terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Elvis Presley - Love Letters From Elvis (1971)

O ano de 1971 foi bastante agitado para Elvis Presley. Começamos o ano brindados com seu melhor disco de estúdio da década de 70, "Elvis Country", e com o excelente filme "That´s The Way It Is", atacando os cinemas em todo os Estados Unidos. No dia 16 de janeiro desse mesmo ano, Elvis recebeu aquele que talvez fosse para ele o prêmio mais significativo de sua carreira, o Jaycees Award (concedido pela Jumior Chamber of Commerce), como um dos dez jovens que mais se destacaram na América. Na ocasião de premiação Elvis recebeu o troféu das mãos de ninguém menos do que George Bush, que anos depois iria se tornar presidente dos EUA. Elvis era tão orgulhoso desse prêmio que o carregou consigo até o final de sua vida. Não era raro Elvis exibir o vistoso objeto em sua suíte de Las Vegas, orgulhosamente colocado em um local de destaque para que todos pudessem vê-lo, ou então mostrá-lo para todos aqueles que encontrava durante as viagens de suas turnês. 1971 foi também um ano de trabalho árduo para o cantor. Para se ter uma idéia da agenda lotada de Elvis, basta dizer que em um curto espaço de tempo ele entrou em estúdio três vezes, para realizar sessões em março, maio e junho.

Como se isso não bastasse Elvis também caiu na estrada e realizou uma puxada maratona de apresentações em várias cidades, sendo que sua turnê em novembro ficou particularmente conhecida pelos fãs pela qualidade dos shows realizados. Mas isso ainda não foi tudo em sua vida artística, pois como sempre fazia nos anos 70, Elvis ainda realizou duas de suas habituais temporadas em Las Vegas. Mesmo esgotado física e emocionalmente, Elvis acabou aceitando a sugestão de Tom Parker para cumprir uma temporada extra em Lake Tahoe. Para Parker era interessante manter Elvis mergulhado numa infinidade de obrigações, pois isso iria manter a mente do cantor ocupada e produtiva. O Coronel, depois de tantos anos ao lado de Elvis, sabia que quando ele ficava muito tempo em ócio, sem ter o que fazer, mergulhava em depressão ou então se metia em alguma confusão tola. Parker sempre dizia o velho ditado inglês para Elvis: "Cabeça vazia, instrumento do diabo!". Além dos desafios impostos, o Coronel obviamente via o elevado potencial comercial do grande número de shows realizados.

Financeiramente 1971 foi um dos melhores anos da carreira de Elvis. Os lucros iriam finalmente equilibrar suas contas pessoais e de sua empresa. Era uma via de mão dupla que deixava todos satisfeitos: Elvis ficava feliz por estar trabalhando com agenda cheia e o Coronel Parker ficava igualmente contente em ver as verdinhas entrando em abundância. Mas se Elvis estava em uma ótima fase profissional, sua vida pessoal não ia pelo mesmo caminho. Apesar de estar se sentindo novamente valorizado e reconhecido como artista nesse período, 1971 não foi só um ano de glórias na vida do Rei do Rock. Esse também foi o ano em que seu relacionamento com Priscilla afundou de vez. Embora Priscilla só tenha pedido o divórcio e se separado do marido em 1972, nessa época ela já tinha chegado à conclusão de que seu casamento estava irremediavelmente arruinado.

Vivendo vidas separadas, Elvis ficava louco se tivesse que ficar mais de uma semana ao lado de sua esposa. Não havia mais carinho ou envolvimento. O que era prazer e alegria para Elvis antes em seu casamento, agora havia se transformado em obrigações, brigas e aborrecimentos. Embora infeliz em sua vida conjugal Elvis não estava disposto a tomar a iniciativa de um rompimento definitivo ou de uma conversa franca que colocasse todos os problemas em panos limpos. Tentava administrar a eterna crise conjugal com Priscilla com atitudes paliativas, viajando muito, dando desculpas para não passar muito tempo ao lado dela e o pior de tudo: procurando em outras mulheres o que não conseguia mais encontrar em sua esposa. Priscilla também resolveu seguir o mesmo caminho e logo estava de romance sério com Mike Stone, seu instrutor de caratê.

