

Sindicato de Ladrões

Durante anos o diretor Elia Kazan foi considerado um traidor em Hollywood. Ele havia entregado para o Macarthismo um grande número de profissionais do cinema. Cineastas, roteiristas, atores, atrizes, muitos viram suas carreiras destruídas por causa de Kazan. Essas pessoas faziam parte do Partido Comunista, do qual Kazan também era membro. Quando a coisa apertou, ele entregou todo mundo. Alguns foram presos, outros banidos de Hollywood e alguns até mesmo cometeram suicídio. Com isso Kazan ficou marcado para sempre. Uma maneira dele procurar por uma redenção aconteceu com esse clássico chamado "Sindicato de Ladrões".

Para Marlon Brando esse filme era o retrato de todos os fracassados da América. Todos os derrotados pelo sistema. Aquelas pessoas que não conseguiam o sucesso, a fama e a fortuna. Ele interpretava um boxeador com uma carreira cheia de fracassos que entregava as lutas para que a máfia ganhasse dinheiro fácil no mundo das apostas esportivas. Algum tempo depois essa mesma quadrilha acabava cometendo um crime, colocando um peso a mais na consciência do personagem de Brando. Era aqui que Kazan tentava justificar seus atos no passado, tentando criar uma justificativa baseada em grandes valores para todos aqueles que entregavam seus antigos comparsas ou como no caso dele, dos antigos companheiros de causa.

O filme traz um retrato cru e realista. As cenas foram rodadas nas ruas e nas docas, no meio de pessoas comuns, sem excessos de produção e nem nada do tipo. Marlon Brando, com seu jeito da classe trabalhadora, simplesmente atuava ao lado das pessoas do dia a dia, sempre procurando pelo realismo. Seu talento lhe valeu o primeiro Oscar de sua carreira. Curiosamente Brando compareceu à cerimônia onde recebeu a estatueta de uma linda Grace Kelly. Depois tirou fotos e seguiu todo o protocolo da Academia. Algo que iria renegar anos depois quando seria premiado por "O Poderoso Chefão", ao recusar a premiação. No caso do Oscar vencido por "Sindicato de Ladrões" ele decidiu dar a estatueta para um amigo. Era uma forma dele demonstrar que não dava valor ao Oscar e nem à Academia. Também era uma maneira rebelde de se dissociar da futilidade de uma Hollywood que em sua opinião era vazia e sem sentido. De uma forma ou outra o filme foi aclamado por público e crítica, vencendo os principais prêmios de cinema naquele ano. Foi a forma de Hollywood dizer que finalmente Kazan estava perdoado.

Sindicato de Ladrões (On the Waterfront, Estados Unidos, 1954) Direção: Elia Kazan / Roteiro: Budd Schulberg, Elia Kazan, Malcolm Johnson / Elenco: Marlon Brando, Karl Malden, Rod Steiger, Lee J. Cobb, Eva Marie Saint / Sinopse: Terry Malloy (Brando) é um boxeador fracassado que entrega lutas para que a máfia fature no mundo das apostas esportivas. Após um crime ele começa a ter crises de consciência. Filme vencedor do Oscar nas categorias de Melhor Filme, Melhor Ator (Marlon Brando), Melhor Atriz Coadjuvante (Eva Marie Saint), Melhor Direção (Elia Kazan), Melhor Roteiro, Melhor Direção de Fotografia (Boris Kaufman), Melhor Direção de Arte (Richard Day) e Melhor Edição (Gene Milford). Também vencedor do Globo de Ouro nas categorias de Melhor Filme, Melhor Ator (Marlon Brando), Melhor Direção e Melhor direção de fotografia.

Pablo Aluísio.

sábado, 19 de outubro de 2019

Viva Zapata!

