sexta-feira, 19 de agosto de 2011

A Vida de São Francisco de Assis

Hoje é dia de São Francisco de Assis. De todos os santos canonizados pela Igreja Católico muito provavelmente ele seja o maior exemplo de vida baseada no evangelho que se tem notícia. Francesco não apenas pregou a mensagem de Jesus Cristo, ela a viveu! É um desses exemplos de vida que inspiram e acalentam nosso coração cristão. Raros foram os exemplos de pessoas que tiveram uma vida tão rica e maravilhosa em Cristo como ele. Na verdade ele não se chamava Francisco, mas sim Giovanni di Pietro di Bernardone. Ele nasceu em Assis na Itália em plena idade média durante o ano de 1182. Era o filho amado de uma família de ricos comerciantes franceses. Desde garotinho ficou conhecido pelo apelido carinhoso de Francesco (que significava o pequeno francês) no bairro onde cresceu. Seu pai fez fortuna comercializando os mais diversos produtos na rota entre França e Itália, regiões de grande atividade comercial. Assim o pequeno Giovanni teve uma infância feliz e rica onde nada lhe faltou. Ao contrário das outras crianças pobres da vizinhança nunca sentiu o peso da privação e da miséria.

Ao atingir a juventude ele começou a ter uma vida dedicada a festas e farras extravagantes. Muito vinho e muitas mulheres faziam parte do seu dia a dia. Embora bondoso ele também se dedicou a muita luxúria e vaidade nessa fase de sua vida. Começou a usar roupas finas, elegantes e caras. Também se interessou pela vida militar, pelos romances de nobres cavaleiros que o inspiraram a entrar no exército. No campo de batalha acabou sendo preso e feito prisioneiro pelos inimigos. Depois de um ano vivendo numa masmorra conseguiu a liberdade por causa dos esforços de seu pai que passou meses à sua procura. Ao sair da prisão Francesco sofria de sérios problemas de saúde, em especial da visão e aparelho digestivo. A dura vida em uma prisão medieval cobrou um alto preço na saúde do jovem.

Em 1204 voltou ao lar de sua família. Giovanni porém não estava disposto a largar a carreira militar. Em 1205 alistou-se novamente, dessa vez no exército papal. Foi designado para combater as forças do imperador Frederico II. Durante essa campanha ele teve um sonho onde um anjo lhe falava para retornar para Assis pois deveria começar uma missão muito especial. De volta ao lar seus amigos perceberam que Francisco era um homem mudado. Não ficava mais feliz e contente em participar de festas, bebedeiras e outras farras que os jovens de seu círculo social adoravam. Nessa fase de sua vida seu pai queria que se casasse, mas Francesco começou a ter sérias dúvidas sobre seu futuro. Ao se retirar para meditar em uma caverna isolada ele decidiu que queria se dedicar a uma vida religiosa, de ajuda e apoio aos mais pobres - mas como sua rica e poderosa família aceitaria algo assim?

Ao voltar para casa ele encontrou um senhor idoso leproso que tremia de frio na congelante noite de Assis. Francisco desceu de seu cavalo e com olhar piedoso deu sua capa e seu casaco para o velho senhor. Esse inicialmente ficou assustado pois as pessoas evitavam qualquer contato com leprosos. Ao perceber que o pobre homem chorava, se derramava em lágrimas, pelo gesto de Francisco esse lhe deu um forte abraço. Ao olhar em seus olhos viu a imensa gratidão daquele que congelava no frio. Naquele momento Francisco entendeu a misericórdia de Deus e toda a sua força e poder. A convicção de ser um homem de Deus cresceu em seu íntimo. Depois disso ele foi sempre visto ajudando pessoas pobres e miseráveis que passavam por Assis.

