sábado, 19 de março de 2011

Bento XVI: O Homem Que Não Queria Ser Papa

Temos no momento uma boa oportunidade para ampliar os horizontes na leitura, geralmente aproveitando o tempo livre para se dedicar a temas de interesse, que não sejam necessariamente ligados à sua profissão. Recentemente li essa interessante obra intitulada "O Homem Que Não Queria Ser Papa" de autoria de Andréas Englisch. Ele é um Vaticanista veterano que resolveu escrever um livro mostrando a subida do cardeal Joseph Aloisius Ratzinger ao trono de São Pedro. Como ele era um jornalista alemão enviado ao Vaticano por seu jornal para cobrir as notícias papais, acabou encontrando farto material para escrever sobre a ascensão do primeiro papa alemão em séculos de existência da Igreja Católica. Curiosamente apesar de ser da mesma terra de Bento XVI ele não era do círculo íntimo do Papa, que aliás tinha sérias reservas em relação ao escritor, agravado após a publicação de um artigo onde ele acabou irritando Ratzinger profundamente.

Pois bem, o mais interessante nesse livro é que o Papa Bento XVI é mostrado em seu lado mais humano, uma aproximação impensada para qualquer católico comum ao redor do mundo. Ratzinger é retratado como um estudioso, um homem extremamente culto e erudito, mas também profundamente tímido e reservado. Um homem de letras, que adorava ficar em seu escritório por longas horas escrevendo suas teses acadêmicas. Quando João Paulo II morreu, ele planejou voltar para sua terra natal, onde iria dedicar seus últimos anos de vida para escrever vários livros que planejava sobre a infância e juventude de Jesus. Era um velho sonho do cardeal. Ele certamente queria apenas participar da eleição do novo Papa, pedir sua aposentadoria ao Vaticano o mais rapidamente possível e voltar feliz e realizado para sua cidade natal na Alemanha. Queria morrer em paz na região onde foi criado por pais amorosos e bastante religiosos. Inclusive já havia acertado tudo com sua irmã que iria morar ao seu lado.

Agora imaginem um senhor idoso como ele, ciente que havia chegado ao fim de uma longa caminhada, ser eleito, praticamente da noite para o dia, o novo Papa! Por isso o livro se chama, de forma muito adequada aliás, "O Homem Que Não Queria Ser Papa". Naquela altura de sua vida Joseph Ratzinger se sentia pronto e realizado para curtir uma aposentadoria ao lado de seus amados livros. Um homem que estudou a vida inteira e que queria terminar seus dias ao lado de sua irmã, fazendo aquilo que mais gostava: ler e escrever. Ele inclusive já havia mandado grande parte de sua biblioteca para a Bavária. Estava literalmente de malas prontas.

De repente ele acabou sendo eleito Papa, se tornando líder espiritual de mais de 1 bilhão de católicos ao redor do mundo! Foi uma reviravolta complicada de se lidar. O autor aproveita justamente essa delicada situação para mostrar o tumulto e caos que se seguiu à eleição de Ratzinger! O velho cardeal alemão bem sabia que não tinha muitos dos pressupostos necessários para suceder o grande João Paulo II, homem que admirava imensamente. Ele não se considerava carismático e nem tinha o dom de levantar multidões. Para ser ter uma visão de seu modo de ser, ele gostava de realizar missas com poucas pessoas, em igrejinhas de Roma que comportavam no máximo 50 pessoas. Também adorava rezar missas em latim, algo que o fazia lembrar de sua infância querida. Para Ratzinger as missas tinham que ter um certo sentimento de aproximação e familiaridade entre o sacerdote e seus fiéis. Muito longe das missas campais celebradas por Papas, onde se chega a cifras absurdas de pessoas presentes.

Assim o autor vai mostrando os primeiros dias de Joseph no trono, seus pequenos erros e gafes e sua imensa dificuldade de assumir um cargo de tamanha grandeza e responsabilidade. Como era um religioso de bastidores, foi muito penoso para ele ir para a frente das câmeras, participar de eventos públicos com milhões de pessoas e se mostrar confortável com tudo o que teve que enfrentar. Confesso que em determinados momentos do livro cheguei até mesmo a sentir pena de Bento XVI por causa de algumas situações aflitivas pelas quais passou. Um homem que jamais almejou virar a estrela do show ou ir para debaixo dos holofotes do mundo! Apenas uma pessoa reservada como ele entenderá perfeitamente os sentimentos que ele precisou enfrentar, tendo o mesmo temperamento.

Conservador e muito firme em suas opiniões, Bento XVI sempre será lembrado como um Papa de transição entre dois Papas que são verdadeiros símbolos da mídia moderna, João Paulo II e Francisco. Por falar em Jorge Mario Bergoglio, ele também está nas páginas do livro em um momento particularmente muito saboroso, justamente no conclave que elegeu Ratzinger! Poucos sabem, mas o fato é que Francisco quase foi escolhido nessa primeira votação. Os cardeais presentes na Capela Sistina reconheceram prontamente a vocação de Bergoglio para assumir o anel do pescador, porém segundo o autor, o futuro Papa sentiu a pressão e dizem ficou bastante nervoso naquele momento. Suando bastante e de cabeça baixa, Jorge Mario Bergoglio parecia sentir o peso de cada voto dado a ele. Talvez por isso os demais cardeais tenham no último momento escolhido o mais frio e equilibrado Joseph Ratzinger.

É bom também chamar a atenção para o fato de que muito do que se tornou realidade com a renúncia de Bento XVI pode ser entendido ao se ler esse livro. Pequenos e grandes desapontamentos do novo Papa parecem confirmar a tese que ele realmente não aguentou a pressão a que vinha sendo submetido desde os seus primeiros dias. A saúde também já não era boa. Ele tinha problemas de locomoção e sentia muitas dores. Não queria passar pelo que passou João Paulo II que foi sucumbindo à doença na frente do público ao longo dos anos. Ele próprio mudou uma questão de direito canônico para deixar mais clara sua posição na renúncia. Um mosaico de eventos e fatos que acabou dando origem à sua decisão que deixou o mundo surpreso. Assim deixo a recomendação desse livro - um revelador passeio por dentro dos muros do Vaticano em um dos momentos mais importantes e vitais de sua história.

Pablo Aluísio. 

3 comentários:

  1. Literatura
    O Homem Que Não Queria Ser Papa
    Pablo Aluísio.

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  2. Pablo:
    Se falarmos de religião no plano da fé é impossível julgar a competência de um Papa já que estaremos tentando transitar no plano metafísico e intangível, ou seja, tudo que o Papa fizer é perfeito na definição mais pura que se pode desejar.
    Entretanto se falarmos de chefia de estado, política e coisas semelhantes, a hipocrisia, incompetência, malversação de recursos, corrupcao, etc., são idênticas ao que vimos diariamente em qualquer instituição humana. Uma organização que se arroga o direito de tornar um homem "Santo" deveria estar além desses defeitos mundanos, mas não está.
    Quando, de forma inédita, o Bento XVI renunciou, eu não consegui ver isso como uma renovação nos paradigmas da Igreja Católica, mas sim um mal agouro, e a julgar pelo que estamos vivendo no momento, os tempos extremamente difíceis chegaram rápido.
    Serge Renine.

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  3. A Igreja como organização social, pessoa jurídica, precisa superar diversos desafios. Até porque onde o homem está, está também a corrupção, os interesses mesquinhos, etc. Acredito que Bento XVI pensou e chegou na conclusão que ele não tinha mais condições físicas para seguir em frente. Sob esse ponto de vista tomou uma decisão correta.

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