1976 foi um dos anos mais difíceis na vida de Elvis. Foi a consolidação de uma situação que já vinha adquirindo forma desde 73. Foi o início da derrocada final, aquela que foi responsável pela morte de um dos artistas mais conceituados de todos os tempos. Abusando de drogas violentamente, Elvis se isolou mais ainda do mundo. Se recusou a gravar em estúdio o que ocasionou das gravações daquele ano serem feitas em sua própria casa. O tom melancólico em que ele se encontrava refletiu no LP que saiu dessas sessões de gravação, um dos mais tristes que ouvi, apesar de bem gravado e com material de qualidade. Elvis estava gordo e havia perdido seu visual que tanto o consagrou. Mas ele parecia não ligar para isso, se afundando cada vez mais.
Também foi o ano em que seus guardas costas foram despedidos e resolveram escrever um livro contando sua vida de sexo e drogas, expondo, pela primeira vez o lado mais obscuro do rei. Elvis, que era santificado por seus fãs, agora seria exposto para toda a mídia, e o pior, para sua filhinha. O que ela pensaria dele ao ler tudo aquilo era sua maior preocupação. Foi o ano do fim de seu relacionamento de 4 anos com Linda Thompson, que havia salvado a vida de Elvis várias vezes e tinha sido mais enfermeira que amante. Apesar desse quadro tenebroso, Elvis conseguiu fazer 129 shows em 76! Foi o ano em que ele saiu mais em turnês. Um total de 8. Porém, com exceção da última do ano, que foi de 27 a 31 de dezembro, a mais curta, porém uma das melhores de sua carreira inteira, o padrão dos shows de Elvis caiu muito e as músicas raramente variavam de show para show.
Agora a banda completa seria apresentada com cada músico executando um solo, o que consumiria ¼ dos shows. É claro que durante a apresentação Elvis cantava, porém, em sua maioria eram apenas trechos de músicas como "What'd I Say" que não duravam mais que 45 segundos. Não que todo show fosse ruim ou desprovido de bons momentos. Mas comparando com o ano anterior a voz de Elvis soava cansada, a seleção musical estagnada e parecia que ele pouco ligava para a apresentação. Com certeza ele deveria estar hospitalizado e não se apresentando para públicos de até 17.000 pessoas. Tive a oportunidade de adquirir o show do dia 30 de agosto de 76 em Tuscaloosa, Alabama. A melhor fonte desse show é o bootleg "Old Times Are Not Forgotten". Antes de analisar o show, vamos tecer alguns comentários sobre a turnê a qual ele pertence.
Elvis nessa turnê, inicialmente, não contou com a ajuda médica do doutor Nick, achando outro médico para substituí-lo, o Dr Ghanem. Também foi a primeira turnê com seus novos guarda costas e Larry Geller readmitido. O primeiro show foi em San Antonio, Texas no dia 27 e ao contrário dos primeiros shows de turnês anteriores esse foi bastante fraco. Essa turnê foi a última onde Elvis fez dois shows em um dia e uma em que ele usou quase todos os shows as mesmas roupas, os Jumpsuits White Bi-Centennial Suit ou o Light Blue. O show do dia 28 foi ainda pior e Elvis teria caído na multidão se seus guarda costas não o tivessem puxado. Após o ocorrido, Elvis pergunta "onde estou?", só aí percebendo que está no palco!!! Elvis depois chegou a comentar com Linda que nem se lembrava do show!!! O Coronel Tom Parker entrou em pânico e o comentário das pessoas saindo do show era o que tinha acontecido com Elvis? A explicação era que na noite anterior Elvis tinha tentado dormir sem sua medicação. Como não conseguiu tomou-as mais tarde do que o normal. Consequentemente, o efeito chegou depois do horário normal.
