Quando eu comecei a colecionar Bootlegs há muito tempo atrás as gravadoras desse tipo de lançamento lançavam um LP com um nome de fantasia qualquer e depois disso simplesmente desapareciam! Naquele tempo não havia nada parecido com o que acontece hoje. Veja o caso desse selo "Fort Baxter". Eles não só lançaram vários títulos como também não fizeram nenhuma questão em se esconderem, pelo contrário! O que realmente aconteceu foi a promoção dos títulos, de forma tranquila, sem maiores problemas. Sem nenhuma preocupação eles criaram uma verdadeira linha alternativa de CDs de Elvis Presley. Os tempos realmente mudaram!
Isso levanta muitas questões, inclusive sobre a verdadeira situação jurídica desses selos. Certamente não fazem jus ao velho espírito pirata que imperava nesse tipo de lançamento nos tempos passados. Entre os grandes colecionadores sempre houve o boato de que quem realmente estaria por trás desses selos é a própria EPE! Isso seria muito conveniente, se formos pensar bem. Existem gravações que não conseguiriam vender bem no mercado comum. Para eles a única e melhor saída seria mesmo vender tudo com o "maldito", mas interessante, conveniente e prestigiado, rótulo de "bootlegs"! É mais chique, atrai mais o velho consumidor, quem compra pensa que adquiriu um grande tesouro! Será mesmo?
Não vou entrar muito nessa questão, apenas lancei o questionamento. Madison, Fort Baxter, isso tudo pode ser apenas rótulos de aluguel para os donos da EPE. Seria uma válvula de escape para títulos anticomerciais, principalmente de "audiences" (gravações feitas na plateia), pois alguns desses são tão toscos que a EPE não o lançariam comercialmente. O que seria um pouco melhor seria lançado pela FTD e o resto por selos obscuros, "alternativos" e o mais importante de tudo, altamente convenientes. Nem precisa pagar impostos! Piratas não pagam impostos! Não disse que tudo era muito conveniente?! O mundo é dos espertos meu caro Watson!
Deixemos isso para trás. Vamos agora escrever um pouco sobre esse CD, Spanish Eyes do selo Fort Baxter. Quando escrevi no primeiro artigo sobre Live Pearl Harbor, muita gente me escreveu pedindo que na próxima análise eu me concentrasse em títulos mais acessíveis e menos raros. Então escolhi esse show, que de raro não tem nada, mas que é bom, tem qualidade, e traz coisas interessantes a se debater. Também atendi a todos que me pediram que fizesse análises de Bootlegs ao vivo dos anos 70. Então como o pedido de vocês é uma ordem para mim, cá estou eu para satisfazer a todos que me escreveram.
O CD foi gravado em Lake Tahoe no dia 24 de maio de 1974 no midnight show. Essa temporada de Elvis é ainda bem desconhecida pois poucos CDs foram lançados com apenas alguns shows. Tenho os três soundboards gravados nessa ocasião. Deles, Spanish Eyes é o melhor. O que foi gravado no dia seguinte, chamado And The King for The Dessert traz um Elvis pouco interessado no show e o outro, de título A Profile, The King On Stage é na minha opinião meio banal, mesmo que seja um pouco valorizado demais por alguns fãs. Exagero puro! Coisa de marinheiro de primeira viagem!
Eu realmente muitas vezes me sinto solidário com Elvis. Veja, um artista do nível de Elvis se apresentando em hotéis cassinos sempre me pareceu um erro dos grandes por parte do Coronel. Então Elvis se tornou um dos maiores ídolos do século XX para terminar seus dias cantando para um público cafona como esse que visitava um lugar desses?! Que chato! Deveria ser mesmo muito ruim e tedioso ficar cantando para um público tão careta como esse, você se esforçando lá no palco e na sua frente um bando de gente jantando! Putz... fala sério...
O Coronel preferia mesmo ganhar suas migalhas em lugares como esse! Ao invés de levar Elvis pelo mundo afora ele preferia deixar o "Rei do Rock" se afundar nesses cassinos enquanto ficava jogando o dinheiro dele fora nas roletas! E ainda tem gente que acha o máximo esse tipo de situação, que acha que Elvis estava fazendo grandes avanços em sua carreira se apresentando em lugares como Lake Tahoe. Coitado do Elvis. Vamos encarar a realidade. Só podia ficar mortalmente entediado mesmo, que tipo de desafio uma apresentação como essa iria significar? Com a palavra os que defendem essa "estratégia genial" de Tom Parker...isso claro se existir alguém assim!
