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quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Crônicas de Marlon Brando - Parte 13

Logo no começo de sua carreira Brando conheceu a atriz Anna Kashfi. Ela era indiana e tinha ido até Hollywood em busca do sucesso no cinema americano. Kashfi tinha uma beleza exótica, bem diferente das loiras americanas. Brando sempre foi atraído por esse tipo de mulher e o fato dela ser muito independente, de forte personalidade, fez com que Marlon ficasse ainda mais caído por ela. Desde seus primeiros amores Marlon Brando sempre se interessou por mulheres de etnias diferentes da sua. Ele tinha intensa predileção por mulatas, negras e latinas. Também se interessava muito por mulheres do Taiti. Assim em termos de visual Kashfi tinha tudo o que precisava para seduzir Brando. Apaixonado, o ator a pediu em namoro, mas ela, para sua completa surpresa, o recusou. Isso atiçou ainda mais o lado conquistador de Brando que estava decidido a conquistá-la de todas as formas. Depois de muitas recusas ela finalmente cedeu. Brando ficou completamente encantado a ponto de pensar pela primeira vez em sua vida no casamento. Sabendo que poderia ganhar o grande prêmio na capital mundial do cinema ela acabou manipulando o ator e em pouco tempo eles estavam casados. Esse foi um erro que Brando iria se arrepender pelo resto de sua vida.

Infelizmente a união passou longe de ser um casamento feliz. Marlon Brando não estava disposto a deixar suas inúmeras amantes. Nunca havia sido fiel em sua vida e não seria agora que as coisas mudariam. As traições viraram rotina. Brando estava sempre dando alguma desculpa para ficar longe de sua casa e se divertia a valer com as muitas mulheres (e dizem, homens) que frequentavam sua cama. Anna Kashfi ficou furiosa com seu comportamento. Mulher de gênio forte jamais iria aceitar esse tipo de humilhação pública (sim, Brando surgia com suas amantes em restaurantes e festas, na frente de todos, sem um pingo de arrependimento). Seu comportamento não iria dar em algo bom e realmente não deu.

Numa noite Brando chegou de madrugada em casa logo após uma noite de farras. Anna Kashfi o estava esperando na cozinha, fora de si, com uma faca na mão. Assim que Marlon entrou no recinto ela tentou lhe esfaquear. A agilidade salvou o ator da morte certa. Ele conseguiu se desviar no último segundo. Com a faca na mão Anna não desistiu e saiu correndo atrás de Brando que correu com toda a velocidade para a piscina. Agora imaginem a cena, o ator mais bem pago de Hollywood dando voltas em sua piscina com sua mulher enfurecida com uma faca na mão decidida a matá-lo! No outro dia empregados de Marlon e Anna abriram a boca e em pouco tempo o escândalo já tinha se tornado público e notório. O que ninguém sabia e nem Marlon é que Anna era bipolar, sofria de problemas mentais e em sua família várias mulheres tinham apresentado esse problema ao longo dos anos. Para piorar ela começou a dar entrevistas escandalosas para jornalistas. Dizia que Brando era bissexual, que levava para cama qualquer pessoa que lhe interessasse. Que não tinha respeito por ela, nem por ninguém, que era um promíscuo, que era um vagabundo e por aí vai, ladeira abaixo. A baixaria por parte dela não tinha limites. Era uma vergonha em Hollywood. Quando um repórter perguntou a Brando o que ele achava das declarações da mulher ele se resumiu a dizer: "Eu me casei com uma louca delirante!".

Depois disso Brando resolveu dar um basta, pediu divórcio e começou uma longa, custosa e penosa briga na justiça pela guarda do filho Christian Brando. Esse foi certamente o filho mais problemático da vida de Marlon Brando, herdando muitos problemas da mãe. Alguns anos depois Christian seria julgado pela morte do marido da própria irmã e condenado, cumpriria uma longa pena de prisão por assassinato em primeiro grau. As custas judiciais pelo divórcio e pela guarda definitiva e exclusiva de seu único filho custaram muito a Brando. Ele gastou milhões com advogados e teve que conviver com o assédio implacável da imprensa. Para piorar a carreira começou a ir mal, a má publicidade nos jornais influenciou o público que deixou de ir conferir seus últimos filmes. De repente Brando via sua vida profissional e sentimental em frangalhos. Muito bem humorado o ator dizia que nada disso importava, o que mais lhe preocupava era o fato de estar ficando rapidamente careca! Era uma forma que Marlon Brando encontrava para aliviar um pouco o stress absurdo que tinha que passar. Quando finalmente escreveu sua autobiografia ele admitiu que apesar de posar de rebelde e indiferente, ele ficava mesmo muito magoado e deprimido com os ataques que sofria, principalmente os que vinham da imprensa, sempre sensacionalista em relação à sua vida pessoal.

