Little Bighorn, Montana, 30 de junho de 1876
Entramos nas colinas próximas a Little Bighorn, no Território de Montana, em 30 de junho de 1876. Cinco dias antes a Sétima Cavalaria do General Custer havia sido destroçada por índios nessa mesma região. Estávamos chegando para conferir pela primeira vez o que teria realmente acontecido. Será que eles tinham mesmo sido mortos pelos nativos? Era necessário o envio de uma parte da cavalaria para verificar in loco o que de fato teria acontecido. Antes de qualquer coisa devo me apresentar. Esse que escreve essas linhas é o Major Paul Byron, faço parte da décima nona cavalaria e minha missão era de ir até aquela região para ver tudo com os próprios olhos.
Antes de entrarmos na ravina já encontramos corpos de militares. Todos em avançado estado de decomposição. Muitos tinham sofrido com a tradicional ritualística dos nativos de retirar seus escalpos, a parte da frente dos cabelos nos crânios dos homens mortos. Os índios usavam os escalpos em seus cintos e nos cavalos para mostrar aos demais guerreiros da tribo a sua bravura na guerra contra o homem branco.
Vi o corpo de um jovem soldado com a boca aberta e os olhos de terror. O rigor cadavérico preservou para a eternidade suas últimas feições em sua face praticamente juvenil. Não havia armas entre os corpos, uma prova de que elas tinham sido levadas pelos índios. Isso significava que estavam fortemente armados e municiados. Mais um sinal de que deveríamos ter muito cuidado.
Finalmente depois de quase uma hora no lugar identificamos o corpo de Custer. Ele estava cadavérico, mas conseguimos reconhecer pelo uniforme, pelas insígnias e também pelos cabelos que sobraram, loiros, longos, ao vento. Seus dedos tinham sido cortados e seu corpo estava muito mutilado, demonstrando o ódio e a fúria de seus inimigos no calor da luta. Eles não apenas mataram Custer, eles fizeram de tudo para lhe tirar sua dignidade. O tronco havia sido separado de suas pernas, um dos pés foram arrancados e sua dentro de sua boca havia flechas de fogo. Um triste fim para um dos oficiais mais importantes da história do exército americano.
Flechas de Sangue
Era muito cansativo ser da cavalaria dos Estados Unidos. Além do risco de levar uma flecha em qualquer lugar, havia ainda as longas cavalgadas. Isso destruía a coluna de qualquer mortal, mesmo que você fosse jovem e com boa saúde. O ser humano simplesmente não nasceu para ficar tantas horas na sela de um cavalo, no meio daquele deserto horrível, onde só viviam as cobras e os lagartos. E o calor era infernal. O suor descia em cascatas por trás do chapéu azul da cavalaria. As mãos, dentro das luvas, ficavam ensopadas com aquele clima horrível!
Por isso quando a oitava cavalaria foi designada para um território longe demais, nenhum dos soldados comemorou. Era mais uma cavalgada infernal, mais uma viagem rumo ao deserto infame. Só que dessa vez eles tiveram uma surpresa. Foram parar em um lugar até muito bonito. A fronteira entre o território onde os apaches foram levados e o território do homem branco que a cavalaria deveria defender, não era muito distante.
Havia duas colinas separando os dois mundos. No meio das duas colinas havia um lindo rio das águas mais limpas que você possa imaginar. Essas águas vinham direto das montanhas. O rio era formado do degelo da neve do alto dessas montanhas. Era uma coisa linda de se ver. O rio era azul feito o céu. Os soldados lhe deram o nome de Blue River.
Como estavam cansados demais, tiveram autorização de seus oficiais para tirarem suas roupas, para nadar naquelas águas maravilhosas. Só uma coisa eles não deveriam fazer: beber diretamente do rio. Só podiam fazer isso depois de ferver a água. Precaução contra doenças, estava no manual do soldado americano.
Nadar naquelas águas era uma maravilha e todos se renderam a elas. Quer dizer, todos não. O comandante ficou firme em seu cavalo. Depois desceu e se encostou preguiçosamente em uma pedra. E ele não conseguiu esconder o prazer de estar em um lugar tão bonito! Ainda mais para um sujeito que acabara de chegar de um lugar de morte e destruição. Não fazia muito tempo estava coordenando seus homens no enterro dos militares da sétima cavalaria, mortos na emboscada às tropas do General Custer. Ele mesmo havia participado do reconhecimento do cadáver do general.
Sair daqueles campos da morte para depois ir parar em lugar de cartão postal como aquele era mais do que bem-vindo, era uma maravilhosa consolação. Ele então se deitou e relaxou. Parecia muito relaxado. Estava em paz consigo mesmo. Tirou as luvas cheias de poeira do deserto e as colocou de lado. Ele poderia morrer ali mesmo, nunca mais sair daquele paraíso, que para o velho militar estava tudo bem. Estaria tudo justificado.
Para um homem de 50 anos, já sentindo o peso da idade, era mais do que agradável ficar ali vendo aquelas belas águas azuis. Só que nem ele e nem seus homens prestaram a devida atenção pois no alto da colina dos índios, começavam a chegar mais e mais guerreiros Apache. A coisa estava prestes a mudar.
O único som que se ouviu foi a da flecha cortando o ar...
Ela saiu do alto da colina e foi direto ao alvo, nas costas de um dos soldados...
O ataque havia começado...
