terça-feira, 17 de dezembro de 2019

O Grande Motim

O navio HMS Bounty ruma em direção aos mares do sul em uma viagem de exploração e reconhecimento do Tahiti e ilhas daquela região, tudo para defender os interesses da coroa britânica. No caminho os tripulantes começam a se indispor com o tratamento rude, diria até tirânico, do comandante Bligh (Trevor Howard). Na volta da expedição, sob o comando do primeiro tenente Fletcher Christian (Marlon Brando), os membros da tripulação resolvem levantar um motim contra o capitão da embarcação. Marlon Brando relembrou esse filme em sua autobiografia "Canções Que Minha Mãe Me Ensinou". Ele contou que na época o estúdio lhe ofereceu a possibilidade de fazer dois filmes. O primeiro seria o clássico "Lawrence da Arábia" e o segundo esse remake de um antigo filme de 1935 com Clark Gable. Curiosamente Brando se decidiu por "Mutiny on the Bounty" simplesmente porque ele seria filmado na Polinésia Francesa, um lugar maravilhoso no Pacífico que o ator gostaria de conhecer desde os tempos de escola.

Brando ouvira dizer que David Lean demorava muito para fazer seus filmes e que isso iria lhe custar muito tempo e trabalho no meio do deserto, um lugar que ele não tinha a menor intenção de conhecer. Assim rejeitou a oportunidade de estrelar aquele que se tornaria um dos maiores clássicos do cinema, "Lawrence da Arábia". Entre "secar no deserto como uma planta sem água" (como ele mesmo escreveu em seu livro) ou ir se divertir nas paradisíacas ilhas dos mares do sul, Brando optou pela segunda opção. Tão encantado ficou que anos depois compraria uma ilha particular na região, a bonita e distante Tetiaroa.

Pois bem, já voltando ao filme em si temos que admitir que se trata de uma aventura realmente saborosa. As filmagens foram complicadas, com estouro de orçamento, prazo e divergências entre diretor e estúdio, o que levou inclusive o cineasta Lewis Milestone a ser demitido no meio das filmagens. Além disso o clima irregular das ilhas prejudicou as locações e os cenários. A MGM então resolveu jogar a culpa pelos atrasos em cima do próprio Marlon Brando que estava preferindo ir nadar com as lindas figurantes locais do que trabalhar duro. Quando o filme finalmente foi lançado, depois de vários adiamentos, recebeu criticas negativas e não fez o sucesso esperado. Revendo hoje em dia só podemos nos admirar por ter tido uma recepção tão ruim. Com linda fotografia e belo desenvolvimento do enredo é complicado entender tanta má vontade em seu lançamento. Talvez tenha sido uma retaliação da imprensa contra Marlon Brando e seu temperamento complicado. O espectador porém deve deixar esse tipo de coisa de lado. Ignore tudo isso e assista pois sem dúvida é um belo filme.

O Grande Motim (Mutiny on the Bounty, Estados Unidos, 1962) Estúdio: Metro-Goldwyn-Mayer (MGM) / Direção: Lewis Milestone, Carol Reed / Roteiro: Charles Lederer, baseado no livro de Charles Nordhoff / Elenco: Marlon Brando, Trevor Howard, Richard Harris / Sinopse: Durante uma longa viagem pelos mares do sul, um grupo de marinheiros e oficiais de pequena patente decidem se rebelar contra seu capitão, bem conhecido por ser um homem duro e muitas vezes cruel.

Pablo Aluísio.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Janela Indiscreta

Outro clássico absoluto da filmografia do mestre Alfred Hitchcock. O enredo é relativamente bem simples. Depois de sofrer um acidente durante um trabalho, onde acaba quebrando sua perna, o fotógrafo L.B. 'Jeff' Jefferies (James Stewart) fica imobilizado em seu apartamento em Nova Iorque. Para passar o tempo e matar o tédio ele começa a observar de sua janela a rotina de seus vizinhos. Há de tudo. Uma solteirona desesperada e deprimida para arranjar o amor de sua vida; um casal em pleno fogo de lua de mel; uma bailarina bonita que é cortejada por vários pretendentes; um compositor que passa os seus dias ao piano e... um vendedor que supostamente teria matado a própria esposa durante a madrugada! Após presenciar atos bem estranhos dele, Jeff se convence que ele matou a mulher, a esquartejou e colocou partes de seu corpo numa mala. Realidade ou pura ilusão de sua mente?

Após ler um conto de suspense e mistério escrito por Cornell Woolrich, o diretor Alfred Hitchcock decidiu que iria realizar uma versão cinematográfica daquela estória. Obviamente não seria algo fácil. O texto era pequeno, simples e se baseava em apenas uma situação: a de um homem imobilizado, por estar com a perna engessada, que descobria, por acaso, um suposto assassinato no prédio vizinho onde morava. Não havia mesmo muito enredo a se desenvolver, mas Hitchcock era um gênio e acabou realizando uma verdadeira obra prima do cinema. A simplicidade do texto original foi mantida, mas Hitchcock começou a jogar com as situações vividas por seu protagonista, tirando dos pequenos detalhes as maiores qualidades do filme.

Tudo está lá. A atitude voyeur do fotógrafo, sua bisbilhotice inconveniente e condenável, sua hesitação em casar com a noiva, uma jovem linda, rica e maravilhosa (interpretada por Grace Kelly) e por fim sua incapacidade de controlar as situações que vão acontecendo diante de seus olhos. Jeff (o personagem de James Stewart) é um homem de ação, que viveu toda a sua carreira viajando para os lugares mais distantes. Agora ele está impedido de agir por causa da situação em que se encontra. Hitchcock assim mistura ansiedade, imobilismo e suspense em um mesmo caldeirão. O resultado é primoroso. Em termos de linguagem cinematográfica o diretor conseguiu trazer o melhor de si para o espectador. Ele utiliza de todas as formas de narrativa disponíveis na época para deixar o público se sentindo como parte de tudo o que acontece na tela.

Também usa, com muita competência, a linguagem subjetiva, principalmente quando o protagonista Jeff espia o que está acontecendo ao redor de sua janela. Nesse caso a visão do personagem é a mesma do público. A ideia é dar a todos as mesmas sensações que o fotógrafo sente, onde tudo vê, mas nada pode realmente fazer. Uma posição passiva que causa o desconforto que o cineasta quer passar. Por tudo isso e muito mais esse é um clássico da filmografia de Alfred Hitchcock que merece ser sempre revisto. E para aqueles que gostam de achar as pequenas pontas que o próprio Hitchcock gostava de fazer em seus filmes, repare no quarto do compositor. Bem ao lado do pianista lá está a figura inconfundível do grande mestre do suspense. Mais divertido, impossível.

Janela Indiscreta (Rear Window, Estados Unidos, 1954) Estúdio: Paramount Pictures / Direção: Alfred Hitchcock / Roteiro: John Michael Hayes / Elenco: James Stewart, Grace Kelly, Wendell Corey, Thelma Ritter, Raymond Burr, Georgine Darcy / Sinopse: O filme acompanha L.B. 'Jeff' Jefferies (James Stewart). Imobilizado em uma cadeira de rodas após sofrer um acidente ele começa a espiar seus vizinhos, apenas para matar o tédio. Só que acaba descobrindo algo terrível acontecendo do lado de fora de sua janela. Filme indicado ao Oscar nas categorias de Melhor Direção (Alfred Hitchcock), Roteiro (John Michael Hayes), Fotografia (Robert Burks) e Som (Loren L. Ryder).

Pablo Aluísio.

Ladrão de Casaca

Talvez o filme mais atípico da carreira de Alfred Hitchcock. Segundo algumas biografias isso se deu por um motivo básico: o diretor estava apaixonado pela estrela Grace Kelly (com quem havia trabalhado em "Disque M Para Matar" e "Janela Indiscreta") e por essa razão aceitou dirigir esse filme muito soft, centrado muito mais no romance do que propriamente no suspense, que era a marca registrada do cineasta. A imprensa da época inclusive chegou a ironizar chamando "Ladrão de Casaca" de "Champanhe Hitchcock". Não há como negar que a produção é muito bonita e bem realizada. Inovando em várias novas tecnologias (Widescreen e Vistavision) o filme foi realmente considerado bem revolucionário nesse aspecto.

Curiosamente o estúdio escalou o veterano galã Cary Grant para fazer o par romântico com a jovem e linda Grace Kelly. Grant estava às portas de se aposentar quando fez o filme. O sucesso de bilheteria acabou dando uma renovada em sua carreira como um todo e ele resolveu voltar para fazer mais filmes nos anos seguintes (com resultados irregulares). Foi filmando "Ladrão de Casaca" que Grace Kelly conheceu o príncipe Rainier de Mônaco. Há tempos ele procurava se envolver com alguma estrela de Hollywood para levantar seu pequeno principado que estava decadente. Chegou inclusive a sondar o mito Marilyn Monroe que não quis nada com o nobre por lhe achar muito feio e sem atrativos. Grace Kelly porém não pensou assim e começou um romance com Rainier, algo que perturbou o velho Hitchcock pois ela logo anunciaria o fim de sua carreira no cinema para se dedicar apenas ao seu futuro marido. O diretor jamais se perdoou quando soube disso!

Talvez por essa razão o velho Hitchcock tenha depois espinafrado tanto o filme, afirmando que era o que menos apreciava em sua carreira. De fato o cineasta realmente fez muitas concessões em prol de Grace Kelly, fugindo até bastante de suas principais características como diretor. Quando ela o deixou para se casar com Rainier ele interpretou isso quase como uma traição pessoal. Anos depois tentaria trazer Grace Kelly de volta para estrelar Marnie, um de seus filmes menos inspirados, mas ela novamente recusou. Como dito "Ladrão de Casaca" não consegue se sobressair no meio de tantos outros clássicos do mestre do suspense. O filme tem um tom muito ameno, beirando o sentimentalismo exacerbado, o que destoa do restante da obra de seu criador. De bom mesmo ficaram apenas as maravilhosas locações da Rivieira Francesa que foram magnificamente fotografadas e a nostalgia de ver a beleza insuperável de Grace Kelly, no auge de seu esplendor. Como suspense em si o filme deixa a desejar. O tema também passa longe da sordidez reinante em outros filmes de Hitchcock. Mesmo assim é impossível não se render a todo o charme e elegância que desfilam pela tela. Nesse quesito a dupla central de atores realmente era insuperável. Se não é um dos melhores filmes de Hitchcock, pelo menos fica longe das mediocridades que se produzem hoje em dia. Assista sem medo de se arrepender. 

Ladrão de Casaca (To Catch a Thief, Estados Unidos, 1955) Direção: Alfred Hitchcock / Roteiro: John Michael Hayes, Alec Cooper baseados no livro de David Dodge / Elenco: Grace Kelly, Cary Grant, Jessie Royce Landis, Brigitte Auer, Charles Vanel, John Williams, Georgette Anys, Jean Martinelli, Roland Lesaffre / Sinopse: John Robie (Cary Grant) é um veterano ladrão de jóias aposentado que vive tranquilamente na bela Riviera Francesa. Apelidado em seus dias de fama como "O Gato" ele agora começa a ficar intrigado por uma série de roubos recentes na região que repetem o seu conhecido modus operandi. Para provar sua inocência e pegar o novo ladrão o antigo “Gato” resolve voltar à ativa.