Pablo Aluísio.

terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Crônicas de Marlon Brando - Parte 12

Aos 32 anos Marlon Brando aceitou o convite da Warner Bros para trabalhar no filme "Sayonara". Ele não havia gostado muito do roteiro, mas sentia que devia um favor ao diretor Joshua Logan. O cineasta havia arranjado trabalho para sua irmã em um momento complicado da vida dela, quando estava desempregada em Hollywood. Assim como forma de gratidão Brando decidiu a que iria trabalhar ao lado de Logan. Além disso ir para o Japão fazer o filme iria trazer para ele um pouco de paz e distância de Hollywood, algo que ele vinha buscando já há algum tempo.

Infelizmente para Brando as filmagens foram problemáticas. Chovia muito na cidade japonesa onde a equipe ficou. Quase nunca havia um clima bom para as cenas, causando muitos atrasos no cronograma da produção do filme. A imprensa americana começou a culpar Brando, mesmo sem ele ter nenhuma culpa nos atrasos. Não era novidade a antipatia mútua que Brando sentia por jornalistas e isso só se agravou durante o filme. Mais grave ainda, o escritor Truman Capote o embebedou durante uma tarde e Brando começou a falar mal de todo mundo em Hollywood. Assim que voltou aos Estados Unidos Capote escreveu um artigo devastador sobre o ator e publicou tudo numa revista. Brando se sentiu completamente traído e enganado por ele.

Para piorar Brando não se deu bem com a comida japonesa. Ele ficou doente, com diarreias recorrentes por causa de todo aquele "peixe cru", como ele gostava de ironizar. A atriz que havia sido escalada para trabalhar ao seu lado era praticamente uma novata, quase amadora, chamada Miiko Taka. Brando assim precisou ser colega e professor ao mesmo tempo pois ela começou a ter crises de medo e pânico antes das filmagens. O diretor Logan também teve uma forte crise de depressão durante os trabalhos, o que fez com que Brando praticamente dirigisse a si mesmo, por causa do estado psicológico do cineasta.

O filme acabou sendo sucesso de bilheteria. Brando cumpriu seu contrato e voltou para os Estados Unidos. Durante as filmagens a Warner exigiu que ele perdesse de oito a dez quilos pois os produtores acharam que ele estava aparentando estar muito gordo nas primeiras tomadas. Por pressão contratual Brando cumpriu a tarefa, emagreceu rapidamente, mas acabou descontando tudo quando voltou a Los Angeles. Segundo sua esposa na época, o ator caiu pesado nos doces e sorvetes, o que fez com que ele em poucos dias ganhasse todos os quilos que havia perdido no Japão. A partir desse ponto Brando iria ter com mais frequência problemas com a balança. E precocemente ele começou a se sentir velho demais para se importar com esse tipo de coisa.

Pablo Aluísio.

