quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

O Vampiro de Versalhes - Parte 7

O Livro de Sangue
Londres, 19 de janeiro de 1890
Prezada Estefânia,
Como você pode prever, estou de volta e continuo em Londres. Não por causa de assassinos em séries deselegantes, que mais parecem açougueiros de bairros sujos, mas pela simples razão de que encontrei uma boa amizade na cidade. Estou apreciando a companhia de Lord Lancaster, um homem fino e elegante que tem proporcionado à minha pessoa momentos de prazer, pois é um daqueles lords britânicos com ótima conversação. 

Já é um senhor idoso, já passou dos 80 anos, mas penso que tem mais de 500 anos! Ok, você não acredita quando falo que sou um vampiro, porque, como você mesmo não cansa de repetir em suas cartas, vampiros não existem! Tudo bem, respeito seu ponto de vista, mesmo que ele esteja errado. Então imagino agora sua expressão ao ler essa linhas, pelo simples fato de que agora vou afirmar que não apenas eu sou um vampiro, mas meu nobre colega, Lord Lancaster, também é! 

Ele é seguramente um dos vampiros mais antigos da Europa. Um ser que já enfrentou todos os tipos de perseguições e batalhas. Um sobrevivente de nossa classe. Ele não abriu o jogo logo que nos conhecemos. Fui até sua bela casa de interior para tentar adquirir algumas peças antigas, mas acabei me tornando de fato seu amigo. E após muitas noites de diálogos mais do que prazerosos, onde conversamos sobre tudo, de arte a antiguidades, de religião, filosofia, passando até por gastronomia, ele finalmente me contou que era, assim como eu, um vampiro... 

Na verdade ele só me contou tudo porque descobriu antes que eu era uma criatura da noite. Deixou pequenas armadilhas para confirmar suas suspeitas e teve todas as provas de que necessitava. Foi até um momento de puro humor negro britânico quando finalmente nos olhamos e nos deixamos levar pela confissão maior de nossa raça...

- Sim, eu sou um vampiro! - confessei, dando de ombros... Um leve sorriso irônico acompanhou a frase, além do olhar para os lados, afinal o que mais eu poderia fazer naquele tipo de situação?

- Então somos primos, meu amigo! - Disse Lord Lancaster levando ao alto sua taça...

Rimos muito naquele momento... risos sinceros... eu estava mesmo precisando de algo assim...

E assim finalmente relaxamos. Entre as coisas importantes que ele me contou está a existência de uma antiguidade cobiçada pelos vampiros europeus. Trata-se de uma antiga publicação conhecida apenas como "O Livro de Sangue". 

Provavelmente foi escrita e confeccionada na Idade Média. O Lord Lancaster me disse que provavelmente é um livro que data entre 520 a 530 da era comum. Ou seja, tem quase 1500 anos de existência!

Historiadores especializados em Idade Média porém acreditam que esse livro pode ser muito mais velho. Essa fata inicial é apenas a referência do primeiro registro histórico de sua existência. Trata-se de um documento da Igreja Católica. O livro havia sido achado na cabana de uma senhora que estava sendo acusada de bruxaria. 

Ela foi morta na fogueira, pobrezinha, mas o livro acabou sendo levado para o Vaticano. Curiosamente esse precioso e raro livro acabou sobrevivendo às chamas das grandes fogueiras onde a Igreja lançava os livros que entendia ser blasfemos e hereges. Até hoje se discute porque a Igreja não destruiu o livro...

Lord Lancaster acredita que o livro trazia informações preciosas e importantes para o clero católico, informações que ajudariam a Igreja a lutar contra as forças do mal. Por isso seu original foi preservado, para estudos e aprofundamentos por parte dos chamados estudiosos do alto clero do catolicismo.

Como um expert em antiguidades daria tudo, mas tudo mesmo, para colocar minhas mãos nessa preciosidade da literatura medieval. Seria uma peça de extremo valor em minha coleção particular. Eu estava disposto a estudar cada linha de suas páginas, cada detalhe de sua produção medieval. Fiquei muito empolgado ao saber de sua existência!

O Lord Lancaster então me deu uma informação importante. 

- Vá para Madrid, conheça o vampiro Valentino, ele sabe por onde começar suas buscas. Vou lhe escrever uma cartão de recomendação, ele o receberá bem...