Depois de tentar solucionar seus problemas conjugais Priscilla finalmente entendeu que Elvis nunca seria fiel em seu matrimônio, nunca iria se tornar um pai presente e provavelmente nunca iria assumir todas as consequências ruins que invariavelmente surgem em um relacionamento adulto. Elvis ainda queria levar uma vida de mulherengo inconsequente, aprontando nas turnês ao lado de seus amigos. Na visão de Priscilla, Elvis se recusava a deixar sua postura adolescente de ser, uma atitude que diga-se de passagem em nada ajudava no projeto de salvamento de suas vidas em comum. Sem comunicação, com duas pessoas tentando levar vidas tão diferentes, não haveria outro rumo a tomar. O fim era inevitável, pois naquele momento o casamento havia se transformado apenas em uma fachada mesmo, uma paródia infeliz de um sonho não realizado. E tanto Elvis como Priscilla sabiam muito bem disso, embora continuassem a manter as aparências externas. Em conversas mais íntimas com seus amigos mais chegados Elvis revelava extrema decepção, angústia e sentimento de culpa pelo fracasso de seu casamento. Durante anos ele idealizou em Priscilla a mulher perfeita, a jovem correta e linda que iria ficar ao seu lado para sempre.

Durante anos ele preservou Priscilla ao seu lado, em um romance muitas vezes puramente platônico (pelo menos no aspecto sexual), e viu nela um modelo de mulher em que ele poderia confiar: leal, correta e pura. Depois do casamento tudo foi por água abaixo. O que era idealização romântica logo se tornou decepção com a realidade cotidiana de um matrimônio muitas vezes marcado pela indiferença e pela falta de diálogo. Talvez o grande problema para Elvis tenha sido a formulação em sua cabeça dessa imagem irreal de Priscilla por tantos anos. Quando se casou e a realidade bateu à porta, Elvis se sentiu frustrado e decepcionado com o que encontrou. Não poderia ter acontecido diferente, diga-se de passagem.

Sem encontrar aspectos positivos em sua vida pessoal, Elvis se voltou com todas as forças para sua vida profissional. Não que a RCA ajudasse muito nesse campo, pois ocasionado por infelizes escolhas da gravadora, os singles de Elvis testemunharam uma queda nas paradas, tendo sua melhor posição alcançada com "Rag to Riches", um mero e tímido 33º lugar. Lançado em junho de 1971 e sendo um dos discos de estúdio menos conhecidos de Elvis, "Love Letters", seguiu um caminho parecido, pois também não alcançou uma grande repercussão em vendas (33ª posição nos EUA), embora na Inglaterra tenha atingido um excelente 7º lugar. O álbum trazia canções que estavam arquivadas há mais de um ano nos estúdios da RCA em Nashville, pois grande parte desse material havia sido gravado em junho de 1970. De uma certa forma o disco criado por Felton Jarvis foi uma forma de aproveitar todos os "restos" dessas famosas sessões de gravação, com a honrosa exceção da belíssima "Sylvia" que só iria ser lançada no ano seguinte, no disco "Elvis Now". A palavra "restos" deve ser entendida em termos de comparação, pois apesar de "Love Letters" possuir algumas ótimas músicas, se formos compará-lo com "Elvis Country" ou "That´s The Way It Is" chegaremos a conclusão que ele é realmente meio fraquinho em termos de qualidade. Agora, prestem atenção no título do álbum. Quem o comprava esperava ouvir um disco só de baladas de Elvis, mas não se enganem. O repertório se mostra muito mais eclético, pois entre suas faixas podemos facilmente encontrar rocks, country, baladas e até mesmo um gospel! Vai entender a RCA!!!

Love Letters (E. Heyman / V. Young) - Essa linda balada que dá nome ao disco é na verdade uma regravação, visto que, Elvis a havia gravado em 1966. Quando lançada na época alcançou o 19º lugar. Iria ser bastante executada em shows durante o ano de 1976. A versão original de "Love Letters" foi gravada em 1945 e foi composta como tema de um filme estrelado por Joseph Cotten e Jennifer Jones. As duas versões são excelentes, tanto essa como a de 1966. A diferença é que na versão da década de 70 a voz de Elvis está bem mais forte, com entonações diferentes da versão anterior, em que sua voz está bem mais suave, quase murmurando as palavras. Escolha sua favorita!

