quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Os Fantasmas da Velha Mansão

Cap. I - A Velha Mansão
Fouilland House era uma velha mansão. No passado foi palco de grandes festas, grandes recepções. Ali visitava a fina flor da elite da sociedade local. Todos os fins de semana eram arranjados glamorosos jantares a luz de velas. Esse tempo foi chamado posteriormente de "A Era Vitoriana", uma referência clara à Rainha Vitória da Inglaterra. Foi o momento de auge do império britânico. Dizia-se que o sol nunca se punha nesse vasto e complexo império. Com a exploração de tantas colônias o luxo e a riqueza explodiram na ilha. A classe média ficou mais próspera e rica do que toda a Europa continental. E os nobres, que já eram ricos por direito de nascimento, se tornaram ainda mais ricos.

Proliferaram grandes mansões, principalmente em regiões mais distantes de Londres. Era uma nova visão do antigo feudalismo europeu, só que nesse novo modelo não havia mais servos e sim empregados. Fouilland House foi construído pelo quinto Conde de Harfax. Homem rico, culto, mas também considerado um pouco estranho dentro da nobreza inglesa. Seu pai era um homem severo que tolheu todos os talentos artísticos do filho. O rapaz queria ser escritor, poeta, um homem que queria se dedicar ao mundo da literatura. Seu pai, nobre de velha linhagem, não via isso com bons olhos. Queria um herdeiro frio, que tivesse a postura adequada para levar o patrimônio familiar até a próxima geração.

Ele se curvou aos anseios do pai. Se formou em direito, virou advogado. Ao invés de ler romances, passou a estudar a lei do império. Era dedicação para toda uma vida, já que o direito inglês, muito pautado pela jurisprudência, exigia um comportamento de "eterno estudante", fazendo com que o profissional se dedicasse sempre com as novas decisões dos tribunais. Nada mais óbvio para um povo que sequer tinha uma constituição escrita. Ela existia claro, mas dispersa entre o ordenamento jurídico.

O interessante é que Charles,  o filho do conde, começou a se interessar por ocultismo. Ele era oficialmente um devoto membro da igreja Anglicana, mas isso era obviamente uma fachada para a sociedade. No isolamento de seu quarto ele colecionava livros de magia negra, invocação a mortos, bruxaria, malefícios. Gostava muito da história da inquisição, das bruxas sendo queimadas em fogueiras, dos assassinatos em massa. Tinha real interesse pela história macabra dos assassinos seriais. Tinha também uma das melhores e mais vastas coleções de livros sobre vampirismo, ao qual se deleitava. Quando seu pai finalmente morreu ele ficou finalmente livre para ler todas aquelas obras sem ter medo de ser pego em flagrante. Um novo momento de sua vida finalmente havia começado.

Cap. II - A família Smith
A família Smith finalmente havia comprado a casa. Era um velho casarão, mas propenso a sofrer as reformas necessárias, se tornando de novo um lar familiar. Era janeiro de 1982 e eles agora se mudavam para aquela casa. No passado havia sido parte da moradia de uma família de aristocratas, mas depois que alguns eventos trágicos tinham acontecido por lá, a casa teria ficado abandonada por décadas. Até que uma empresa especializada no ramo imobiliário decidiu comprar o terreno. Parte da velha mansão foi colocada abaixo e no lugar ergueu-se uma nova casa, com estrutura moderna, planejada por arquitetos.

O preço da propriedade seria o equivalente a um terço de seu valor normal. E o que fazia com que essa casa tivesse o preço tão reduzido? No passado distante, lá por volta do século XIX, um homem da nobreza havia matado seus dois filhos e sua esposa. Depois teria se enforcado numa árvore da propriedade. Isso sempre jogava o preço de qualquer imóvel para baixo. A casa passava a ser dita como amaldiçoada, ninguém mais iria querer morar em um lugar assim. Além disso os próprios moradores locais tratavam de manter a trágica história em pé, sempre contando para os que forasteiros que mostravam interesse naquela mansão.

Isso porém foi há décadas e décadas. Os moradores que presenciaram tudo já tinham morrido há muitos anos. A história da chacina caiu no esquecimento, a não ser por historiadores daquela cidade. E como todos sabemos no capitalismo a roda não pode parar de girar. Por isso assim que tudo foi devidamente esquecido, a propriedade foi adquirida, reformada e colocada para venda. E depois de alguns meses sendo publicada seu anúncio finalmente a família Smith decidiu comprar o lugar.