Crônicas de Marlon Brando - Parte 11

Em 1953 Marlon Brando entrou no set de seu novo filme, "The Wild One" que no Brasil seria intitulado "O Selvagem". Brando, já naquela altura considerado o maior rebelde de Hollywood, iria interpretar o papel de um jovem motoqueiro chamado Johnny Strabler. A direção seria do cineasta húngaro Laslo Benedek que havia dirigido a adaptação para o cinema do clássico da literatura "A Morte do Caixeiro Viajante" dois anos antes. Inicialmente Brando não viu grande coisa no roteiro. Para ele seria um filme apenas para cumprir contrato com o produtor Stanley Kramer. Como era um filme pequeno, de curta duração e com enredo simples, não haveria muito trabalho à vista. Nada que poderia se comparar com os filmes anteriores do ator, verdadeiras obras primas como "Espíritos Indômitos", "Uma Rua Chamada Pecado", "Viva Zapata!" e principalmente "Júlio César" que havia exigido muito dele em termos de atuação. Afinal de contas Brando havia suado a camisa para se sair bem em seus primeiros filmes, em especial o último, uma complicada adaptação para o cinema da famosa peça escrita por William Shakespeare, sob direção do austero Joseph L. Mankiewicz. Assim interpretar Johnny era quase como um passeio no parque. Além do mais Brando adorava motos e o universo que as cercava, então foi mesmo a união de algo que gostava de fazer em sua vida pessoal com a possibilidade de dar um tempo nos filmes mais sérios e desafiadores.

Para sua surpresa porém o filme virou um dos maiores cult movies da história. Inicialmente Brando não gostou da película. Como ele próprio recordou em suas memórias a primeira vez que assistiu a "O Selvagem", logo após sua estreia nos cinemas, não gostou mesmo do que viu. Achou o filme violento e sem conteúdo. Curiosamente a fita acabou virando o estopim de uma série de revoluções comportamentais ocorridas na juventude americana nos anos 1950, desembocando na revolução cultural que iria estourar nos anos 1960. Para Brando foi tudo uma grande surpresa. Ele não tinha consciência na época que havia todo um sentimento reprimido por parte dos jovens e que seu filme seria usado para aprofundar todos esses anseios. Johnny, na visão de Brando, era apenas mais um personagem a interpretar. A juventude da época porém viu de outro modo. Aquele motoqueiro, vestido de couro preto da cabeça aos pés, era a personificação da liberdade. O roteiro dava a ele uma conotação ruim, algo que não poderia ser usado como modelo, mas como um aviso contra a delinquência juvenil. Para reforçar isso o estúdio colocou um texto avisando sobre os males de se seguir o exemplo dos personagens. Brando percebeu que o tiro sairia pela culatra. A juventude em geral ignorou a mensagem moralista quadrada e obsoleta e abraçou o personagem como um ícone, um mito, um exemplo a seguir. Para Brando não poderia ser melhor e ele foi elevado à altura de símbolo máximo entre os jovens da época.

Realmente, do ponto de vista puramente cinematográfico "O Selvagem" não pode ser comparado aos demais clássicos que Brando rodou por essa época em sua carreira. Já do ponto de vista meramente cultural e sociológico é de fato um dos mais marcantes momentos de sua carreira no cinema. Isso porque o filme não pode ser visto apenas sob a ótica do que se vê na tela, e sim muito mais além disso, pois teve enorme influência dentro da sociedade, principalmente entre os jovens, que viram ali um modelo de liberdade incrível. Numa época em que havia grande repressão e os controles morais eram extremos, ver Johnny atravessando a América de moto, sem dar satisfações a ninguém, e vivendo com um grupo de rebeldes como ele, era de fato um impacto para o jovem americano típico dos anos 1950. Depois que Brando surgiu com aquela imagem ícone, nasceu toda uma cultura jovem no país, até porque a juventude de um modo em geral era completamente ignorada dentro da sociedade até então, sendo considerada apenas uma transição entre a infância e a vida adulta. Depois de Brando vieram James Dean - o maior símbolo de juventude que o cinema jamais produziu - o Rock ´n´ Roll, Elvis Presley e toda a iconografia da cultura jovem que conhecemos hoje em dia.

Para Brando o filme passou logo, mas os efeitos dele se tornaram duradouros. Assim que terminou as filmagens da fita ele foi procurado novamente por Elia Kazan. Ele o convidou para participar do filme "On the Waterfront" (no Brasil, "Sindicato de Ladrões"). Assim que leu o roteiro Brando entendeu do que se tratava. Era uma grande metáfora em forma de película, que justificava de certa forma o comportamento do próprio Kazan durante o Macartismo, onde ele havia dedurado vários colegas de profissão. Depois disso a biografia do cineasta havia sido manchada para sempre. Ele tencionava com o filme resgatar parte de seu prestígio dentro da comunidade cinematográfica, ao mesmo tempo em que justificava seu ato e pedia desculpas pelo que fez. No começo Brando relutou em fazer o filme. Desde sempre ele se considerava um liberal e o que Kazan havia feito era realmente algo desprezível. A vontade porém de realizar mais uma obra prima foi maior do que seus escrúpulos pessoais. Assim, ainda vestido de Johnny, ele se encontrou nos corredores da MGM e assinou o contrato com Kazan. Mal sabia que estaria prestes a realizar um dos maiores filmes de toda a sua carreira.