Cinebiografia do revolucionário mexicano  Emiliano Zapata (1879 - 1919). Filho de uma família rica no México, Zapata liderou a nação na revolução mexicana de 1910 que tencionava devolver o poder ao povo daquele país. Com o descontentamento crescente da população com sua classe política e corrupta, Zapata de posse de uma retórica populista conseguiu formar um grande exército que lutou ao seu lado. Filmar a vida de Zapata era um velho projeto de Elia Kazan. Ele próprio era uma pessoa com uma visão de esquerda (que seria manchada após ser acusado de entregar seus amigos do Partido Comunista). Assim era natural que Kazan quisesse fazer o filme definitivo sobre o revolucionário. Não foi nada fácil. Poucos produtores tinham coragem de filmar a vida desse personagem histórico mexicano com receio de ser acusado de ser socialista, o que poderia transformar em um inferno a vida de qualquer um em Hollywood na década de 1950. Kazan porém não desistia fácil e realizou um belo filme.

"Viva Zapata" resistiu bem ao tempo, isso apesar de cometer alguns clichês em seu roteiro (fato que se pode perdoar porque afinal estamos falando de um filme que foi feito há mais de 60 anos). O Zapata de Marlon Brando é bem romantizado por isso, embora a caracterização do ator seja muito boa, mostrando um personagem bem verossímil e que ficou bem próximo da realidade: um homem de pouca cultura (era analfabeto), brutalizado e de poucas palavras, mas muita ação. Brando inclusive deixou crescer um enorme bigode ao estilo do verdadeiro Zapata, mas teve que aparar seu vasto bigodão por ordens do estúdio que o achou muito exagerado (o que poderia fazer a plateia rir dele, levando o filme ao ridículo). Mesmo sob protestos o bom senso prevaleceu e Brando fez o que foi determinado pelo estúdio. A atriz Jean Peters era fraca (só entrou no filme por influência de seu namorado, o milionário excêntrico Howard Hughes que literalmente a escalou no filme). Nas cenas mais dramáticas ao lado de Brando a situação fica um tanto constrangedora para o lado dela (que afinal só era uma starlet, bonita e nada mais). O filme também quase não saiu do papel. O produtor Zanuck não queria Brando para o papel e entrou com confronto direto com Kazan que não abria mão do ator. Zanuck ainda brigou com Kazan por causa da maquiagem "muito escura" que foi realizada em cima de Jean Peters. Como se vê ele era um produtor muito poderoso que procurava se meter em cada detalhe dos filmes que produzia o que irritava profundamente Kazan, sempre muito independente e cioso de seu trabalho.

Além disso o filme não pôde ser rodado no México por expressa proibição do governo daquele país que achou o roteiro "inaceitável". As filmagens então foram realizadas no Novo México, no Colorado e no Texas. As condições não eram as ideais e o custo de se "maquiar" essas localidades para parecerem o México inflaram o orçamento. Lá pelo meio do filme Brando também foi perdendo o interesse ao entender que "Viva Zapata!" faria várias concessões para se enquadrar no estilo de Hollywood. Mesmo com tantos problemas "Viva Zapata" resistiu e hoje em dia é considerado um clássico, sem a menor sombra de dúvidas. Além da direção de alto nível por parte de Kazan o filme acabou ganhando muito também com a presença de Anthony Quinn no papel do irmão de Zapata. Enfim é um dos mais interessantes filmes da carreira de Brando e Kazan, o que não é pouca coisa. "Viva Zapata!" assim se torna essencial para quem deseja conhecer a obra de Elias Kazan e Marlon Brando em sua plenitude criativa.

Viva Zapata! (Viva Zapata!, EUA, 1952) Direção: Elia Kazan / Roteiro: John Steinbeck / Elenco: Marlon Brando, Jean Peters, Anthony Quinn, Joseph Wiseman, Alan Reed / Sinopse: Cinebiografia do líder revolucionário Emiliano Zapata (Marlon Brando) que em 1910 promoveu uma grande revolução no Estado do México visando devolver o poder político ao povo daquele país, que estava cansado de sua classe política corrupta e inepta. Filme vencedor do Oscar nas categorias de melhor ator coadjuvante (Anthony Quinn). Filme indicado ao Oscar nas categorias de melhor ator (Marlon Brando), melhor roteiro (John Steinbeck), melhor direção de arte, melhor música (Alex North).

