O filme que mudou a carreira de Al Pacino para sempre foi obviamente "
O Poderoso Chefão" de 1972. É surpreendente saber que esse foi apenas o terceiro filme de sua recém inaugurada filmografia. Que ator teria a honra de participar de um filme tão importante assim logo no começo de sua filmografia? Foi um lance de sorte que nunca mais se repetiria. Antes disso ele havia participado de uma série policial de TV chamada "NYPD" (Departamento de polícia de Nova Iorque) e de apenas mais dois outros filmes para o cinema, a comédia dramática "Uma Garota Avançada" sobre uma jovem estudante tentando ganhar a independência em sua vida e o visceral "Os Viciados", drama sobre um grupo de dependentes químicos, viciados em heroína, que frequentavam um parque de Nova Iorque.
Apesar do curto currículo nada impediu que Francis Ford Coppola escalasse Al Pacino para interpretar Michael Corleone, o caçula da família Corleone, aquele que o pai queria que ficasse longe dos negócios sujos da família, o que iria ter uma vida normal, que iria se formar, ter uma profissão e que não iria sujar as mãos de sangue com as coisas da máfia. Conforme a história do filme ia avançando também iríamos descobrir que tudo no final iria cair nos ombros de Michael, apesar de todos os planos de deixá-lo fora do mundo do crime.
Uma das principais razões para que Coppola escolhesse Al Pacino era obviamente sua descendência italiana, algo que era necessário na escolha do elenco. O curioso é que Pacino era um dos poucos verdadeiros ítalo americanos do casting. Brando, por exemplo, era um americano nato, um ator nascido no meio oeste, sem qualquer ligação familiar com os imigrantes italianos que vieram para a América. Assim Pacino era a carga genética necessária para trazer autenticidade naquele grupo de personagens. "Foi uma escolha até muito natural. Ele era jovem e não tinha muita experiência, mas o talento estava lá. Além disso ele era italiano em tudo, no rosto romano, nos gestos, no temperamento, era a escolha mais certa possível" - explicaria o cineasta alguns anos depois.
É uma espécie de consenso entre os cinéfilos que o filme "
Um Dia de Cão" é um dos melhores filmes da década de 70. Todos os ingredientes que faziam o menu do cinema realista daquela época estavam em cena. Os personagens crus, a sujeira das ruas, a truculência de bandidos e policiais. A violência tanto real como psicológica. A obra assinada pelo diretor Sidney Lumet impressionava. O filme era um soco bem no meio do estômago, sem dó e nem piedade. Na história Pacino interpretava um assaltante pé de chinelo chamado Sonny. Para que seu namorado pudesse fazer uma cirurgia ele resolvia assaltar um banco, só que nada muito bem planejado ou organizado. Assim que a polícia chegava no local iniciava-se um caos, com um criminoso insano e desequilibrado que não conseguia tomar qualquer decisão sensata. Al Pacino aos berros e com olhar vidrado chamou mais uma vez todas as atenções para si. Por sua atuação intensa acabou sendo indicado mais uma vez ao Oscar de Melhor Ator. Só não ganhou porque muitos achavam que ele já estava sendo priorizado demais pela academia, desde os anos anteriores, pela saga "O Poderoso Chefão". O filme aliás colecionou indicações, mas no final da noite só conseguiu ser premiado pelo brilhante trabalho do roteirista Frank Pierson. O escritor não pôde comparecer na noite e mandou seu colega de letras, Gore Vidal, receber a estatueta.
Para Pacino não ter sido premiado foi o de menos. Ele estava no auge da carreira. No ano anterior ele também havia sido indicado ao Oscar por "
O Poderoso Chefão II". Assim estava na crista da onda. Anos depois Pacino comentaria sobre sua atuação em "Um Dia de Cão", afirmando: "Gostei desse papel. O Sonny também era um criminoso, mas ao contrário da família Corleone, era um pobre coitado. Procurei dar a ele o melhor em termos humanos, mas sem deixar de lado o fato dele ter nuances de um psicopata".
"
Justiça Para Todos" é um dos grandes filmes da carreira de Al Pacino. Hoje em dia o filme já não é tão lembrado, se tornando injustamente subestimado. Em uma fase excelente de sua carreira, o ator acabou atuando excepcionalmente bem nesse drama de tribunal. Aqui ele interpreta um jovem advogado que entra em um caso que ele definitivamente não acredita. O seu cliente é um juiz de direito acusado de estupro. O sujeito é do tipo asqueroso, antiético, infame. O advogado personagem de Pacino o conhece muito bem, mas tenta cumprir sua função da forma mais correta possível. O título original em inglês, a expressão constitucional "...And Justive For All" (...e justiça para todos) é usada quase como uma triste ironia, mostrando que no meio judiciário americano existia muita corrupção, muita ilegalidade, bem diferente do que muitos cidadãos pensariam existir. A justiça? Mero detalhe jogado ao lado.
Outro aspecto a se elogiar no trabalho de Al Pacino é que ele está mais contido do que o habitual, sem explosões de fúria ou algo do tipo. Seu trabalho mais introspectivo, como se estive implodindo, ao invés de explodir, acabou lhe valendo uma indicação ao Oscar, algo completamente merecido. Anos depois o próprio ator relembraria do filme numa entrevista, dizendo que havia assistido uma reprise do filme na TV e que tinha ficado orgulhoso de seu trabalho em cena. Ele estava em uma fase tão elogiada que isso acabava se tornando quase uma rotina, uma banalidade, uma vez que nessa fase de sua filmografia era quase certo ter uma indicação por ano ao Oscar, tamanho era seu prestígio entre a crítica e os membros da Academia. Também acabou sendo indicado ao Globo de Ouro onde foi considerado o favorito. Só não ganhou mesmo por um mero capricho do destino.
No começo da década de 1980 Al Pacino ficou praticamente dois anos sem lançar nenhum filme. Os convites chegavam até ele, mas o ator parecia mais interessado nos palcos do que nas telas. Durante esse período ele se dedicou ao teatro em Nova Iorque até que em 1982 o diretor Arthur Hiller lhe enviou um roteiro escrito por Israel Horovitz. Era uma história bem interessante sobre um autor de peças da Broadway que passava por uma grande tensão familiar e profissional decorrente da estreia de sua nova peça. Pacino que estava tão submerso no meio teatral gostou muito do que leu. Assim aceitou o convite para atuar como o protagonista de "Author! Author!" que no Brasil recebeu o título de "
Autor em Família". De certa maneira era um filme menor, com produção mais modesta, feito para um público mais específico, ligado ao mundo do teatro. Pacino assim voltava ao cinema de uma maneira mais sutil, mais artística. Colecionando boas críticas ele acabou sendo indicado ao Globo de Ouro na categoria Melhor Ator - Comédia ou Musical, pois os membros do prêmio entenderam que o filme tinha mais potencial de comédia de costumes do que drama, o que de certa maneira era uma visão bem absurda.
Apesar da boa repercussão por parte da crítica, as bilheterias foram consideradas mornas. Pacino já não parecia mais ser o grande astro dos tempos de "O Poderoso Chefão". Ao contrário disso investia cada vez mais em um tipo de cinema mais intimista, autoral. Correr riscos já não parecia muito fazer sua cabeça. Em Hollywood porém você não pode ser tão cult assim, pois os estúdios visam principalmente o sucesso comercial, uma vez que a roda comercial da indústria cinematográfica não pode parar de girar. É sempre necessário gerar receitas e mais receitas e o valor de um ator é medido não pela qualidade de seus filmes, mas sim pela capacidade de gerar boas bilheterias, acima de tudo.
Voltar ao sucesso era algo necessário para Pacino naqueles anos. Seu agente então lhe mostrou o roteiro do novo filme de Brian De Palma. Tudo parecia se encaixar muito bem. O roteiro era escrito pelo prestigiado Oliver Stone, um veterano da guerra do Vietnã, que havia se destacado por causa de seus textos viscerais. Para Pacino parecia ainda mais perfeito porque o protagonista era um gangster, tal como o que ele havia interpretado na saga "O Poderoso Chefão". Embora o novo projeto fosse um remake de "Scarface - A Vergonha de uma Nação" de 1932, tudo era repensado. A ação não se passaria mais nos anos 30, mas sim nos anos 80, em uma Miami cheia de traficantes e cocaína. "Scarface" assim foi escolhido por Al Pacino para ser seu retorno triunfal nas grandes bilheterias. Um filme feito para fazer muito sucesso comercial, mas será que daria realmente certo?
Hoje em dia "
Scarface" de Brian De Palma é considerado um filme cult, porém na época de seu lançamento houve inúmeras críticas. O termo mais usado para definir essa fita foi "exagerada". Havia excessos por todas as partes, da violência, dos palavrões, da quantidade de cocaína, dos tiros e o mais surpreendente de tudo, da atuação de Al Pacino. Ele foi criticado por ter exagerado na dose. A atuação do ator foi dita como puro overacting! Essa era uma resposta nova em termos de Al Pacino, logo ele que sempre foi tão elogiado pela crítica. Alguma coisa havia saído dos trilhos. Em termos de bilheteria o filme não foi um fracasso comercial como muitos disseram. Ao custo de 25 milhões de dólares a fita fez 44 milhões apenas no mercado americano. Se não era um hit ou um sucesso, pelo menos cobriu seus custos de produção, deixando um bom lucro para os estúdios Universal.