O acontecimento que mudaria sua vida para sempre aconteceu em uma pequena igreja em ruínas. Era uma antiga igreja abandonada dedicada a São Damião. Francisco cavalgava pelas redondezas quando aqueles destroços de uma construção bem antiga chamaram a sua atenção. Ao entrar na nave daquilo que havia sido a igreja ele teve uma visão do próprio Jesus. Caído sobre seu joelhos Francisco viu uma voz saindo de um antigo crucifixo que dizia: "Vês a ruína da minha igreja? A reconstrua..." Ao ouvir aquela voz Francisco entrou em pânico, mas acreditou na presença divina naquele local. Imediatamente voltou para Assis, pegou algumas peças de tecido da loja de seu pai, as vendeu e levantou dinheiro para o começo da reforma da igrejinha.

Muitos que estudaram essa visão acreditam que Jesus não estava se referindo apenas à pequena igrejinha de São Damião situada fora dos portões de Assis, mas a própria Igreja como um todo, já que essa passava por uma grave crise religiosa. O clero se esbaldava em luxo e riqueza enquanto o povo sofria com muitas privações, de todos os tipos. Caberia a Francisco começar um movimento baseado na mais essencial mensagem cristã, renegando a toda riqueza material para ajudar aos excluídos, aos mais pobres e miseráveis, tal como havia feito Jesus séculos antes. Era o começo de uma nova existência para o jovem Giovanni que veria sua vida mudar para sempre.

As pessoas geralmente esquecem que todos esse santos católicos também foram homens, pessoas comuns, tal como eu e você que está lendo esse texto. Em sua jornada rumo à santidade eles também tiveram que passar por momentos decisivos em suas vidas, algo que mudasse o seu destino para sempre. Com o jovem Giovanni di Pietro (Francesco) não foi diferente. Sua conversão definitiva se deu muito em razão dos atos de profunda ignorância que partiram de seu próprio pai. Francisco queria ajudar aos pobres de Assis, queria mesmo se dedicar a ser um homem piedoso e profundamente cristão. Seu pai era um rico comerciante que não via esse tipo de atitude como algo normal. Em sua visão mercantilista o filho não passava de um tolo ou até mesmo de um louco varrido. Quando soube que Francisco havia levado peças de sua loja para revender e dar o dinheiro aos pobres ele se enfureceu. Mandou que seus empregados o localizassem imediatamente. A intenção era punir o jovem da forma como era padrão na época - com muita violência física. Francisco sabia que seu pai podia ser um homem violento e se escondeu em um celeiro, onde amigos próximos lhe levaram comida por vários dias. Depois publicamente Francisco resolveu se converter totalmente à mensagem de Cristo e optou por levar uma vida de pobreza e ajuda ao próximo. As pessoas da cidade que o conheciam como um jovem farrista e dado a festanças e bebedeiras não o levaram à sério, pelo contrário, alguns o ofenderam e o insultaram em plena praça pública. Quando seu pai soube disso ficou ainda mais furioso. Francisco foi então localizado e trazido a ele por seus empregados e depois levado para o porão onde foi acorrentado. Era um absurdo completo, mas era o jeito rude e violento de agir de seu pai.

A mãe de Francisco não aguentou ver o próprio filho em correntes, tal como se fosse um ladrão ou um criminoso. Ele era uma pessoa bondosa e de alma muito limpa. Assim resolveu soltar o filho. Francisco finalmente estava livre das garras do pai, não apenas materialmente, mas principalmente psicologicamente. Nunca mais aquele homem o iria humilhar daquela forma. Assim que se soltou Francisco começou a pregar o evangelho a pessoas que o encontravam nas ruas medievais de Assis. Seu pai ficou possesso quando soube do ocorrido e novamente foi atrás do filho. Ao lhe encontrar disse que esse lhe devia o valor das peças que havia levado de sua loja, que ele não era nada, que não tinha nada e que tudo o que vestia havia lhe sido dado por ele, o seu pai. Enquanto o pai berrava Francisco olhava para suas mãos, que estavam em forma de oração. Ouviu a tudo em silêncio e em contemplação profunda. Infelizmente seu pai era um homem visivelmente materialista que só via mesmo as coisas da terra, a riqueza, o dinheiro e os bens materiais. Espiritualmente o pai do grande Francesco era uma pessoa medíocre, essa era a triste verdade. Diante da fúria de seu pai, Francisco resolveu fazer um ato simbólico. Despiu-se de todas as suas vestes (que haviam lhe sido dadas por seu irascível pai que tinha acabado de passar isso na sua cara) e renunciou a qualquer herança que viesse de seu furioso progenitor. Ali mesmo na praça o jovem Francesco ficou completamente nu, despiu-se das coisas materiais e saiu em busca da verdadeira mensagem de Jesus Cristo. O bispo de Assis presenciou tudo e ficou em lágrimas. Aquele era o verdadeiro espírito cristão, não havia dúvidas.