Pablo Aluísio.

domingo, 15 de dezembro de 2019

Um Corpo Que Cai

O detetive John 'Scottie' Ferguson (James Stewart) decide se aposentar da polícia depois da morte de um colega de farda. Ele se culpa pela morte do policial, que tentava salvar sua vida quando despencou de uma altura mortal. Diagnosticado com acrofobia (medo mórbido de alturas), Scottie entende que não pode mais atuar como homem da lei. Ao reencontrar um velho amigo da faculdade recebe uma proposta de trabalho. Algo simples, nada muito complexo. Gavin Elster (Tom Helmore) quer contratá-lo para que ele siga os passos de sua esposa, que ultimamente tem apresentado um comportamento estranho, fora dos padrões. Não se trata de traição, mas sim de algo mais misterioso, talvez alguma obsessão. Depois de uma certa hesitação 'Scottie' acaba aceitando o serviço. Afinal não deve ser algo muito complicado de se fazer. Mal sabe ele que está entrando em uma teia de mentiras e conspirações que resultará em um macabro assassinato.

"Vertigo" segue sendo um dos mais cultuados filmes do mestre Alfred Hitchcock. Nessa produção ele inaugurou uma nova vertente em sua filmografia, onde problemas e traumas psicológicos formam uma rede de sustentação para crimes mórbidos e violentos. A fórmula iria se sofisticar com "Psicose", o filme que seria considerado sua maior obra prima. Em "Um Corpo Que Cai" Hitchcock usou como matéria prima um antigo romance policial francês escrito por Pierre Boileau e Thomas Narcejac. Ele mandou seus roteiristas "enxugarem" a trama do livro, cortando aspectos desnecessários, personagens sem importância e subtramas descartáveis, se concentrando apenas na estranha aproximação entre o detetive 'Scottie' Ferguson (James Stewart) e a bela jovem Madeleine Elster (Kim Novak), esposa de seu cliente e amigo.

O velho policial é contratado para segui-la pelas ruas de San Francisco, fazendo um relato de tudo o que ela estaria fazendo. Obcecada por uma mulher suicida que viveu no século XIX chamada Carlotta, ela parece ficar fora de si, em transe, quando sozinha. Visita seu túmulo em um cemitério da cidade, depositando flores em sua homenagem, vai a uma exposição onde está exposto um quadro que a retrata na galeria de arte, visita sua antiga casa, agora transformada em hotel e depois, seguindo um roteiro sinistro e macabro, acaba surtando completamente, tentando se matar nas águas geladas da baia de San Francisco. É justamente nesse ponto que tudo muda. Para salvar sua vida, Fergunson acaba se revelando a ela, criando uma aproximação que acaba se transformando em paixão avassaladora. O que o velho detetive não sabe é que tudo não passa de um jogo de cartas marcadas onde ele é apenas uma peça vital de pura manipulação.

Falar mais seria estragar as inúmeras surpresas do filme do mestre do suspense. O curioso é que Alfred Hitchcock, obcecado pela beleza da atriz Kim Novak, conseguiu arrancar dela uma grande interpretação, a maior de sua carreira. Novak nunca fora considerada uma grande atriz dramática, mas sim apenas mais uma beldade de Hollywood. Com Hitchcock as coisas mudaram. Ele conseguiu extrair dela duas interpretações bem convincentes, tanto na pele da fria, sofisticada e misteriosa Madeleine Elster, como da ordinariamente comum e decepcionante Judy Barton. Em ambas as atuações ela está realmente bem acima da média. Isso demonstra a grande diferença que faz um grande diretor para um filme. Já James Stewart seguiu seu próprio estilo pessoal, a do homem íntegro, honesto, que aqui precisa superar um problema psicológico e traumático que o persegue, surgindo sempre em momentos cruciais. "Um Corpo que Cai" é certamente um dos cinco melhores filmes da filmografia de Alfred Hitchcock, aqui no auge de sua fase criativa. Com uma trama cheia de reviravoltas e um domínio completo da arte narrativa, o veterano mestre conseguiu realmente criar mais uma obra prima clássica da sétima arte. Um item completamente indispensável na coleção de todo grande cinéfilo que se preze.

Um Corpo Que Cai (Vertigo,  Estados Unidos, 1958) Estúdio: Paramount Pictures / Direção: Alfred Hitchcock / Roteiro: Alec Coppel, Samuel A. Taylor / Elenco: James Stewart, Kim Novak, Barbara Bel Geddes, Tom Helmore, Ellen Corby / Sinopse: Policial veterano, agora aposentado, é contratado pelo marido para seguir sua esposa pelas ruas de San Francisco. Ela anda apresentando um comportamento estranho, fora dos padrões. O que começa como um caso banal acaba tomando contornos assustadores. Filme indicado ao Oscar nas categorias de Melhor Direção de Arte e Melhor Som.

Pablo Aluísio.

Anatomia de um Crime

Paul Biegler (James Stewart) é um pacato advogado de interior que divide seu tempo entre seu hobbie preferido (a pesca) e a prática do direito. Ao lado de seu amigo de longa data, Parnell Emmett McCarthy (Arthur O'Connell), ele vai levando sua vida sem grandes sobressaltos. Sua rotina muda porém quando é visitado pela jovem e sensual Laura Manion (Lee Remick) que deseja contratar seus serviços para defender seu marido,  Frederick Manion (Ben Gazzara), um militar acusado de ter assassinado um dono de bar que supostamente teria estuprado sua esposa após uma noite de bebedeiras. Após pensar um pouco Paul decide aceitar o caso, mas de antemão esclarece que inocentar o assassino será extremamente complicado, uma vez que o crime foi cometido na frente de várias pessoas que estavam no bar na noite em que ocorreu a morte do suposto estuprador.

"Anatomia de um Crime" é um dos grandes clássicos do chamado cinema de tribunal. O roteiro e o enredo giram justamente no julgamento de Frederick, na tomada de testemunhas, na tensão do tribunal de júri. Se formos abrir um paralelo com outro filme famoso da era clássica que também lidava com um tema parecido, "O Sol é Para Todos", vamos perceber que "Anatomia de um Crime" é muito mais realista e pé no chão do que o clássico citado. O advogado interpretado aqui por James Stewart não tem o mesmo patamar moral e de dignidade que o do seu colega Gregory Peck. Na verdade ele apenas tenta sobreviver da melhor forma possível e para isso aceita casos praticamente impossíveis como a do militar acusado de homicídio.

Os demais personagens da trama também são extremamente bem construídos. Frederick, o acusado, parece manipular todo o tempo a verdade dos acontecimentos. O mesmo ocorre com sua esposa, Laura, que passa longe de apresentar uma postura digna de uma mulher casada (seguindo, é claro, os padrões morais da época do filme). Com tantos personagens dúbios em cena, o espectador entra literalmente em um estado de incerteza, ora acreditando nas boas intenções do homicida, ora desconfiando dele e de sua mulher, que não parecem se enquadrar no modelo de casal comum e feliz. Tomando assim uma levada tão realista "Anatomia de um Crime" surpreende pela coragem do roteiro que nunca sucumbe aos clichês do gênero. O clímax final bem demonstra isso, ao retratar as falhas que o sistema judiciário americano pode cometer.

É justamente nesse dualismo e nessa crueza que se encontra o maior mérito desse clássico, pois no fundo não existem mocinhos e nem bandidos, mas apenas pessoas que a despeito de procurarem o amparo das leis para se defenderem, procuram acima de tudo apenas escapar delas. James Stewart, como sempre, marca presença, mas o grande mérito do filme em termos de atuação vai para o casal Lee Remick e Ben Gazarra, que passeiam de um lado ao outro da fina linha que separa culpados de inocentes. Outro ponto forte do elenco é a presença de um jovem George C. Scott como assistente da promotoria. Sua tentativa de condenar Frederick é marcante. Em conclusão, fica a recomendação de "Anatomia de um Crime", um brilhante estudo da natureza nem sempre ética e digna do ser humano.

Anatomia de um Crime (Anatomy of a Murder, Estados Unidos, 1959) Direção: Otto Preminger / Roteiro: Wendell Mayes baseado na obra de John D. Voelker / Elenco: James Stewart, Lee Remick, Ben Gazzara, Arthur O'Connell, George C. Scott / Sinopse: Pacato advogado é contratado para defender um militar acusado de homicídio. Ele havia matado um dono de bar que supostamente teria estuprado sua esposa. Verdade ou mentira? Com a palavra final o Tribunal do Júri. Filme indicado ao Oscar nas categorias de Melhor Filme, Melhor Ator (James Stewart), Melhor Ator Coadjuvante (Arthur O'Connell), Melhor Ator Coadjuvante (George C. Scott), Melhor Roteiro Adaptado (Wendell Mayes), Melhor Fotografia (Sam Leavitt) e Melhor Edição (Louis R. Loeffler).

Pablo Aluísio.

sábado, 14 de dezembro de 2019

A Um Passo da Eternidade

O soldado Robert E. Lee Prewitt (Montgomery Clift) é transferido para uma base militar no Havaí após ter alguns problemas com oficiais no quartel onde servia. Lá ele fica sob o comando do Sargento Milton Warden (Burt Lancaster). Prewitt tem fama de bom boxeador, mas não quer voltar aos ringues. Como o Comandante do grupo é fã do esporte ele tenta convencer o soldado a lutar de qualquer jeito ao lhe impor uma rígida disciplina militar. Seu objetivo é forçar Previtt a lutar na competição militar, mas ele resiste bravamente. Nesse ínterim, o Sargento Milton decide começar um caso extraconjugal com a bela Karen Holmes (Deborah Kerr); O problema é que ela é a esposa de seu Capitão!

"A Um Passo da Eternidade" é um dos clássicos mais famosos da história do cinema americano. O que o distingue dos demais filmes de guerra da época é que o roteiro do filme procura desenvolver o máximo possível o aspecto mais humano dos personagens em cena. O papel de Clift é um exemplo. Ele é um novato que sofre todos os tipos de humilhações dentro da base. Mesmo assim resiste ás provocações para demonstrar seu ponto de vista. Ao se envolver com a dançarina de cabaré Lorene Burke (Donna Reed) ele procura acima de tudo uma redenção em sua vida, algo que valha a pena lutar. O enredo gira em torno dele, mas o filme não se resume a isso pois tem como pano de fundo o grande ataque japonês ao porto americano de Pearl Harbor, fato que ocasionou a entrada dos EUA na II Guerra Mundial. O argumento assim tenta dar um rosto e uma história para os milhares de militares americanos que estavam no Havaí nesse grande bombardeio das forças do império japonês.