Pablo Aluísio.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Os Gays de Hollywood

Um dos livros mais polêmicos lançados nos Estados Unidos sobre a Hollywood clássica se chama “Full Service: My Adventures in Hollywood and the Secret Sex Lives of the Stars” (Serviço Completo: Minhas Aventuras em Hollywood e o Segredo das Vidas Sexuais das Estrelas). Escrito por Scotty Bowers e Lionel Friedberg. O motivo de tanto alarde é até fácil de explicar. Em pouco mais de 260 páginas o autor expõe, como poucas vezes já foi visto, a vida sexual de diversos mitos da história de Hollywood. Ele afirma ter circulado entre a nobreza da classe artística do cinema americano nas décadas de 1940, 1950 e 1960. Conheceu de perto as preferências sexuais de muitos astros. Curiosamente ele nunca se declara nas páginas de seu livro como um profissional do sexo, afinal prostituição nos EUA é crime, principalmente para quem desempenha a função de “agenciador” de encontros sexuais. Ao ler seus relatos porém a única conclusão que o leitor tem é a de que Bowers era exatamente isso, uma pessoa a quem os grandes astros recorriam para arranjar uma transa rápida, sem consequências.

Em suas estórias poucos astros se salvam. A lista é longa: Rock Hudson, Errol Flynn, Cary Grant, Marlon Brando, Charles Laughton, Montgomery Clift, Katharine Hepburn, Spencer Tracy, Tyrone Power, Rita Hayworth, Mae West, Laurence Olivier, Vincent Price, Randolph Scott, Sal Mineo, Judy Garland e muitos outros. Bowers que está com 88 anos, diz que não queria levar todas essas picantes estórias que viveu para o túmulo e por isso agora. no final da vida, resolveu contar tudo, afinal a grande maioria dos astros já estão mortos. Alguns relatos são de primeira pessoa onde o autor afirma que vivenciou tudo, outros porém ele deixa claro que conhece apenas por “ouvir dizer”, até porque seria simplesmente impossível alguém ser próximo de tantos atores e atrizes ao mesmo tempo. Para gozar da intimidade da vida privada de tanta gente, Bowers teria que ser simplesmente o mais bem relacionado membro da comunidade em Hollywood naqueles anos e até mesmo ele sabe que ninguém acreditaria em tal coisa.

Do que afirma ter vivenciado realmente, um dos casos mais interessantes e chamativos é o que envolve a atriz Katharine Hepburn. Uma das profissionais mais premiadas da história, ela chamava a atenção por nunca ter se casado. Na boca miúda se dizia que tinha um caso escondido com Spencer Tracy, que era casado. Para Bowers tudo não passava de uma farsa. Ele afirma que Hepburn era lésbica e... voraz. Em seu texto o autor diz ter enviado a ela ao longo de vários anos mais de cem mulheres. O suposto romance proibido com Spencer Tracy era assim apenas uma desculpa para encobrir também a homossexualidade do veterano ator. Hepburn se vestia como homem, com ternos de longas ombreiras e não gostava da companhia de outras mulheres como amigas. Bowers vai mais longe e diz que ela tinha uma pele ruim e péssimos hábitos de higiene. Outro que não escapa das revelações de Bowers é o galã Tyrone Power. Embora gostasse também de mulheres (teve vários relacionamentos ao longo da vida com elas) Bowers diz que ele tinha mesmo era uma uma queda especial por jovens latinos, bem apessoados. Chegou a flertar com Rock Hudson, outro galã muito famoso da era de ouro do cinema americano, mas nunca tiveram um caso amoroso.