Filho de uma família rica e abastada de Assis, o jovem Francisco saiu para viver como o mais pobre dos homens, ajudando ao próximo, ao miserável, ao esfomeado e ao excluído. Começou imediatamente a trabalhar como um simples pedreiro na reconstrução de igrejas da região. Trabalhou dia e noite na restauração das igrejinhas de São Damião, São Pedro e São Boaventura. Seus amigos de um passado não tão distante o abordavam nas pequenas ruelas da cidade e perguntavam diretamente a ele se estava louco ou algo assim. Francisco ria humildemente dessas questões. Então dizia que sua vocação havia finalmente aflorado. Ele se considerava um homem de Deus e iria dedicar cada segundo de sua vida a essa nova missão evangelizadora. Usando o evangelho de Mateus, Francesco decidiu que iria seguir os passos de um trecho bíblico muito importante para ele que dizia: ""Ide, disse o Salvador, e proclamai em todas as partes que o Reino do Céu está aberto. Vós recebestes gratuitamente; dai sem receber pagamento. Não leveis nem ouro, nem prata nem cobre em vossos cintos, nem um alforje, nem uma segunda túnica, nem sandálias, nem o cajado de viajante, pois o trabalhador merece ser sustentado. Em qualquer vila em que entrardes procurai alguma pessoa digna, e hospedai-vos com ela até partirdes. E quando entrardes em uma casa, saudai-a; se a casa for digna, desça sobre ela a vossa paz; mas, se não for digna, torne para vós a vossa paz!" Era justamente isso que ele queria para sua vida dali em diante.

O pai de Francisco continuava a chamá-lo de louco para quem quisesse ouvir. Afinal de contas em sua visão limitada da vida apenas um louco largaria tudo, o dinheiro e a fortuna de sua família, para viver uma vida de pobreza absoluta como estava a fazer seu filho. O pequeno francês não se importou com as acusações e ofensas que lhe eram dirigidas, nem ao escárnio de seus antigos amigos. Enquanto eles continuavam a viver do luxo e da riqueza, com roupas elegantes, caras e finas, montados em cavalos de pura raça, Francisco continuava sua jornada, vestindo as roupas mais humildes, pregando a palavra de Jesus aos mais pobres, aos doentes e aos considerados escória pela elite da sociedade local. Imagine, se juntar com todos aqueles pobres e miseráveis - pensavam seus antigos amigos ricos.  Seu exemplo de vida austera, completamente cristã e íntegra não deixava de impressionar e de repente todos aqueles que o ofendiam passaram a entender que sua maneira de viver começava a causar admiração entre os mais diversos moradores da região. Chamado de "o pobrezinho" pelo povo, em pouco tempo Francisco começou a fazer seguidores. Quando alguém o ofendia publicamente, Francisco respondia com gestos generosos e positivos, de muita paz. Esse tipo de atitude apenas aumentou ainda mais a admiração de todos em seu favor. Bernardo de Quintavalle, um rico homem de negócios, da classe burguesa, se converteu ao modo de vida de Francisco, fato que causou grande espanto na cidade. Ele vendeu tudo o que tinha e deu aos pobres. Pietro Cattani, outro homem muito conhecido de Assis, também seguiu pelo mesmo caminho. Aos poucos e sem uma ordem muito estabelecida, começava a surgir uma nova classe de homens religiosos, os Franciscanos.

Quando os primeiros seguidores finalmente formaram um grupo que passou a ser conhecido como os franciscanos, Francesco decidiu que era hora de pedir autorização do Papa Inocêncio III para se tornar uma nova ordem religiosa dentro da Igreja Católica. Ao chegar em Roma os membros do alto clero acharam um tanto radical a ideia de Francisco. Ele havia criado a primeira regra da nova ordem: A pobreza absoluta, tal como havia sido Jesus e seus primeiros apóstolos. Nenhum membro Franciscano deveria ter ou possuir nenhum tipo de bem material, nada, apenas a força da palavra de Deus seguiria com ele pelo mundo afora.

Inicialmente o Papa Inocência considerou impraticável a regra primitiva que serviria de base para essa nova ordem. Mesmo receoso resolveu receber Francisco para uma audiência privada. Na noite anterior do encontro com aquele religioso radical o próprio Papa teve um sonho que o deixou impressionado. Ele estaria dentro de uma igreja em Roma que parecia ruir, desabar... apenas um homem conseguia segurar as colunas, evitando que tudo viesse abaixo. Inocêncio entendeu que aquele homem era justamente Francisco. Impressionado com o que sonhara mandou chamar o assim chamado "pobrezinho" para vir ter com ele uma conversa.

O Papa ficou visivelmente impressionado com aquele homem, de vestes pobres e humildes que parecia ter uma fé profunda e inabalável. Alguns cronistas medievais chegaram a narrar que o próprio Papa ficou envergonhado em sua presença. Enquanto o romano vestia roupas luxuosas e ostentava joias e anéis caros em seus dedos, Francisco surgia em sua frente com a verdadeira humildade pregada por Jesus. Após tomar conhecimento da regra de pobreza absoluta o Papa finalmente autorizou o funcionamento da nova ordem ao qual ele mesmo denominou de Franciscanos em homenagem a seu criador. Francesco não se conteve de tanta alegria e voltou para Assis com a autorização Papal que tanto queria.

Na volta Francisco criou a famosa Oração ou Sermão dos Pássaros que dizia: “Minhas irmãzinhas aves, vocês devem muito a Deus, o Criador, e por isso, em todo lugar que estiverem devem louva-lo, porque Ele lhes permitiu que voassem para onde quisessem, livremente, da mesma forma que devem agradecer o alimento que Ele lhes dá, sem que para isso tenham que trabalhar; agradeçam ainda a bela voz que o Senhor lhes proporciona, que lhes permitem realizar lindas entonações! Vejam, minhas queridas irmãzinhas, vocês não semeiam e não ceifam. É Deus quem lhes alimenta, quem lhes dá os rios e as fontes, para saciar a sede; quem lhes dá os montes e os vales, para  o seu refúgio e lazer, assim como lhes dá as árvores altas, para fazerem os ninhos. Embora não saibam fiar e nem coser, Deus lhes concede admiráveis vestimentas para todas vocês e seus filhos, porque Ele lhes ama muito e quer o bem estar de vocês. Por isso, minhas irmãzinhas, não sejam ingratas, procurem sempre se esforçarem em louvar a Deus.” Francisco começava assim a também demonstrar sua profunda admiração para com as criaturas de Deus, os animais da natureza, algo que mais tarde lhe traria a fama de ser o Santo ecológico.