Baseado no romance best-seller de James Jones, "A Um Passo da Eternidade" é, em essência, um filme sobre relacionamentos humanos, paixões, rivalidades nas vésperas de um dos maiores acontecimentos da história norte-americana. Além do filme em si ser um marco, a produção ficou conhecida também por várias histórias de bastidores. Uma das mais conhecidas envolveu o cantor Frank Sinatra. Na época ele estava em um péssimo momento na carreira. Após ter um problema vocal suas vendas despencaram e assim Sinatra ficou sem muitas alternativas. Ao descobrir que a Columbia faria "A um Passo da Eternidade" resolveu lutar pelo papel de Angelo Maggio, um soldado boa praça que é vítima de um guarda sádico (interpretado pelo sempre ótimo Ernest Borgnine). O drama para Sinatra começou quando o diretor Fred Zinnemann o recusou para o filme. Segundo afirmam alguns livros o chefão mafioso Sam Giancana, atendendo a um pedido desesperado de Sinatra, colocou Zinnemann contra a parede para que ele escalasse o cantor em decadência. O fato acabou sendo utilizado em "O Poderoso Chefão" em uma cena em que um cantor italiano pede ajuda a Don Vito Corleone para que ele fosse escalado para um filme importante.  A cena é impactante quando uma cabeça de cavalo decepada é colocada ao lado da cama de um cineasta famoso.

De qualquer modo, seja lá como entrou no filme, o fato é que Sinatra conseguiu voltar ao auge. Ele venceu o Oscar de melhor ator coadjuvante por sua atuação e o filme acabou se tornando o grande premiado de seu ano, levando para casa ainda mais sete prêmios. Uma consagração praticamente completa na mais prestigiada premiação do cinema mundial. Burt Lancaster também foi indicado ao Oscar de melhor ator, mas não venceu. Havia um certo preconceito contra ele, por ser um astro de filmes de ação e aventura na época. Já Montgomery Clift foi completamente esquecido em mais uma daquelas famosas injustiças da Academia. A consolação para Lancaster veio pelo fato de ter feito a cena mais famosa de sua carreira, quando beija Deborah Kerr na beira da praia. Um momento considerado extremamente ousado para a época, com sensualidade à flor da pele.

A Um Passo da Eternidade (From Here to Eternity, Estados Unidos, 1953) Direção: Fred Zinnemann / Roteiro: Daniel Taradash baseado no romance de James Jones / Elenco: Burt Lancaster, Montgomery Clift, Deborah Kerr, Frank Sinatra, Donna Reed, Ernest Borgnine, Philip Ober / Sinopse: Nas vésperas do ataque japonês à base de Pearl Harbor, fato que levou os Estados Unidos a entrarem na II Guerra Mundial, um grupo de soldados vivem seus dramas pessoais em um regimento do Havaí. Filme vencedor do Oscar nas categorias de Melhor Filme, Melhor Direção (Fred Zinnemann), Melhor Roteiro (Daniel Taradash), Melhor Ator Coadjuvante (Frank Sinatra), Melhor Atriz Coadjuvante (Donna Reed), Melhor Fotografia em Preto e Branco (Burnett Guffey), Melhor Som (John P. Livadary) e Melhor Edição (William A. Lyon). Filme vencedor do Globo de Ouro nas categorias de Melhor Direção (Fred Zinnemann) e Melhor Ator Coadjuvante (Frank Sinatra),  

Pablo Aluísio. 

Mayerling

Um filme extremamente interessante, cujo roteiro foi baseado em fatos históricos reais. O protagonista é um príncipe da Casa de Habsburgo chamado Rudolf (Omar Sharif). Filho do imperador Francisco José I da Áustria (James Mason) ele está na linha de sucessão para subir ao trono. Só que a jovem alteza foge dos padrões que se esperaria dele, de sua posição dentro da monarquia. Muito ligado em ideais liberais, ele chega ao ponto de se encontrar com membros da resistência húngara, que deseja a independência de sua nação, algo que vai contra os interesses diretos de seu pai. Assim o relacionamento entre pai e filho é marcado por conflitos políticos e também pessoais.

O príncipe acaba se apaixonando por uma jovem, filha de um diplomata. Rudolf conhece Maria Vetsera (Catherine Deneuve) durante a apresentação de um balé e fica louco por ela. E qual seria o problema político envolvido nessa paixão? Muito simples, o príncipe já era casado, pai de uma filha. Um relacionamento extraconjugal seria um escândalo dentro da corte austríaca, muito católica e conservadora. Diante de mais esse deslize do filho, o imperador fica furioso e começa a fazer de tudo para que o romance chegue ao seu fim. O desfecho de toda essa novela acabaria resultando numa grande tragédia.

A morte precoce de Rudolf iria desencadear uma série de problemas históricos. Ele era o único na linha de sucessão ao trono. Sua morte até hoje é cercada de mistérios (que o filme não desenvolve, pois abraça a versão oficial) e iria ser o começo de uma série de problemas políticos que iriam eclodir na explosão da I |Guerra Mundial. O roteiro do filme porém não vai tão longe, preferindo contar a história de amor entre o príncipe e sua amante. Um detalhe curioso é que ele era o filho da imperatriz Sissi, tão conhecida dos cinéfilos por uma série de filmes clássicos. Quem a interpreta nesse filme é a diva Ava Gardner. Assim se você gosta dos filmes sobre Sissi não deixe de assistir também a essa excelente produção histórica. Afinal é um complemento aos outros filmes, mostrando Sissi numa fase mais madura de sua vida. Envelhecida e desiludida, ela é apenas um sombra da imperatriz que um dia foi. Em suma, esse é um ótimo filme histórico que explora muito bem o momento em que as velhas monarquias chegavam ao seu fim.

Mayerling (Inglaterra, França, 1968) Direção: Terence Young / Roteiro: Terence Young, baseado no romance escrito por Claude Anet e Michel Arnold / Elenco: Omar Sharif, Catherine Deneuve, Ava Gardner, James Mason / Sinopse: O imperador Francisco José I (James Mason) precisa lidar com um filho nada convencional, o príncipe Rudolf (Omar Sharif). Agora as coisas pioram pois ele se declara apaixonado pela jovem Maria Vetsera (Catherine Deneuve), mesmo sendo um homem casado e sucessor ao trono real. Filme indicado ao Globo de Ouro na categoria de Melhor Filme Estrangeiro em língua inglesa.

Pablo Aluísio.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

Waterloo - A Batalha de Napoleão

Depois de praticamente conquistar toda a Europa com seu formidável exército o imperador Napoleão Bonaparte (Rod Steiger) se vê encurralado em sua própria capital, Paris. Com os ingleses e prussianos chegando ele acaba renunciando ao seu poder imperial. Preso, é enviado para a distante ilha de Elba. Após conspirar para fugir de sua prisão consegue finalmente chegar no continente com apenas mil homens. Em pouco tempo cai novamente nas graças do povo de seu país e consegue reassumir o trono. Agora Napoleão deseja vingança contra todos os seus inimigos, algo que se dará de forma definitiva na batalha de Waterloo onde enfrentará mais uma vez o hábil general britânico Duque de Wellington (Christopher Plummer) que se encontra pronto para destruir de uma vez por todas com as ambições militares do imperador francês.

Em minha opinião essa produção segue sendo, ainda nos dias de hoje, o melhor filme já realizado sobre os últimos dias do Imperador Napoleão Bonaparte (1769 - 1821). Produzido por Dino de Laurentiis é um daqueles filmes grandiosos, com milhares de extras, figurinos deslumbrantes e cenas do campo de batalha praticamente impecáveis. O roteiro é muito bem escrito e tenta mostrar em detalhes os dois lados desse conflito que decidiu os rumos da Europa de forma definitiva. O Imperador Napoleão é interpretado por Rod Steiger. Que grande ator! Ele tem aqui um dos grandes trabalhos de atuação de sua carreira. Seu Napoleão é um sujeito envelhecido, doente e completamente alucinado em se agarrar nos últimos fiapos de suas glórias passadas. Após retornar da ilha prisão de Elba ele consegue voltar ao poder, mas agora está cercado de inimigos por todos os lados, em especial os ingleses e os prussianos. Egomaníaco e convencido de sua própria lenda, o velho Napoleão decide ousar, indo diretamente para o ataque contra os exércitos inimigos, para surpresa de todos os seus generais. Nada de ficar na defensiva.

Embora tenha há muito tempo perdido no front a possibilidade de conquistar toda a Europa (ainda mais depois da desastrosa campanha na Rússia), o envelhecido general resolve dar a cartada final de sua vida ao encontrar no campo lamacento de Waterloo o poderoso exército comandado pelo comandante inglês Wellington (Christopher Plummer). O que se segue é uma das batalhas mais sangrentas da história, algo que só se repetiria em solo europeu com a eclosão da II Guerra Mundial mais de um século depois. O filme se apoia basicamente em dois atos. No primeiro conta o contexto histórico que antecedeu a grande batalha (a prisão e fuga de Elba e o retorno triunfante de Napoleão pelas mãos do povo ao poder).

No segundo ato (que dura mais do que 60 minutos de filme) a própria batalha é desvendada em detalhes, mostrando as estratégias usadas pelas duas forças inimigas. Para quem gosta de história militar é certamente um prato cheio, tudo muito bem realizado, com centenas de milhares de figurantes em cena (todos pertencentes ao exército russo que colaborou na época com as filmagens). Um dos momentos mais significativos do filme acontece justamente após a carnificina. Montado em seu cavalo, Wellington fita o campo cheio de soldados mortos, alguns bem jovens, ainda na flor da idade. O cenário é de completa desolação. Então ele diz uma de suas frases mais famosas, que entrou inclusive para a história: "Não existe nada mais desolador em um campo de batalha do que a vitória, exceto, é claro, a própria derrota".

Waterloo - A Batalha de Napoleão (Waterloo, Inglaterra, Rússia, Itália, 1970) Estúdio: Dino de Laurentiis Cinematografica / Direção: Sergey Bondarchuk / Roteiro: Sergey Bondarchuk, H.A.L. Craig / Elenco: Rod Steiger, Christopher Plummer, Orson Welles / Sinopse: O filme recria a famosa batalha de Waterloo onde finalmente o Imperador Napoleão Bonaparte foi vencido pelos exércitos da Inglaterra. Filme vencedor do BAFTA Awards nas categorias de Melhor Figurino e Melhor Direção de Arte. Também indicado na categoria de Melhor Fotografia.

Pablo Aluísio.

A Primeira Vitória

Esse filme é um clássico da Segunda Grande Guerra Mundial, com roteiro baseado em fatos históricos. Tudo se passa com a frota americana no Havaí. O comandante de cruzadores Rockwell 'Rock' Torrey (John Wayne) acaba cometendo um pequeno erro de operação durante o ataque japonês ao porto de Pearl Harbor. Depois dessa falha ele é retirado do comando e enviado para trabalhar apenas em operações em terra, meramente burocráticas. Seu imediato e homem de confiança, o tenente Paul Eddington (Kirk Douglas), também é retirado de serviço em alto mar, enviado para trabalhar nas docas e armazéns da Marinha americana. Enquanto está em terra Rock resolve reencontrar seu filho que não vê há anos e acaba se apaixonando por uma enfermeira. Tudo muda novamente quando o Almirante da frota no Pacífico (interpretado por Henry Fonda) resolve reintegrar Torrey no comando de uma importante missão contra as forças japonesas imperiais.

