sábado, 13 de agosto de 2011

O Catolicismo e o espiritismo

Conforme prometi no mês passado pretendo ampliar os temas do blog de uma forma em geral. Já tratei sobre política recentemente em um artigo chamado "O Brasil precisa de uma Direita" e agora falarei um pouco sobre religião. Não é um tema fácil certamente. De antemão quero deixar claro que o texto não tem como objetivo a conversão de quem quer que seja. Como sou católico (isso é importante esclarecer) colocarei aqui as contradições existentes entre o espiritismo e o catolicismo. Como grande parte da doutrina católica se assemelha também ao protestantismo, creio que a comparação também será de interesse dos evangélicos. Pois bem, dito isso quero dizer que acho muito complicado alguém se auto denominar católico e espírita ou evangélico e espírita ao mesmo tempo. Isso porque são doutrinas divergentes e pregam aspectos religiosos diferentes. Não cabe a qualquer um julgar a fé das outras pessoas mas apenas mostrar que há diferenças enormes entre essas crenças. Conciliar algo assim que se separa logo nas premissas é muito contraditório. Vamos aos fatos.

O espiritismo advoga a existência da reencarnação. Isso é um ponto central dentro da doutrina dos que seguem os ensinamentos de Allan Kardec (1804 - 1869). A reencarnação não surgiu pela primeira vez dentro do espiritismo. Na verdade ela sempre foi pedra fundamental de certas religiões orientais. Qual é a finalidade da reencarnação? Segundo o espiritismo a reencarnação (a volta sucessivas vezes ao plano material) seria uma forma de purificação da alma. Através de inúmeras voltas ao mundo a alma seria purificada pelas experiências de vida de cada um. Nada semelhante a isso você encontrará na doutrina católica e nem evangélica. Para os seguidores do cristianismo a vida é única. O catolicismo, por exemplo, prega que todos somos seres espirituais e após a morte voltamos para a nossa verdadeira natureza espiritual. A eterna volta ao mundo material seria simplesmente um martírio sem fim. Além do mais a vida na Terra nada mais seria do que uma forma de revelarmos nossa verdadeira essência perante Deus. Aos que trilharem o caminho do mal a punição seria o envio para o inferno em danação eterna. Para os puros de coração haveria a glorificação eterna, dentro dos portões do paraíso. Não há volta, nem reencarnação, nem novas chances que poderiam levar a milhares de reencarnações até a purificação completa da alma.

Como católicos e evangélicos são cristãos não há espaço para crenças alternativas que não foram reveladas pela presença de Jesus em sua caminhada pela Terra. O católico não quer voltar ao mundo sucessivas vezes, ele almeja a plenitude de uma vida espiritual eterna. O curioso é que a promessa de reencarnações revela um materialismo por parte do espiritismo. Certamente pessoas materialistas ficarão muito contentes em saber que voltarão ao mundo não uma mas muitas vezes. O materialista não almeja vida espiritual mas sim material.

A questão é que se existisse realmente reencarnação Jesus teria sido claro em seus ensinamentos sobre isso. Inclusive a reencarnação por ser uma das bases de religiões antigas já era bem conhecida por Jesus e seus seguidores em seu tempo. Mas ao invés de pregar a reencarnação em sua pregação o que temos é o silêncio completo do Messias sobre o tema. Ele jamais falou sobre reencarnação. Jesus certamente tratou sobre a existência do inferno, do céu, demônios (anjos caídos), anjos celestiais, da punição dos maus e da vida eterna para os bons. Mas jamais falou em volta ao mundo material. Inclusive quando estava na cruz Jesus prometeu ao bom ladrão que esse estaria ao seu lado no paraíso. Nada de voltar para reencarnar e se purificar. O bom ladrão, segundo as próprias palavras de Jesus, adentraria o céu porque ele, Jesus, assim o quis.

