quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

O Vampiro de Versalhes - Parte 5

Sobre a Vida (ou a Morte)
Normandia,  2 de março de 1883
Faz mais de um ano que deixei Paris. Eu sempre amarei essa cidade, estará sempre em meu coração, mas devo seguir em frente. Algumas vezes percebemos que o ambiente está saturado, que não há mais como respirar em determinados lugares. Não é a cidade em si, mas as pessoas que moram nela. Dentro de duas ou três gerações eu poderei voltar, quem sabe, quando todos esses moradores estiverem com a morada nas catacumbas da cidade. Simplesmente não quero ver mais essa gente. 

Aliás já parou para pensar que a maioria das pessoas que habitam suas lembranças nem existem mais? E não estou falando apenas de pessoas que morreram, mas também das pessoas que mudaram sua aparência. Sabe aquela paixão da adolescência? Esqueça! Ela é outra pessoa agora, muito provavelmente completamente mudada. As pessoas mudam. Por isso as suas lembranças são povoadas de pessoas que simplesmente não existem mais. Eis uma realidade. E nem precisa ser imortal para bem entender isso. 

Ora, daqui cem anos ninguém mais saberá quem você foi. Isso se você for uma pessoa comum e não o Alexandre, o Grande, ou o Júlio César. Esses sempre serão lembrados pela história. Mas você aí, que tem um trabalho simples, que leva uma vida bem anônima, não se engane, uma ou duas gerações após sua morte ninguém mais se lembrará que um dia você exisitu. A vida é muito efêmera, muito passageira. A maioria das pessoas, a imensa maioria dos seres humanos, não importa muito. O tempo, senhor de tudo, jogará as areias dos anos sobre suas lembranças. Nem seus parentes distantes saberão que voce um dia existiu e isso é tudo. Faça o teste. Procure se lembrar de seus antepassados de três ou quatro gerações passadas. Não vai dar... Eles foram esquecidos. Lamento. 

E não me venha com histórias envolvendo a imortalidade da alma. Isso não existe. O conceito de Alma foi inventado pelos gregos. Nem os judeus antigos, do velho testamento, sabiam o que era alma. Se algum religioso lhe ensinou o contrário, saiba que ele lhe enganou, ou por ser um picareta mesmo ou por ser um ignorante. As duas situações não são nada boas! 

O conceito de Alma é puramente filosófico. Os gregos eram mestres em filosofia, em pensamento abstrato. Então diante da efemeridade da existência eles criaram um pensamento que trouxesse algum conforto para pessoas que estavam vivendo o luto. No conceito de Alma ninguém morrerá jamais. A Alma do seu parente morto viverá para sempre! É um pensamento que reconforta, mas que também não tem base nenhuma na esfera da ciência. 

E por falar em religião as pessoas comuns pensam que os vampiros são seres religiosos que acreditam em céu e inferno, que são seguidores do Diabo e tudo mais. Que bobagem! Sabe aquela história boboca de que um vampiro sempre sairá correndo quando confrontado com uma cruz cristã? É uma grande lorota disseminada pelos livros góticos. 

Durante praticamente toda a minha existência vivi trabalhando como especialista em antiguidades, inclusive peças e obras de arte religiosas. Nunca aconteceu nada comigo, nunca me fizeram mal nenhum. Pelo contrário, sou até admirador de arte sacra, vejam só! E tomei gosto por arte antiga, tanto que continuo trabalhando como antiquário, mesmo sendo podre de rico com a fortuna da condessa russa. E você pode se perguntar porque ainda faça esse trabalho? Bom... é um hobbie dos mais agradáveis... Adoro colocar as mãos em peças antigas, estudá-las, catalogar uma coleção. Isso é cultura, é arte. Nada mais prazerosos do que lidar com esse tipo de coisa. É um dos prazeres da minha existência. 