E assim foi feito. Lord Lancaster foi mais do que um amigo, foi uma descoberta maravilhosa. Ninguém poderia pensar que um inglês e um francês pudessem se dar tão bem. Estamos acima desse tipo de bobagem de patriotismo. 

Fiz minhas malas imediatamente. Já sabia para onde iria viajar em seguida, após deixar Londres para trás...

Maximilian. 

O Vampiro Valentino
Madrid, 1 de Fevereiro de 1890
Querida Estefânia,
Estou finalmente nessa bela cidade espanhola. Parece minha querida Paris, há arte e história em todos os lugares para onde se olha. Os velhos monumentos, os antigos prédios do passado, tudo ainda está de pé. Deveria ter vindo nessa cidade há muitos anos. Fiquei realmente maravilhado com a arquitetura, com as pessoas, com tudo. Madrid brilha de noite, é uma visão magnífica. 

Há muitos motivos para se conhecer tão belo lugar, mas no meu caso, estou aqui para conhecer Valentino. Quero informações sobre o livro de Sangue, penso que ele, por indicação do Lord Lancaster, poderia me ajudar nessa busca que agora se tornou um tipo de boa obsessão pessoal de minha parte. Temos que ter bons motivos para continuar em frente. Arranjei um novo e muito bom. Está me motivando como há muito tempo não acontecia. 

E afinal quem seria esse Valentino?

Valentino era bem conhecido nos meios obscuros das ruas sombrias da velha Europa. Não se sabe ao certo suas origens. Das informações que obtive, vou aqui deixar um pequeno resumo de suas trajetória. Assim que se tornou um ser da noite ficou obcecado por sangue de lindas virgens. Por seu sotaque e forma de agir ele provavelmente tinha origem além-mar, talvez no distante e exótico Norte da África. Isso talvez explique uma das formas como é conhecido, ou seja, o mouro! Só que Valentino não falava sobre seu passado, como se escondesse algo trágico. E quando não se fala muito sobre o que passou, se abrem janelas para especulações.

Valentino era um vampiro antigo, provavelmente trezentos anos. Dizia-se que havia sido mercador de escravos. Outras fontes diziam que havia criado uma rede de masoquismo no novo continente, o que fez com que fosse perseguido pelos colonos. De uma maneira ou outra, por volta do século XVII ele finalmente subiu em uma velha nau holandesa de madeira e foi para a Europa. 

Essa estranha figura se instalou inicialmente em Lisboa, onde abriu uma taverna que só funcionava a partir do crepúsculo. Ali, dizia-se (sempre muito boatos envolvidos) que ele mantinha uma casa de tolerância com beldades inglesas que importava para Lisboa. Esse vampiro - sim, eu sei do que estou falando - tinha mesmo preferência por mulheres jovens a quem podia sugar o sangue, participando de orgias sexuais sem fim.

A vida devassa e inescrupulosa de Valentino fez com que muitos cruzassem seu caminho. Havia um código de ética entre vampiros europeus e essa sombra noturna estava violando todas essas regras não escritas. Havia rumores que Valentino estaria transformando algumas de suas jovens em vampiras, o que ia contra todo o protocolo de comportamento de um nobre bebedor de sangue humano. 

Fui até onde ele morava. Eu que havia vivido na luxuosa corte de Maria Antonieta, achei seu cabaré  um verdadeiro horror estético. Com cortinas vermelhas escuras, clima de pura decadência moral, não era o lugar adequado para se levar alguém de bom gosto e refinamento. Era sem dúvida um ambiente vulgar!

Valentino sentava-se ao centro do grande salão e comandava suas prostitutas de inferno. Logo percebi que pelo menos duas ou três delas já estavam transformadas. Um absurdo, transformar aquelas mulheres em nobres de sangue. Ele obviamente deveria ser punido.

Valentino havia cruzado um limite. E eu sabia que deveria eliminá-lo depois daquela noite. Mas antes disso, precisava de informações. Fui até onde ele se encontrava e apresentações formais foram feitas. Devo dizer que não gostei de sua presença, não gostei de seu modo de agir. Isso iria facilitar depois quando eu resolvesse lhe atacar...

Ele era alto, tinha cabelos longos ao estilo Louis XIV. Vestia-se bem, mas era facilmente perceptível que não trocava muito a roupa. Parecia suja e surrada. Suas unhas e dedos das mãos eram extremamente grandes. Nos dedos muitos anéis. Parecia um cigano que havia perdido o caminho da volta de seu clã. 