Por falar em Rock Hudson ele ocupa várias páginas do livro de Bowers. Esse era outro astro com grande apetite sexual. Geralmente dava festas só para rapazes em sua grande mansão nas colinas de Hollywood. Enchia a piscina de jovens aspirantes dispostos a tudo para ganhar um papel em algum de seus filmes. Seu fraco era por jovens loiros e altos, de preferência bronzeados de praia. Se tivessem bigode então cairiam no tipo perfeito na preferência de Hudson. Gostava de brincar dizendo que nem sabia o nome dos amantes, geralmente chamando os loiros de “Bruce” e os morenos de “Carl”. No fim da tarde todos iam para sua sauna particular onde aconteciam grandes orgias gays. Assim que se tornou o astro número 1 em popularidade em Hollywood o estúdio apressou-se em lhe casar com uma secretária de seu agente para encobrir sua homossexualidade, uma vez que sua fama de o “homem preferido da América” valia milhões de dólares.  A coisa não deu certo e Rock se separou em pouco tempo voltando para sua rotina de devassidão sexual. Só assumiu publicamente que era gay em seus últimos dias. O ator estava morrendo de AIDS e a imprensa não o deixava em paz. Para dar um bom exemplo e chamar a atenção de todos para o perigo da nova doença, ele finalmente saiu do armário, após ter ficado quase cinquenta anos dentro dele.

Os grandes atores também não escapam. Montgomery Clift seria um gay enrustido e esnobe. James Dean um bissexual porcalhão que tinha problemas com doenças venéreas. Brando um sujeito confuso que gostava de tratar as mulheres como objeto enquanto se apaixonava por homens mais velhos. Nem o mito dos filmes de terror Vincent Price escapa. Para Bowers ele era um gay metido a grã fino que colecionava obras de artes e encontros homossexuais furtivos. Já Randolph Scott e Cary Grant formariam um dos casais gays mais famosos de Hollywood segundo Bowers. Morando juntos e promovendo grandes festas em sua mansão discreta e luxuosa nos arredores de Beverly Hills. No tocante a esse suposto romance encontramos vários problemas. Grant sabia que era alvo de fofocas há muito tempo e no final da vida processou um humorista que fez uma piada na TV sobre sua suposta sexualidade. Ele teve inúmeros casos amorosos com atrizes famosas e se casou várias vezes. Recentemente sua filha lançou um livro negando que seu pai era gay. Outro que saiu em defesa do pai foi o filho de Randolph Scott, Christopher, que também negou veemente em suas memórias que o eterno cowboy do cinema fosse gay. Scott foi casado muitos anos com a mesma mulher e tudo leva a crer que nada de fato aconteceu, apenas amizade no começo de carreira de ambos. As fofocas porém até hoje são conhecidas.

Hollywood se orgulhava de ser livre de preconceitos, cosmopolita e avançada. Mesmo quando alguma história de homossexualidade se tornava notória dentro da comunidade muito raramente chegava na imprensa sensacionalista. Não havia dentro dos estúdios uma penalização ou punição apenas pelo fato do ator ou atriz serem gays, apenas tinha-se um certo cuidado para que sua vida privada não chegasse ao público, prejudicando sua popularidade. Por isso arranjou-se um casamento para Rock Hudson. Dentro da Universal todos sabiam que ele era gay, mas nada era dito sobre isso fora dos portões do grande estúdio. O grande cineasta George Cukor também é alvo nas páginas de Bowers, mas parece ser um caso isolado de diretor gay. O fato porém é que nem todo mundo era gay em Hollywood, nem mesmo na mente de Bowers. Escapam de sua escrita atores que eram obviamente heterossexuais naqueles dias como Paul Newman, Tony Curtis, Charlton Heston, Elvis Presley, Steve McQueen, John Wayne (imaginem esse símbolo do machão do velho oeste como gay!), entre outros.

Os galãs sempre foram muito visados. Nos anos seguintes surgiram boatos de que Richard Gere, John Travolta e até mesmo Tom Cruise eram gays. Richard Gere ficava extremamente aborrecido com essas fofocas. Ele teve romances com modelos internacionais, mas nem isso apagou essa fama de homossexual. Irritado, mandou publicar uma nota em um grande jornal americano negando tudo. Seu ato pegou muito mal entre a comunidade LGBT americana. Parecia que ele se defendia de um crime que havia cometido. Foi um erro lamentável de sua parte. Já John Travolta foi apontado como um gay no armário logo que começou a fazer sucesso. Boatos circulavam no começo de sua carreira. Depois ele entrou para uma religião chamada Cientologia e se casou com a atriz Kelly Preston. Com isso as fofocas foram aos poucos desaparecendo.

