"Anatomia de um Crime" é um dos grandes clássicos do chamado cinema de tribunal. O roteiro e o enredo giram justamente no julgamento de Frederick, na tomada de testemunhas, na tensão do tribunal de júri. Se formos abrir um paralelo com outro filme famoso da era clássica que também lidava com um tema parecido, "O Sol é Para Todos", vamos perceber que "Anatomia de um Crime" é muito mais realista e pé no chão do que o clássico citado. O advogado interpretado aqui por James Stewart não tem o mesmo patamar moral e de dignidade que o do seu colega Gregory Peck. Na verdade ele apenas tenta sobreviver da melhor forma possível e para isso aceita casos praticamente impossíveis como a do militar acusado de homicídio.
Os demais personagens da trama também são extremamente bem construídos. Frederick, o acusado, parece manipular todo o tempo a verdade dos acontecimentos. O mesmo ocorre com sua esposa, Laura, que passa longe de apresentar uma postura digna de uma mulher casada (seguindo, é claro, os padrões morais da época do filme). Com tantos personagens dúbios em cena, o espectador entra literalmente em um estado de incerteza, ora acreditando nas boas intenções do homicida, ora desconfiando dele e de sua mulher, que não parecem se enquadrar no modelo de casal comum e feliz. Tomando assim uma levada tão realista "Anatomia de um Crime" surpreende pela coragem do roteiro que nunca sucumbe aos clichês do gênero. O clímax final bem demonstra isso, ao retratar as falhas que o sistema judiciário americano pode cometer.
É justamente nesse dualismo e nessa crueza que se encontra o maior mérito desse clássico, pois no fundo não existem mocinhos e nem bandidos, mas apenas pessoas que a despeito de procurarem o amparo das leis para se defenderem, procuram acima de tudo apenas escapar delas. James Stewart, como sempre, marca presença, mas o grande mérito do filme em termos de atuação vai para o casal Lee Remick e Ben Gazarra, que passeiam de um lado ao outro da fina linha que separa culpados de inocentes. Outro ponto forte do elenco é a presença de um jovem George C. Scott como assistente da promotoria. Sua tentativa de condenar Frederick é marcante. Em conclusão, fica a recomendação de "Anatomia de um Crime", um brilhante estudo da natureza nem sempre ética e digna do ser humano.
Anatomia de um Crime (Anatomy of a Murder, Estados Unidos, 1959) Direção: Otto Preminger / Roteiro: Wendell Mayes baseado na obra de John D. Voelker / Elenco: James Stewart, Lee Remick, Ben Gazzara, Arthur O'Connell, George C. Scott / Sinopse: Pacato advogado é contratado para defender um militar acusado de homicídio. Ele havia matado um dono de bar que supostamente teria estuprado sua esposa. Verdade ou mentira? Com a palavra final o Tribunal do Júri. Filme indicado ao Oscar nas categorias de Melhor Filme, Melhor Ator (James Stewart), Melhor Ator Coadjuvante (Arthur O'Connell), Melhor Ator Coadjuvante (George C. Scott), Melhor Roteiro Adaptado (Wendell Mayes), Melhor Fotografia (Sam Leavitt) e Melhor Edição (Louis R. Loeffler).
Pablo Aluísio.