- Então você quer saber sobre o Livro de Sangue? - Perguntou Valentino com olhos semicerrados...

Ele havia acabado de ler a carta de recomendação que Lord Lancaster havia lhe escrito. Acredito que só falou comigo por causa disso. Parecia arrogante e nada amistoso com desconhecidos. 

- Sim, gostaria de saber onde poderia encontrar essa raridade... - Respondi, de forma educada, mas sem exagerar muito na ansiedade. 

- Olha só, por alguns anos esse livro circulou entre vampiros ricos e influentes de Portugal. O elo de conexão foi a Igreja Católica. O original pode estar bem escondido nas profundezas da biblioteca do Vaticano... Eu tive acesso a manuscritos que traziam partes e capítulos copiados diretamente do livro.. nada mais...

- E o que você leu naquelas páginas? - Eu estava obviamente curioso...

- O livro está escrito em latim, mas em uma linguagem mais influenciada também por línguas dos reinos bárbaros que começavam a destruir o poder do império romano...

Ele deu uma pausa e bebeu um pouco do cálice vermelho...

- Basicamente, das coisas que li, era um tipo de alquimia do sangue. Prometia, entre outras coisas. desfazer o vampirismo... Tornar um vampiro em mortal novamente... uma espécie de cura...

Valentino não parecia muito convencido...

- Acho que são velhas bruxarias sem muito valor. Crendices talvez... mesmo que alguns vampiros influentes em nossa comunidade acreditem naquelas velhas palavras medievais... Eu não faço parte desse grupo. Eu achei tudo apenas fantasia. Pensamento mágico, se é que você me entende...

Esse foi um primeiro encontro. Valentino me convidou a ir mais vezes em seu leito de festas e orgias eternas. Era assim que ele parecia querer existir, cercado de belas mulheres nuas fazendo sexo. Cada um sabe o que lhe convém...

Houve uma grande surpresa na noite em que retornei naquele recinto. Todas as noites um baile Dantesco era realizado, onde todos os convidados ficavam completamente nus. Era engraçado e mórbido nas mesmas proporções. Nada excitante em meu ponto de vista! Certo, as mulheres propiciavam uma bela vista, pois eram mulheres bonitas, de seios fartos. Já os homens, gordos e de barrigas salientes, destruíam a imagem global daquele festim de horrores. 

E no bordel de Valentino havia dois tipos de homens. Os ricos estavam ali para depois realizar favores de corrupção para aquele ser da noite. Já os pobres e mais jovens seriam seu jantar, já na alta madrugada. Afinal Valentino também não tinha reservas de apetite para sua sede de sangue humano. Ele queria se alimentar todas as noites. Do excesso, ele tornou seu estilo de vida.

Eu fiquei em sua mesa, olhando ao redor, mas sem participar da festa. Ele apenas ficou olhando pelo canto do olho enquanto tomava um vinho do Porto de boa procedência. Valentino se aproximou e quis conhecer aquele cavalheiro estranho que ele nunca havia visto. Pelo seu sentido de ser da noite sabia, mesmo que de forma inconsciente, que eu era um de seus pares. 

Ele ficou curioso comigo, com aquele nobre sotaque francês antigo. Algo soava no ar, um estranho clima de doce veneno. Aqueles seres sabiam que em pouco tempo haveria um jogo de vida e morte prestes a começar sob a luz da lua cheia.

Mas antes disso ele se virou em minha direção e disse: 

- Procure pelo cardeal Alfredo de Bragança em Lisboa. Ele sabe tudo sobre esse livro que você está procurando. Eu tive um certo interesse por ele, mas depois de algum tempo deixei tudo de lado. A Igreja tem todas as respostas que você precisa...

Ele foi sincero naquele momento. Era algo que eu sempre suspeitei. Mesmo com o passar dos séculos, o Livro de Sangue ainda estava de posse da Igreja Católica Apostólica Romana. Isso me lembrou de uma velha frase espirituosa que dizia: "Eu não acredito em Deus, mas acredito na Igreja.." Aquela velha instituição religiosa tinha mesmo muitos segredos milenares. 

E assim descobri que teria que viajar mais uma vez, dessa forma fui até a estação. Portugal era o meu novo destino...

Abraços cordiais,
Max. 

Pablo Aluísio.

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