Era uma família de pessoas formadas, com curso superior. O pai era um advogado respeitado em Londres. O filho cursava direito. A irmã era estudante de medicina e a mãe tinha curso superior de letras em Oxford. Pessoas do mais alto gabarito. Não iriam se amedontrar por velhas histórias de fantasmas. Aquilo era pura crendice. Claro, eles foram informados do passado da casa. Havia uma lei em vigor que obrigava os corretores a informar sobre esse tipo de passado ruim das casas que estavam vendendo. Para a família Smith tudo isso não passava de uma piada que eles podiam contar nos almoços de domingo.

Cap. III - Culto ao Demônio
Existem pessoas que querem mesmo chafurdar na lama. Querem mesmo dançar com o diabo ao luar. Charles era uma dessas criaturas. Ele tinha um irmão com conhecimento em teologia católica. Ao saber que Charles e sua esposa estavam se aprofundando ainda mais em práticas de ocultismo, ele foi aconselhado a largar tudo. Que aqueles supostos espíritos que ele entrava em contato nada mais eram do que demônios, filhos da mentira, se fazendo passar por parentes e conhecidos falecidos. Ele sabia, ele foi alertado. Porém ele tinha uma índole de gente ruim, queria mesmo fazer amor com o próprio diabo nas profundezas do inferno.

Charles tinha uma personalidade enganadora. Em presença ele passava a imagem de homem bom e cordial. Mas isso era uma fachada enganosa. Charles era ambicioso e mau caráter. Ele havia se casado com uma mulher mais rica, para ficar ainda mais dono de riquezas. Era um sujeito egoísta, que só pensava nele mesmo. Quando foi procurado por um parente em dificuldades, que estava desempregado, negou ajudá-lo. Nem sequer inventou uma desculpa, simplesmente disse não! Já era, em essência, um servo do rei dos infernos. Ele também tinha inveja dos outros que se davam melhor do que ele. Muitas vezes vivia de aparências. Tinha várias carruagens de luxo, mas com o passar do tempo foi ficando cada vez mais pobre, perdendo o dinheiro até mesmo para colocar comida na mesa.

O fato é que depois que passou a enveredar pela comunicação com mortos, sua vida declinou. Seus sogros, que lhe dava muito apoio financeiro, morreram. A mulher não herdou nada de muito valor. Ela também era fútil e se envolveu com ocultismo. Tinha sonos noturnos com seres de outro mundo e recebia ordens deles. Concordava com tudo. Colocou os dois filhos no ocultismo. A filha mais velha era obesa e infeliz, com sinais de que era retardada mental. O filho mais novo pensava ser o que não era. Vivia ao lado de jovens ricos, mas ao contrário deles, sua fortuna já não mais existia. Era um pobre pensando ser um nobre rico.

Como o tio havia advertido que eles não deveriam se envolver com ocultismo, todos ficaram com raiva dele. As almas daquela família estavam condenadas, a não ser que deixassem essas práticas de lado. A filha obesa de Charles era uma das piores. Ela passou a ensinar bruxaria para crianças e a ter um caso com um empregado do pai. Com mais de 30 anos estava desesperada para se casar com qualquer um. Queria ter um filho para levar adiante a bestialidade daquela família suja espiritualmente.

A velha mansão que moravam ia se deteriorada com o tempo. Eles não tinham mais dinheiro para o luxo e suntuosidade. O clima dentro da velha mansão era decadente e cheirava a mofo. As paredes tinham infiltrações. Charles vivia cada vez mais com a mente no mundo da lua. Vivia lendo sobre espiritismo, bruxaria, ocultismo. Tão absorvido ficou com aquilo tudo que deixou a sua vida profissional de lado.

Ele passou a adorar um demônio conhecido como Asmodeus. Era um antigo demônio do judaísmo, citado no livro de Tobias. Esse ser era considerado um dos sétimos príncipes do inferno, abaixo apenas de Lúcifer. Segundo a teologia sua origem remonta ao mito de Sodoma. Teria sido ele um homem devasso, impuro, tão depravado que foi considerado o mais imundo de todos os seres humanos. Por isso era considerado o pai da luxúria. E era essa figura da mitologia judaíca, da demonologia, que Charles queria trazer de volta ao nosso mundo. Ele criou um altar e montou uma sala apenas para orgias e depravações em seu nome. O satanismo começava a reinar forte naquela casa.