Resumindo, Elvis estava ainda dormindo quando fez o show!!! Tentando controlar a situação o Dr. Nick foi chamado de volta. Os shows em Mobile no dia seguinte foram um pouco menos ruins, mas ainda assim, muitos não inspirados, apresentando um Elvis muito gordo e inchado, com aparência muito pálida. Sabendo da situação por trás dos bastidores fica difícil fazer boas expectativas para um show de Elvis desse período. Por isso, tinha a impressão que o show em Tuscaloosa do dia 30 seria um dos piores que iria escutar. Apesar de ter algumas músicas em versões bem fracas, falta de entrosamento com os fãs e Elvis soar cansado em alguns momentos esse concerto foi uma agradável surpresa. A qualidade do som é uma das melhores que ouvi, o que ajuda bastante.
O show começa com a típica "Also Sprach Zarathustra" tocada pela orquestra até a bateria frenética de Runnie Tutt trazer a casa abaixo com os primeiros acordes de "See See Rider". Essa versão é excelente e bem acima da média. Rivaliza com as versões de 1972!!! Elvis parece bem disposto e ataca as notas da música vigorosamente. Após um pequeno problema no som, quando Elvis brincando, diz: "A culpa é do J.D!", segue uma versão na média de "I Got a Woman" misturada com "Amen". Esse medley pode parecer esquisito, mas sabendo que a primeira foi tirada de um gospel faz mais sentido. Elvis incita a platéia a cantar e pede para J.D. fazer a sua famosa "decolagem" com sua voz duas vezes!!! Após isso, Elvis dá o seu pequeno discurso de boas vindas e aqui pela primeira vez fica evidente que ele talvez não esteja tão 100% quanto pareça. Elvis se enrola um pouco e sua voz está arrastada e soa bem cansada, mas nada que atrapalhe o show.
Após comentar: "Meu Deus como está quente aqui!" começa uma versão bem na média de "Love Me", uma música que jamais deveria ter sido tirada de seu tempo original. Essa era a música onde Elvis testava e observava sua platéia. Se ela não o recebesse de forma entusiasmada ele faria um show curto e não se esforçaria muito. Do contrário daria seu melhor e prolongaria mais um pouco. A relação Elvis-fãs é que ditava o ritmo das coisas (com exceção dos shows de Ashville em 75, onde apesar de Elvis dar três das melhores apresentações de carreira, a platéia não o ovacionou nenhuma vez e pareciam que tinham tomado doses cavalares de sedativo!). Logo depois, vem uma versão de "If You Love Me (Let Me Know)", como sempre ótma. Não conheço nenhuma versão ao vivo ruim dessa música e essa é bem parecida com a que saiu no disco "Moody Blue".
Geralmente a seqüência inicial do show era essa e às vezes "If You Love Me" era substituída por "Fairytale", sendo esse o momento country do show. "You Gave Me a Mountain" vem depois e é ótima também, com Elvis mostrando todo o potencial de sua voz, nessa que é uma canção com a qual certamente ele se identificava bastante. Percebam na letra a parte "She Took My Small Baby Boy" e substituam por "Baby Girl". Pronto! É um pequeno trecho da vida de Elvis encontrado em uma de suas canções! Prefiro as versões dessa música de 76 às de 73. A voz de Elvis parece aqui mais madura. Como esse é um caso de altos e baixos a música seguinte é a pior versão de "All Shook Up" que já escutei e Elvis não achando pouco reduzí-la a 50 e poucos segundos ainda esquece a letra!!! Tamanho clássico do rock merecia melhor tratamento. "Teddy Bear / Don´t Be Cruel" é um pouco melhor, mas longe de ser boa. Por essa época ela tinha virado a música dos scarfs que Elvis dava para seus fãs. Porém tudo é salva com uma belíssima "And I Love You So".
Outro caso de uma música que sempre era executada corretamente até em shows absurdamente ruins como no ano seguinte, em 19 de junho de 1977. "Jailhouse Rock" vem em seguida e apesar de Elvis, como de costume, só cantar dois versos é bem acima da média de versões desse mesmo ano. "Fever", sempre uma música ótima de se ouvir, é bem parecida com as versões do "Aloha" e Elvis aqui parece estar se divertindo. Uma das melhores do show. Em seguida explicando que iria cantá-la, por ser o aniversário de dois séculos da independência dos EUA, Elvis canta "America The Beautiful", que é simplesmente fantástica!!! A melhor do show sem dúvida. Aqui Elvis justifica porque é o maior cantor do século passado com vocais assombrosos e uma reprise do final. Realmente Beatifull... Em seguida as apresentações da banda que agora, como disse anteriormente, consumiam ¼ do show.