O show é na rotina. Pouca coisa muda. Elvis estava tão condicionado a fazer apresentações iguais nessa época que muito provavelmente ele ficava no controle remoto. Pelo menos aqui não há nada que cause arrepios ou que o destaque dos demais títulos por algo inadequado feito por Elvis no palco. Ele está na média, não comete nenhum vexame, não sai no braço com fãs peruanos, não fala palavrões, não aparece altamente "desnorteado", não sai nem um milímetro de uma apresentação altamente convencional. Mas...peraí... você pode estar se perguntando, então por que fazer uma análise de algo assim tão sem destaque? Ora, por isso mesmo, que tal avaliar o que Elvis fazia na média durante aquele período? Deixemos os tabloides sensacionalistas de lado, vamos dar uma espiadinha no Elvis profissional acima de tudo que ia sim marcar ponto, que ia sim fazer um show sem grandes surpresas... enfim, que tal dar uma olhada em Elvis, operário padrão?
O que será de nós ao sentarmos para ouvir um novo bootleg e perceber que ele vai trazer o mesmo e velho repertório de sempre?! Alguém aguenta ainda ouvir a dobradinha See See Rider / I Got A Woman ?! Quantas vezes Elvis utilizou essa abertura em seus shows? Mil vezes, um milhão de vezes?! É capaz... Elvis deveria ter se tocado de certas coisas. Essa abertura foi criada em suas primeiras temporadas, a de 1969 e a de 1970. Mas aqui estamos em 1974 com a mesma abertura? Poxa, alguém deveria ter dado um toque em Elvis, que tal mudar um pouquinho para a coisa ficar menos repetitiva?
Elvis está nitidamente entediado no começo do concerto. Em See See Rider ele transparece com nitidez que realmente está no controle remoto. Sem pique e animação Elvis vai indo... sem um pingo de empolgação! Até parece um funcionário público chegando para trabalhar e bater o ponto. Fraco, muito fraco. Só demonstra um pouco (pouquinho mesmo) de ânimo quando algumas fãs gritam... Na hora que ele vai contar: "One, Two..." na parte final dessa canção, seu desânimo é total e completo. Em I Got a Woman a coisa se repete. A mesma brincadeira na hora do "Well...well...well...", os mesmos risinhos do puxa saco Charlie Hodge (esse cara era muito chato...) e apenas um comentário rápido dele ao afirmar brincando que a plateia estava cheio de "maníacos (ou maníacas, dependendo do ponto de vista) sexuais". Infelizmente Elvis conseguia ser repetitivo até mesmo nas piadinhas...
O mais curioso nessa apresentação é que Elvis até que canta corretamente seus velhos sucessos. A versão de Love Me não é nada demais mas também não é medíocre. Tryn To Get You tem até uma certa dignidade, muitas vezes não presente em outras versões dos anos 70. Aqui Elvis até se anima a soltar o vozeirão e promove uma pequena (na verdade mínima) mudança na letra! All Shook Up vai pelo mesmo caminho. Apesar de James Burton estar errando os mini solos que acompanham a canção de forma vergonhosa, Elvis mantém o interesse, mesmo que na terça parte final da canção adote a velha postura "Puxa... estou de saco cheio...". É uma pena. Love Me Tender também traz pequenas mudanças na letra em seus versos iniciais. Elvis brinca com suas echarpes azuis (certamente estava nesse momento distribuindo esses panos que até hoje são adorados e venerados por fãs talibãs). Até Hound Dog fica na média. O que estraga mesmo é esse arranjo discoteca dos anos 70... com aquele toque de guitarra ultra, hiper ultrapassado. Fever traz Elvis a meia voz. Ele dá um enorme grito no meio da música, como que imitando uma fã: "Elvisssss.....". Talvez ele tenha gritado para acordar e espantar o sono ou então para acordar a plateia cafona que deveria estar assistindo o show, não sabemos, de qualquer forma o público realmente parece não ter achado muita graça. No finalzinho da canção o espírito Karatê-Sam baixa em Elvis e ele começa a utilizar aquele vocabulário típico dos lutadores...haja saco... Depois disso Elvis, penosamente, entediadíssimo, parte para o repertório mais contemporâneo de sua carreira.
Certamente não vou aqui comentar música a música. Todas as demais canções desse concerto são altamente convencionais, altamente. E quando digo convencional não estou elogiando Elvis ou algo parecido. Estou apenas afirmando que as músicas, além de serem muito manjadas já naqueles tempos de 1974, ainda trazem Elvis em uma noite pouca inspirada! Não disse que faria uma análise em cima de um momento "funcionário público" de Elvis Presley? Então...