Pablo Aluísio. 


domingo, 24 de março de 2019

A Luz é Para Todos

Philip Schuyler Green (Gregory Peck) é um jornalista e escritor californiano que vai até Nova Iorque em busca de um recomeço em sua vida. Viúvo, com um filho pequeno, morando com sua mãe, ele acaba arranjando emprego em uma conhecida revista liberal da cidade. Sua primeira pauta de artigo é o antissemitismo na América. O editor o convence a escrever uma série de textos mostrando as lutas dos judeus contra o preconceito nos EUA. Em busca de uma matéria diferente Green tem uma ideia ousada. Como quase ninguém o conhece em Nova Iorque ele decide se passar por um judeu, para assim sentir na pele o antissemitismo declarado e escondido dentro da sociedade americana.

Assim que espalha que é judeu ele logo começa a sentir a diferença. Nem todos os restaurantes aceitam reservas em seu nome, seu filho começa a ser hostilizado na escola e ele próprio acaba descobrindo para sua grande surpresa e espanto traços de preconceito em sua própria namorada, uma mulher com o qual tem planos de se casar! Até dentro da própria revista onde trabalha descobre que há uma política de não empregar candidatos em busca de trabalho que fossem judeus. Um quadro alarmante que o deixa completamente perplexo!

Esse filme "A Luz é Para Todos" é na verdade um manifesto escrito de próprio punho pelo diretor Elia Kazan (que não foi creditado como roteirista)  sobre o preconceito contra judeus dentro dos Estados Unidos. Como ele próprio era judeu transpôs para as telas muitas das situações que vivenciou em seu dia a dia, tudo mesclado ao material original escrito por Laura Z. Hobson. O produtor do filme, Darryl F. Zanuck, o chefão da Fox na época, também era judeu o que ajudou ainda mais na divulgação da mensagem que o filme tenta passar. Uma das melhores cenas do filme acontece justamente quando o personagem de Peck tenta explicar ao seu jovem filho o que é conceitualmente um judeu!

A inocência do garoto em suas perguntas acaba expondo de certa forma até mesmo a complicada definição do que seria realmente um judeu em vista da sociedade humana. Uma religião? Uma raça? Kazan, de forma inteligente deixa tudo no ar. Em outro momento interessante do filme trava-se um diálogo muito espirituoso entre um cientista judeu (obviamente inspirado na figura de Einstein) e o jornalista interpretado por Gregory Peck. Em determinado momento o sábio e espirituoso físico explica a Peck que se ser judeu for uma questão de mera religião então ele próprio não seria mais judeu, uma vez que em suas convicções pessoais, como brilhante cientista, desconfiava até mesmo da existência de um Deus, seja ele judeu ou cristão. Em conclusão podemos dizer que "A Luz é Para Todos" é um belo filme da carreira de Elia Kazan. Um pouco panfletário, é verdade, mas mesmo assim uma obra que levanta muitos questionamentos e perguntas relevantes.  

A Luz é Para Todos (Gentleman's Agreement, EUA, 1947) Direção: Elia Kazan / Roteiro: Moss Hart, Elia Kazan (não creditado), baseados na obra escrita por Laura Z. Hobson / Elenco: Gregory Peck, Dorothy McGuire, John Garfieldm, Celeste Holm / Sinopse: Jornalista (Peck) se faz passar por judeu para sentir na pele os preconceitos e desafios que os judeus sentem no dia a dia dentro da sociedade americana. Vencedor do Oscar nas categorias de melhor filme (Darryl F. Zanuck), melhor diretor (Elia Kazan) e melhor atriz coadjuvante (Celeste Holm). Vencedor do Globo de Ouro nas categorias de melhor filme - drama, melhor diretor e melhor atriz coadjuvante (Celeste Holm).

Pablo Aluísio.

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Boneca de Carne

Título no Brasil: Boneca de Carne
Título Original: Baby Doll
Ano de Produção: 1956
País: Estados Unidos
Estúdio: Warner Bros
Direção: Elia Kazan
Roteiro: Tennessee Williams
Elenco: Karl Malden, Carroll Baker, Eli Wallach, Mildred Dunnock
  
Sinopse:
Archie Lee (Karl Malden) é um fazendeiro arruinado, cheio de hipotecas para pagar, que não encontra mais nenhuma fonte de renda em sua propriedade falida, uma velha mansão sulista caindo aos pedaços. Casado com um mulher vinte anos mais jovem, de mente adolescente e boba, a infantil Baby Doll (Carroll Baker), que o despreza completamente, ele decide de forma desesperada cometer um crime, colocando fogo em uma máquina do sindicato dos plantadores de algodão, para assim lucrar alguma coisa na manufatura do produto em sua própria fazenda. Filme indicado ao Oscar nas categorias de Melhor Fotografia, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Atriz (Carroll Baker) e Melhor Atriz Coadjuvante (Mildred Dunnock).