O interessante é que Pacino não ficou insatisfeito com sua atuação de uma forma em geral, mas sim pelo fato de ter interpretado outro mafioso. Ele não queria se repetir ano após ano, tentando recuperar o que havia sido deixado para trás nos filmes da franquia "O Poderoso Chefão". Para Pacino o importante era variar mais em seus personagens no cinema. Repetir-se não era um dos seus objetivos, mesmo que isso significasse excelentes cachês ou boas bilheterias de cinema. Para Pacino o desafio sempre falaria mais alto.
Assim ele resolveu dar mais um tempo. Ficou dois anos fora das telas. Voltou aos palcos, ao teatro em Nova Iorque. Havia uma certa mágoa por parte do ator das críticas que lhe foram feitas. Em 1985 ele decidiu retornar após fazer uma escolha bem ruim. Pacino decidiu que iria estrelar o novo filme de Hugh Hudson chamado "
Revolução". Era um drama épico, histórico, sobre os revolucionários americanos que lutaram pela independência de seu país no século XVII. O filme não foi uma produção tão cara como foi dito na época (custou em torno de 28 milhões de dólares), mas as bilheterias foram pífias. O público não se interessou em nada pelo filme. No primeiro fim de semana o filme só conseguiu arrecadar 50 mil dólares. Em poucos dias todos os jornais americanos estampavam que o novo filme de Al Pacino havia se tornado um dos maiores fracassos de bilheteria da história. Um fracasso monumental.
Depois do fracasso comercial do filme "Revolução", Al Pacino resolveu dar um tempo no cinema. Ficou quatro anos afastado das telas. Nesse meio tempo decidiu reavaliar os rumos de sua carreira, ao mesmo tempo em que se dedicava ao grande amor de sua vida: o teatro. Ele participou de peças em Nova Iorque e ficou tão absorvido por esse universo que não sentiu saudades de Hollywood e da indústria cinematográfica. Ele estava bem no teatro e não estava disposto a voltar tão cedo para a costa oeste para rodar uma nova produção. Só veio a aceitar a atuar novamente no cinema quando recebeu um convite do diretor Harold Becker para estrelar o filme policial "
Vítimas de uma Paixão". Era um roteiro interessante, escrito pelo bom roteirista Richard Price. No enredo Pacino iria interpretar um tira de Nova Iorque que tinha que investigar uma série de mortes provocadas por um serial killer que atraía suas vítimas através de anúncios de relacionamentos no jornal.
Pacino só fez uma exigência para trabalhar nesse filme, que ele fosse rodado em Nova Iorque, justamente para que ele não precisasse deixar a cidade durante as filmagens, pois queria continuar a atuar em suas peças na cidade. O elenco trazia ainda a bela e sensual Ellen Barkin e o bom ator John Goodman, amigo de Pacino dos velhos tempos. Foi um filme de orçamento mais modesto, pois Pacino estava com pavor de atuar em grandes produções como havia acontecido em "Revolução". Ele não queria mais aquele tipo de responsabilidade. Quando chegou nas telas, "Sea of Love" (seu título original) foi bem nas bilheterias. A crítica também gostou, fazendo com que Al Pacino finalmente retomasse sua carreira na sétima arte.
Em 1990 Al Pacino atuou em "
Dick Tracy", algo completamente novo em sua carreira, uma adaptação de um antigo personagem dos quadrinhos. Foi um projeto muito pessoal do ator e diretor Warren Beatty. Também contava no elenco com a superstar Madonna. Foi uma superprodução muito divulgada e promovida pelo estúdio, mas que no final das contas não fez o sucesso esperado. O detetive andava meio esquecido do público. Para Pacino foi uma experiência nova que por outro lado não agradou muito os que gostavam de seu trabalho no cinema. Além de usar uma maquiagem esquisita, Pacino estava muito exagerado no filme. Um tipo de papel que não lhe caia muito bem. Afinal Pacino era considerado um ator sério de Hollywood e aquele vilão bobo, cheio de caretas, não iria trazer nada de muito positivo para sua carreira.
O ator então quis dar uma grande volta por cima na aguardada continuação intitulada "
O Poderoso Chefão III". Era a terceira e última parte da trilogia que havia criado um mito em torno de seu trabalho. Al voltava a interpretar Don Michael Corleone, agora um homem destruído pelo próprio mundo do crime que ajudou a construir. O filme contou com uma grande má vontade por parte da imprensa americana. Francis Ford Coppola estava de volta à direção, mas nem isso serviu para que a crítica baixasse o tom negativo. Some-se a isso a escalação de Sofia Coppola. A imprensa acusou Coppola de nepotismo, além de ter falado muito mal da própria Sofia, considerada uma má atriz. Tudo parecia contra. Apesar de tudo foi um bom filme, muito embora tenha sofrido todos os tipos de críticas possíveis. Com toda essa onda negativa o filme acabou rendendo muito menos do que era o esperado, levando o título de "pior da série", um verdadeiro desperdício. Não era para tanto. O filme tinha seus méritos, só que não foi reconhecido na época de seu lançamento.
Pablo Aluísio.