Cap. IV - O Padre McKenzie
O Padre Paul McKenzie era adorada naquela cidade. Ele era reconhecidamente um bom homem. Havia ingressado na Igreja há pouco mais de 10 anos. Foi uma vocação tardia. Agora, aos 46 anos de idade, ele prestava assistência religiosa a pessoas em aflição. Era um homem tão generoso que nunca perguntava qual era a religião das pessoas que procuravam por sua ajuda. Não precisavam ser católicas. Nem ao menos era requisito serem cristãs. A qualquer um fazia caridade, sem pedir identidade. Sua vida se resumia a fazer o bem, desde o momento em que acordava até a hora em que ia dormir tarde da noite. Um homem valoroso.

Paul era de família de classe média baixa. O pai tinha sido cozinheiro. Ele estudou com afinco na juventude e conseguiu entrar em uma das mais conceituadas universidades jurídicas de seu país. Formou-se, tornou-se advogado e depois de alguns anos decidiu que iria entrar no seminário. Mesmo fora da idade certa foi aceito. Afinal a Igreja Católico vem sofrendo há anos com a falta de interessados em exercer o sacerdócio. Os votos de se tornar celibatário sempre pesaram contra nessa hora. Como ele não tinha mais nenhum interesse em se casar e formar família, naquela altura de sua vida, decidiu se dedicar à vida religiosa. Foi uma decisão que deixou muitos de seus conhecidos bem admirados. E depois de alguns anos de estudos - ele sempre se deu bem com estudos - finalmente se tornou padre.

O que poucos sabiam é que o pacato e provinciano Paul McKenzie era também um padre exorcista. Um dos poucos formados dentro do Vaticano. Um homem preparado para enfrentar casos de possessão demôniaca. Por anos ele vinha se dedicando a estudar demonologia, orações de libertação e todo o currículo que vinha em reboque. Como havia poucos padres especializados em exorcismo ele tinha que viajar com frequência. Sempre havia telefonemas do Vaticano para que ele seguisse para determinada cidadezinha para exorcizar alguma pessoa oprimida pelas forças das trevas.

E ele só podia agir com a autorização da cúpula da Igreja. Jamais poderia usar de seus conhecimentos para qualquer um. O Vaticano mantinha rígida disciplina sobre isso. Por isso ele sabia que quando o telefone tocava já havia sido feita toda uma investigação no caso que iria atuar. Sabia que todos os chamados eram pra valer. Ele devia estar sempre preparado. No momento ele estava empenhado no longo e penoso exorcismo de uma velha freira. Ele vinha sofrendo muito com os anos. Dona de uma alma caridosa e bondosa, virou alvo do Diabo justamente por isso. E o demônio a afligia com regularidade. Todas as semanas era necessário uma nova rodada de orações de libertação. Havia uma legião de demônios atormentando aquela pobre mulher.

E quando o telefone novamente tocou em sua casa ele foi atender, sabendo que era mais um chamado desse tipo. O monsenhor Winston lhe deu as informações básicas. Era o caso de uma família que havia comprado uma casa. Embora tivessem origens católicas, os membros daquela família não eram praticantes. Eram pessoas bem situadas, com formação universitária, que se vinham atormentadas por situações e eventos inexplicáveis. Após a mulher ver um vulto sombrio no porão, uma sombra que falou com ela e se apresentou como um seguidor das trevas, eles viram que era necessário a presença de um padre ali na casa, nem que fosse para fazer uma oração de purificação. O Padre McKenzie ouviu tudo, pegou seu velho chapéu preto, sua bengala e entrou em seu carro antigo. Seria uma viagem de 2 horas até a casa da família. Ele colocou seu exemplar do novo testamento no banco ao lado, seu crucifixo, um antigo texto de orações do Vaticano, ligou o carro e seguiu rumo ao desconhecido.

Cap. V - Nem todos os fantasmas são felizes...
O padre chegou na velha mansão por volta das 17 horas. Tempo ruim, nublado, como se o mundo tivesse perdido a esperança. Ele desceu do carro e começou a subir as escadas de velhas madeiras da porta da frente. A madeira centenária do piso rangeu em agonia. Tentou tocar a campainha, mas sem sucesso. Muito provavelmente estava quebrada há anos. Sem saída, bateu palmas, como se estivesse aplaudindo o nada absoluto. O sr. Smith atendeu a porta e mandou o padre gentilmente entrar em sua casa. O diálogo começou após ambos se sentarem na mesa de madeira da sala de jantar. O sr. Smith fumava um elegante cachimbo, no melhor estilo Sherlock Holmes.