Comentários:
Tennessee Williams era um gênio. Um escritor brilhante que soube como poucos captar a alma do sulista norte-americano. Aqui ele abre vistas para um casal disfuncional. Ele é um sujeito fracassado, arruinado financeiramente, gordo e careca, que não consegue mais esconder de ninguém que já não conseguirá alcançar mais nada em sua vida. Ela é uma garota mimada, desbocada, ofensiva e imatura, que transforma a vida do marido em um inferno maior do que ela já é! Para piorar levou a tiracolo sua tia, uma senhora idosa com problemas mentais, para morar com eles. Após a loja de móveis levar toda a mobília de sua velha casa embora por falta de pagamento, Archie Lee (Malden) resolve tomar uma decisão extrema: tocar fogo na descaroçadeira de algodão do sindicato para assim levar os produtores a lhe procurar, pois ele tem uma máquina dessas, meio acabada pelo tempo, é verdade, mas que ainda funciona, aos trancos e barrancos. Uma desesperada tentativa de ganhar algum dinheiro. 

Silva Vacarro (Eli Wallach) é um dos produtores que acabam procurando Archie depois do incêndio. Ele desconfia que foi Lee quem colocou fogo em tudo e por isso vai até sua propriedade rural, não apenas para alugar sua velha máquina, mas também para seduzir sua jovem e bobinha esposa. O texto de Tennessee Williams mostra os perigos de se viver em uma ilusão, tentando-se criar uma realidade forçada, imposta. O casamento de Archie Lee e Baby Doll é um desastre em todos os aspectos. Ela não o respeita, o despreza e o humilha, mas ele insiste em continuar casado com ela, dando origem a uma relação doentia e fadada ao completo fracasso. Inseguro, não consegue consumar seu casamento com a própria esposa, ao mesmo tempo em que vive em estado de tensão esperando pela inevitável traição por parte dela. Uma aula sobre as mesquinharias da alma humana que apenas Tennessee Williams teria talento para colocar no papel. Some-se a isso a incrível sensibilidade do diretor Elia Kazan e do excelente trio de protagonistas e você certamente terá um dos melhores filmes americanos da década de 1950. Um clássico do cinema simplesmente imperdível. Uma maravilhosa obra prima cinematográfica. Nota dez com louvor!
 
Pablo Aluísio.

sexta-feira, 22 de março de 2013

Vidas Amargas

Roteiro e Argumento: “Vidas Amargas” se baseia no famoso livro do escritor John Steinbeck. Na realidade se trata de uma grande metáfora sobre os personagens bíblicos do gênesis no velho testamento. Na estória acompanhamos um pobre rancheiro que tem dois filhos, Cal e Aron. Aron (Richard Davalos) é o filho que todo pai gostaria de ter, estudioso, educado e polido. Sua vida emocional é estável e ele namora a delicada e bela Abra (Julie Harris). Aron é em suma um modelo de bom filho. Ele é o oposto de Cal (James Dean) um jovem perturbado, complicado, complexo que sempre toma as piores decisões em sua vida. Numa delas decide investigar o que teria acontecido à sua mãe que os abandonou ainda jovens. Acaba descobrindo um terrível segredo sobre ela na cidade vizinha de Monterrey o que trará trágicas conseqüências para toda a sua família. O livro original é uma obra robusta e por isso aqui optou-se por transpor para as telas apenas parte dele. A adaptação é excelente uma vez que a estória se fecha muito bem em si mesma, não dando pistas de que faltou algo em seu enredo.