Elvis apresenta individualmente os Stamps, as Sweet Inspirations, Kathy e John Wilknson que toca a pior, mais curta versão trash de uma ótima canção, "Early Morning Rain". Pulem essa faixa e ouçam a versão completa e bem tocada do show de 28 de dezembro do mesmo ano e comparem as duas. Daí James Burton toca "What'd I Say" e Elvis balbucia 10% da letra. Desconsiderem essa, com todo respeito "versão". Elvis então pede para James tocar "Johnny B. Good" com a guitarra nas costas o que ele faz divinamente bem. Porém, os vocais de Elvis de novo estragam a música, cuja duração é o tempo de você dizer "Elvis Presley". Depois temos o solo de Tutt. Será que minha casa está caindo ou será um terremoto? Não, é Ronnie massacrando sua bateria com toda força. Meu Deus o cara é um animal!!! Duvido qualquer baterista dessa bandinhas de hoje fazerem metade do que o gorduchinho fazia. Que solo perfeito! Rock puro!!! Elvis até brinca: "Show off!" que significa "exibido". Depois dois solos do sempre competente Jerry Scheff. A apresentação dos membros começa a ficar bem chata com um solo de piano de Tony Brown que substituiu Glen Hardin. Não chega nem aos pés, mas é um bom músico. Depois um solo do ótimo David Briggs no piano elétrico, um solo bem funk diga-se de passagem. Elvis, então, diz que a primeira vez que ele e David gravaram foi gravada uma música chamada "Love Letters" e a versão que segue é belíssima, outro ponto alto do show. Muito parecida com a versão em estúdio de 1970.
Depois a orquestra é apresentada. Não sou muito de escutar trompetes e derivados, portanto não gosto muito desse solo. Encerrada as apresentações é a vez de "Hurt", sempre um ponto alto nos shows de 76 e 77. Aqui, comparada com outras versões, pode-se dizer que é na média, nada de especial, além de Elvis não fazer o habitual bis. Depois vem um trash clássico dos shows de Elvis nos últimos anos, com "Hound Dog", onde ele transforma um clássico da música mundial em uma enfadonha paródia de si próprio. Simplesmente horrível!!! Apesar de não ser a pior versão que escutei. Em seguida, soando bem cansado, pede para Kathy cantar "My Heavenly Father". Acho que a platéia que pagou para ver Elvis não gostou muito disso, apesar da voz de Kathy ser lindíssima e dar uma oportunidade dele descansar (mais uma vez!). Porém ela destoa de todo o show e eu poderia ficar sem ela tranquilamente. Fica válido entretanto a chance que ele dava a seus músicos de mostrar seus talentos. Imagine cantar solo para mais de 10.000,00 pessoas e nem ser a atração principal!!!
Em seguida uma ótima versão de "Mistery Train / Tiger Man". Esse rock de primeira sempre é uma feliz adição ao set de músicas, quase estagnado de nosso ídolo. A banda está ótima e Elvis apesar de soar cansado entrega uma boa versão. Agradecendo depois e sem se despedir da platéia Elvis canta a sua costumeira saidera "Can´t Help Falling in Love" e encerra o show. Em suma: um show bem acima da média considerando a turnê conturbada em que foi feito. Elvis em vários momentos soa cansado e fotos mostram que ele estava em péssimo estado físico. Porém, surpreendentemente, é um show bem agradável de se ouvir com ótimas performances de "Mistery Train / Tiger Man", "And I Love You So", "See See Rider", "America The Beautiful" e outras. Um show bem melhor do que ruim, porém que apresentou um Elvis sem muita interação com a platéia, pouco entusiasmado e claramente exausto. Porém, o recomendo a todos aqueles que quiserem entender o período final de Elvis Aron Presley, que quando queria era o mestre dos espetáculos.
Victor Alves.