Aqui entra a segunda contradição entre espiritismo e religiões cristãs. Jesus deixa claro a existência do paraíso e do inferno. Para os espíritas não existe inferno já que como os espíritos estão em eterna evolução eles jamais seriam levados para as profundezas do Hades. Ora, a existência do inferno (para onde foram enviados os anjos caídos liderados por Satã) é uma das premissas da religião não apenas cristã como judaica também. O inferno está reservado aos ladrões, assassinos, pedófilos e demais criminosos para que eles paguem por seus pecados. É simples assim. Não que fiquem evoluindo por milênios, obviamente voltando a cometer os mesmos crimes por vidas e vidas. Isso não soa para os cristãos como justiça divina. Além disso o mal existe, há pessoas que não prestam que devem pagar por seus pecados, por seus crimes. Para eles o inferno. Aliás dentro da crença católica temos a aparição de Nossa Senhora de Fátima que mostrou o inferno para as crianças em sua visão. Então não há como um católico acreditar em uma doutrina que negue a existência do inferno como o espiritismo.

Outro ponto de extrema contradição entre o catolicismo e o espiritismo vem da forma como é encarada a figura do Cristo. Dentro da Igreja Católica Jesus Cristo é o próprio Deus encarnado entre os homens. É o verbo que se fez carne. É Deus que veio ao mundo para ensinar a verdadeira mensagem divina. Para o espiritismo Jesus Cristo é apenas uma alma de luz, na mesma categoria em que estão outros espíritos iluminados como Buda, Maomé, etc. Basta entender isso para saber que o Cristo católico é bem diferente do Cristo espírita. Não possuem a mesma importância e nem  estão no mesmo patamar de relevância. Em razão disso o Jesus católico que é o salvador, o redentor é apenas um guia dentro do espiritismo. Dentro da doutrina espírita cada alma se salvará por si mesma, no processo de evolução proporcionado pelas sucessivas reencarnações. Para o católico e o evangélico a salvação virá por Jesus Cristo necessariamente. A diferença é significativa. É impossível ao verdadeiro católico aceitar a diminuição da importância de Jesus dentro da doutrina fundada por ele.

Além da reencarnação o espiritismo se baseia bastante na comunicação com os mortos. Esse aspecto aliás foi a porta de entrada para os estudos de Allan Kardec. O problema é que o velho testamento condena de forma clara esse tipo de prática, chegando a afirmar que Deus virará o rosto para quem praticar tais atos. A contradição nesse ponto foi tão forte que Kardec não teve outra opção a não ser tirar o velho testamento da Bíblia da doutrina espírita. Ora, tanto católicos como evangélicos não ignoram os ensinamentos do velho testamento. É impossível para um cristão da linha tradicional tirar grande parte da Bíblia de seu caminho espiritual, de seu projeto de salvação. O espiritismo porém assim o fez.

A necromancia é condenada de forma veemente tanto pelos católicos como pelos protestantes. É o que é necromancia? É a evocação dos mortos, a tentativa de comunicação com o além, com as pessoas que partiram dessa vida material. Para alguns estudiosos das escrituras inclusive, as entidades que se apresentam como os mortos de familiares e parentes não seriam eles na verdade, mas sim anjos decaídos se fazendo passar por essas pessoas falecidas. Afinal Satã é dentro da doutrina cristã o pai da mentira. Por isso a proibição sempre presente dentro do catolicismo e do protestantismo de tal ato. Já para o espiritismo isso é base de sua doutrina, prática diária, sempre presente em suas reuniões.

O mundo dos mortos e dos vivos deve ser mantido separado, segundo a própria vontade de Deus, assim pensam católicos e evangélicos. Qualquer ato que vá nesse sentido é algo que vai contra a vontade divina e será punido como pecado grave. O espiritismo também crê em entidades que curam as pessoas de seus males físicos ou mentais. Pois bem, os cristãos tradicionais atribuem o poder de cura e milagre apenas a Deus. Não acreditam que espíritos (sejam de luz ou de trevas) possam curar alguém no mundo material. Isso vai contra tudo que está nas escrituras. Nem os santos católicos curam, apenas intercedem. Imaginem essas entidades espirituais que desconhecemos.

E existe um outro problema incontornável entre essas doutrinas. A lei da ação e reação dentro da reencarnação.