Produção: Uma produção do mais alto nível. A reconstituição de época é perfeita (a estória se passa em 1917, pouco antes dos EUA entrar na Primeira Guerra Mundial). Figurinos, costumes, carros, tudo recriado com perfeição. O estúdio Warner resolveu realizar “Vidas Amargas” no formato widescreen, sendo muito eficiente seu resultado final. “Vidas Amargas” foi indicado aos Oscars de melhor diretor, roteiro adaptado, ator (James Dean) e atriz coadjuvantes (Jo Van Fleet). Um reconhecimento merecido de seus méritos cinematográficos.

Direção: Elia Kazan sempre dirigiu com maestria seus atores. Aqui em “Vidas Amargas” ele decidiu inovar, ensaiando o filme por duas semanas antes de começar a rodar as cenas. O método deu muito certo até porque todo o elenco vinha do meio teatral em Nova Iorque. Kazan também incentivou os atores a trazer elementos novos para seus personagens algo que caiu como uma luva para James Dean que gostava desse tipo de liberdade criativa. De fato o ator trouxe muito de si mesmo para a atuação de Cal. No aspecto puramente técnico Kazan também procurou inovar criando ângulos inusitados com a câmera, além de literalmente interagir com as cenas (a melhor acontece quando Dean aparece se balançando num brinquedo de criança e Kazan balança a câmera junto com ele). Enfim, mais uma magnífica direção de Kazan, aqui no auge de sua criatividade e talento.

Elenco: O grande atrativo de “Vidas Amargas” é a presença no elenco de James Dean. Embora ele tenha participado de 3 filmes anteriores (todos como ponta) aqui o ator tem a primeira grande chance de verdade em sua carreira. Elia Kazan havia assistido Dean numa montagem off Broadway e decidiu que ele seria a escolha perfeita para interpretar o perturbado e irascível Cal, um personagem intenso que exigiria muito do ator. James Dean em cena não decepcionou. Ele está perfeito em sua caracterização, colocando para fora tudo o que aprendeu no Actor´s Studio de Nova Iorque. Seu personagem transmite toda a complexidade de sua alma não apenas nos diálogos mas no próprio modo de ser, andar, agir. O trabalho corporal que James Dean trouxe para Cal até hoje impressiona. O ator se entrega como poucas vezes vi no cinema. De certa forma Dean era Cal e o incorporou com perfeição no filme, ofuscando completamente todo o resto do elenco que também é todo bom. A atuação inspirada lhe valeu a primeira indicação póstuma ao Oscar da história. Infelizmente quando a Academia anunciou seu nome para o prêmio James Dean já havia morrido em um trágico acidente de carro aos 24 anos. Melhor se saiu sua colega de cena, Jo Van Fleet, que venceu o Oscar de melhor atriz coadjuvante. Ela interpretou a mãe de Cal e Aron no filme. Prêmio merecido aliás.

Vidas Amargas (East Of Eden, Estados Unidos, 1955) Direção: Elia Kazan / Roteiro: Paul Osborn baseado na obra de John Steinbeck / Elenco: James Dean, Raymond Massey, Julie Harris, Burl Ives, Richard Davalos, Jo Van Fleet / Sinopse: Dois irmãos, Cal e Aron, disputam a afeição do pai. Esse deseja ganhar dinheiro com a venda de verduras congeladas mas não obtém sucesso. Cal (James Dean) então resolve ganhar seu próprio lucro com a venda de feijões para as tropas americanas que estão sendo enviadas para a I Guerra Mundial. Nesse ínterim Cal acaba descobrindo um terrível segredo sobre sua mãe que é localizada por ele na cidade vizinha de Monterrey. Seu pai havia mentido pois dizia que ela havia falecido quando os irmãos eram apenas crianças. A verdade finalmente irá abalar toda a família.