When I'm Over You (S. Milete) - S. Milete escreveu três músicas que foram gravadas por Elvis em 1970: "When I´m Over You", "It´s Your Baby You Rock It" e finalmente "Life". Essa é a pior das três. A música não decola, tem um ritmo arrastado e definitivamente não deveria ter sido gravada. Vale ressaltar que apesar de não ser boa, a voz de Elvis está impecável e os músicos ótimos. Esse country insosso é um claro sinal de uma situação que já ocorrera na década de 60: falta de material de qualidade. É por essas e outras que digo que esse álbum foi comprometido em termos de qualidade pelo pessoal da RCA.

If I Were You (G. Nelson) - Outro country fraquinho que é burocrático ao extremo e ainda contém uma letra estúpida dizendo: "Se eu fosse você eu sei que que eu me amaria." O autor aqui tentou dar uma de poeta, mas falhou miseravelmente. É interessante notar que materiais fracos como esse foram gravados na mesma sessão em que foram produzidas músicas como "Brigde Over Trouble Water", "You Don´t Have To Say You Love Me", entre outros clássicos! Talvez Elvis ao gravar canções como essa só estivesse tentando agradar a Hill and Range, companhia responsável por fornecer material. Enquanto grandes compositores como John Lennon, Bob Dylan e outros achariam um privilégio em Elvis gravar suas músicas, ele se punha a gravar coisas assim!

Got My Mojo Working / Keep Your Hands Off Of It (P. Faster / E. Presley) - Malicioso e sujo, esse excelente rock, originalmente gravado por Muddy Waters, é na verdade uma Jam Session e claramente não havia sido gravado com intenção de ser lançado oficialmente. Sua versão completa possui mais de 5 minutos, porém foi editada pelo palavreado um tanto inadequado usado por Elvis no começo da canção. Caso excepcional de um feliz casamento entre a música de estúdio e os instrumentos acrescentados por Felton Jarvis posteriormente, que deixaram a música mais cheia. Elvis ainda a mistura em alguns momentos com "Keep Your Hands Off Of It", música que podemos vê-lo ensaiando na Alemanha em 1959, quando ainda estava servindo o exército americano.

Heart Of Rome (Stephens / Blaikley / Howard) - Um dos pontos altos do disco, essa canção possui fabulosa melodia e a voz de Elvis está fantástica. A letra é bem piegas, é verdade, mas tirando esse detalhe é um verdadeiro prazer sem culpas. Claro que é estranho o descendente de escocês Elvis cantando uma música que menciona Roma, mas avaliando a discografia de Elvis ("It´s Now Or Never", "You Don´t Have To Say You Love Me", "Surrender", etc) não é de se surpreender ouvir Elvis se aproximando musicalmente mais uma vez da Itália. Tem uma versão engraçada no bootleg "The Brighest Sar On Sunset Boulevard vol 2" onde Elvis literalmente avacalha a música, metendo palavrões e um grito hilário bem no meio da música. Divertidíssima!!! A versão oficial, por sua vez, foi lançada como lado B de "I´m Leaving", o que como sabemos era sentença de morte para uma música de Elvis na década de 70 e significava chances nulas de entrar para as paradas.

Only Believe
(P. Rader) - Os discos de Elvis são uma verdadeira salada musical de gêneros e refletem seu gosto musical eclético e sua preocupação zero em seguir só um estilo. Eis que depois de balada, countries e rock surge um gospel!!! Lançado no lado B de "Life", para promover o álbum esse gospel ganhou algumas versões ao vivo em 1971 e possui uma melodia meio esquisita, puxando algumas vezes para o Blues, outras vezes para o R&B e ensaiando uma proposital desafinada no seu final. Diferente de tudo que Elvis gravou, mas, na minha opinião um pouco abaixo da média.

This Is Our Dance (L. Reed / G. Stephens) - De longe uma das piores músicas de Elvis na década de 70, ao lado de "Take Good Care of Her". Aqui quase nada se salva, o ritmo é lerdo, a letra chatinha e não achando pouco, Felton Jarvis incluiu desnecessários violinos o que catapultou a música para um baile brega dos anos 40, o que em um disco de Elvis não é muito bom. Se possível pulem essa, pois não acrescenta em nada na discografia de Elvis e baixa consideravelmente o nível do disco.

Cindy, Cindy (Kaye / Weisman / Fuller) - Esse rock não ter sido lançado como single é um crime! Uma pena, pois é um típico rock de Elvis da década de 70 com um solo de arrebentar de James Burton (tem uma versão do "Essential Elvis vol.4" que tem dois solos), a banda detonando e o segredo de todo bom rock: ritmo bom, acelerado e um vocal poderoso do vocalista. Aqui Elvis dá um show. Sua voz ainda estava com a aspereza (no bom sentido) dos anos de 68 e 69. "Cindy, Cindy" já havia sido gravada diversas vezes com nomes e letras diferentes. Ricky Nelson, por exemplo, a gravou sob o nome de "Get Along Home Cindy" em 59 e Teddy Van também a gravou com o título de "Cindy". A letra foi reescrita por Ben Weisman, Florence Kaye e Dollores Fuller, três compositores de Elvis que escreveram para ele bastante na década de 60. De longe a melhor música do disco inteiro.

I'll Never Know (Karget / Wayne / Weisman) - Música escrita por Ben Weisman, que escreveu para Elvis mais de 50 músicas! Essa balada bonitinha lembra muito as musiquinhas inocentes dos filmes dos anos 60. A diferença em relação a essas fica a critério da voz de Elvis, bem mais madura e da instrumentação com violinos. Tudo utilizado por Felton Jarvis, o que não acontecia nas trilhas, que optavam por um arranjo bem básico. Não entra na lista das melhores de Elvis, mas é bem melhor do que outras músicas do disco.

It Ain't Big Thing (But is Crowing) (Merrit / Joy / Hall) - Essa canção é definitivamente, junto com "Just Call Me Lonesome", a música mais fiel ao estilo country gravada por Elvis. O porquê de não ter sido incluída no "Elvis Country" é um mistério. Algumas semanas depois da sessão de gravação em junho de 1970 ela estaria nas paradas na voz de Tex Williams. James Burton aqui capricha nos seu solo. Particularmente acho a música bem chatinha e meio deslocada no álbum.

Life (S. Milete) - Essa canção é única na carreira de Elvis, tanto pelo tema, falando da origem da vida(!), tanto pelo arranjo, que aqui sim ficou de primeira, principalmente na parte final da música, diferente de tudo que você já ouviu na voz de Elvis. Jarvis aqui acertou em cheio. No versos finais, a música acaba revelando ser uma balada. Muito bem escrita é a melhor das três músicas de S. Milete que Elvis gravou em 1970 e fecha o álbum com chave de ouro. Porém o público não aceitou essa simpática alienígena no mundo de Elvis e quando lançada como single para promover o álbum não ultrapassou a medíocre 53º posição, não tendo sido nem lançada na Inglaterra. Uma pena.

Em suma: "Love Letters From Elvis" é um álbum razoável de Elvis, que alterna excelentes momentos com outros bem medíocres e é bem inferior a seus antecessores "Elvis Country" e "That's The Way It Is". Os produtores também tiveram sua parcela de culpa no quase esquecimento desse álbum com o passar dos anos, apesar de sua posição não ter sido ruim, pois lançaram músicas fracas nos singles, deixando de fora pérolas como "Cindy, Cindy". Além disso o seu título dava a entender que era um álbum exclusivo de baladas, quando é um dos mais mistos, em termos de estilos musicais, de toda a carreira de Elvis Presley.

Pablo Aluísio e Victor Alves.

2 comentários:

  1. Avaliação:
    Produção: ★★★
    Arranjos: ★★★
    Letras: ★★★
    Direção de Arte: ★★★
    Cotação Geral: ★★★
    Nota Geral: 7.9

    Cotações:
    ★★★★★ Excelente
    ★★★★ Muito Bom
    ★★★ Bom
    ★★ Regular
    ★ Ruim

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  2. Achei um bom disco muitas baladas e a interpretação de Elvis espetacular !

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