Três canções apenas fazem com que nosso cérebro seja ligado por breves momentos. São essas canções que valem a pena, que qualificam Spanish Eyes como o melhor desse pior. Vamos a elas. No meio de inúmeros momentos e versões "três vias com carimbo" (ou seja, altamente burocráticas do burocrático Elvis) encontramos pequenas pérolas perdidas. Spanish Eyes, que dá nome ao CD é o primeiro bom momento. Após oferecê-la Elvis inicia uma bela, bela mesmo, versão dessa canção. Claro que essa música nunca foi unanimidade entre os fãs do cantor. Muitos a acusam inclusive de ser brega, cucaracha e outras definições nada lisonjeiras. Mas vamos deixar o colonialismo cultural de lado e apreciar esse bom momento. Até os metais (altamente exagerados) empolgam... depois de ouvir essa versão (de preferência acompanhado de um belo Cuba Libre) duvido que você não se sinta em algum bueiro mexicano atrás de algumas maravilhosas "señoritas"...(sinceramente...esse meu portunhol me mata!)
Deixando o inferninho mexicano de lado Elvis nos leva direto para a igreja do lugar! Isso mesmo! A segunda boa versão desse CD é justamente a sacra Why Me Lord. Não poderia ser diferente. Eu sinceramente acho que Elvis deveria pensar consigo mesmo: "Estou aqui no meio dessa p... de deserto. Fazendo um show altamente meia boca, talvez tenha chegado o momento de louvar ao Senhor de forma decente!". É isso mesmo. Elvis sempre, sempre renascia quando cantava gospel. O cantor simplesmente se transformava, o que era tédio virava concentração, o que era desleixo virava atenção e o que era desânimo virava emoção verdadeira. Uma pena que Elvis só mostrava sinais de vida em momentos raros como esse! No restante da apresentação apenas Help Me se salva, outra que também é misto quente indecente entre country music e gospel sacros... vai entender...
Defina Help Me! É country? É gospel? Citando meu amigo Pablo em recente artigo realmente não saberia definir com exatidão que tipo de música é essa! A única certeza é que Elvis estava pedindo ajuda mesmo, implorando aos céus para suportar tanta mesmice em sua carreira estagnada! Depois de Aloha Elvis entrou numa rotina que duraria até o fim de seus dias. Muitos shows, muitas vezes passando pelas mesmas cidades, discos ao vivo, discos ocasionais de estúdio, pouca renovação...pouca inovação! Elvis, que em muitas vezes em sua longa carreira já tinha entrado em ciclos repetitivos (como as trilhas sonoras dos anos 60) novamente estava dentro de um! Sem desafios ele foi ficando cada vez mais velho e desiludido... o resto da história já sabemos. Enfim, Help Me é o último bom momento do CD. Depois dele Elvis joga o paletó na cadeira e vai tomar um cafezinho com seu camaradas de repartição...
Aliás, permita escrever, Elvis tinha mesmo que pedir ajuda a um estilista também! Algumas jumpsuits que ele usou nessa temporada realmente eram um terror estético. Repare na foto em que ele está se apresentando em Lake Tahoe. As melhores roupas de palco de Elvis sempre foram aquelas do começo dos anos 70, muito mais simples, despojadas, e claro, mais elegantes. Depois Elvis parece que entrou em uma disputa pessoal com Liberace para ver quem se apresentava com o traje mais exótico (para não dizer brega)! A tênue linha entre elegância e breguice certamente foi rompida por Elvis nesse período, como aliás bem observou Priscilla Presley em seu livro "Elvis e Eu".
Elvis também estava bem gordinho nessa temporada. Certamente o cantor perdeu a linha durante essa época. Em 1974 Elvis teve grandes aumentos de peso, tanto que foi durante esses shows que a aparência dele começou a chamar muito a atenção. O cantor se apresentava pálido, gordo e cansado. Seu cabelo também não ajudava muito o que fazia muitos fãs mais desavisados levantarem a hipótese (absurda é claro) de que ele estaria usando perucas durante esses concertos. A única parte positiva era que no tocante a sua voz Elvis ia melhorando a cada dia, trazendo belas interpretações (isso quando não deixava o tédio lhe dominar por completo!).
Vale a pena ter Spanish Eyes na coleção? Depende. É o que sempre digo: se você é um jovem fã de Elvis deixe esse tipo de lançamento de lado. Procure ouvir os discos oficiais de Elvis, por uma simples razão: nada do que você vá encontrar em Cds como esse você não vai ouvir (e melhor) nos títulos oficiais. Digo como fà de longa data: se você não for uma pessoa muito interessada em Elvis, se você se contenta em só adquirir o melhor do cantor, então os discos oficiais ao vivo dele já estão de bom tamanho! Bootlegs são a sobra mesmo, claro que existem shows interessantes, claro que existem gravações raras, mas isso só vai lhe interessar em um segundo momento, depois que você já tiver ouvido seus melhores registros (os oficiais). Em que vai lhe adiantar ficar ouvindo milhares de versões praticamente iguais de See See Rider ou I Got a Woman nos anos 70? Em nada. O que foi lançado oficialmente pela RCA já traz um belo retrato do que Elvis foi nos palcos durante os anos 70. O resto é preciosismo e repetição Ad Nauseam... vai por mim!