Pablo Aluísio.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Clamor do Sexo

Dizem que o primeiro amor de uma mulher é o mais marcante em toda sua vida. Não importa que ela venha no futuro se casar com outro homem, o que importa para a psique feminina é a figura idealizada que ela cria em sua mente quando se apaixona pela primeira vez em sua vida. Clamor do Sexo trata justamente desse tema. Na estória acompanhamos a paixão adolescente entre Bud (Warren Beatty) e Dean Loomis (Natalie Wood). Ela faz parte de uma família classe média e ele é filho de um rico magnata do petróleo. Ambos são perdidamente apaixonados um pelo outro mas não podem consumar esse amor por causa das pressões familiares e sociais. Além da pressão em seu relacionamento o jovem Bud Stamper ainda tem que lidar com seu pai que quer que ele seja perfeito em tudo, na escola, no lar e nos esportes. Sua irmã por outro lado é a ovelha negra da família, sempre envergonhando seus pais. No meio desse turbilhão, muito pressionado, o romance dos jovens adolescentes finalmente entra em colapso o que trará sérias conseqüências para ela, inclusive em termos mentais. Em profunda depressão a garota não consegue mais sair de casa, nem se interessar mais em seus estudos. Sem saída é internada em uma instituição para tratamento psicológico. Só muitos anos depois quando reencontrar o amor de sua juventude, o primeiro grande amor de sua vida, ela compreenderá totalmente o sentido de tudo pelo que passou.

Clamor do Sexo foi dirigido pelo grande diretor Elia Kazan. É uma fita de tema bem mais ameno que seus outros trabalhos. Não há grandes teses em jogo no seu argumento, nem questões políticas profundas como sempre foi do feitio desse cineasta. Nessa produção Kazan apenas tenta entender a força do amor que nasce na flor da idade, quando os jovens desabrocham para a paixão. Entender os mecanismos que controlam as emoções nessa fase da vida certamente não é uma coisa simples, de fácil entendimento. Kazan assim se debruça sobre essa questão e tenta entender a força desses sentimentos quando somos jovens e intensos (inclusive em relação ao amor e ao afeto). O elenco é formado por Natalie Wood, muito jovem e bonita, mostrando que finalmente havia conseguido fazer a transição de atriz mirim para intérprete adulta e Warren Beatty, também extremamente jovial (e inexperiente em cena). Aliás não deixa de ser curioso ver Beatty tão pouco à vontade em cena, o que no final das contas encaixou bem no filme pois o seu personagem Bud é um jovem que também se sente deslocado, sem saber direito que rumo tomar na vida. A estória se passa na década de 1920 nos momentos que antecedem a quebra da bolsa de Nova Iorque e a produção se mostra muito rica e detalhista nos mínimos detalhes, resultando tudo em muito bom gosto. Enfim, Clamor do Sexo é um estudo da alma humana no momento em que as emoções estão mais fortes por causa da explosão hormonal pelo qual passam os adolescentes e parece comprovar em seu final a antiga máxima que afirma: “O primeiro amor a gente nunca esquece”.

Clamor do Sexo (Splendor in the Grass, Estados Unidos, 1961) Direção: Elia Kazan / Roteiro: William Inge / Elenco: Natalie Wood, Warren Beatty, Pat Hingle / Sinopse: Wilma Dean Loomis (Natalie Wood) é completamente apaixonada por seu namorado, o jovem Bud Stamper (Warren Beatty) mas não pode satisfazer ele plenamente por causa das convenções morais e socias da época. Após o rompimento ela entra em profunda depressão que só será curada muitos anos depois quando finalmente resolve reencontrar o antigo amor de sua vida.

Pablo Aluísio.

domingo, 13 de maio de 2007

Rio Violento

Um filme clássico que une o talento de direção de Elia Kazan com a excelente performance de um grande ator como Montgomery Clift só poderia despertar muito o interesse dos cinéfilos. E foi justamente isso o que aconteceu com esse "Rio Violento". O filme procurava responder a uma questão extremamente pertinente: Até que ponto o progresso da sociedade justificava a mudança compulsória do modo de vida das pessoas? Qual era igualmente o limite de intervenção do Estado na existência das pessoas comuns? Até que ponto essa interferência era legítima ou legalmente justificável?

No filme Montgomery Clift (excepcionalmente bem) interpreta o personagem Chuck Glover, um agente do governo dos Estados Unidos que tem a missão de retirar uma senhora idosa que mora em uma ilha no rio Tennessee. Ela se recusa a abandonar o local pois foi ali que nasceu e criou seus filhos, enterrou seu marido e viveu ao lado de negros libertos e demais moradores do local. Lutando por seus valores tradicionais e por aquilo que lhe é mais importante a senhora resolve enfrentar até mesmo o poder do governo americano. E isso obviamente criou uma disputa jurídica que iria repercutir em todo o sistema judiciário norte-americano.