Os espíritas afirmam que os crimes cometidos em uma vida serão punidas em uma segunda volta ao plano material. É o karma das religiões orientais antigas, a lei da ação e da reação. Assim aquele que nascesse rico seria a manifestação da graça divina que fez em outra vida. O pobre estaria sendo punido por vidas passadas. O deficiente físico, idem. Tudo o que você é hoje é fruto de algo que fez em seu passado. Isso explicaria a morte de bebês com poucos dias de vida, por exemplo.
Pois bem, nada disso existe dentro do catolicismo. Não há ação e nem reação causada por reencarnações.

O catolicismo nunca fez uma ligação entre riqueza e espiritualidade. O fato de alguém nascer rico ou pobre não determina que Deus está premiando ou punindo alguém, afinal Jesus foi o mais pobre dos homens. Ele não nasceu em um palácio mas num lugar dos mais humildes, o que mostra a forma de pensar de Deus. Essa ligação entre riqueza e graça divina acabou dando origem à horrível teoria da prosperidade que está espalhada no meio do protestantismo. Riqueza material nada tem a ver com espiritualidade.

Em relação a crianças defeituosas ou doentes há explicação dentro das próprias escrituras cristãs. A partir do momento em que o homem rompeu sua aliança com Deus, a morte, a doença e outros infortúnios entraram na história da humanidade. Isso é parte inerente ao ser humano. Para os bebês que morrem com poucos minutos de vida certamente não haverá perda nenhuma do ponto de vista espiritual, pois a vida terrena é uma forma de existência grotesca. Elas ganham o céu imediatamente e vivem uma vida espiritual maravilhosa, como prometido por Jesus aos puros de coração.

Riqueza material nada tem a ver com graça divina. Lembremos as palavras de Jesus. Disse ele em Mateus 19:24: “...é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus”. Então como ficam falando que ricos são abençoados por Deus e pobres amaldiçoados? A teoria da prosperidade evangélica - que se disseminou em outras religiões como o espiritismo - é um dos maiores absurdos teológicos da história.

A doença, os males, a cruz, está dentro da humanidade. Aqueles que nascem com deficiência física não são assim por terem sido punidos por Deus. Pelo contrário. Muitas pessoas com deficiências são seres humanos maravilhosos que iluminam a todos que os conhecem. Não pode haver ligação entre deficiências com uma suposta punição por parte de Deus. Nem riqueza material com graça divina e nem pobreza material com punição divina. Pessoas pobres são geralmente mais maravilhosas como seres humanos do que ricos que tendem ao egoísmo e à soberba.

"Deus está entre os humildes, os deficientes, os puros de coração. Lembrem-se sempre disso!" - afirmam os católicos mais tradicionais.

Existe uma história muito cativante de Santa Rita de Cássia que mostra bem a diferença de pensamentos. Certa vez ela estava fazendo uma viagem em um burrito onde tudo parecida dar errado. A carga caía na água, o burrinho emperrava e não saia do lugar, a ponte que ela deveria atravessar caiu. E ela, coitada, sofrendo tudo isso, só queria fazer o bem! Então em um momento muito divertido ela olhou para cima e disse: "Uma forcinha cairia bem não é mesmo, meu Deus?". Naquela noite ela dormiu e sonhou com Jesus que lhe disse: "Querida Rita, eu queria ver você lutar, ir em frente, enfrentar os desafios em nome de Deus". Ser católico é isso. Não é promessa de ficar rico, nem de viver se mostrando para os outros mas sim enfrentar todos os desafios da vida com alegria e fé em Deus. Como o Papa Francisco disse recentemente de forma brilhante: "Deus dá os maiores desafios e batalhas para seus melhores soldados". Um pensamento puramente católico. Bem diferente do que vemos no espiritismo de Kardec.

A conclusão que tiramos de tudo isso é a de que existem diferenças fundamentais entre a crença seguida pelo espiritismo e as bases da doutrina cristã. Em minha forma de pensar é algo completamente contraditório seguir ambas as religiões ao mesmo tempo. A escolha entre ser católico, evangélico ou espírita é de cada um. Isso é óbvio, mas deve haver nessa escolha uma coerência de fundamentos, caso contrário a pessoa corre o risco de não ser mais coisa nenhuma.

Pablo Aluísio.

2 comentários: