Esse é um filme sobre os limites da fé! O seu roteiro mostra o ápice de dor física e psicológica a que um homem pode suportar, mesmo tendo a fé mais sincera e honesta em seu coração. A história se passa no século XVII. Após uma intensa perseguição religiosa contra os católicos em um Japão brutal e desumano, dois jovens padres jesuítas são enviados para lá com a missão de descobrirem o que teria acontecido ao padre Ferreira (Liam Neeson), que liderava a Igreja naquela distante nação. Ao chegarem clandestinamente em terras japonesas descobrem que muitos cristãos estão sendo mortos de forma bárbara apenas pelo fato de seguirem o evangelho de Cristo.
Essa é uma obra cinematográfica de extrema relevância por expor o pior tipo de intolerância religiosa que se pode existir, a intolerância estatal, promovida por autoridades do próprio Estado. Em um Japão com predominância da religião budista, os próprios líderes do Estado decidiram que o cristianismo não poderia entrar em seu país. Assim foi promovida uma intensa perseguição religiosa contra todos os cristãos, promovendo torturas, massacres e assassinatos em massa. Uma coisa horrorosa que nos ensina muito sobre essa questão. E engana-se quem pensa que atualmente não vivemos um momento bem parecido com o que vemos nas telas. Basta lembrar dos métodos bem parecidos utilizados por fundamentalistas islâmicos do mundo atual, para vermos que aquilo que se passa no filme não é uma realidade tão distante ao nosso presente como muitos possam pensar.
O diretor Martin Scorsese realiza assim um dos seus melhores trabalhos. Uma obra muito sincera e bem pessoal. O cineasta, nascido dentro de uma grande comunidade católica em Nova Iorque, pensou em se tornar padre em sua infância. Ao longo de sua vida acabou criando uma relação de amor e ódio com a Igreja Católica, mas sem jamais a abandoná-la completamente. Essa dualidade entre tantos sentimentos conflituosos com a sua religião o fizeram entrar nesse projeto. O roteiro, como podemos perceber, é realmente uma declaração de amor de Scorsese para com os heróis da Igreja, homens comuns, padres jesuítas, que foram colocados em situações extremas, só vivenciadas antes entre os primeiros cristãos, ainda nos tempos de Jesus.
Um dos protagonistas é um jovem padre português chamado Rodrigues, interpretado pelo ator Andrew Garfield. Em minha opinião esse ator não teve todo o talento dramático exigido para viver com a devida intensidade a incrível história de fé de seu personagem. Mesmo assim, com pequenas falhas, ele não compromete o filme como um todo. Tudo bem, um ator melhor faria grande diferença, porém essa história é tão edificante, tão relevante, que não podemos ignorar a força do roteiro por si mesmo. Enfim, poucas vezes vi um filme tão humano como esse na filmografia do mestre Martin Scorsese. Uma obra essencial.
Silêncio (Silence, Estados Unidos, México, Taiwan, 2016) Direção: Martin Scorsese / Roteiro: Martin Scorsese, Jay Cocks / Elenco: Andrew Garfield, Adam Driver, Liam Neeson, Shin'ya Tsukamoto, Yôsuke Kubozuka, Issei Ogata, Tadanobu Asano / Sinopse: Dois padres jesuítas, Rodrigues (Andrew Garfield) e Garupa (Adam Driver), são enviados para o Japão do século XVII, para descobrirem o paradeiro do padre Ferreira (Neeson), mas uma vez lá descobrem que o país vive uma intensa perseguição religiosa contra católicos, promovendo uma política estatal de massacres e assassinatos em massa. Filme indicado ao Oscar na categoria de Melhor Fotografia (Rodrigo Prieto).
Pablo Aluísio.