Do lado das mulheres houve casos famosos também. Jodie Foster conviveu por anos e anos com fofocas de que seria lésbica. Ela nunca era vista com namorados em eventos sociais de Hollywood e sua vida privada era fechada a sete chaves. Atriz e diretora de talento, parecia obcecada em esconder suas preferências sexuais. Conforme a carreira foi ficando mais bem sucedida, mais a imprensa marrom corria atrás de algum escândalo, até que anos depois, cansada da perseguição da imprensa, decidiu assumir que era lésbica e que vivia há anos com uma mulher. Foi um alívio sair do armário. Já a apresentadora de TV Ellen DeGeneres não apenas assumiu seu caso com a atriz Anne Heche, como se tornou ativista da causa. Pena que no caso dela seu relacionamento não tenha durado muito. Anne Heche se separou dela e depois se apaixonou por um homem, casando com ele e tendo filhos. Mesmo assim DeGeneres continuou seu ativismo em prol dos direitos dos homossexuais.

A melhor atitude em relação a esse tema parece ter sido mesmo a do ator George Clooney. Solteirão convicto, ele não escapou das venenosa línguas de fofoqueiras de Hollywood. A imprensa marrom sempre insinuava que ele seria um gay enrustido dentro do armário. Por que não se casa? Por que não tem filhos? O que o impede de se casar? Cansado desse tipo de boato, o ator foi direto ao ponto. Perguntado por uma jornalista no tapete vermelho do Oscar o ator abriu o sorriso e disse: "Eu sou gay mesmo! Pode publicar aí no seu jornal". Claro, não era verdade, mas sim um ato de solidariedade com a comunidade gay, sempre perseguida por publicações escandalosas. No final vale a resposta de Mae West ao ser informada de que Rock Hudson era gay. Ela sorriu e disse: "Ele era gay? Sorte dos gays. Deixem essas pessoas ser felizes!".

Pablo Aluísio.

Hollywood vai à guerra!

Quando os Estados Unidos finalmente decidiram entrar na II Guerra Mundial, após o ataque em Pearl Harbor, no Havaí, muitos atores, atrizes e diretores americanos atenderam ao chamado da pátria. Para grandes nomes do cinema o exército americano dava a opção de serviço militar visando apenas o entretenimento das tropas no front, mas nem todos os artistas da época aceitaram esse papel secundário. Eles queriam mesmo combater, ir para o campo de batalha e fazer sua parte em nome de seu país. Tudo faria parte do amplo e irrestrito esforço de guerra patrocinado pelos grandes estúdios de Hollywood.

Um dos maiores exemplos de patriotismo veio de James Stewart. Criado no interior, com fortes valores cívicos, Stewart resolveu se apresentar nas forças armadas como um cidadão comum, desprovido de qualquer privilégio. Para tanto acabou entrando nas fileiras de sua tropa como um simples militar da força aérea. Depois, aos poucos, foi subindo dentro da hierarquia militar. Sua boa postura acabou elevando o ator a uma posição de destaque. James Stewart participou de muitas operações e viu de perto algumas das principais batalhas da guerra. Quando deu baixa recebeu a honrosa patente de Coronel, pois havia se tornado piloto de bombardeiros americanos na Europa ocupada pelos nazistas. O curioso é que ele voltaria a interpretar esse mesmo papel em um conhecido filme de guerra chamado "Comando do Ar" que era praticamente uma versão para o cinema do que ele teria vivido durante seu serviço militar na Segunda Guerra Mundial. 

