Estrada para Lisboa, 2 de fevereiro de 1890
Prezada Estefânia,
Eu realmente tinha planos de matar Valentino, mas decidi que deveria ser algo bem planejado, sem pressa, tudo deveria ser executado de forma minuciosa. Para minha surpresa, enquanto tecia planos e mais planos em minha mente, soube que Valentino foi encontrado morto em sua taverna esfumaçada e escura. As investigações apontavam para uma certa mademoiselle Lisa. Essa jovem moça era uma das escravas sexuais do vampiro. Uma pessoa que sofreu atrozes torturas em suas mãos por anos e anos. Depois de muitos abusos, o caldeirão um dia iria entornar. Ela o havia matado com requintes de crueldade.
Valentino foi encontrado pelos policiais completamente calcinado. Impossível reconhecer. Porém havia dois detalhes determinantes que chamaram muito a minha atenção na noite seguinte quando li os jornais com as notícias. Em volta do pescoço dele havia um arame farpado que o prendia a um crucifixo. E em seu peito uma grande estaca havia sido fincada. Isso provava duas coisas importantes. Primeiro que Valentino estava definitivamente morto. Nenhum vampiro iria sobreviver aquele tipo de agressão com ares de culto religioso. Segundo, o mais importante, é que quem o matou sabia que estava matando um vampiro. Teria sido apenas a mademoiselle ou alguém com os adequados conhecimentos a havia lhe ajudado?
De uma maneira ou outra, comprei uma passagem de viagem para Lisboa. Era uma bonita cidade, mas o excesso de igrejas e catolicismo me incomodava muito. Nas pequenas ruas de pedras seculares sempre havia uma procissão passando, gente rezando. Para falar a verdade eu nunca havia conhecido um povo tão religioso como aquele. E isso, para um vampiro, nem era a pior parte. Ter que ficar ouvindo aquelas ladainhas, aquelas orações que pareciam nunca chegar ao final, me incomodava bastante. Era muita carolice para um vampiro velho como esse que lhe escreve.
Assim que anoiteceu subi na carruagem e fui embora rumo ao meu destino. Essa seria a última vez que iria fazer uma longa viagem com carruagem. A modernidade havia chegado também na Europa. Os carros estavam prestes a surgir nas estradas. Eu achava aquela máquina algo de intrigante. Eu costumava zombar um pouco, dizendo que eram carruagens sem cavalos, porém quem poderia deter o progresso? Ao longo dos séculos nunca havia visto uma prova concreta da existência de Deus, mas todos os dias me espantava com a capacidade da ciência em inovar e trazer melhorias para a sociedade. Seria a ciência o verdadeiro Deus da humanidade? De vez em quando eu me pegava com esse tipo de questionamento passando por minha mente.
O Clero
Lisboa, 10 de fevereiro de 1890
Estefânia, minha querida...
Após várias tentativas finalmente consegui ser recebido pelo Cardeal Bragança, o membro do clero católico que poderia me dar informações sobre o Livro de Sangue. Eu não menti, me apresentei como especialista em antiguidades e expert em livros raros, algo que sou realmente. Apresentei meus documentos de identificação que me qualificavam como um autêntico pesquisador.
Ele era um homem fino e educado. Esperava exatamente por isso. O clero católico sempre foi muito culto e versado. Em termos religiosos nenhuma outra seita ou religião chegava perto nesse aspecto. Ele me disse que estava curioso em saber por que eu queria pelo menos ver o tal Livro de Sangue. Era uma obraa medieval, até hoje pouco conhecida ou entendida. Havia muitas lendas envolvidas sobre ela, mas fatos concretos, muito pouco havia o que falar.
Tendo ganhado sua confiança ele começou a me explicar sobre o Livro de Sangue.
- Essa é uma obra que nasceu e foi escrita dentro daquele caldeirão cultural que virou uma verdadeira febre na Idade Média, com toda aquela busca pelos milagres que a Alquimia tanto prometia aos desejosos de transformar qualquer metal em ouro...
Ele acendeu um pequeno cigarro muito fino e continuou sua explicação...
- A alquimia medieval em si nunca foi uma ciência, mas de certa maneira inspirou o surgimento da ciência tal como a conhecemos. E suas premissas básicas, de que haveria possibilidade de mudança dos elementos químicos foi confirmada pelos cientistas séculos depois. Os alquimistas assim não eram tolos... Eles realmente tinham as premissas adequadas...