O filme apresente um excelente elenco. Aliás essa sermpre foi uma característica marcante nos filmes de Elia Kazan. A atriz Jo Van Fleet está simplesmente maravilhosa. Interpretando a matriarca Ella Garth, ela tem duas grandes cenas que a fazem ser o grande destaque de todo o filme. Em uma delas explica ao personagem de Montgomery Clift a dignidade de quem viveu e trabalhou no rio Tennessee há gerações. Devo dizer que poucas vezes vi Clift ser superado em cena, mas aqui ele realmente foi colocado de lado, até mesmo pela força do texto que a atriz tem a declamar. Socialmente consciente, tocando em temas tabus para a época (como o racismo do sul dos Estados Unidos), "Rio Violento" é um dos melhores trabalhos de Kazan. Ele foi um diretor que via o cinema como algo a mais e não apenas um mero entretenimento. Por isso seus filmes sempre tinham alguma mensagem a passar ao público.

Rio Violento (Wild River, Estados Unidos, 1957) Direção: Elia Kazan / Elenco: Montgomery Clift, Lee Remick, Jo Van Fleet / Sinopse: Chuck Glover (Clift) é um jovem agente do governo dos Estados Unidos que tem a missão de retirar um grupo de moradores de uma ilha no meio do rio Tennessee. As pessoas não querem ir embora de lá, deixando suas casas e sua história para trás. Porém é do interesse do Estado que elas deixem aquelas terras. Filme indicado no Berlin International Film Festival.

Pablo Aluísio. 

sexta-feira, 11 de maio de 2007

Uma Rua Chamada Pecado

Passados mais de sessenta anos, o longa "Uma Rua Chamada Pecado" (A Streetcar Named Desire - 1951) ainda mantém no ar e intactos, alguns dos sentimentos mais básicos e primários do Homem: sexo, violência e desejo. Mesmo na época de seu lançamento, e a pedido da Warner - que se via pressionada pela censura - o filme sofreu cortes generosos, para desespero de seu diretor, Elia Kazan, que lutou até o fim para que sua obra-prima não sofresse os cortes já determinados pelos "abutres da censura". Não teve jeito, Kazan foi derrotado. Durante muitos anos (até 1993), o filme foi exibido e comercializado com cinco minutos a menos que faziam total diferença no conjunto da obra. No Brasil não foi diferente. O que poderia ser literalmente traduzido para o português, como: "Um Bonde Chamado Desejo", de repente transformou-se em, "Uma Rua Chamada Pecado". Ou seja: a censura não via com bons olhos a palavra DESEJO. Realmente inacreditável, além de lamentável.

Baseado na obra premiada do dramaturgo americano Thomas Lanier Williams ou simplesmente, Tennessee Williams, a obra trata de um redemoinho alucinante de sentimentos. Tudo começa quando Blanche Du Bois (Vivien Leigh), uma professorinha de alma delicada e decadente do Mississipi, vai passar alguns dias com sua irmã Stella (Kim Hunter), e o cunhado Stanley Kowalski (Marlon Brando) em Nova Orleans. Frágil e sedutora, seu comportamento contrasta com os modos rudes e animalescos de Kowalski. A visita de poucos dias parece não ter mais fim, pois o esforço de Blanche, forçando uma convivência pacífica, irrita profundamente Kowalski que aos poucos vai se transformando numa fera. O pequeno apartamento parece ficar menor a cada minuto, sufocante, claustrofóbico. Uma panela de pressão a ponto de explodir. É justamente toda essa atmosfera, que pôs Marlon Brando em evidência para o mundo. Mal ele podia imaginar que sua atuação como Stanley Kowalski, o tornaria uma espécie de marco fundamental. Um divisor de águas entre o cinema pré e pós Marlon Brando. Ou seja: o cinema, mas, principalmente, os atores que vieram posteriormente, não seriam mais os mesmos.