- Antes de mais nada, obrigado por vir! - Abriu a amigável conversação o anfitrião.

- Eu que agradeço a hospitalidade - respondeu o padre.

- Pois então, estamos com esses problemas. Penso ser alguma manifestação sobrenatural... embora, padre, devo ser sincero com você. Não acredito em fadas, duendes, bruxas e nem em Deus...

- Entendo...

- Mas como homem culto que modestamente sou, fica aberto a todas as possibilidades, inclusive envolvendo velhas histórias de fantasmas...

O padre se mexeu um pouco em sua cadeira e frisou, com as mãos...

- Não acredito que seja a manifestação de um fantasma.

- Por que não?

- Fantasmas segundo a doutrina religiosa que sigo são almas perdidas de seres humanos que um dia viveram. Após a morte ficam perdidas, vagando solitariamente pelo mundo, procurando um sentido para a existência. Geralmente procuram comunicação pois vivem em sombras solitárias, mas não são seres perversos e nem necessariamente querem o mal das pessoas vivas...

- Pelo visto então os fantasmas nem sempre são felizes... - Foi um comentário um tanto sarcástico do sr. Smith.

O padre ignorou a ironia desnecessária.

- Se não são fantasmas, o que seriam? - Perguntou o sr. Smith enquanto dava uma nova tragada de fumaça em seu charuto.

- Penso que são o que as pessoas costumam chamar de demônios, diabos...

- Nossa! - o Sr. Smith realmente ficou surpreso com aquele comentário.

- Demônios e diabos nunca tiveram existência física. São seres espirituais desde sempre e sempre serão. Estão condenados eternamente... são anjos caídos. Veja, em antigos escritos judaicos há expressa menção ao fato de que um terço dos anjos de Deus foram expulsos do céu e caíram em desgraça. Estão condenados eternamente ao inferno.

- Interessante... interessante... aprecio mitologias de povos antigos - observou Smith.

- Devo dizer que tudo isso não é apenas mitologia, mas fatos reais. O mundo espiritual está entre nós, ao nosso redor. E de tempos em tempos a fronteira é rompida e anjos decaídos começam a agir para destruir a humanidade, ou pelo menos, alguns homens...

- E como se dá essa travessia? - Quis saber Smith, cada vez mais curioso.

- Essas entidades precisam de um chamado de nosso mundo. Geralmente sessões de espiritismo, evocação dos mortos, magia negra, feitiçaria, bruxaria, rituais que evocam o lado sombrio do mundo espiritual. Até mesmo um velho tabuleiro Ouija pode abrir esse tipo de portal.  - Completou o padre.

- Pois muito bem, padre. Eu quero que tudo o que estranho aconteça em minha casa seja parado. Não me importo com explicações teológicas e nem mitologia. Como já lhe expliquei pouco acredito que haja algo de concreto nessas histórias, embora respeite muito o fator histórico cultural envolvido nessas narrativas. Quero que tudo chegue ao fim e vou colaborar muito para que isso seja feito. Pode contar com o meu irrestrito apoio. O mesmo se refere aos meus demais familiares.

- Muito bom - disse o padre - Vamos começar amanhã. Farei um ritual de libertação da casa, para que essas energias negativas partam para sempre.

- É exatamente isso que desejo, padre.

Após o breve e amigável encontro o padre deixou a velha mansão para passar a noite em um hotel da região. No dia seguinte ele teria trabalho pesado para fazer. Todos os rituais exigiam muito do sacerdote, sejam de natureza física ou psicológica.