Então tudo o que se lê nos livros e se vê nas peças teatrais é pura mentira? Nem tanto. Temos problemas com a luz solar. Eu não posso andar pelas ruas da cidade com sol a pino, no calor do meio-dia. Se eu fizer algo assim certamente vou queimar até os meus ossos virarem pó. Não sei a razão. Provavelmente o vampirismo seja alguma modificação genética causada por algum tipo de vírus. Eu não sou cientista, mas tenho vontade de estudar o tema. O problema é que a maioria dos cientistas acredita que essa coisa de vampiro é pura cultura pop, que não passa de folclore. Ninguém pode condená-los por pensar assim. Esses conceitos todos são bem absurdos, vamos ser bem sinceros nessas linhas.

E aqui entro, mesmo que brevemente, na questão alimentar. Veja, em minha existência não preciso de uma montanha de corpos humanos ao meu redor. Isso seria intolerável. Nada é mais complicado do que se livrar de um corpo humano. Pesam demais, começam rapidamente a cheirar mal. Um horror estético, devo dizer. É a parte de ser um vampiro que menos aprecio. Um único ser humano alimenta um vampiro equilibrado por cerca de 30 dias. Numa continha rápida, só preciso me alimentar 12 vezes ao ano, algo que sigo na regra, na risca, sem exageros. 

E também não gosto de caçar muito os seres humanos. Basicamente sou um oportunista da noite. Não fico fazendo emboscadas, só quando odeio minha presa. Na maioria das vezes apenas fico ciente que está chegando o dia que devo me alimentar e vou ficando mais atento com as oportunidades que a noite traz. 

Não adiante sair matando, causando caos nos lugares e cidades por onde se passa. Pelo contrário. Quando me fixo em algum lugar prefiro me alimentar na cidade vizinha ou em outras regiões. Não quero a polícia me investigando, me cercando. 

E também jamais ataco pessoas que conheci recentemente ou que se mostraram boas amigas. Não subestime o poder de uma amizade, principalmente envolvendo pessoas do interior. Você sempre vai precisar de alguma ajuda, de algum serviço. Por isso trato todas essas pessoas muito bem, de forma sincera. Não são meu alimento. São pessoas que merecem respeito e dignidade. 

Acredite em mim, no fundo eu sou um cara legal...

Maximilian,

Os livros, Os Deuses e as Mentiras...
Normandia, 20 de abril de 1884
Olá bela Estefânia, 
Então, você escreveu me pedindo conselhos sobre comprar aquela bela residência nos arredores de Paris. Eu lhe digo que aquela seria, sem dúvida, uma bela aquisição para seus bens imóveis. Lugar bonito, solar, mas que fica essencialmente belo nas noites de lua cheia. Inclusive fiquei tão interessado nessa bela casa que permita-me a ousadia, se você não comprar essa casa, eu o farei, com enrome prazer. Preciso de um lugar fixo para morar. Um belo lugar para passar os dias e as noites sem fim da minha existência. O tempo, penso eu, pode ser infinito. Então que fiquemos por anos e anos em um belo lugar para se viver e quem sabe, em um dia qualquer, morrer...

Eu quero um novo recomeço em minha existência. Os dias de loucos parasitas ficaram para trás. Se há algo que aprendi nessa minha vida é que os livros engrandecem o homem. A busca pelo saber e pela sabedoria é o grande desafio. Oh, como eu tinha uma vida tola! Agora... novos tempos, novos desafios...

E essa bela casa, prezada senhorita, tem uma bela biblioteca, com coleções e mais coleções de livros raros. Só aqueles livros já dariam uma boa quantia caso fosse de seu desejo vendê-los. Eu não o faria. Sempre fui um leitor convicto, adoro ler, por isso não me furtaria a passar horas e mais horas prazerosas a me afundar naquelas páginas amareladas pelo tempo. A sabedoria, por outro lado, nunca ficará obsoleta ou envelhecida. Pelo contrário, o tempo traz a força dos anos passados. Um livro que jamais perde sua força é a maior prova de existência em suas páginas de muita sabedoria de vida de seus autores. Eu adoro ler livros antigos. Eu compraria a casa apenas pela coleção de livros que ali estão. 

Você me pergunta em sua carta sobre aquela edição muito antiga da Bíblia de Gutenberg. Analisei a obra com todo o cuidado e posso lhe garantir, é uma edição legitima, real e vale alguns milhões. Tudo nela está correta, em minha opinião. Há pequenos detalhes que comprovam sua veracidade. A forma como foi confeccionada, o estilo das letras imprensas, as costuras das páginas, a própria capa que sobreviveu ao tempo, tudo comprova que é mesmo uma edição histórica dos tempos em que foi editada. 

Talvez os atuais donos daquela preciosidade nem saibam do que ela se trata. A ignorância parece prevalecer nos dias de hoje e os ricos atualmente são tão ignorantes! E são por conta própria pois não procuraram pela cultura, pelo saber. Não existe nada mais embaraçoso do que uma pessoa extremamente rica e extremamente ignorante, boçal! Quero mais é distância desse tipo de gente. 

Em relação a Bíblia em si, eu não gosto da forma como foi montada. A Bíblia foi escrita em forma de rolos de textos, livros independentes. Nunca passou pela cabeça desses antigos escribas que a escreveram, por volta de seis ou cinco séculos antes de Cristo, que esses velhos livros, tão diferentes entre si, iriam se unir em um único livro chamado Bíblia. Isso é até mesmo um absurdo!

Esses textos tinham personalidade própria, estilos próprios, autores dos mais diversos. Entre um livro e outro inclusive decorreram séculos de diferença. Então o que hoje se chama Bíblia nada mais é do que um absurdo editorial que inclusive é rejeitado pelo povo que o escreveu, o povo judeu. Eles conhecem os textos por si. O resto é invenção de cristão boboca e sem cultura. 

O Velho Testamento é muito mal escrito. Fruto de uma época muito remota da história. Não é culpa dos escribas que escreveram esses textos. Eles apenas não tinham as ferramentas necessárias. Os textos mais antigos não contavam sequer com as vocais! Não tinham sido criados pela humanidade, imagine você! Já o Novo Testamento é coisa de grego nos tempos da era romana. Eram bem mais preparados intelectualmente e criaram uma teologia que, ao meu ver, é pura mitologia, mas que apresenta um pensamento coeso, bem criado. Eram autores inteligentes, abstratos e versados em filosofia. Deu no que deu...

O próprio conceito de sacríficio humano do Jesus na cruz, limpando os pecados do mundo, é bem inteligente. Ele foi o cordeiro máximo! O mesmo vale para aquela coisa toda de ressurreição. O medo da morte atormenta a vida dos seres humanos desde as eras mais primordiais. Ter uma teologia que pregasse a vida eterna, onde o cristão iria vencer até mesmo a morte, era algo absolutamente revolucionário e do ponto de vista humano, algo absolutamente irresistível. O sucesso do cristianismo vem desse pensamento sutil, que conquista corações até os dias atuais...

Eu penso que Jesus foi um homem real que viveu mesmo na Judéia ocupada pelos romanos. Só que ele tentou subverter a ordem política e se deu mal. O termo Messias era usado naqueles tempos como um título de luta política e não espiritual. Messias seria aquele que iria expulsar o invasor romano das terras dos judeus. Apenas isso. Depois ele governaria como um Rei. Não deu certo e ele foi morto na cruz. Não houve ressurreição pois ninguém jamais ressuscitou na história, mas ainda assim devo dizer que a teologia que foi criada em torno disso é algo, como eu disse, bem sutil e inteligente. Acabou criando a maor religião da história. 

Culturalmente estou mais interessado atualmente em livros de economia. Não se engane, a principal motivação dos seres humanos é econômica. Os casamentos, a formação de famílias, as sociedades, as uniões afetivas, tudo passa por fatores econômicos. Os trabalhadores, que geram toda a riqueza, vivem na mais completa pobreza. Uma classe de novos burgueses, sugam toda a riqueza da nação. Nisso sempre concordaram os grandes mestres dessa nova ciência interessante, a economia.

Mas enfim, fica assim minha avaliação. Compre a casa e cuide muito bem de sua rica biblioteca. 

Abraços, 
Maximilian.

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