sábado, 5 de março de 2011

Kardec e a cultura pop

Costumo dizer que o espiritismo é uma cultura pop que fugiu do controle. Eu me explico. Desde o primeiro momento em que tomei conhecimento da doutrina espírita (vinda através de um amigo de meu pai), pude perceber que o espiritismo era um caldeirão, um mosaico onde Kardec misturou aspectos de religiões orientais antigas (como o budismo e o hinduísmo), com a cultura pop das histórias de fantasmas da Europa ocidental. Essa cultura popular de fantasmas em castelos mal assombrados faz parte da cultura europeia desde o período medieval. Aos poucos essas estórias de almas penadas e derivados foram absorvidas pelos grandes escritores de terror que iam surgindo como Edgar Allan Poe, Abraham "Bram" Stoker e tantos outros. Só que esses autores sabiamente nunca cruzaram a linha da cultura pop. Kardec sim. Ele foi além disso.

O que fez esse francês, membro da maçonaria que estava em guerra com a Igreja Católica, foi tentar trazer uma racionalidade, uma explicação doutrinária e religiosa (embora os espíritas neguem o conceito de religião) para o mundo espiritual, o mundo dos fantasmas. Usando aspectos de outras religiões milenares como a própria reencarnação (forte nos ensinamentos de Buda e de religiões indianas), trazendo tudo isso para o atraente mundo dos contos de fantasmas, ele juntou tudo e pronto - nasceu a doutrina do espiritismo tal como a conhecemos. Junte-se a isso o lado místico do povo brasileiro e você entenderá porque essa crença cresceu tanto em nosso país. Na França e em outros países europeus os livros de Kardec estão praticamente esquecidos e quando são lembrados o são apenas como uma curiosidade literária de um tempo em que tentou-se unir o pensamento do cientificismo, tão disseminado naquele período histórico, com a religião, conseguindo de quebra com isso desvalorizar a tradicional doutrina católica, que no fundo era o principal objetivo de muitos maçons franceses naqueles tempos.

Um dos problemas básicos do espiritismo na Europa e de seu quase desaparecimento nos anos seguintes foi que muitas das supostas histórias de fantasmas que lhe davam base teórica se revelaram como meras fraudes, como o caso da irmãs Fox que depois de toda a repercussão abriram o jogo, dizendo que tudo havia sido uma farsa. Outro que ajudou a destruir o espiritismo na Europa e Estados Unidos foi o famoso mágico Harry Houdini. Intrigado e desafiado ao ver as sessões de espiritismo se espalharem, com manifestações de pessoas mortas dando batidas em mesas, portas e fazendo pratos voarem, ele passou a se dedicar a revelar os truques que aconteciam nessas sessões espíritas, desmascarando assim milhares de charlatões. Com seu trabalho de desmascarar essa horda de médiuns e clarividentes fajutos, picaretas, as doutrinas nascidas com Kardec foram perdendo a credibilidade perante os povos europeus.

Hoje o espiritismo sobrevive basicamente no Brasil. Na Europa o próprio Kardec é uma figura bem desconhecida. Curioso o caso de duas irmãs brasileiras que foram até a França para visitar o túmulo do escritor e descobriram, abismadas, que nem os funcionários do cemitério onde ele estava enterrado sabiam quem ele havia sido em vida. Um desconhecido para os franceses em geral. Há uma pseudo ciência envolvida em seus escritos que pioraram ainda mais a situação sobre a credibilidade de seus livros, já que os avanços da ciência colocaram a nu todas as supostas verdades reveladas pelos tais espíritos, pelos que vivem no mundo além túmulo. Finalizando deixo claro que minha intenção com esse texto não é atingir qualquer pessoa que venha a acreditar no mundo espiritual supostamente revelado por Kardec, mas sim de deixar minha opinião, afinal vivemos em um país livre. Acredito pessoalmente que o espiritismo é mesmo uma parte da cultura pop literária que simplesmente fugiu do controle, tal como se uma religião fosse fundada baseada nos contos do grande Edgar Allan Poe, que aliás como escritor dava de dez a zero no esquecido Kardec.

Pablo Aluísio.

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