Cap. VI - O relatório ao Vaticano
O texto que segue foi retirado do relatório escrito pelo Padre McKenzie enviado para o Vaticano. Um relatório de um exorcista para a alta cúpula da Igreja Católica em Roma. "As pessoas ainda insistem em cruzar certas linhas. Elas ainda fazem chacota da palavra de Deus. Ignoram as escrituras. Invocam os mortos, os espíritos que vivem nas trevas. Nossa escritura tem a resposta para tudo. Nela se podem ler: Entre ti não se achará quem faça passar pelo fogo a seu filho ou a sua filha, nem adivinhador, nem prognosticador, nem agoureiro, nem feiticeiro; Nem encantador, nem quem consulte a um espírito adivinhador, nem mágico, nem quem consulte os mortos; Pois todo aquele que faz tal coisa é abominação ao Senhor; e por estas abominações o Senhor teu Deus os lança fora de diante de ti. Deuteronômio 18:10-12

Ignoram completamente os ensinos e continuam a realizar sessões de espiritismo, a invocar mortos, a trazer demônios para suas vidas. É triste, mas o homem quer mesmo trazer esse tipo de abominação para si. Muito triste. No caso tive contato com essa família Smith. Não foram eles os invocadores, mas sim outras pessoas que viveram naquela velha casa, em um passado imemorial. Agora a imundície que foi invocado aporcalha todo o ambiente.

O antigo morador, homem rico e envolvido com magia negra e ocultismos, abriu um portal com os sete portões do inferno. E de lá subiram entidades demoníacas. Consegui com rituais de oração expulsar aqueles espíritos. Porém o mais importante é o psicológico daqueles que moram ali. Espíritos malignos se alimentam de coisas ruins. Pessoas que vivem brigando, pessoas que vivem se agredindo, que blasfemam ódio para com os outros, além de outros sentimentos negativos, sempre atraem esse tipo de energia do Hades. Energias negativas atraem energias negativas no mundo espiritual.

Por isso temos o poder da oração. A oração é algo sublime, que eleva o coração dos homens a Deus. E onde há Deus, há luz, há energia positiva. A luz espanta as trevas, a luz afugenta o maligno. A luz é Deus e Deus é a luz. O diabo vive nas profundezas da escuridão, sendo remoído pelo ódio a Deus. Com a oração ele vai embora, sai do ambiente. Além de Jesus divino também citei Maria santíssima. Só o pensamento em nossa mãe já afugenta completamente o diabo. Ele tem pavor do poder da mãe de Deus. Poder positivo, de luz, de fé e esperança. Com isso, com o poder da oração, dos bons sentimentos, da riqueza do amor de Deus, declaro aquele ambiente limpo e seguro para aquela família. Com o poder de Deus ao seu lado, nenhum poder lhe fará mal. Essa é a grande lição desse caso. Deus é aquele que é, e que tudo pode, na graça de seu poder e amor infinitos". Ass. Padre Paul McKenzie. 

Cap. VII - Sedutores Diabos
"Vai se masturbar padre? Vai se masturbar padre?" - O Padre McKenzie acordou de súbito! Ele havia tido um pesadelo, mas um pesadelo diferente. Sonhava com a garota que havia amado na adolescência, a bela e inesquecível Sunny. Antes de entrar para o seminário, muitas décadas no passado, o padre teve um caso de amor com Sunny, 16 anos, loirinha, bonita de corpo, uma formosura de adolescente. De todos os pecados do passado esse era o mais persistente. Depois que havia voltado do exorcismo da velha mansão, esses pesadelos nunca mais o havia deixado. Era sempre Sunny, linda como nunca, com seus cabelos loiros e lindos olhos azuis. Ela aparecia andando de bicicleta. Parava para conversar com ele. Parecia uma jovem menina que descobrira o sentido de seu feminilidade.

Depois de uma conversa quase sempre banal, típica de dois adolescentes (o padre se via nesses sonhos também como um adolescente), ela soltava uma série insistente de perguntas de baixo nível, putaria mesmo... e os sonhos que pareciam romances idealizados de um passado perdido, viravam roteiros de filmes pornôs insanos, onde Sunny sempre procurava lhe humilhar, usando para isso sua vida privada, sua vida sexual interior. Padres são homens e como tais também apresentam desejo sexual. Na mente muitos deles criam símbolos de mulheres ideais. No caso do padre McKenzie essa mulher idealizada era a sua namoradinha da adolescência, a Sunny. Ela parecia rir dele, de suas escolhas, de sua castidade. Nesse último pesadelo ela surgia desafiante, perguntando se o padre andava se masturbando com frequência... puro terror para um homem de batina.

Aquilo não parecia ser algo natural. Essa Sunny de seus pesadelos não parecia ser a mesma Sunny de seu passado. Tinha o mesmo rosto lindo, os mesmos cabelos dourados, até mesmo a mesma grande língua que despertava nele os mais inconfessáveis sonhos eróticos, mas ao mesmo tempo ele sentia que aquela alma não tinha nada a ver com Sunny. Parecia ser algo obscuro, que no fundo queria o seu mal, acima de todas as outras coisas. Foi então que o padre percebeu tudo o que estava acontecendo de verdade.