Erick Steve e Pablo Aluísio.
Pablo:
ResponderExcluirO Erick tem algum blog, site, e-mail, etc. que eu possa acessa-lo?
O Erick Steve escreve exclusivamente em nossos blogs Serge.
ResponderExcluirPerfeito, então posso comentar os seus posts aqui mesmo, certo? Obrigado Pablo!
ResponderExcluirPrezados Erick e Pablo:
ResponderExcluirEu gosto muito do seu perfil inconolasta em que você gosta de uma artista mas não é condescendente com todas as suas imperfeições, idiossincrasias e bizarrices.
Eu também sou um pouco assim, mas apenas para poder ter base para comentar o seu post acima, eu vi ainda hoje o último show do Elvis, aquele em que ele está em ruínas, porém, pelo menos neste show de "77 eu não percebi as deficiências que você cita neste show de 1974. Como os show que eu vi aconteceu em 1977 entende-se que tudo deveria estar um pouco pior pois a decadência do Elvis foi potencializada neste período.
Acredite, em 1977 o Elvis, apesar do cintura gorssa está se esforçando muito, alegre, interagindo com o público e os músicos, oa fãs por seu lado não são os cafonas que você cita, mas há muitos jovens e não estão na entediados, alguns na verdade estão so ponto da histeria, os fãs mais velhos idem. Então eu não sei se esse show que você cita em 1974 foi um dia ruim, ou se eu não consigo ver o tédio que você vê no Elvis neste período.
Inclusive eu concordo com a mesmice do show, o See See Rider, etc. mas está música, por exemplo, é muito boa e todos adoram e é muito animada para começar o show. Na minha opinião até a Sandy deveria começas seus shows com See See Rider. Alias que conhece o original desta música sabe o que tem de genial no que o Elvis fez com ela.
Abraços aos dois! Parabéns pelo trabalho que vocês realizam!
Claro que só posso falar por mim e não pelo Erick mas tem uma coisa que eu falei até recentemente em um fórum no Facebook que vem bem a calhar sobre esse texto do Erick. Lá eu escrevi que os piores shows de Elvis (os mais confusos, os que ele apresentava sinais de obesidade fora do controle) foram realizados justamente nos anos de 1974 e 1976. A decadência de Elvis teve altos e baixos e para surpresa de muita gente em 1977 ele estava até bem se formos comparar com esses anos citados. Eu já até escrevi sobre isso, elogiando registros dele em 77. Agora em 74 ele estava realmente passando por problemas e fez muitas apresentações ruins e em 76 estava incrivelmente gordo e desnorteado. Sua vida nos palcos era uma montanha russa! Abraços, Pablo Aluísio.
ResponderExcluirSó mais uma coisa que esqueci de comentar: eu entendo porque o Erick chama o público de Lake Tahoe de cafona! Era um cassino, onde gente bem mais velha ia passar alguns dias, hospedados na rede de hotéis e jogando nos cassinos. As mulheres todas cheias de laquê no cabelo e os homens, alguns novos ricos, esbanjando cafonice com seus enormes relogios de ouro! O Frank Sinatra inclusive tinha um hotel em seu nome em Lake Tahoe onde a Marilyn Monroe ia ás vezes para descansar. Pablo Aluísio.
ResponderExcluirEntendi Pablo, eu não sabia que ele havia melhorado em 77. Agora que me lembrei que vi uma show em Atlanta, se não me engano, em 1975 e meu Deus, eu nunca vi o Elvis tão ruim, até desfinanando ele estava, a banda tocando de qualquer jeito, o Elvis saia do palco e eles tocavam umas bobagens, nossa, um horror, acho que faz parte desta fase que você descreve.
ResponderExcluirParabéns!!
ResponderExcluirObrigado Maurício Camargo Brito, auto do livro "Elvis Mito e Realidade" que tenho inclusive a primeira edição. Abraços, Pablo Aluísio.
ResponderExcluirGostei muito do texto.
ResponderExcluirAbraços :)
Obrigado Simone.
ResponderExcluirAvaliação:
ResponderExcluirProdução: ★★★
Arranjos: ★★★
Letras: ★★★
Direção de Arte: ★★★
Cotação Geral: ★★★
Nota Geral: 7.4
Cotações:
★★★★★ Excelente
★★★★ Muito Bom
★★★ Bom
★★ Regular
★ Ruim