Depois da visita ao Papa, Francisco retornou para Assis. Ele e seus seguidores levantaram uma pequena cabana numa região mais distante da cidade, praticamente dentro da floresta. A intenção era prestar apoio moral e assistência a todos os que lhes procuravam. Em pouco tempo a cabana de Francesco acabou se tornando pequena demais para tanta demanda. Em uma época medieval onde os mais pobres não contavam com qualquer tratamento de saúde promovido pelo Estado, os Franciscanos se tornaram os únicos a quem se podia recorrer. Francesco determinou que ninguém poderia ficar sem assistência e que nem os leprosos poderiam ser recusados. A graça de Deus era para todos. Com o afluxo volumoso de doentes e pessoas precisando de amparo a pequena cabana se tornou inviável. Quem veio em socorro aos franciscanos foi o abade do mosteiro beneditino que cedeu o uso da modesta, porém espaçosa, capela da Porciúncula para que Assis e seus seguidores ajudassem a quem lhes procurava. O trabalho era intenso e nesse local os Franciscanos começaram de fato sua importante missão de ajuda e solidariedade ao próximo. O aparente caos era amenizado pela própria presença de Francesco, sempre com uma bonita palavra de Deus para aquelas pessoas desesperadas. Quando a situação ia se tornando incontrolável, o "pobrezinho" clamava para que todos rezassem ao seu lado e os ânimos finalmente se acalmavam imediatamente.

Em 1212 os Franciscanos tiveram uma surpresa. Clara d'Offreducci, que séculos depois seria canonizada como Santa Clara, entrou para a ordem. Seria a primeira mulher a fazer parte dos Franciscanos. Com o tempo ela e outras que seguiram seus passos resolveram fundar sua própria ordem, a das Clarissas, que logo ficariam conhecidas por sua bondade e disposição de ajudar ao próximo. Ajudar todas aquelas pessoas pobres e famintas porém era apenas parte da missão que Francesco entendia ter Deus determinado a ele. Assim ele começou uma série de viagens a lugares remotos para pregar a palavra do Senhor. Esteve na distante Síria onde tentou converter o povo Sarraceno. Visitou a Espanha onde teve contato com os Mouros que seguiam outra religião. Encontrou os cruzados que participavam da Quinta Cruzada no Egito e os aconselhou a retornar para seus lares pois a derrota se avizinhava. Francesco durante essas longas jornadas também começou a realizar milagres. Realizou exorcismos em pessoas possuídas, curou paralíticos e salvou a vida de muitos enfermos com os quais encontrou pelo caminho. Duas realizações se tornaram conhecidas. Em Gubbio conseguiu pacificar lobos selvagens e na viagem em direção ao Oriente Médio conseguiu apaziguar uma forte tempestade que ameaçava afundar o navio onde viajava ao lado de seus seguidores.

Enquanto viajava seu grupo que havia ficado em Assis começava a apresentar problemas. Francesco foi informado que muitos de seus membros tinham se desviado do caminho. Alguns estavam sendo acusados de terem se tornado vagabundos e outros quebraram seus votos, vivendo com mulheres de forma escandalosa. As más notícias continuavam. Ele foi informado que os Franciscanos que ficaram no Marrocos, para pregar e evangelizar o povo local, foram presos e martirizados. Sem outra alternativa, Francesco resolveu voltar para casa. Lá encontrou realmente muito caos e desorganização. Havia vários problemas internos. Muitas divergências de opiniões entre os irmãos, alguns querendo promover a construção de grandes igrejas suntuosas, enquanto outros ameaçavam deixar a ordem por causa da opulência da corte papal. Não foi fácil, mas depois de algumas semanas, Francesco finalmente conseguiu colocar uma certa organização em tudo. Para contornar a situação, Francesco acatou, com certo desgosto, as alterações na regra original. Seu grupo que começou usando a mais pura mensagem do Cristo precisou se institucionalizar um pouco para continuar a existir.