A entidade do mal que havia possuído aquela velha mansão tinha seguido ao seu lado quando voltou para casa. Essa entidade de trevas estava agora assombrando seus sonhos, transformando tudo em pesadelo. Era algo perigoso. O fato de usar Sunny para causar esse mal estar em sua mente significava que o demônio havia entrado nos lugares mais escuros e fechados de seus pensamentos. Obviamente o diabo estava procurando suas fraquezas. Aquele exorcismo não iria sair barato, a entidade das trevas iria cobrar seu preço, procurar por vingança. E para isso iria usar os labirintos mais escondidos de sua mente, de suas emoções, de seu eu interior.

Consultando seu velho livro de demonologia na biblioteca de seu escritório, o padre McKenzie viu as características daquele demônio que ele havia enfrentado. Tratava-se de uma entidade milenar mais conhecida como Asmodeus, Esse era um dos sete príncipes do inferno, logo abaixo do imperador Lúcifer. Ele era associado ao pecado da luxúria. Isso explicava o uso de Sunny como elemento desestabilizador de seus sonhos. O uso da mulher tão amada no passado, tão desejado, do amor não consumido, do sexo nunca praticado. Era de se esperar que essa fosse uma arma nas mãos desse ser da nobreza dos porões infernais.

Consultando as informações no velho livro o padre leu que esse diabo "era normalmente representado com asas e três cabeças: uma de homem com hálito de fogo, uma de touro e uma de carneiro, símbolos de virilidade e fertilidade. Asmodeus como o "Rei Esquecido de Sodoma". Que informação chocante! O anjo caído da perversão, da sodomia, da cria de prostitutas, agora sondava sua mente, não o deixando dormir em paz. O padre parou, refletiu um pouco e analisou a situação. Percebeu que era uma entidade diabólica do Talmud, das escrituras originais do povo judeu. E que para isso precisava ter uma conversa com um especialista sobre isso. E o nome do rabino Jacob logo lhe veio à mente. Era um velho amigo, de longas conversas, muitas delas espirituosas e inteligentes. Decidiu que naquela tarde iria reencontrar seu velho amigo. Queria saber mais sobre esse inimigo que agora parecia estar debaixo de seu mesmo teto. 

Cap. VIII - O Padre e o Rabino
O Padre McKenzie foi recebido com alegria pelo rabino Jacob. Eles não se encontravam há alguns meses. Pessoas cultas e educadas, não compartilhavam das mesmas crenças, mas se respeitavam demais. E se gostavam como pessoas, acima de tudo. O rabino serviu um chá brasileiro ao padre. Sabor essencial. Então sentados confortavelmente em cadeiras de balanço, começaram um interessante diálogo. O padre já havia antecipado o teor da conversa, o que fez o rabino começar a expor seu ponto de vista.

O velho religioso disse: "Essas entidades espirituais são conhecidas há milênios pelo judaísmo. São seres que se alimentam de ódio, inveja, ganância, luxúria desvirtuada. No fundo são seres perdidos, que vagam pelo mundo. No judaísmo clássico qualquer tentativa de se comunicar com esses seres era absolutamente proibida. O ser espiritual que vaga tentando fazer o mal só espera por uma porta aberta. E quem iria abrir essa porta? Ora, exatamente aquele que invoca os mortos, os seres de outros mundos". O padre McKenzie concordou com tudo, ouvindo atentamente, fazendo gestos positivos com sua cabeça.

O  rabino Jacob continuou: "Hoje em dia existe esse tal de espiritismo. É um perigo! Ao invocar pessoas que já morreram, você cruza uma fronteira que é considerado um ato de abominação perante Deus. Quem cruza esse muro que separa o mundo dos vivos e dos mortos, comete abominação. E quando isso acontece Deus retira a proteção espiritual para essas pessoas que querem esse contato proibido. Digo que nenhum parente morto vai aparecer. O que aparece são diabos. Eles passeiam pelo mundo dos vivos, mas as portas ficam fechadas. Quando uma sessão de espiritismo é feita, então temos alguém abrindo essa porta. O diabo então entra pela porta. Aqueles que abriram isso estarão à sua mercê. Ele fará o que quiser com essas pessoas".