Mais um ótimo filme de guerra lançado nas comemorações dos vinte anos do fim da II Grande Guerra Mundial. O cenário é composto pelos mares do Pacífico Sul onde a frota americana estava estacionada, antes da entrada do país no maior conflito armado da história. Uma vez atacados no porto militar de Pearl Harbor não houve outra alternativa a não ser entrar na guerra de forma definitiva. O personagem principal é um velho lobo do mar, um comandante de cruzadores interpretado por John Wayne. Vivendo desde os 20 anos de idade na Marinha americana ele não teve muito tempo para se dedicar a sua vida pessoal. Quando cai em desgraça com o comando naval por causa de uma manobra equivocada que o fez ser atacado por um submarino do Japão, tudo o que sobra para ele é ficar em terra fazendo serviços burocráticos, algo mortalmente entediante e maçante para um homem como ele.

Tudo muda quando os almirantes da Marinha americana descobrem que uma operação de invasão de algumas ilhas ocupadas pelos japoneses não está dando certo. O comandante que está lá não tem iniciativa e nem a experiência necessária. Para contornar a situação a única maneira de dar alguma mobilidade para aquela operação seria trazer homens com muitos anos de combate, como o próprio Rock Torrey (Wayne). Assim ele é reincorporado pela frota, tendo a missão de varrer a região, expulsando os japoneses daquelas ilhas pois elas seriam necessárias para servir de ponte de partida para os pesados aviões bombardeiros B17. O foco do roteiro de "In Harm's Way" é justamente esse, o de mostrar as primeiras operações de guerra dos americanos logo após a pesada derrota sofrida em Pearl Harbor. Por essa razão também recebeu o título no Brasil, muito apropriado por sinal, de "A Primeira Vitória".

O cineasta Otto Preminger priorizou duas coisas básicas nesse filme. A primeira foi valorizar todos os personagens. Eles são bem desenvolvidos, com histórias e dramas pessoais. Não são apenas militares anônimos. O personagem de Kirk Douglas, por exemplo, é um homem devastado pela morte de sua jovem esposa, morta justamente durante o ataque do Japão a Pearl Harbor. John Wayne é um comandante que se sente mais à vontade no mar, enfrentando seus inimigos, do que em terra, tendo que lidar com os seus problemas pessoais. O segundo aspecto é que Otto Preminger também parece bastante preocupado em satisfazer o público que deseja assistir apenas a um grande filme de guerra, algo que consegue cumprir sem problemas. Por fim, nesse rico roteiro, ainda há espaço para críticas sobre influências políticas dentro da própria hierarquia da Marinha, onde homens ineptos, acabavam ganhando posições de comando sem ter preparo militar para isso. Enfim, temos aqui um drama de guerra completo, onde não falta nenhum elemento importante. Uma obra prima entre os filmes de guerra do cinema clássico americano. Excelente!
  
A Primeira Vitória (In Harm's Way, Estados Unidos, 1965) Estúdio: Paramount Pictures / Direção: Otto Preminger / Roteiro: Wendell Mayes, baseado no livro de James Bassett / Elenco: John Wayne, Kirk Douglas, Burgess Meredith, Henry Fonda, Patricia Neal, Brandon De Wilde, Carroll O'Connor, Patrick O'Neal, Dana Andrews / Sinopse: Dois oficiais da Marinha dos Estados Unidos no Havaí, precisam lidar com os desafios da II Guerra Mundial enquanto tentam acertar aspectos de sua vida pessoal. Roteiro baseado em fatos reais. Filme indicado ao Oscar na categoria de Melhor Fotografia (Loyal Griggs). Vencedor do BAFTA Awards na categoria de Melhor Atriz Estrangeira (Patricia Neal).

Pablo Aluísio.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

A Montanha dos Sete Abutres

Há momentos em que os deuses do cinema parecem estar em estado de graça. Unir um diretor genial como Billy Wilder com um ator excepcional como Kirk Douglas não poderia dar em outra coisa. Esse clássico "A Montanha dos Sete Abutres" é uma verdadeira obra-prima da sétima arte. O enredo é um retrato puro e até mesmo cruel da alma do ser humano. Aqui visto sob o lado mais sórdido de cada personagem em cena. O brilhante roteiro serve para mostrar as reais intenções de certas pessoas que não estão preocupadas em ajudar os outros, mesmo que esses passem por momentos cruciais na vida, mas sim em como podem explorar uma situação limite em proveito próprio, passando por cima de todos os valores e de todos os sentimentos nobres. A trama explora muito bem esse aspecto. Chuck Tatum (Kirk Douglas) é um jornalista decadente que após ter trabalhado em grandes jornais de Nova Iorque vai parar em um jornalzinho de Albuquerque, bem no interior dos Estados Unidos. É uma queda e tanto na carreira. Tudo o que Tatum deseja é encontrar uma boa história para levantar novamente sua vida profissional. E ela surge, quase por acaso, após um homem ficar preso soterrado numa velha mina, construída em cima de um antigo cemitério indígena. Não demora muito e Tatum transforma o acontecimento em um verdadeiro circo, causando uma comoção na mídia nacional. Para ele o que importa não é o destino do pobre sujeito soterrado, mas sim o proveito pessoal que poderá tirar daquela tragédia.

O filme é bem isso. Um maravilhoso e ao mesmo tempo cruel tratado sobre a sordidez humana. Assim de forma bem simples poderíamos resumir esse grande clássico de Billy Wilder, "Ace in the Hole", sem dúvida um de seus mais brilhantes e inspirados trabalhos. Os personagens que o cineasta explora em seu roteiro formam o retrato da ambição humana sem limites, um conjunto de pessoas desprezíveis que só pensam em si mesmas e não hesitam em explorar a desgraça alheia em prol de seu proveito próprio. O jornalista interpretado por Kirk Douglas certamente é o mais perfeito retrato disso, um sujeito que só deseja o sucesso pessoal a qualquer custo, mesmo que isso custe a vida de um inocente.

A esposa do pobre sujeito soterrado, a falsa loira Lorraine Minosa (em ótima atuação da atriz Jan Sterling), é uma figura desalmada, mesquinha, má e interesseira que causa asco e nojo no espectador. Nessa tríade de gente ordinária não escapa nem mesmo o xerife da cidade, incorporando todas as corrupções que você possa imaginar. Billy Wilder assim procura mostrar ao público o lado mais desprezível de todos eles. O valor da vida humana é mera peça no tabuleiro de interesses vis e sórdidos. No final o que temos aqui é um retrato nada lisonjeiro da alma humana e uma prova maravilhosa do talento desse grande cineasta. É, em suma, um filme indispensável para se guardar em sua coleção.

A Montanha dos Sete Abutres (Ace in the Hole, Estados Unidos, 1951) Estúdio: Paramount Pictures / Direção: Billy Wilder / Roteiro: Billy Wilder, Lesser Samuels, W. Newman / Elenco: Kirk Douglas, Jan Sterling, Robert Arthur / Sinopse: Jornalista inescrupuloso e mau-caráter começa a explorar de forma vil uma tragédia para levantar sua carreira decadente. Filme indicado ao Oscar na categoria de Melhor Roteiro Original (Billy Wilder, Lesser Samuels e Walter Newman).

Pablo Aluísio.

Sua Majestade o Aventureiro

Um filme clássico explorando a beleza natural dos sete mares, assim podemos definir essa produção, um belo exemplo de aventura da década de 1950. O enredo não poderia ser mais adequado. Depois de sofrer um motim em seu navio, o Capitão David Dion O'Keefe (Burt Lancaster) vai parar em uma ilha remota no Pacífico Sul. Lá ele descobre um grande potencial para comercializar o óleo dos coqueiros da região, algo de muito valor para ser vendido na rota comercial em direção à Europa. Após fazer amizade com os nativos locais O'Keefe retorna para Hong Kong onde pretende comprar um navio para colocar em prática seus planos. O problema é que várias companhias concorrentes farão de tudo para destruir o objetivo comercial do veterano capitão dos mares. Aventura filmada nas ilhas Fiji, um dos lugares mais bonitos do mundo. Claro que uma produção americana realizada em um lugar tão distante, do outro lado do planeta, acabaria se tornando um desafio e tanto. O diretor Byron Haskin ficou doente durante as filmagens e o próprio astro Burt Lancaster assumiu parte da direção (embora jamais tenha sido creditado por isso pela Warner). Algo até muito injusto porque como podemos perceber bem ao assistir a esse filme o astro Lancaster tinha uma boa mão como cineasta. Ele sabia muito bem o que queria e conseguia extrair o melhor das cenas com mais ação e lutas. Além disso captou como poucos a beleza natural dos lugares onde o filme foi feito.

Como era comum em filmes como esse na época, o protagonista era um aventureiro, um homem que enfrentava todos os desafios para atingir seus objetivos. Um papel perfeito para Burt Lancaster que vindo do circo se sentia muito bem nesse tipo de aventura onde o aspecto físico do ator era bem mais explorado do que sua capacidade dramática. Aliás em inúmeras cenas Lancaster dispensou o uso de dublês, fazendo ele mesmo várias das sequências mais perigosas. Numa delas ele desce a montanha de uma pedreira antes de haver uma grande explosão. Para isso usa apenas cordas, tal como se estivesse em um número de malabarismo sobre o picadeiro. Já sob o ponto de vista atual o roteiro de "His Majesty O'Keefe" poderia até mesmo ser considerado um pouco complicado de digerir. Isso porque o personagem de Burt Lancaster, apesar de seu estilo jovial e dinâmico, sempre com uma atitude de bom mocismo, pretende no final das contas apenas explorar o povo daquela ilha distante; pois o que ele tinha em mente mesmo era comercializar os recursos naturais que supostamente seriam deles de direito.

Um dos problemas que o Capitão precisa resolver é como colocar toda aquela gente para trabalhar atendendo ao seu próprio interesse de ficar rico. Os nativos não pareciam muito propensos ao trabalho, mas sim a cultuar pedras que eles consideravam sagradas. A ótica do colonizador assim acabou prevalecendo, com o Capitão O'Keefe sempre disposto a bolar alguma jogada para se dar bem com a mão de obra daquele povo primitivo. Por fim o filme também traz doses de romantismo, principalmente no romance entre o Capitão e uma garota muito bonita da ilha, interpretada pela bela atriz Joan Rice. Então é isso. "Sua Majestade o Aventureiro" é certamente um bom filme de aventuras ao velho estilo de Hollywood, com muita ação, desafios e a sempre exuberante natureza de Fiji, com suas águas cristalinas e paisagens de tirar o fôlego. Deixe de lado um pouco seu teor politicamente incorreto e tente se divertir, levando em conta a mentalidade da época em que o filme foi lançado. Assim você terá uma ótima diversão passada nos mares do Sul.