Francesco acatou as mudanças, muito por causa de sua fidelidade ao Papa. Internamente porém ficou em crise a tal ponto que chegou a cogitar abandonar tudo, toda a obra que havia construído até aquele momento. Depois voltou atrás e resolveu aceitar de coração as mudanças que vinham para ficar. Procurando pela paz interior Francesco finalmente a alcançou com muitos momentos de oração e reflexão. Nesse período de sua vida começaram as manifestações de natureza espiritual. Francesco começou a ter visões e êxtases místicos. No natal de 1223 inventou o Presépio natalino, uma maneira muito delicada e artística de tentar recriar o cenário do nascimento de Jesus Cristo com o uso de pequenas imagens de Maria, José, o bebê Jesus, os Reis magos, pastores e animas. Passou a comer muito pouco, apenas frutas e passar longos momentos em oração e meditação. Durante um desses momentos Francesco teve uma visão muito forte e concreta do próprio Jesus crucificado. Nesse momento surgiram estigmas em suas mãos e pés, tal como o próprio Jesus ao ser pregado na cruz. Era a prova definitiva do imenso laço que havia criado com o próprio Deus.

Conforme os anos foram passando Francesco começou a ter mais e mais visões e experiências místicas. Sempre que previa que algo nesse sentido iria se manifestar procurava por isolamento de seus irmãos, geralmente indo para o meio da floresta onde tinha esse tipo de experiência única, entre a natureza. Muitas dessas visões nunca foram decifradas, mas em determinados momentos Francisco relatou o que via e sentia para seus amigos mais próximos. Em determinada visão, por exemplo, ele viu um anjo glorioso, com três pares de asas, crucificado em uma cruz romana. Nesse dia ele também começou a ver se manifestar com mais profundidade os estigmas, feridas e marcas pelo seu corpo que de certa maneira recriavam as feridas mortais sofridas pelo próprio Jesus Cristo na cruz. Embora fosse um sinal claro de sua santidade, Francisco não se sentia à vontade com os estigmas, sempre procurando escondê-los, seja com faixas ou com sua própria túnica.

Outra de suas visões marcantes ocorreu quando Francisco entrou em êxtase ao sentir a presença do próprio Deus em seu meio. No meio da visão ele afirmou ter dado a Deus três bolas de ouro que significavam sua vida na mais extrema pobreza, sua castidade e seu amor ao próximo, sempre procurando ajudar aos mais pobres e desassistidos. Ao lado dessas visões Francisco também começou a perceber que sua saúde a cada dia declinava mais. Ele começou a perder sua visão e as forças. As longas caminhadas ao lado dos irmãos foram deixadas de lado por causa de suas condições precárias e sempre que era necessário viajar por longas jornadas ele o fazia com um burrinho, um luxo impensado para os franciscanos da época.

Inicialmente Santa Clara cuidou pessoalmente de sua saúde, porém depois de um período Francisco decidiu que iria embora para Porciúncula, onde poderia morrer ao lado de seus queridos irmãos de ordem. Além da cegueira, Francisco começou a sofrer de graves crises de dor de cabeça, que lhe causavam grande desconforto. Médicos foram chamados, mas não conseguiram chegar a um diagnóstico preciso. Francisco morreu em 3 de outubro de 1226, com apenas 44 anos de idade. Antes de falecer ele deu algumas instruções de como queria ser sepultado. Ele orientou a seus irmãos franciscanos que queria ser enterrado sem roupas, para reforçar ainda mais sua pobreza, ao pôr do sol, com a leitura do evangelho.

Ele foi sepultado inicialmente na igreja de São Jorge. Milhares de pessoas compareceram ao seu enterro, pois a comoção por sua morte foi grande. Seu feitos, sua vida santa e seus milagres, atravessaram fronteiras. Em Roma a Igreja lamentou profundamente seu falecimento. Dois anos depois de sua morte o Papa Gregório IX resolveu deixar os muros do Vaticano e ir pessoalmente até Assis para a cerimônia de canonização de Francesco. Naquela época era algo muito raro um Papa sair do Vaticano por motivos de segurança, mas Gregório tinha tanto apreço pela vida e exemplo de Assis que resolveu se deslocar até a pequena cidade para louvar a memória daquele homem inigualável. Em 1230 a Igreja Católica decidiu erguer uma bela basílica para receber os restos mortais e as relíquias de Francesco, onde até hoje descansam em paz. Tudo estava consumado.

Pablo Aluísio.

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