A influência dos chamados "monstros sagrados" do Actor's Studios, entraria como um vírus, para sempre em suas veias. Brando, na pele do animalesco Kowalski, consegue manifestar toda a sua capacidade interpretativa e criativa. Numa completa desambiguidade o organismo Brando-Kowalski é um corpo incandescente que se move lentamente, com olhos injetados de um animal, transpirando suor, ódio e testosterona, quase sempre na mesma medida. Em uma leitura personalíssima e explosiva da obra, Brando se entrega de corpo e alma a um personagem de maldade e furor acachapantes. Sua atuação majestosa é o que Roland Barthes chamava de "quantificação da qualidade" - "pouco interessa o que se fala, o que interessa mesmo é o suor, o grito, o medo e o ódio". Parece que Uma Rua Chamada Pecado foi feita na medida certa para transformar-se depois num réquiem eterno para o genial Marlon Brando. Nota 10.

Uma Rua Chamada Pecado (A Streetcar Named Desire, EUA, 1951) Direção: Elia Kazan / Roteiro: Oscar Saul baseado na peça de Tennessee Williams / Elenco: Vivien Leigh, Marlon Brando, Kim Hunter,Karl Malden / Sinopse: Blanche (Vivien Leigh) uma problemática mulher resolve ir visitar sua irmã Stella (Kim Hunter) em New Orleans. Lá conhece Stanley (Marlon Brando) o rude e provocativo cunhado. Não tarda a se instalar um clima de tensão entre todos os moradores daquele pequeno apartamento.

Telmo Vilela Jr.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

Rio Violento

Um filme clássico que une o talento de direção de Elia Kazan com a excelente performance de um grande ator como Montgomery Clift só poderia despertar muito o interesse dos cinéfilos. E foi justamente isso o que aconteceu com esse "Rio Violento". O filme procurava responder a uma questão extremamente pertinente: Até que ponto o progresso da sociedade justificava a mudança compulsória do modo de vida das pessoas? Qual era igualmente o limite de intervenção do Estado na existência das pessoas comuns? Até que ponto essa interferência era legítima ou legalmente justificável?

No filme Montgomery Clift (excepcionalmente bem) interpreta o personagem Chuck Glover, um agente do governo dos Estados Unidos que tem a missão de retirar uma senhora idosa que mora em uma ilha no rio Tennessee. Ela se recusa a abandonar o local pois foi ali que nasceu e criou seus filhos, enterrou seu marido e viveu ao lado de negros libertos e demais moradores do local. Lutando por seus valores tradicionais e por aquilo que lhe é mais importante a senhora resolve enfrentar até mesmo o poder do governo americano. E isso obviamente criou uma disputa jurídica que iria repercutir em todo o sistema judiciário norte-americano.

O filme apresente um excelente elenco. Aliás essa sermpre foi uma característica marcante nos filmes de Elia Kazan. A atriz Jo Van Fleet está simplesmente maravilhosa. Interpretando a matriarca Ella Garth, ela tem duas grandes cenas que a fazem ser o grande destaque de todo o filme. Em uma delas explica ao personagem de Montgomery Clift a dignidade de quem viveu e trabalhou no rio Tennessee há gerações. Devo dizer que poucas vezes vi Clift ser superado em cena, mas aqui ele realmente foi colocado de lado, até mesmo pela força do texto que a atriz tem a declamar. Socialmente consciente, tocando em temas tabus para a época (como o racismo do sul dos Estados Unidos), "Rio Violento" é um dos melhores trabalhos de Kazan. Ele foi um diretor que via o cinema como algo a mais e não apenas um mero entretenimento. Por isso seus filmes sempre tinham alguma mensagem a passar ao público.

Rio Violento (Wild River, Estados Unidos, 1957) Direção: Elia Kazan / Elenco: Montgomery Clift, Lee Remick, Jo Van Fleet / Sinopse: Chuck Glover (Clift) é um jovem agente do governo dos Estados Unidos que tem a missão de retirar um grupo de moradores de uma ilha no meio do rio Tennessee. As pessoas não querem ir embora de lá, deixando suas casas e sua história para trás. Porém é do interesse do Estado que elas deixem aquelas terras. Filme indicado no Berlin International Film Festival.

Pablo Aluísio.