Sua Majestade o Aventureiro (His Majesty O'Keefe, Estados Unidos, 1954) Estúdio: Warner Bros / Direção: Byron Haskin / Roteiro: Borden Chase, James Hill / Elenco: Burt Lancaster, Joan Rice, André Morell, Abraham Sofaer / Sinopse: Explorador, marinheiro e aventureiro um capitão descobre uma maneira de ficar rico com as belezas naturais de uma ilha perdida e quase inexplorada localizada no Pacífico Sul.

Pablo Aluísio.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

As Sandálias do Pescador

O filme “As Sandálias do Pescador” foi baseado no best-seller de Morris L. West, um dos romancistas mais prestigiados do mundo. Em plena guerra fria, o enredo mesclava política e religião com muita maestria. A trama do filme era pura ficção, mas com nuances baseados em fatos históricos reais. No enredo o protagonista se chama Kiril Lakota (Anthony Quinn), Ele é um cardeal russo que acaba sendo libertado após muita pressão internacional contra o governo comunista da União Soviética. Exilado, ele volta ao Vaticano onde por uma ironia do destino acaba fazendo parte do conclave para a escolha do novo Papa. Como se não bastasse a surpresa de retornar a Roma nesse momento particularmente delicado, acaba ainda por cima sendo eleito o novo Papa pelos cardeais, que cansados das lutas internas dentro da cúria romana decidem eleger alguém de fora para assumir o poder máximo da Igreja Católica no mundo!

A história parece familiar para você? Pois é, incrivelmente parecida mesmo com a história do Papa João Paulo II, que também foi eleito após escapar do regime comunista na Polônia. Nesse ponto o autor Morris West foi incrivelmente perspicaz pois os eventos narrados em seu livro acabaram de certa forma se tornando reais dez anos depois com a escolha de Karol Wojtyla para o trono do pescador. É incrível pensar que ele havia previsto uma década antes que um novo Papa viria de um país dominado pelo comunismo. Era algo impensado na época, justamente por causa da guerra fria que parecia não ter fim. A eleição de um Papa proveniente de um país socialista seria algo não apenas inédito, mas também explosivo do ponto de vista da política internacional. Em meio a tensão, ter um Papa com essas origens iria deixar o cenário ainda mais turbulento e tenso entre Estados Unidos e União Soviética.

“As Sandálias do Pescador” é nitidamente dividido em dois atos. O primeiro que antecede a subida ao trono de São Pedro e o segundo que já mostra o protagonista como o novo Papa eleito. A produção é das mais ricas, com tudo sendo recriado a perfeição em seus menores detalhes. Todos os rituais, liturgias e cerimônias são refeitas com extremo rigor e fidelidade histórica. O elenco é fabuloso. Além de Anthony Quinn como o russo que vira Papa o filme ainda conta com as preciosas atuações de Laurence Olivier (como o premie soviético) e Vittorio de Sica como o Cardeal Rinaldi. Outro ponto positivo é a recriação das intrigas e conspirações palacianas, tão comuns em escolhas de Papas ao longo da história. Embora o filme decaia um pouco em seus momentos finais, o fato é que “As Sandálias do Pescador” é um marco do cinema da década de 60. Uma produção de encher os olhos com um elenco realmente maravilhoso. Em tempos de conclaves, eleições de Papas e tudo mais “As Sandálias do Pescador” se torna ainda mais interessante. Assistindo ao filme você irá perceber que pouco coisa mudou em todos esses anos. Os corredores do Vaticano e seus segredos milenares continuam os mesmos, seja na ficção ou na vida real. São dois mil anos de uma fonte inesgotável de história. 

As Sandálias do Pescador (The Shoes of the Fisherman, Estados Unidos, Itália, 1968) Direção: Michael Anderson / Roteiro: John Patrick, James Kennaway baseados no livro de Morris West / Elenco: Anthony Quinn, Laurence Olivier, Oskar Werner, Vittorio de Sica / Sinopse: Após escapar do regime brutal soviético um cardeal russo (Anthony Quinn) acaba sendo eleito o novo Papa com o nome de Kiril I. Filme indicado ao Oscar nas categorias de de melhor Trilha Sonora original e melhor Direção de Arte.

Pablo Aluísio. 

Hino de uma Consciência

Nesse fim de semana assisti a esse "Hino de Uma Consciência", um filme de guerra bem diferente. Embora o filme se passe em um centro de treinamento de pilotos americanos na guerra da Coreia, o foco do roteiro e argumento não se baseiam essencialmente nisso, mas sim na crise existencial que se abate sobre o protagonista. Rock Hudson aqui interpreta esse jovem Coronel da força aérea dos Estados Unidos que durante a II Guerra Mundial atacou por engano um orfanato de crianças no Japão. Muitas delas morrem por causa desse terrível erro. Corroído pela culpa, psicologicamente destruído, ele resolve se tornar ministro religioso, mas sem muito poder de oratória, acaba fracassando. Após alguns anos acaba voltando mais uma vez ao front de batalha, só que dessa vez como instrutor de jovens aviadores na Guerra da Coreia.

O curioso é que sua redenção vem na forma de ajuda humanitária à população local - seja distribuindo alimentos, seja ajudando crianças sem lar da região. O tom do filme é melodramático, arriscando muitas vezes cair na pieguice, mas que se salva ao final principalmente pelas cenas de batalha entre os caças americanos e inimigos. As boas intenções do roteiro também ajudam o filme em seu resultado final. No meio de tantas mensagens negativas que muitas vezes vemos em algumas produções, assistir a algo assim que incentive as boas ações sempre é muito bem-vindo. Aliás o filme foi premiado pelo Globo de Ouro em uma categoria especial criado pelos jornalistas da época que procuravam premiar roteiros que iam justamente por essa direção, com mensagens positivas, intenções de promover o bem dentro da comunidade, etc. Essa categoria acabou sendo extinta com os anos, infelizmente.

Rock Hudson entrega uma interpretação contida. Ele havia acabado de perder o Oscar de Melhor ator por "Assim Caminha a Humanidade" e talvez por isso estivesse menos empenhado em impressionar. De fato o ator nem gostou muito do roteiro, mas como o convite partiu de Douglas Sirk, o primeiro cineasta a lhe dar uma grande chance em Hollywood, Rock se viu na obrigação de aceitar. Ele sempre se mostrava muito agradecido e leal a quem lhe havia dado a mão e por isso não recusaria a chance de trabalhar novamente com seu mentor em Hollywood. Ao seu lado em cena temos a atriz indiana Anna Kashfi que ganhou notoriedade no cinema americano não tanto por suas interpretações, mas sim por ter sido uma das mais famosas mulheres "exóticas" de Marlon Brando. Para quem não se recorda essa atriz foi a primeira esposa de Brando, mãe de seu filho Christian, que anos depois seria preso por assassinar o namorado de sua irmã. Apesar do esforço em parecer empenhada e envolvida, Kashfi deixa a desejar. Não era particularmente talentosa e nem tinha uma presença marcante em cena. Sem uma grande estrela para contracenar com Rock Hudson o filme perde muitos pontos. Além disso a química do casal é zero, o que piora ainda mais a situação. Talvez ela só esteja no filme por nepotismo de Brando. De qualquer forma "Hino de Uma Consciência" merece ser redescoberto. Sua boa mensagem aliada ao fato de termos Rock Hudson no auge de sua carreira e popularidade mantém o interesse.

Hino de Uma Consciência (Battle Hymn, Estados Unidos, 1957) Direção: Douglas Sirk / Roteiro: Charles Grayson, Vincent B. Evans / Elenco: Rock Hudson, Anna Kashfi,  Dan Duryea, Don DeFore, Martha Hyer, Jock Mahoney / Sinopse: Após bombardear um orfanato japonês durante a II Guerra Mundial, um jovem piloto da força aérea dos EUA decide se redimir de seu erro se tornando ministro religioso. Após sentir que não tem vocação para isso, ele decide então voltar para o front onde se trava a sangrenta Guerra da Coreia. Lá acabará encontrando uma forma de superar o seu terrível erro cometido anos atrás, em um passado que tenta se libertar. Filme premiado no Globo de Ouro.

Pablo Aluísio. 

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

O Céu é Testemunha

Segunda Guerra Mundial. Após ter seu navio afundado por japoneses o cabo americano dos fuzileiros navais Allison (Mitchum) consegue sobreviver, ficando dias à deriva em alto-mar. Para sua sorte sua pequena embarcação é levada até uma ilha no meio do Pacífico Sul. Ao desembarcar ele acaba descobrindo que só há uma pessoa naquele lugar distante e esquecido por Deus, a freira Angela (Deborah Kerr). Ela é a única sobrevivente da comunidade. Seu superior, o padre Phillips, está morto. Agora juntos terão que sobreviver. Não será uma tarefa fácil, por causa da escassez de alimentos e pela provável ocupação das tropas japonesas que estão chegando para transformar a ilha em um posto avançado das forças imperiais de seu país. Caberá ao militar e à freira a complicada tarefa de não serem descobertos e presos pelos violentos soldados japoneses. Para isso Allison usará de todo o seu treinamento de fuzileiro naval enquanto protege a irmã Angela de mais uma tragédia em sua vida.

John Huston aqui realiza mais uma de suas obras primas. Baseado em um roteiro que foi parcialmente inspirado em fatos reais, Huston explora duas figuras completamente diferentes entre si (um militar e uma religiosa) que se encontram em uma situação limite pela sobrevivência. O mais curioso é que Huston ousou até mesmo ultrapassar certos limites, criando uma atração entre o personagem de Robert Mitchum e a jovem e bonita irmã, interpretada por Deborah Kerr. A tensão sexual que se cria entre eles é uma das melhores coisas desse argumento. Outro fato digno de aplausos é a técnica que Huston explora para desenvolver sua história. Com basicamente dois personagens centrais ele desenvolve diversos temas interessantes, como a força da fé, os limites éticos que caem na luta pela sobrevivência e o que não poderia faltar em uma produção como essa, o senso de aventura.

O militar de Robert Mitchum é um tipo que, apesar de crer em Deus, nunca foi muito preocupado com essa questão religiosa. Órfão, criado em abrigos a vida inteira, chegou a se tornar um delinquente juvenil antes de decidir entrar nos fuzileiros navais e finalmente se encontrar na vida, trilhando um caminho seguro. Já a freira de Kerr é jovem, bela e ainda não fez os seus votos definitivos de castidade, o que abre uma pequena margem de esperanças para o militar, que claramente fica apaixonado por ela. Assim temos um ótimo filme, baseado em uma história que prende a atenção do começo ao fim. Nada mais normal para um gênio do cinema como John Huston.

O Céu é Testemunha (Heaven Knows, Mr. Allison, Estados Unidos, 1957) Direção: John Huston / Roteiro: John Huston, John Lee Mahin / Elenco: Robert Mitchum, Deborah Kerr / Sinopse: Um fuzlileiro naval dos Estados Unidos (Mitchum) consegue sobreviver a um ataque japonês ao seu navio durante a batalha do Pacífico, no auge da II Guerra Mundial. Ele acaba indo parar numa ilha onde conhece a bela e jovem freira irmã Angela (Kerr). Juntos vão tentar sobreviver ao mundo em chamas e à fúria da natureza do lugar. Filme indicado ao Oscar nas categorias de Melhor Atriz (Deborah Kerr) e Melhor Roteiro Adaptado (John Huston e John Lee Mahin). Indicado ao Globo de Ouro na categoria de Melhor Atriz - Drama (Deborah Kerr). Também indicado ao BAFTA Awards nas categorias de Melhor Filme - Estados Unidos e Melhor Ator (Robert Mitchum),

Pablo Aluísio. 

