domingo, 13 de dezembro de 2009

Manuscritos de um Vampiro

Manuscritos de um Vampiro
Segue abaixo mais um lote de manuscritos encontrados nas catacumbas de Paris no final dos anos 1920. Reza a lenda que seria de um Lord Vampiro, há muito desaparecido...

Capítulo 1 - Mil Demônios em seu leito fétido...
Paris, 12 de outubro de 1801
Estive lembrando de novo de uma figura imunda que cruzou meu caminho. Mulher de baixos instintos. Soube que ainda está viva, para minha surpresa. Sim, velha, sim, decrépita, mas ainda respirando. Aliás ela e seus irmãos, todos patifes da pior laia, ainda vivem e andam sobre a Terra. Daí eu me pergunto, como isso seria possível... Volto a dizer, que não existe nada. Nem um céu acima de nós e nem um inferno abaixo de nossos pés. É tudo invenção, tudo mitologia. 

Caso existisse algo desse tipo, mulheres como essa, que se dizem crentes em Deus, mas que no fundo são hipócritas malditas, já teriam virado pó. Um pastiche cremoso, feito de suas visceras. Mas como nada existe mesmo, elas caminham sobre a Terra de forma livre, leve e solta. Ainda são imundas, mesmo com o passar dos anos. Como são velhas de decrepitude a carne fede, os homens pegam nojo, ainda mais com suas personalidades cheias de preconceito, racismo e escrotidão. São mulheres escrotas no mais alto nível que você possa imaginar. Duas irmãs que vivem na sarejta moral e espiritual. 

De qualquer forma como sou um vampiro, que muitas pessoas não acreditam existir, vou deixar aqui uma oração negra de maldição, velha tradição da literatura do mal-dizer, muito em voga em eras passadas. Era uma forma de amaldiçoar o próximo ou a próxima. Eis minhas palavras nesse sentido, dirigidas para HM. Queima freira do Diabo, queima...

"Oh, seres das trevas...
Amaldiçoem as pegadas dessa velha imunda
Que Mil Demônios avancem sobre ela, de noite, de dia, a qualquer hora...
Que suas imundicies que saem de sua boca voltem para ela...
Que a miséria de sua alma fétida corroe suas entranhas...
Que o sono fique perturbado, que seja feito de pesadelos...
E que pela manhã o câncer que já esteve em seu corpo avance...
Avance, tome os órgãos, todos eles...
Destrua a imunda, destrua, por dentro, em todo lugar...
Coma suas vísceras, como o verme come os corpos apodrecendo nas covas do cemitério...
A carne fedendo, as unhas pretas, o cheiro de podridão...
E que ela seja enviada para seu lugar natural...
A mais baixa profundida do infernos...
Onde beijará as placas ardentes do submundo do reino das trevas...

Está lançada a praga, está lançada a maldição eterna..." 

Capítulo 2 - Encontro noturno em Portugal
Lisboa, 15 de dezembro de 1802
Eu estive em Portugal poucas vezes em minha vida. Hoje estou aqui. Ontem me encontrei com um senhor vampiro chamado Andrade Soarez. Ele é um velho vampiro, de muitos séculos de existência. Visualmente parece ser um senhor distinto, cabelos grisalhos e tudo mais. E realmente é uma presença agradável. Sabe aquelas pessoas gentis que você reconhece até mesmo em pequenos gestos. Pois bem, era o caso dele. Fomos para uma pequena cantina numa alameda do centro de Lisboa e conversamos durante duas horas naquela noite. Ele reclamou bastante dos jovens da noite, vampiros com menos de 200 anos de existência. Para ele era um bando sem salvação, um bando de vagabundos!

Não que não houvesse vampiros ruins no passado, ele confessou que havia. Foi mais além e disse que determinadas casas ou clãs eram formadas apenas por gente de esgoto, asquerosos, gente sem nenhum tipo de valor humano ou inumano. Era a escória em sua palavra. Citou um velho vampiro muito antigo de uma casta tradicional. Disse que o chefe desse clã era miserável e avarento e que todos os seus 11 filhos eram seres desprezíveis. Ele perdeu o filho mais velho, que acabou caindo dentro de sua própria armadilha. Depois disso assumiu a coordenação do clã o segundo mais velho. Um homem impotente e que por baixo de uma aparência de vampiro honrado, era ladrão e golpista. 

Os demais não valiam muito. Havia três irmãs mais velhas, três víboras. Uma era mística fanatizada, a outra uma megera incurável e a mais jovem uma canalha pérfida. Mulheres da noite tão feias que não arranjaram pretendentes. Pareciam morcegos atrofiados, aleijados. Os demais irmãos mais novos eram em essência patifes. Todos envolvidos em redes de prostituição, bebedeiras e crimes dos mais diversos tipos. Um deles precisou fugir acusado de roubo de dinheiro público. Terminou sua vida (ou morte, já que vampiros supostamente teriam vida eterna) como um aleijão que mal conseguia se levantar de uma cadeira. Mesmo debilitado e sem forças, continuava o mesmo ser desprezível. 

Esse clã familiar vampiro não resistiu ao tempo. Demorou, mas aos poucos todos foram desaparecendo. Uma ninhada de ratazanas. O senhor então bebeu sua última gota de vinho e me confessou que a tal vida eterna também havia se tornado um fardo, ainda mais agora que ele finalmente compreendia que o ser humano era um projeto que deu errado. Passavam os séculos e os mesmos erros eram cometidos, inclusive na sociedade, dentro da política, das comunidades de uma maneira em geral. Agora, com séculos nas costas ele só queria desapatecer de uma vez por todas, numa esquina escura de uma cidade portuguesa. E foi justamente isso que ele fez após se despedir da minha presença, com breves palavras finais. 

Capítulo 3 - Oh Morte, Venha a ela...
Paris, 8 de janeiro de 1824
Oh Helena, pessoa sórdida e vil!
Que sua boca seja invadida por sangue de hemorragia, que a luz de seus olhos se apaguem, que você sofra todos os males possíveis e imagináveis. Que se afogue em seu próprio sangue e perversidade, que o mau cheiro de suas entranhas entre em suas narinas e de lá nunca mais saiam... Que você sofra muito em suas últimas horas nessa existência miserável que você vive. Que os vermes decompositores rejeitem sua carne podre no caixão!

Que ao morrer seus restos mortais de chorume cadavérico sejam jogados numa caçamba de lixo e não em um túmulo, pois nem isso você merecerás! Joguem no lixo essa pessoa imunda, esse ser humano de quinta categoria, esse estrume, escória, imundície suprema... Que o lixo e a lama sejam seus últimos companheiros nessa vida desgraçada que levas...

Eu estarei na beira de seu túmulo onde vou me encher de pus fédido para cuspir em seus dejetos cadavéricos. Aquele pus amarelo fedorento escorrendo de sua foto péssima... Eu anseio por esse momento... Vou cuspir, cuspir e cuspir em sua memória... Que você morra muito em breve, que tenha muito sofrimento, que caia no descrédito e na humilhação coletiva, que seu nome seja motivo de escárnio e ofensa pelos séculos que virão...

Tu não és nobre, tu és lixo putrefato... Eu como vampiro vou olhar para você em seu último refúgio e cuspirei em seus restos mortais, Oh Helena, morra, morra eternamente na escuridão de sua própria imundície pessoal e que leve com você todos esses seres sórdidos que você chama de família... Oh Helena, apodreça, apodreça...

Capítulo 4 - Helena
Paris, 11 de janeiro de 1824
Ontem reencontrei um velho amigo, Lord Constance. Como sempre estava muito elegante e charmoso. Velhos vampiros não aprendem truques novos, muito embora educação e elegância já não tenham a mesma força atrativa para essas jovens de hoje, todas muito frívolas e superficiais. Pois bem, foi um breve, mas traumático encontro. Não pela presença de Constance, pois sempre gostei muito dele como Lord das trevas e tudo mais, mas sim pelo que ele me contou, quase no final da nossa conversa, quando já estava colocando seu bonito chapeu para se retirar. Eles se virou para mim e fez a pergunta fatal: 

- Você soube de Helena Margot?

Fiz cara de surpresa, mas escondendo fúria e raiva incontroláveis pois Helena era o nome proibido no meu caso, ainda mais depois de tudo o que aconteceu...

- Não estou sabendo de nada...

Constance então colocou as mãos em meus ombros, como se estivesse me preparando para a informação que iria me abalar. Ele olhou em meus olhos fixamente e disparou...