Fiquei prestando atenção na importante explicação daquele homem realmente culto, então resolvi perguntar:
- Você leu o livro? Ele é basicamente um livro de alquimia?
Ele parou por alguns instantes, deu uma baforada na fumaça do cigarro e continuou a explicação...
- Não diria que é apenas um livro de alquimia. Há muitos elementos religiosos e de saber sobrenatural envolvidos. Há coisas estúpidas escritas no livro, como transformar vampiros em mortais novamente, mas isso é parte do folclore da época... E existe, claro, estranhos experimentos afirmando que seria possível mesmo transformar qualquer metal em ouro puro... Enfim, conjunturas, conjunturas.... De minha parte apreciei um pequeno glossário sobre demônios que o livro traz... Eu sempre tive particular interesse em demonologia e nesse aspecto esse livro antigo traz informações importantes..
Fiquei ouvindo com atenção. Pouco me importava a parte sobre demônios. Eu queria mesmo era ler a parte do livro que tratava dos vampiros. Fiquei muito pensativo sobre a possibilidade de se reverter o processo do vampirismo. Isso seria realmente genial, embora eu não estivesse com planos concretos de voltar a ser um mortal.
De repente o religioso se levantou e me dispensou.
- Lamento, tenho que interromper nossa conversação. Tenho agenda cheia amanha. Irei trabalhar administravelmente na diocese e irei celebrar missas logo pela manhã, às sete. De qualquer forma agradeço seu interesse.
Perguntei como seria possível ter acesso ao Livro de Sangue.
Ele respondeu:
- O livro está atualmente no Vaticano, guardado a sete chaves. Não é fácil chegar nele, mas é possível. Você terá que fazer um requerimento por escrito à Santa Sé, mostrando os motivos de seu interesse, a linha de pesquisa que está sendo seguida. O Vaticano é aberto para pesquisadores, não para meros curiosos, por isso aconselho que apresente uma carta de recomendação da universidade pelo qual você está fazendo sua pesquisa.
Puxa, aquele era um problema e tanto que eu teria que resolver dali em diante...
Maximilian.
O Destino de Maximilian
Eu, o historiador Pierre, concluo o meu trabalho de pesquisa agora. A carta anterior datada de 10 de fevereiro de 1890 foi a última encontrada. Essa então será, de certa maneira, uma pesquisa inconclusiva. Até que tenhamos acesso a novas cartas, tudo terá se perdido nas areias do tempo...
Depois dessa data e dessa carta nada mais foi encontrado sobre esse nobre vampiro em bibliotecas da Europa continental. Pelo menos, por enquanto. Cartas mais recentes podem existir, mas não foram encontradas, essa é a verdade. O que terá acontecido? Por onde andou? Estaria ainda vagando nas noites escuras? Pela importância do registro histórico passo a pensar em seu destino.
Ele estava prestes a ir para o Vaticano... será que realmente viajou até lá?... Em extensas pesquisas o máximo que encontrei foram pistas que reproduzo abaixo.
Há um obituário em nome de um certo homem chamado Louis Maximilian datada de meados de setembro de 1916, na cidade de La Rochelle. Esse nobre senhor foi encontrado morto em sua casa nos arredores da cidade. Morreu tranquilamente enquanto lia um livro de alquimia medieval. Esse detalhe foi o que mais me chamou a atenção.
O senhor Jean Lobothan cuidou de seu funeral. Nenhum parente apareceu, apenas o padre Mckenzie que leu alguns salmos, enquanto o caixão de Louis descia em sua cova. Era uma manhã gelada de inverno. A senhora Eleanor, que havia sido sua governanta nos últimos meses, jogou um pequeno buquê de flores violetas.
Teria ele encontrado mesmo o caminho de retorno para a mortalidade e a partir dali envelheceu e esperou por sua morte, pela paz eterna? Não sabemos...
O que descobri pela leitura do velho jornal amarelado pelo tempo é que seu funeral foi breve e rápido. O padre disse algumas breves palavras. Viemos do pó e ao pó voltaremos. Depois todos se cumprimentaram e deram as costas, deixando Louis para a eternidade.
E os flocos de neve começaram a cair suavemente em seu ataúde preto com detalhes dourados...
Pablo Aluísio.
O Vampiro de Versalhes - Parte 8
ResponderExcluirPablo Aluísio.