- Sabe rabino, foi justamente esse o caso. Uma velha casa, que havia sido moradia de um ocultista...

- Que hoje está queimando no inferno... - Completou o rabino.

- Sim, certamente. O que digo é que essa entidade atravessou o muro e não quer mais voltar, não quer mais retornar ao Hades...

- Querido padre, ele voltará. De uma, porque é um ser que não pode se antagonizar ao poder de Deus. De duas, porque nem você e nem os moradores da velha mansão fizeram o ritual de invocação. Ele precisa ser jogado de volta para as chamas eternas... - Disse o rabino, com o dedo em riste.

- Posso contar com sua ajuda, Jacob?

- Certamente que sim - disse o rabino, estendendo sua mão, para um aberto de mãos sincero e forte. Um judeu ortodoxo e um cristão romano católico, iriam unir forças para mandar uma velha entidade do mal de volta para o lugar de que nunca deveria ter saído. 

Cap. IX - O Anjo do Inferno
O Padre e o Rabino viajaram até Salem, uma velha cidade praticamente abandonada por seus moradores. Ali só viviam velhos, idosos e pessoas sem esperança. Porém havia uma razão para os dois religiosos irem até lá. Naquela cidade perdida e esquecida pelos homens, havia forte energia sobrenatural. Ali no passado havia existido uma sinagoga muito sagrada para os judeus. Escavações arqueológicas a tinham descoberto há mais de 40 anos. O piso que os dois religiosos agora pisavam era o mesmo de milênios do passado. Era um lugar ideal para invocação das forças do bem.

O Padre McKenzie e seu amigo Rabino sentaram-se nos chão e deram-se as mãos. O rabino começou sua recitação do Torá, enquanto o padre recitava, também baixinho, sua oração da libertação. Assim que começou a falar as suas palavras sagradas, o Padre percebeu que eles não estavam sós. Uma estranha figura, de uma mulher com roupas brancas, começou a circular ao redor deles. Era uma mulher sem dúvida bela e sensual, uma verdadeira tentação. E ela ou seja lá o que fosse aquilo, certamente vinha para destruir aqueles rituais.

Aquela visão começou a tirar a roupa. Certamente era um demônio de eras primevas. Uma entidade do mal. O rabino também a viu, de relance. E ela foi tirando cada peça de roupa, uma vestimenta que lembrava as antigas romanas, as vestais dos templos. Era obviamente uma manifestação do diabo, ali, ás vistas deles, com claras intenções de trucidar aqueles dois homens honestos, religiosos e puros de coração.

O demônio então falou pela primeira vez, em hebraico antigo: "מה אתה רוצה זקנים?" - que significava: "O que vocês querem, homens velhos?"

O cheiro foi ficando insuportável, com enxofre queimando as narinas dos homens que rezavam. O ar era tão tenso que poderia se cortar o clima de opressão que pairava com uma faca! O Padre e o Rabino não deram atenção. Uma das coisas mais importantes era evitar falar com o demônio. A razão? Ele era o pai da mentira, iria sempre mentir, iria sempre enganar. Era necessário fingir que não o ouvia.

O diabo porém insistia. Agora completamente nu, em belo e formoso corpo feminino ele falou mais uma vez: האם אתה חושב שאלוהים יגן עליך? אלוהים מת, אומללים! זה לא יופיע. הוא ישות שלא דואגת מעט לכולכם, תולעים, בני אדם ארורים.

A tradução da voz do diabo: "Pensam que Deus vai lhes proteger? Deus está morto, seus infelizes! Ele não vai aparecer. Ele é um ser que pouco liga para todos vocês, vermes, humanos malditos. "

O padre percebeu no canto do olho que o demônio agora exibia enormes asas. Era um anjo... um anjo do inferno...

Cap. X - Gabriel
O Padre McKenzie e o rabino Jacob continuavam a rezar enquanto a personificação concreta do diabo continuava a falar ofensas a Deus e aos homens de fé. Ele estava encarnado no corpo de uma bela mulher, mas todos os gestos, todos os atos eram grotescos, vulgares, infames. O cheiro também era insuportável, como carne em decomposição. Conforme a sessão ia seguindo em frente começaram as manifestações físicas de sua presença. O chão começou a tremer, o padre começou a ficar sem ar, sentindo-se sufocado. O rabino Jacob foi jogado com violência contra a parede, por uma força desconhecida, o inferno parecia estar presente...

- Vem me comer Padre maldito... - gritava o demônio - ou me come ou então eu vou te matar sufocado, seu desgraçado, quero ver você renunciar a Deus... seu porco, ser ridículo, minúsculo, ser imundo... - As palavras ganhavam um tom sinistro porque aos ouvidos humanos parecia haver mais de uma entidade falando e não apenas uma. Era a legião se manifestando. Nesse momento as asas de ser das trevas começaram a ficar escuras, pretas... e a escuridão de uma noite profunda começou a tomar conta de tudo. A esperança parecia não ter mais presença... tanto o padre como o rabino achavam que iriam morrer ali mesmo, caídos no chão, sufocados e machucados... foi então que...

Um grande estrondo foi ouvido... uma enorme ventania, maior ainda que a anterior, começou a cobrir tudo. O diabo foi jogado ao chão com essa baforada de luzes que pareciam descer dos céus... O padre McKenzie tentava olhar em direção àquela luz, mas era tão forte como a luz do sol... algo muito importante começava a se manifestar naquele lugar... só que ao contrário das trevas, se via luz... luz celestial em abundância...

Mesmo caído com as mãos na frente dos olhos, McKenzie sentiu que estava na presença de um anjo de luz. A imagem agora se formava perante seus olhos. Era um jovem bonito, cabelos loiros encaracolados, físico maravilhoso, jovial e musculoso. Ele ostentava uma armadura que parecia ter vindo da Grécia antiga... era um traje de guerreiro... Também apresentava enormes asas brancas, dignas de um arcanjo... O padre não se conteve e gritou...

- É Gabriel, é o arcanjo Gabriel...

Jacob olhou e se assustou com o que viu... sim, a descrição era mesmo a de um anjo do Senhor. Era o arcanjo Gabriel que se manifestava ali, perante seus olhos mortais.

O anjo Gabriel então tirou uma enorme lança dourada, de um amarelo puro que nenhum outro ser humano jamais poderia ter visto. Ele foi certeiro, transpassando sua lança romana no coração do diabo que perdia totalmente sua imagem anterior. Ao invés da bela mulher, surgia agora toda a sua feiúra intrínseca, chifres, deformidades, um bode asqueroso...

- Não... não... eu não quero voltar.... eu não quero voltar - gritava o demônio já completamente dominado pelo anjo Gabriel.

- Voltarás para o inferno... besta! - Enquanto dizia essas palavras o grande Arcanjo tirava correntes, também douradas e amarrava o subordinado de Satã...

Foi uma fúria. O chão se abriu e o diabo foi tragado pelas fossas infernais, gritando, mais parecendo um lobo sendo abatido... Depois que ele caiu e beijou pela primeira vez o fosso incandescente do inferno, o chão voltou a se fechar. O diabo havia sido jogado novamente ao inferno, para nunca mais retornar.

Então delicadamente Gabriel guardou suas asas duplas. Voltou a ter uma aparência mais humana e se aproximou dos dois religiosos, ainda caídos no chão. Gabriel, conhecido tanto no judaísmo como no cristianismo como o "Homem forte de Deus", ajudou os dois homens a se levantarem. Eles estava estupefatos por sua presença.

Gabriel então falou:

- Feliz é o homem que se fortalece na fé em Deus e confia em sua misericórdia - dito isso se levantou e falou aos homens as seguintes palavras...

- Deus estará sempre ao vosso lado. O mais valente sempre salvará o humilde que ora pelo perdão e pela ajuda.

Jacob e McKenzie estavam sem palavras. E quando se distraíram por apenas um segundo... Gabriel se foi, desapareceu. O céu estava limpo novamente, com um azul maravilhoso e um grande arco-íris explodindo em cores de pura presença divina.  

Deus havia vencido novamente. As trevas nunca iriam superar a Luz. O mal jamais iria vencer o bem.

Pablo Aluísio.

5 comentários:

  1. Livros de Bolso
    Contos de terror e suspense
    Pablo Aluísio.

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  2. Texto adicionado:
    Cap. VII - Sedutores Diabos
    Pablo Aluísio.

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  3. Texto adicionado:
    Cap. VIII - O Padre e o Rabino
    Pablo Aluísio.

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  4. Texto adicionado:
    Cap. XIX - O Anjo do Inferno
    Pablo Aluísio.

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  5. Texto adicionado:
    Cap. X - Gabriel
    Pablo Aluísio.

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