- Helena Margot morreu ontem em Paris. Ela estava com 94 anos de idade! Estava com demência avançada, além de Mal de Parkinson e havia sido abandonada em um asilo nos arredores da cidade pelos últimos familiares que lhe restavam...

Foi como receber uma estaca final em meu coração! Senti o sangue jorrar de meu coração falecido... Foi muito doloroso... Fiz rosto de pessoa consternada, um pouco teatral, mas foi isso... Não me veio mais nada à mente... Estava chocado demais para reagir, para falar algo que fosse minimamente coerente ou complexo... 

Ele então, percebendo que eu tinha ficado abalado, pediu desculpas, falou que tinha que ir e que havia sido muito bom me reencontrar... Com os olhos marejados, úmidos, ainda consegui dizer a ele:

- Claro Constance, o prazer foi todo meu... - Então ele virou-se e foi embora. 

Fiquei sozinho olhando o luar. Estava arrasado... Eu havia amaldiçoado o nome de Helena Margot por muitas décadas, mas a verdade é que a simples citação de seu nome ainda me abalava. Eu estava em choque! 

Helena, Helena... Nunca houve uma beleza como Helena... A amei e a odiei em doses extremas, sem meio termo... Ódio e Amor nas mesmas proporções... Provavelmente o único amor que tive em toda a minha existência... Eu tenho que enfrentar meus demônios interiores e contar nossa história, o que ocorreu no passado. Quero deixar registrado no papel nossa história. E é o que farei, nobre amigo, nas próximas cartas que irei lhe escrever...

Capítulo 5 - O Baile
Paris, 23 de janeiro de 1824
De acordo com o que lhe escrevi na última carta aqui vao algumas recordações que tenho de Helena Margot, que ja amaldiçoei em inúmeras vezes nas noites eternas em que vago sem rumo pelas ruas desertas e escuras em Paris. Hábito que admito, amo de coração, acaso tivesse eu ainda um coração batendo em meu peito de puro vácuo. Eu me recordo que a vi pela primeira vez em um salão de festas, um baile dado em homenagem ao filho de um conde que estava se formando em letras jurídicas. Não lembro mais o nome desse nobre. O tempo joga suas areias em nossas lembranças, mesmo as mais marcantes. 

Estava eu andando pelo baile, falando com as damas de ocasião quando surgiu Helena em minha frente. Uma doce donzela na flor de seus 16 anos de idade. Pele maravilhosa, olhos profundamente azuis, cabelos longos, ondulados e loiros como as mais puras e intocadas divindades nórticas. Estava conversando com uma amiga, dando risadinhas, contando alguma coisa engraçada entre elas. Pareciam muito felizes e contentes. E eu, literalmente falando, esbarrei nela sem querer. Estava de costas, bebendo, quando de repente percebi que havia batido em alguém de forma involuntária. O salão estava cheio, era inevitável esse tipo de situação!

- Oh, perdão, senhorita, não foi minha intenção - lhe disse assim que tomei par da situação um tanto embaraçosa...

- Não, tudo bem, fique tranquilo - ela me disse.

- Espero que não tenha derramado o seu copo em seu lindo vestido... - Uma observação pertinente enquanto a olhava de cima a baixo. Na verdade estava inebriado com sua beleza. Com o falso motivo de estar procurando por alguma gota em seu vestido, pude apreciar todas as suas curvas, a beleza de seus seios, a pela de porcelana....

- Não,  não me molhou... até porque se tivesse caído alguma bebida em meu vestido eu estaria louca, louca... - Ela disse sorrindo, aliás dentes perfeitos, brancos, maravilhosos... Fiquei inebriado...

Então puxamos algum tipo de conversa banal, apenas para tentarmos nos conhecer melhor. 

Pude perceber que ela tinha tiradas ótimas, de puro humor, sobre os vestidos das demais damas. Não era algo de maldade, achei tudo de um bom humor realmente cativante. Fiquei muito interessado nela. 

Não era uma adolescente comum. Ela era muito inteligente. Devo dizer que era mais inteligente do que eu, haja visto que ela fez algumas piadas comparando os convidados com alguns personagens de literatura que eu já ouvira falar, mas que não tendo lido os livros me deixou numa situação de humildade intelectual que raras vezes senti. Uma mulher assim era algo notável. Conhecer ela naquela noite me marcou. E não demoraria para nos vermos novamente, em outras situações mais do que interessantes...

Pablo Aluísio. 

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