Capítulo 4 – A Emboscada
O silêncio foi quebrado pelo zunido das flechas. Uma após a outra, elas atravessaram o ar quente e seco, cravando-se nas costas e nos peitos dos soldados desprevenidos. Os gritos ecoaram pelo vale, confundindo-se com o barulho dos cavalos que relinchavam em desespero. O comandante, ainda deitado na pedra, levantou-se num salto, puxando o revólver. Gritou ordens que ninguém mais podia ouvir — o caos havia se instalado.
Os apaches desciam pela encosta como sombras, ágeis e certeiros. Tinham o sol a seu favor, e o reflexo das lanças parecia o brilho de lâminas sagradas. Em poucos minutos, o acampamento se transformou em um cenário de massacre. A água azul do rio começou a tingir-se de vermelho.
Byron, que observava tudo do outro lado da colina, viu o desastre se repetir. Little Bighorn não tinha terminado — apenas mudara de lugar.
Capítulo 5 – O Rio dos Mortos
Quando a poeira baixou, restavam apenas ruínas humanas e ecos distantes dos gritos. Byron aproximou-se com sua patrulha de reconhecimento, montando devagar. O cheiro de sangue e pólvora se misturava ao da terra quente. O Blue River, antes cristalino, agora era um espelho turvo onde boiavam chapéus, botas e corpos.
Um soldado de sua tropa fez o sinal da cruz.
— Deus nos abandonou, Major? — perguntou ele, a voz trêmula.
Byron permaneceu calado. Sabia que aquilo não era obra do acaso, mas o resultado direto da arrogância do Exército em insistir em terras que não lhes pertenciam.
A guerra com os nativos era, para ele, uma sentença de repetição: sempre os mesmos erros, sempre as mesmas mortes.
Capítulo 6 – O Prisioneiro Apache
Enquanto exploravam o campo, encontraram um homem ferido entre as rochas. Era um apache, jovem, mas com o olhar firme. Tinha uma flecha quebrada atravessando o ombro.
Byron ordenou que o trouxessem ao acampamento.
Naquela noite, sob a luz das fogueiras, o apache falou em um inglês precário, aprendido com missionários. Chamava-se Tasunke. Disse que não lutavam por ódio, mas por vingança:
— Vocês enterraram Custer. Nós enterramos nossos filhos.
Byron ouviu em silêncio.
Aquelas palavras ficaram martelando em sua mente por horas. Pela primeira vez, ele começou a se perguntar quem eram, de fato, os invasores.
Capítulo 7 – Ecos da Noite
Na madrugada, o acampamento foi envolto por um vento frio vindo das montanhas. Byron acordou com o som distante de tambores — ou talvez fosse apenas o eco de sua consciência. Caminhou até o rio. As águas já estavam limpas novamente, como se o massacre nunca tivesse acontecido.
Enquanto olhava o reflexo da lua, viu algo que o fez gelar: o rosto de Custer. Não como o cadáver mutilado que vira, mas sereno, fitando-o com olhos que pareciam acusar.
Byron caiu de joelhos. O vento cessou, e o silêncio pesou como chumbo.
A partir daquela noite, ele começou a ouvir vozes — sussurros em línguas que não compreendia, vindo da ravina.
Capítulo 8 – O Julgamento dos Mortos
Dias depois, ao tentar deixar a região, a tropa começou a desaparecer misteriosamente. Um a um, os soldados sumiam durante a madrugada. Os cavalos eram encontrados vagando sem montaria.
Byron organizou buscas, mas tudo o que encontravam eram pegadas que terminavam nas margens do rio. Nenhum rastro além disso.
O velho sargento Harlow jurou ter visto figuras à beira da colina — guerreiros apaches montados, mas translúcidos, como fumaça. Byron mandou que calassem a boca, mas ele mesmo já não acreditava no que via.
O lugar estava amaldiçoado.
Capítulo 9 – A Ravina
Certa manhã, restavam apenas Byron e dois homens. Resolveram atravessar a ravina para sair dali. O caminho era estreito, ladeado por rochas altas.
De repente, ouviram um som agudo — não de flechas, mas de algo mais profundo, quase espiritual.
Uma sombra surgiu entre as pedras. Era Tasunke, o apache ferido, montado num cavalo negro.
— Eu te avisei, Major — disse ele. — Os espíritos da ravina não esquecem.
Antes que Byron pudesse responder, uma força invisível o derrubou da sela. As rochas tremiam. E então ele viu — centenas de guerreiros, brancos e índios, mortos, misturados, marchando juntos. Todos com os olhos vazios.
O vento da ravina rugia como um lamento de almas perdidas.
Capítulo 10 – O Último Relato
Dias depois, um grupo de batedores encontrou o cavalo do Major Byron vagando perto de Fort Lincoln. No alforje, havia apenas um caderno — o mesmo onde ele costumava anotar suas observações de campanha.
As últimas linhas estavam manchadas de sangue e difíceis de ler. Mas ainda se distinguia o final:
“Não há vencedores nesta guerra. Só mortos.
Custer, os apaches, os meus homens — todos descansam agora no mesmo chão.
A ravina levou tudo. E quando o rio correr azul de novo, talvez o céu nos perdoe.”
Ninguém nunca encontrou o corpo do Major Paul Byron.
Epílogo – Vozes da Ravina
Os anos passaram, e o vale de Little Bighorn tornou-se um campo de lembranças.
Dizem que, nas noites frias de verão, é possível ouvir cavalos correndo nas encostas e vozes sussurrando o nome de Byron.
Outros juram ver, sob o luar, um homem de uniforme azul olhando o rio, imóvel, com um caderno nas mãos — como se ainda procurasse entender o que a morte tentara lhe ensinar.
Pablo Aluísio.

Morte na Ravina
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The End
ResponderExcluirPablo Aluísio