A Taberna das Ilusões Perdidas

Tentando tornar em realidade seus sonhos de se tornar um músico de sucesso, o jovem saxofonista Pete Hammond Jr (Tony Curtis) resolve ir embora da pequenina cidadezinha do meio oeste onde nasceu rumo a Nova Iorque. Na cidade grande ele acaba conhecendo o lado duro da vida. Para sobreviver nos primeiros dias, sem emprego e sem trabalho à vista, ele divide um pequeno quartinho com a jovem Peggy Brown (Debbie Reynolds). Ela também veio do interior alguns meses atrás com o sonho de se tornar modelo, mas tudo o que conseguiu foi ganhar alguns trocados trabalhando como companhia de dança em um estabelecimento barato nas redondezas. Prestes a ser despejada por falta de pagamento do aluguel ela acaba se tornando amiga de Pete. Afinal ambos estão passando pelos mesmos problemas (e eles são muitos a cada dia). Quando eu vi as informações sobre esse filme pela primeira vez pensei se tratar de uma comédia romântica. Essa primeira impressão veio do fato do elenco ser encabeçado pela dupla Tony Curtis e Debbie Reynolds, uma espécie de casal doçura dos anos dourados. Para minha surpresa não era nada disso. O filme tem uma trama realista, melancólica e até mesmo triste. Embora o romance venha a aparecer em seu clímax (em um dos poucos momentos de doce esperança nesse roteiro amargo), o fato é que o filme investe mesmo na dura realidade de dois jovens perdidos em uma grande cidade que no fundo pode engolir a ambos sem piedade.

O título original do filme inclusive vem de uma fala ácida de Reynolds ao dizer que pelo luta da sobrevivência na selva de pedra vale tudo, com as pessoas se comportando como se estivessem em uma corrida de ratos! É triste, mas soa bem real de fato. A própria personagem de Debbie Reynolds é um jovem garota que não sonha mais. Ela havia ido para New York pensando se tornar modelo, mas tudo cai por terra e ela se vê sendo explorada por um crápula que a chantageia para que ela se torne prostituta. Arruinada financeiramente, ela não consegue sequer pagar o aluguel do quartinho minúsculo em que mora! Sua falta de esperança acaba contrastando  com a chegada do músico de interior interpretado por Tony Curtis. Esse ainda sonha em vencer na cidade grande, se tornando um músico de renome. Os primeiros dias porém logo acabam com suas esperanças. Uma quadrilha de picaretas rouba seus instrumentos e ele fica sem seu meio de trabalho.

O drama desse filme realmente me deixou bem surpreso. Não é algo tão dramático e trágico como nas peças de Tennessee Williams, mas que acaba no final das contas tendo a mesma dose de realismo cortante. A única coisa que pode salvar personagens tão amargos, vivendo em uma realidade tão cruel, é o amor. E eles estão tão massacrados pela vida dura que levam que até isso - expressar um sentimento verdadeiro pelo outro - acaba virando um tremendo esforço pessoal por parte de cada um deles. Em suma, um filme realmente acima da média que vai agradar bastante aos cinéfilos que estejam em busca de um tipo de cinema clássico mais socialmente consciente, retratando pessoas bem reais, com suas dificuldades para viver a cada dia, tentando sobreviver ao seu próprio fracasso pessoal.

A Taberna das Ilusões Perdidas (The Rat Race, Estados Unidos, 1960) Estúdio: Paramount Pictures / Direção: Robert Mulligan / Roteiro: Garson Kanin / Elenco: Tony Curtis, Debbie Reynolds, Jack Oakie, Kay Medford, Don Rickles, Marjorie Bennett, Joe Bushkin / Sinopse: jovem músico, vindo do interior, tenta vencer na cidade grande. Ele logo percebe que as coisas não serão muito fáceis, principalmente após sofrer um golpe dado por outros músicos que roubam seu instrumento, seu único meio de sobreviver em sua nova vida.

Pablo Aluísio.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

The Mandalorian

Star Wars - The Mandalorian
Há um certo consenso entre os fãs de "Star Wars" que a franquia anda derrapando feio nos cinemas. Esse último filme, que está entrando em cartaz, recebeu uma tonelada de críticas ruins - e não foi apenas dos especialistas, dos jornalistas, mas também dos fãs, o que é bem grave. Curioso é que se "Star Wars" não anda agradando nos cinemas, no ramo das séries há uma boa novidade chegando. Se trata de "The Mandalorian", nova série da Disney passada no mesmo universo de "Star Wars".

Essa nova série está sob controle do diretor Jon Favreau. Ele criou o conceito, os personagens e os roteiros. Ele tem muita experiência. Já lidou com sucesso nas adaptações do Homem de Ferro nos cinemas. Também dirigiu bons filmes como "Mogli, o Menino Lobo" e a nova versão de "O Rei Leão". Sabe o que faz e tem talento para isso. Aqui nessa postagem vou publicar, de forma gradual, todas as resenhas dos episódios que vou assistindo. Certamente será uma boa opção de entretenimento conferir tudo o que se passa nesse novo programa - que vem recebendo boas críticas de uma maneira em geral. Ao custo de 100 milhões de dólares já é uma das melhores novidades do ano. E para quem andava reclamando do novo filme - que para alguns é bem ruim - não deixa de ser um alívio mais do que bem-vindo.

The Mandalorian 1.01 - Chapter 1: The Bounty
Por mais estranho que isso possa parecer o clima desse primeiro episódio é de puro velho oeste. Sim, daqueles faroestes clássicos que estamos tão bem acostumados a assistir. O protagonista é um caçador de recompensas. Um mandaloriano que cruza o universo em busca de criminosos e procurados em geral. Ele vive das recompensas que ganha quando os captura. O problema é que os tais sujeitos formam a escória do universo e esse trabalho passa longe de ser fácil! Nesse primeiro episódio ele consegue sua captura e terminado o serviço, com mais cinco presos em sua nave, ele retorna para receber o prêmio por suas cabeças. E acaba aceitando um novo serviço. Ir atrás de alguém (sem saber exatamente quem) em um lugar inóspito e cheio de bandoleiros. O episódio termina com ele frente a frente de sua presa. Quer uma pista? Baby Yoda! (ainda iremos falar muito nele por aqui, já que virou uma espécie de febre dos memes na internet!). E o mais divertido de tudo é saber que a tal criaturinha não é o Yoda e nem tampouco é um baby, pois tem 50 anos de idade! Só "Star Wars" mesmo para criar algo assim.../ The Mandalorian 1.01 - Chapter 1: The Bounty (Estados Unidos, 2019) Direção: Dave Filoni / Roteiro: Jon Favreau / Elenco: Pedro Pascal, Carl Weathers, Werner Herzog, Nick Nolte.

The Mandalorian 1.02 - Chapter 2: The Child  
A criança (que ganhou o apelido de "Baby Yoda") está recuperada. Com isso o caçador de recompensas mandaloriano já pode sair daquele planeta deserto. Só que ao chegar em sua nave ele tem uma surpresa bem desagradável. O povo do deserto depenou as peças dela. Com a ajuda de Kuiil (Nick Nolte) ele vai até o povo do deserto negociar com aquilo que havia sido roubado dele! Tempos complicados. Eles pedem sua arma. Ele nega. Pedem o Baby Yoda. Ele nega. Então o povo do deserto lhe faz uma oferta mais aceitável. Ele teve trazer o ovo de um animal da região. Em troca eles lhe devolverão as peças roubadas. Só que o tal bichano é uma fera monstruosa! Excelente episódio, mesclando diversão, aventura e ótimas cenas de ação. Os produtores dos filmes para o cinema deveriam dar uma olhada aqui para ver como se faz para renovar a franquia Star Wars com qualidade. / Star Wars - The Mandalorian 1.02 - Chapter 2: The Child  (Estados Unidos, 2019) Direção: Rick Famuyiwa / Roteiro: Jon Favreau / Elenco: Pedro Pascal, Nick Nolte, Misty Rosas.

The Mandalorian 1.03 - Chapter 3: The Sin 
O caçador de recompensas fez sua parte. Ele localizou e colocou as mãos no pequeno Baby Yoda. Após realizar seu serviço entrega a criança para seu cliente, mas a consciência fica pesada. Ele recebe o pagamento em tabletes de aço forjados pelo império. Vai usar o material para reforçar sua armadura. Quando todos pensam que ele vai entrar em sua nave para ir embora do planeta, ele muda de ideia. Pega suas armas e vai atrás do pequeno Yoda. E aí se origina uma carnificina. Ele acaba sendo salvo na última hora por outros caçadores de recompensa, mesmo todos sabendo que ele quebrou o "código de ética" de sua profissão, da guilda. Com a criança dentro de sua cabine ele então vai embora. Bom episódio, sempre mantendo o bom padrão dessa boa série com o selo "Star Wars". / The Mandalorian 1.03 - Chapter 3: The Sin (Estados Unidos, 2019) Direção: Deborah Chow / Roteiro: Jon Favreau / Elenco: Pedro Pascal, Werner Herzog, Omid Abtahi.

The Mandalorian 1.04 - Chapter 4: Sanctuary
O mercenário mandaloriano e seu "pequeno Yoda" chegam em um pequeno planeta perdido no universo. Claro, eles estão em fuga, então aquele lugar parece ser o ideal pois é perdido no meio do nada absoluto. Lá eles conhecem um pequeno vilarejo onde o povo local, todos fazendeiros e inexperientes na arte da guerra, pedem por sua proteção. Eles juntam tudo o que possuem e contratam o mercenário. Seu "serviço" é proteger a vila do ataque de um bando de bandoleiros, só que armados também com um tanque imperial (só não se sabe como ele foi parar ali). Nesse episódio o mercenário também conhece uma guerreira e pinta até um certo clima entre eles. O curioso é que esse roteiro é óbviamente uma homenagem ao clássico do western americano "Sete Homens e um Destino", com as devidas adaptações, claro. No final é um episódio bem interessante da série e com duração um pouco maior do que os anteriores. / Star Wars - The Mandalorian 1.04 - Chapter 4: Sanctuary (Estados Unidos, 2019) Direção: Bryce Dallas Howard / Roteiro: Jon Favreau / Elenco:  Pedro Pascal, Gina Carano, Julia Jones.

The Mandalorian 1.05 - Chapter 5: The Gunslinger
O caçador de recompensas mandaloriano e o Baby Yoda chegam em um planete deserto, depois que são atacados no espaço. A nave fica avariada, necessitando de conserto urgente. Ele acaba encontrando uma senhora que conserta naves e que acabará se revelando uma boa amiga leal. Só que para pagar seus serviços o caçador acaba aceitando uma oferta para caçar outra caçadora de recompensas que está no lugar. Ela é boa, uma das melhores da guilda e não será nada fácil cumprir mais esse serviço. Bom episódio que conta com duas atrações a mais para os fãs de "Star Wars". Primeiro o uso de motocicletas voadoras e o outro o surgimento do povo da areia. Figurinhas conhecidas dos filmes do cinema. / The Mandalorian 1.05 - Chapter 5: The Gunslinger (Estados Unidos, 2019) Direção: Dave Filoni / Roteiro: Dave Filoni / Elenco:  Pedro Pascal, Amy Sedaris, Jake Cannavale.

The Mandalorian 1.06 - Chapter 6: The Prisoner
O mercenário mandaloriano é contratado para ir até uma nave prisão da Nova República para resgatar um dos prisioneiros. Serviço perigoso, mas bem pago. Ao seu lado se une um estranho grupo. Uma especialista em matar com facas, um assassino profissional, um "diablo" de pura força bruta e um droid, com design de inseto cibernético. O serviço se torna mais complicado do que eles poderiam pensar, só que o Mandaloriano cumpre seu papel, com uma pequena ajuda do Baby Yoda, aqui mais uma vez treinando seus poderes da força, dominando as mentes dos fracos de espírito. / The Mandalorian 1.06 - Chapter 6: The Prisoner (Estados Unidos, 2019) Direção: Rick Famuyiwa / Roteiro: Christopher L. Yost, Rick Famuyiwa / Elenco: Pedro Pascal, Mark Boone Junior, Bill Burr.

The Mandalorian 1.07 - Chapter 7: The Reckoning
Nesse episódio, infelizmente, Baby Yoda finalmente cai nas mãos do império. Antes disso o mercenário mandaloriano é convidado para retornar, acertar as contas com a guilda. Greef Karga (Carl Weathers) lhe oferece a seguinte proposta: ele trará a criança de volta. A intenção é usá-la como uma isca, para eliminar um ex-combatente no império que insiste em colocar as mãos nele. Só que a proposta na realidade esconde uma emboscada. Esse episódio também traz alguns aspectos que vão agradar aos fãs de Star Wars. Uma delas é a presença de um grande pelotão de tropas imperiais. Dois deles usam motos, iguais as que se viu em "O Império Contra-ataca". A nostalgia vai bater. Outra é mostrar de uma vez por todas o poder de cura do pequeno Yoda. Episódio bacana, mas que não se encerra, deixando a porta aberta para o último episódio da temporada. / The Mandalorian 1.07 - Chapter 7: The Reckoning (Estados Unidos, 2019) Direção: Deborah Chow / Roteiro: Jon Favreau / Elenco:  Pedro Pascal, Carl Weathers, Gina Carano, Nick Nolte.

The Mandalorian 1.08 - Chapter 8: Redemption
Esse é o último episódio da primeira temporada da série. E o que acontece nesse episódio final? Baby Yoda é salvo das mãos de dois soldados do império pelo Droid babá. E pensar que o Mandaloriano não confiava nesses seres robóticos. E esse Droid, uma antiga peça de guerra do império, agora reprogramado, é sem dúvida um dos destaques do episódio. Ele salva não apenas o Baby Yoda, mas a todos que estavam cercados pelo império. Sua redenção ou seu sacríficio na lava bate forte entre os fãs de Star Wars. Alias é bom frisar que nesse episódio pela primeira vez é falada a palavra Jedi. E uma cena se destaca entre todas as demais, quando o Mandaloriano literalmente monta em um caça do império para destrui-lo. Grande cena. No final Baby Yoda e o mercenário terminam juntos, entrando em sua nave, rumo a novas aventuras no universo. A série já tem confirmada mais duas temporadas. Pelo visto vai longe. E merece todo o sucesso porque é realmente muito boa. Deixo aqui minhas palmas para Jon Favreau e toda a sua equipe. Fizeram um excelente trabalho! / The Mandalorian - Chapter 8: Redemption (Estados Unidos, 201 ) Direção: Taika Waititi / Roteiro: Jon Favreau / Elenco:  Pedro Pascal, Taika Waititi, Giancarlo Esposito, Carl Weathers.

Pablo Aluísio.

domingo, 8 de dezembro de 2019

O Farol

Esse filme está sendo muito elogiado no exterior. Alguns críticos inclusive defendem que ele seja indicado ao Oscar de melhor filme do ano. Exagero? Sim, tenho que discordar desse tipo de opinião com mais entusiasmo. Na verdade o filme - dito por alguns como um terror - não se trata disso. No máximo poderia classificar essa obra como um drama psicológico, com nuances sutis de suspense. A trama é bem básica. Só há dois personagens em cena: os trabalhadores Thomas Wake (Willem Dafoe) e Ephraim Winslow (Robert Pattinson), Eles são levados até uma ilha remota e isolada. A função da dupla é manter o farol local funcionando. O trabalho é duro, principalmente para o mais jovem, Ephraim. Já o velho Thomas é um veterano lobo do mar. Depois que se retirou da profissão de marinheiro, se tornou faroleiro. Logo que eles chegam na ilha o velho se impõe ao mais jovem e deixa claro que naquela ilha perdida ele é quem manda. Também determina que apenas ele poderá cuidar da manutenção das lentes do farol. Isso, claro, cria uma curiosidade no mais novo. O que estaria o velho fazendo lá em cima durante as madrugadas? Porém a solidão e o isolamento logo cobram seu preço. Eles começam a beber demais... e não demora muito a surgirem alucinações. Uma delas inclusive muito peculiar, envolvendo uma sereia! Para quem vive ali por meses, sem contato nenhum com o sexo feminino, era de se esperar mesmo que eles começassem a alucinar com uma bela mulher, mesmo que ela fosse uma figura mitológica.

O filme foi todo rodado com uma fotografia em preto e branco bem escura. A intenção era relembrar antigos filmes dos anos 1940. Para o público atual esse visual e seu roteiro mais estiloso, vai soar como algo bem estranho. Para os amantes da cinefilia porém isso será um bônus a mais em favor do filme. Particularmente até apreciei o filme naquele que ele tem de melhor, em especial no quesito atuação. Que Willem Dafoe é um dos atores mais talentosos de sua geração, acho que ninguém tem mais dúvida. A surpresa vem com Robert Pattinson. Eu sempre o considerei um ator muito fraquinho mesmo. Aqui porém ele cresce, porque precisou estar à altura de Dafoe, ou pelo menos não passar vergonha ao seu lado. Com isso o ator conseguiu sua melhor atuação no cinema. As fãs de Crepúsculo, por outro lado, provavelmente vão odiar o filme. De minha parte até gostei do conjunto, mas daí a indicar ao Oscar como um dos melhores do ano já penso ser um tanto exagerado.

O Farol (The Lighthouse, Estados Unidos, Canadá, Brasil, 2019) Direção: Robert Eggers / Roteiro: Max Eggers, Robert Eggers / Elenco: Willem Dafoe, Robert Pattinson, Valeriia Karaman / Sinopse: Dois faroleiros, Thomas Wake (Willem Dafoe) e Ephraim Winslow (Robert Pattinson), chegam numa ilha isolada e remota da costa. O trabalho deles nos próximos meses será de manutenção e conserto do farol, só que nesse meio tempo coisas estranhas começam a acontecer. Embriagados, começam a ter uma série de alucinações.

Pablo Aluísio. 

sábado, 7 de dezembro de 2019

Dois Papas

Achei excelente esse filme. O tema sobre perdão e humanidade caiu muito bem, tudo bem escrito, em um roteiro realmente acima da média. Além disso é um tema dos nossos dias e vai despertar a atenção de muitas pessoas. O filme inclusive já é cotado para ser um campeão de indicações no Oscar, com destaque para o elenco, esse realmente excepcional. O grande Anthony Hopkins, um dos meus atores preferidos de todos os tempos, interpreta o Papa Bento XVI. Quando o encontramos nas primeiras cenas, ele ainda é apenas o cardeal Joseph Ratzinger. O Papa João Paulo II está morto e um conclave é convocado. Na votação duas correntes da igreja se enfrentam, os conservadores e os progressistas, que querem modernizar essa instituição milenar. Nessa primeira eleição Ratzinger se consagra vencedor e se torna o Papa Bento XVI. Só que o segundo lugar no conclave também se destaca. Ele é um cardeal pastoral argentino chamado Jorge Mario Bergoglio (Jonathan Pryce). O caminho deles volta a se cruzar alguns anos depois, no próprio Vaticano. Bergoglio vai até Bento XVI para pedir sua aposentadoria. Se considera cansado após tantos anos de luta dentro da igreja. Jesuíta, acredita que já fez tudo o que poderia fazer. Só que Bento XVI não lhe dá ouvidos. Ambos se aproximam e acabam criando uma bela amizade.

O roteiro do filme se concentra então em uma série de conversas entre eles, tudo também mesclado com cenas de flashback do passado de ambos os religiosos. E aí o roteiro mostra toda a sua força. O filme, que poderia ser considerado de antemão chato e arrastado, jamais cai nessa armadilha. Tudo é feito com talento raro. Os dois grandes atores "duelam" em cena e quem acaba se saindo vencedor é o próprio espectador. Mesmo com a idade já um tanto avançada, Sir Anthony Hopkins brilha como poucos. Ele está perfeito em seu papel e já é considerado um dos fortes candidatos ao Oscar desse ano. Não menos bem se sai Jonathan Pryce, como o carismático, popular e "gente boa" Bergoglio. Um é o aristocrata conservador, homem de tradição, o outro é o homem do povo, popular, sempre com um sorriso no rosto, esbanjando simpatia. O alemão é um estudioso, homem de livros, teórico. O argentino é um homem do povo, que privilegia o lado pastoral, um prático da fé cristã. Do choque dessas duas personalidades tão diferentes nasce um grande filme. É uma obra-prima cinematográfica assinada pelo brasileiro Fernando Meirelles que aqui merece todas os aplausos de pé. A conclusão não poderia ser outra. É um filme realmente maravilhoso,

Dois Papas (The Two Popes, Estados Unidos, Itália, Argentina, 2019) Direção: Fernando Meirelles / Roteiro: Anthony McCarten / Elenco: Anthony Hopkins, Jonathan Pryce, Juan Minujín / Sinopse: O destino de dois membros do clero católico se encontram após a morte do Papa João Paulo II. Ambos estão destinados a também se tornarem Papas. E uma amizade sincera, baseada muitas vezes na diferença de opiniões entre eles, nasce no meio de uma crise enfrentada pela Igreja. Filme indicado ao Globo de Ouro nas categorias de Melhor Filme - Drama, Melhor Ator (Jonathan Pryce), Melhor Ator Coadjuvante (Anthony Hopkins) e Melhor Roteiro (Anthony McCarten).

Pablo Aluísio. 

Nós

Eu deveria ter ligado os pontos antes de começar a assistir a esse filme. O diretor Jordan Peele é o mesmo de "Corra!" e eu não havia gostado muito desse seu filme anterior. Porém deixei de prestar atenção e fui conferir esse novo terror. É a tal coisa, alguns filmes apresentam muito clima, muito estilo até, mas se formos pensar bem tem pouco ou nenhum conteúdo. É o caso desse "Us". Começa até bem convencional. Uma família de negros parte para suas férias. O paizão aluga uma casa perto de um bonito lago. Ele gostaria de ir para a praia, mas a esposa tem problemas e traumas desde a infância. Ela entrou em uma velha casa de espelhos quando criança. Esse tipo de coisa era bem popular nos anos 50, ainda mais naquelas cidades que viviam de turismo à beira-mar. Só que esses velhos parques de diversões também faliram com os anos e acabaram se transformando em cenários naturais para filmes de terror. Toda aquela decadência, aqueles brinquedos enferrujados, aqueles cartazes velhos, mostrando coisas bizarras. Pois bem, é justamente nesse lugar que a Adelaide (Lupita Nyong'o) entrou quando era apenas uma garotinha. E lá ela também encontrou uma versão em carne e osso de si mesma. Uma duplicata. Como explicar essa coisa surreal? Esqueça, nem o roteiro vai te explicar direito. Apenas embarque na proposta e veja como o filme vai ficando cada vez mais esquisito com o passar do tempo.

São sombras que ganharam vida? São pessoas marginalizadas que vivem nos bueiros e esgotos da cidade? São seres de puro mal, representando o lado obscuro de cada um? Ora, nem adianta perder muito tempo procurando explicações porque esse roteiro não vai lhe dar nada em definitivo. Penso apenas que partir de uma premissa interessante não garante um grande filme. Ainda mais quando ele se rende aos piores clichês de produções de terror ao estilo gore. Muitas cenas são estupidamente violentas e desnecessárias. O sangue jorra através de tesouradas e o espectador acaba bocejando de tédio. Esse é um problema e tanto a superar. No final achei o filme bem cansativo. Essas ideias que o Jordan Peele criou para seu filme não levam a nada. É legal até certo ponto, mas deixa aquela sensação de cansaço após quase duas horas de busca pela explicação. No fundo não tem explicação nenhuma. É apenas um conceito, uma ferramenta que o filme usa como muleta narrativa.

Nós (Us, Estados Unidos, 2019) Direção: Jordan Peele / Roteiro: Jordan Peele / Elenco: Lupita Nyong'o, Winston Duke, Elisabeth Moss, Tim Heidecker, Shahadi Wright Joseph, Evan Alex / Sinopse: Família de negros de classe média passa a ser perseguida por estranhas pessoas desconhecidas. Quando chegam perto demais descobrem que são versões violentas delas mesmas! Como isso pode acontecer? Quem são essas pessoas duplicadas? De onde vieram? O que querem? Como superar uma situação tão bizarra como essa?

Pablo Aluísio.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Os Aeronautas

A história desse filme se passa no século XIX. Aqui temos uma mescla entre personagens históricos que de fato existiram, com personagens de pura ficção. O cientista e astrônomo James Glaisher (Eddie Redmayne) se une a viúva Amelia Wren (Felicity Jones), cujo marido morreu durante uma expedição em um balão, para um novo desafio. Eles vão tentar bater o recorde de altura. Pretendem ir até onde nenhum baloeiro jamais tinha ido. E nesse processo James pretende fazer vários experimentos pois ele quer provar que a previsão do tempo seria possível - isso em uma época em que os demais cientistas nem levavam isso em conta. Acabou descobrindo muito mais. Ele chegou na conclusão que a atmosfera teria várias camadas e que quando mais alto o ser humano fosse mais ele enfrentaria escassez de oxigênio e queda na temperatura. Claro, hoje em dia todos sabemos disso, porém na época foi uma descoberta científica importante. E nesse desafio eles tinham que sobreviver às terríveis condições pelas quais passariam.

O cientista interpretado pelo ator Eddie Redmayne é de fato um personagem histórico real. Ele foi um pioneiro nessas pesquisas, escrevendo livros e teses que até hoje são referências bibliográficas para estudiosos. Já sua parceira no filme, a "piloto" do balão Amelia Wren é puramente ficcional. O roteiro apenas juntou histórias de várias mulheres aeronautas da época para fundir em uma só personagem dentro da trama. Deu certo. Eu gostei da dualidade entre um cientista racional, pura metodologia científica, com uma mulher emocional, tentando superar a perda de seu marido em uma expedição anterior. O filme funciona muito bem. Com basicamente dois personagens em cena, tentando sobreviver dentro de um balão, você poderia achar que ficaria chato. Muito longe disso. O filme tem excelentes cenas de suspense e ação e resgata a história desses pioneiros da aviação.

Os Aeronautas (The Aeronauts, Inglaterra, Estados Unidos, 2019) Direção: Tom Harper / Roteiro: Tom Harper, Jack Thorne / Elenco: Felicity Jones, Eddie Redmayne, Himesh Patel / Sinopse: Em um tempo pioneiro da aviação, um tímido cientista chamado James Glaisher (Eddie Redmayne) se une a Amelia Wren (Felicity Jones), uma mulher forte e decidida que quer superar um trauma do passado, em uma missão única. Tentar chegar ao recorde de altura em um balão, para não apenas chegar no mais alto possível, como também para fazer diversas experiências científicas.

Pablo Aluísio. 

Esquadrão 6

O diretor Michael Bay aderiu ao Netflix. E o ator Ryan Reynolds também. A nova plataforma tem atraído muitos profissionais que antes só trabalhavam para filmes feitos para o cinema. O hábito de muitos cinéfilos mudou, agora preferem o confortável streaming. Com isso a indústria cinematográfica americana também vai, aos poucos, se adaptando com a nova realidade. Por enquanto porém a Netflix não tem a mesma capacidade de investir centenas de milhões de dólares em suas produções exclusivas, por isso Michael Bay não teve à disposição os mesmos recursos que sempre teve, como por exemplo, na franquia "Transformers". A boa notícia é que isso não foi de todo mal. Ele se conteve também nas delirantes edições que vinham caracterizando seus filmes para o cinema. O ritmo agora é mais equilibrado. Claro, os carros continuam explodindo em série, há cenas absurdas de pura falta de veracidade e todos aqueles cacoetes de Bay que conhecemos tão bem. A única maior novidade vem do próprio enredo. Aqui Michael Bay criou um grupo de mercenários, todos liderados por um bilionário infeliz com o mundo, que pretende intervir sempre que for possível para defender a democracia, a liberdade e todo aquele discurso que já virou clichê há anos.

A bola da vez é um ditador cruel e sanguinário de uma república fictícia que se espelha naqueles países de maioria muçulmana que durante décadas ficaram sob a opressão da União Soviética. Quando essa ruiu deu origem a nações sem tradição democrática nenhuma, subindo ao poder tiranos de todos os tipos. O estranho é que o tal Esquadrão 6 quer dar um golpe de Estado, para colocar no lugar do ditador de plantão o seu irmão. Pensando bem isso não é bem o que poderíamos chamar de "lição de liberdade e democracia" que o roteiro tenta, de forma hipócrita, passar. No mais tudo é mais do mesmo. Esses membros do esquadrão que sequer respondem por nomes, mas sim por números, vão até a capital do país em questão, explodem alguns prédios, tomam conta da TV estatal e pronto. Quem poderia esperar por algo mais juvenil do que isso? Só Michael Bay mesmo.

Esquadrão 6 (6 Underground, Estados Unidos, 2019) Direção: Michael Bay / Roteiro: Paul Wernick, Rhett Reese / Elenco: Ryan Reynolds, Mélanie Laurent, Manuel Garcia-Rulfo, Ben Hardy / Sinopse: Grupo de mercenário liderados por um bilionário infeliz com o mundo, se reúne para tirar do poder o ditador de uma ex-Republica soviética.

Pablo Aluísio. 

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Yesterday

E se os Beatles nunca tivessem existido? Pois é, alguns roteiros partem de ideias esdrúxulas para só a partir daí desenvolver uma história. O fato é que o protagonista Jack Malik (Himesh Patel) é um músico frustrado. Suas canções - quase sempre falando sobre o verão - não despertam a atenção de ninguém. Ele não tem sucesso e nem talento para compor. Para sobreviver trabalha numa loja de vendas a atacado. Apenas a bela Ellie Appleton (Lily James) permanece ao seu lado. Só que até para isso Jack não consegue fazer a coisa certa. Ela gosta dele, mas as coisas simplesmente não acontecem. Culpa dele, que nunca toma a iniciativa. Enfim, para Jack tudo vai de mal a pior. Sua vida estagnou. Ele não consegue sair do mesmo lugar.

Até que um dia as coisas mudam de forma inesperada. O planeta sofre uma pane de energia (e não espere por maiores explicações do roteiro). Nessa noite Jack sofre um acidente e é hospitalizado. O curioso é que ele descobre que após esse apagão as pessoas não sabem mais quem foram os Beatles. Aliás nessa realidade paralela onde ele vai parar os Beatles nunca existiram. Ele também descobre que ninguém conhece Coca-Cola, Harry Potter e outros ícones da nossa existência. Então Jack tem uma ideia e tanto. Ele vai usar as músicas dos Beatles para se dar bem na carreira de músico. Ora, nesse novo universo paralelo ele tem à disposição um dos catálogos musicais mais famosos de todos os tempos. Basta gravar e esperar a fama e a fortuna baterem à sua porta.

O filme, como se pode perceber, é um daqueles em que o espectador tem que comprar a ideia central do roteiro. Esse por sua vez não está proocupado em explicar muita coisa, mas apenas em desenvolver essa premissa inicial. É um filme bom, tem bons momentos e, como não poderia deixar de ser, tem a música dos Beatles para salvar tudo. Agora, como trama mesmo a coisa é, não se pode negar, meio bobinha. Além disso há outros pontos negativos. Achei o ator Himesh Patel pouco adequado. Ele se limita muitas vezes a fazer cara de apalermado. Complicado torcer por um sujeito desses, ainda mais quando ele plagia o trabalho alheio. Melhor seria ter um ator melhor para o papel. Pensei em Tom Hanks, afinal o filme tem um tipo de humor que cairia bem para ele. Já a atriz Lily James segura as pontas no quesito carisma. Ele é a melhor em termos de elenco e atuação. Tão boa que consegue levar seu parceiro antipático até o fim do filme. No mais tenho que dizer que é apenas um bom filme e nada muito além disso. Ora, se até o Paul McCartney gostou, quem eu seria para discordar dele, não é mesmo?

Yesterday (Inglaterra, 2019) Direção: Danny Boyle / Roteiro: Jack Barth, Richard Curtis / Elenco: Himesh Patel, Lily James, Sophia Di Martino, Joel Fry, Sanjeev Bhaskar / Sinopse: Jack Malik (Himesh Patel) quer ser músico profissional, mas não consegue a fama e o sucesso. Suas composições são ruins e básicas demais para alguém se importar com elas. Até o dia em que ele descobre que as pessoas desconhecem completamente a existência dos Beatles. É um universo paralelo. Assim ele começa a usar as antigas músicas do quarteto para se dar bem, fazer sucesso e ganhar fama e fortuna.

Pablo Aluísio.