domingo, 1 de dezembro de 2019

O Irlandês

Frank Sheeran (Robert De Niro) foi uma figura central na história da máfia italiana. O curioso é que ele não era italiano, mas sim irlandês. Mesmo assim conseguiu entrar dentro da cosa nostra, uma organização criminosa onde os laços de sangue eram extremamente importantes. Seu começo foi modesto. Ele era um veterano de guerra que trabalhava como caminhoneiro. Em pouco tempo estava roubando carne de seus caminhões para os chefões de Nova Iorque. Mostrando lealdade foi subindo na escala social da Máfia. Sua função de assassino profissional veio naturalmente. Como um ex-combatente na II Guerra Mundial ele estava acostumado a matar. E em sua opinião não havia muita diferença entre matar sob as ordens de um general ou de um chefão mafioso.

Tudo o que se vê na tela foi baseado em fatos reais. Frank Sheeran conseguiu sobreviver na violenta história da Máfia e anos depois, já velho e preso numa cadeira de rodas em um asilo, contou sua história a um jornalista que escreveu o livro que deu origem ao roteiro desse filme. Para nossa sorte esse rico material foi cair nas mãos de ninguém menos do que o mestre Martin Scorsese. Não é surpresa para nenhum cinéfilo que a história da Máfia sempre foi um prato cheio para esse diretor. E isso desde os tempos de "Os Bons Companheiros", "Cassino" e outros grandes filmes com sua assinatura. O mais importante de tudo foi saber que Frank Sheeran esteve envolvido em diversos momentos importantes da história americana, inclusive transitando ali na periferia dos bastidores da morte do presidente JFK e do polêmico desaparecimento do líder sindicalista Jimmy Hoffa (Al Pacino). Esse último aliás tinha sido tema de um também muito bom filme com Jack Nicholson no papel principal.

Aqui porém temos um diferencial. O toque do mestre Scorsese. Ele sempre um gênio da narrativa cinematográfica e seu talento se mostra justamente na forma como conta sua história. Em pouco menos de três horas e meia de duração ele consegue encaixar tudo, todas as histórias, todos os incríveis acontecimentos que ocorreram ao lado de Frank Sheeran. O único "porém" do filme talvez tenha partido da lealdade entre Scorsese e De Niro. O ator acabou ganhando o papel principal, só que ele, se formos pensar bem, está mais do que "italiano" no filme. E o verdadeiro Sheeran era um irlandês da gema, alto, loiro, forte, um verdadeiro grandalhão. Com De Niro ele não ficou nada parecido com o Sheeran real. Porém é a tal coisa, De Niro é um excelente ator e consegue até mesmo passar por cima disso, com raro talento. E por falar em elenco... todos os grandes atores que algum dia já tinham trabalhado em filmes da Máfia assinados por Scorsese, dão as caras em cena. Fiquei particularmente surpreso com Joe Pesci. Ele está muito envelhecido e muito sóbrio. Nada parecido com os personagens do passado, pequenos patifes que falavam pelos cotovelos. Harvey Keitel tem pouco espaço, mas também chama a atenção e finalmente o ótimo Al Pacino surge com um Hoffa cheio de personalidade, cabeça-dura até o final.

O saldo final da mistura de todos esses elementos ficou muito bom. Nos Estados Unidos o filme foi exibido em poucas salas de cinema, já que é uma produção de Scorsese e De Niro para a Netflix. Com as telas ocupadas de super-heróis haveria mesmo pouco espaço para os filmes de um mestre como Scorsese. Quem perde é o público mais jovem, atolado em enlatados da Marvel e DC até o pescoço. Mal sabem a qualidade do cinema de um Martin Scorsese. Esse filme provavelmente não será lembrado no Oscar por causa disso, mas não custa nada recomendar a todos que amam a sétima arte. É um grande filme, daqueles que não fazem feio se comparados com as obras primas do passado. Por fim uma última pergunta (Spoiler): Teria mesmo Sheeran matado Hoffa? Até´hoje há dúvidas sobre essa confissão do irlandês. Como se sabe Hoffa desapareceu e nunca mais foi encontrado. O que teria acontecido com ele na verdade? O filme traz uma resposta que ainda não é plenamente aceita entre os historiadores e especialistas em sua história. De qualquer forma não deixa de ser muito interessante.

O Irlandês (The Irishman, Estados Unidos, 2019) Direção: Martin Scorsese / Roteiro: Steven Zaillian, escrito a partir do livro original escrito por Charles Brandt / Elenco: Robert De Niro, Al Pacino, Joe Pesci, Harvey Keitel, Ray Romano, Anna Paquin, Domenick Lombardozzi , Paul Herman / Sinopse: O filme conta a história real de Frank Sheeran (1920 - 2003), um assassino profissional que fez parte da Máfia italiana nos Estados Unidos durante várias décadas.

Pablo Aluísio. 

10 comentários:

  1. Bom Pablo, o ponto alto desse filme é justamente a confissão da máfia em ter assassinado o Kennedy e o Hoffa. Eu acredito. Os dois pediram isso por motivos diferentes, mas igualmente graves. Quem mais faria isso?
    Serge Renine.

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  2. São temas controvertidos ainda. Quem matou JFK? Oficialmente ainda se acredita que foi um ex-fuzileiro, exímio atirador, que atirou na cabeça do presidente. Claro, existem milhares de teses diferentes. Já sobre Hoffa é ainda mais estranho. Ele sumiu, sem deixar rastros. Quem o matou? Claro, a máfia é uma das principais suspeitas, mas os historiadores americanos ainda ficam com um pé atrás. O livro do irlandês trouxe diversas revelações, mas a academia ainda não as chancelou.

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    1. Bom sobre o Hoffa eles foram categóricos. Ele foi cremado. Aí acabou, some mesmo.

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    2. Eu conhecia uma outra versão: a de que Hoffa tinha sido "cimentado" e jogado no mar. Uma velha forma de execução da Máfia siciliana.

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  3. Pablo:
    Pra ser bem sincero, esse filme pode até parecer grandioso pra quem não esta calejado com filmes de máfias, e, principalmente, do Scorsese.
    O que eu vi foi mais do mesmo. Como esse diretor queimou 150 milhões de dólares nisso? E quem deixou? Só mesmo a Netflix que nunca deu lucro na vida e só sobrevive por força dos investidores. A FOX pulou fora e com razão.
    A gente assiste o filme e só vem na cabeça Bons Companheiros e outros iguais.
    O Robert De Niro, com aquela cara emburrada dele de sempre, (e na hora que ri parece aquela mascara branca do comedia "Todo Mundo em Panico") e mais italiano que gente da própria Itália, apesar de ser chamado a todo momento do O Irlandês. O Pacino se contem nas primeiras cenas, depois, volta ao normal e da-lhe gritaria e gesticulação oligofrênica.
    O único excepcional que achei foi o Joe Pesci, que sempre fez o baixinho maluquinho, e agora, está circunspecto, gentil, cerebral e, justamente por isso, terrivelmente ameaçador e implacável. Esse merecia um Oscar de coadjuvante.
    O Scorsese da década de "70 faria esse filme com 10 milhões e ficaria melhor, mais original pelo menos.

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  4. Essa semelhança dos filmes de máfia do Scorsese é até fácil de explicar. Todas as histórias se passam em época parecidas e envolvem personagens em comum. Daí vem essa sensação de que tudo já foi visto antes. É como rodar dez filmes sobre II Guerra Mundial rodados na Europa, mostrando as mesmas batalhas. Fica mesmo com cara de Deja Vu. Sobre o elenco, concordo plenamente. Robert De Niro não era o ator adequado para fazer um irlandês. Ele é italiano até o último fio de cabelo. É como colocar Renato Aragão para interpretar um francês. Não dá. Ele é um cearense. Mesmo assim escapou porque De Niro é um ótimo ator. Sobre o Joe Pesci... ele foi o grande ator nesse filme que nunca foi na carreira inteira. Cresceu muito e conseguiu ofuscar outros grandes nomes do elenco.

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    1. Até o Hoffa aparecer o filme, apesar do didatismo, estava muito bom de assitir, depois dá uma demorada que começa a cansar e no seu epílogo, com os velhos, fica muito tedioso e, pra piorar, aí acaba com aquele final frouxo. Parece que o Scorsese não sabia como finalizar.
      Enfim, é um filme bom, mas não é essa coisa genial que a crítica especializada, ou comprada, insiste em elogiar sem reservas.
      Serge Renine.

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  5. Talvez um efeito de se levar a histórica contada no livro que deu origem ao roteiro, até o final. O Scorsese poderia ter finalizado o filme na morte do Hoffa. Depois em letreiros ter colocado o destino final de cada personagem. Porém ele optou por mostrar tudo, inclusive a cena deles já velhos e na prisão. Depois o irlandês foi parar em um asilo. Por isso acredito que você tenha achado uma quebra no ritmo do filme.

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  6. "de se levar a história" - corrigindo...

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