Outro que também entrou de cabeça no conflito foi Clark Gable. Ele foi logo designado como piloto de bombardeiros americanos que iam até a Alemanha de Hitler para despejar toneladas de bombas nas grandes cidades do eixo. Essa verdadeira guerra de propaganda acabou enervando Hitler que resolveu até mesmo dar uma recompensa para quem conseguisse abater o avião de Gable, que apesar disso conseguiu terminar a guerra ileso de qualquer ferimento. Infelizmente sua esposa, Carole Lombard, não teve a mesma sorte pois morreu quando o avião que a levava se chocou contra uma montanha. Clark Gable ficou tão devastado com essa tragédia que passou a pedir mais e mais missões perigosas, para muitos um retrato de que havia perdido o gosto pela vida. Mesmo assim, agindo muitas vezes com imprudência, conseguiu chegar são e salvo ao final da guerra. Psicologicamente porém ele nunca superou os traumas da morte de sua querida Carole. 

Os diretores também entraram no esforço de guerra. Um dos mais famosos, John Ford, logo entrou no campo de documentação e filmagem do exército americano, participando dos registros de várias operações famosas, inclusive do Dia D, quando os países aliados finalmente invadiram a França ocupada por tropas nazistas. Enquanto as tropas aliadas desembarcavam nas praias da Normandia sob fogo pesado dos alemães, a equipe de Ford corajosamente filmava tudo, deixando importantes registros históricos reais do maior conflito da humanidade.

John Wayne já tinha passado da idade certa para prestar o serviço militar, mas participou da guerra vendendo bônus e fazendo publicidade das tropas americanas, em um vasto trabalho para levantar o moral dos soldados americanos no campo de batalha. Ele também decidiu deixar os filmes de western de lado para se engajar numa série de filmes de teor nacionalista a patriótico como os famosos "Tigres Voadores" e "Fomos os Sacrificados".  E depois que a guerra acabou, John Wayne continuou a estrelar filmes que reverenciavam a bravura dos militares americanos, como um de seus maiores sucessos, "Iwo Jima - O Portal da Glória" que recriava uma das mais sangrentas lutas da guerra no Pacífico. Ainda hoje esse é considerado um dos maiores e melhores filmes de guerra já feitos por Hollywood.

Se atores famosos foram para a guerra para se tornarem combatentes comuns, o inverso também se deu. Audie Murphy foi o soldado mais condecorado da guerra. Salvou companheiros de pelotão e realizou missões de alta periculosidade. Mesmo assim também sobreviveu à guerra e após retornar aos EUA começou uma bem sucedida carreira de ator em filmes de faroeste. Infelizmente Murphy trouxe também inúmeros traumas do conflito, tanto que anos depois numa crise suicida, tiraria sua própria vida com um tiro na cabeça. Foi um final trágico e melancólico para um dos grandes heróis americanos da II Guerra Mundial.

Já o chamado trio rebelde de Hollywood conseguiu escapar da guerra. Marlon Brando não conseguiu ser habilitado para o serviço militar por ter o joelho destroçado em seus anos como jogador de futebol americano no colégio militar onde estudou. Jovem e na idade certa para servir à guerra, Brando foi dispensado e ficou em Nova Iorque para dar inicio a uma das carreiras mais marcantes da história do cinema. Outro que escapou do front foi o rebelde James Dean. Até hoje pairam dúvidas sobre a razão da dispensa de Dean das forças armadas, mas em biografias recentes o mistério foi desvendado. James Dean abriu o jogo para o agente de convocação e disse que era gay e que morava com um homem em um apartamento de Nova Iorque. A guerra já havia acabado e ele se viu livre do serviço militar. Diante de sua opção declarada logo foi descartado pelo exército americano.

Outro que escapou foi Montgomery Clift. Ele odiava guerras, era um pacifista de coração, mas isso por si não seria motivo para ser dispensado do serviço militar. Ele se apresentou nas fileiras e seguiu todos os procedimentos de alistamento. O que afinal salvou Clift da guerra foi seu corpo franzino e frágil, que foi considerado inadequado para o corpo de fuzileiros navais. Isso aliás não deixou de ser uma grande ironia pois anos mais tarde Clift faria dois grandes clássicos dos filmes de guerra, "A Um Passo da Eternidade" e "Os Deuses Vencidos" mostrando que nem sempre a vida realmente imitava a arte. Afinal se não foi um militar na vida real se tornou um excelente soldado das telas.

Frank Sinatra também enfrentou problemas semelhantes, mas no caso dele parece que sua fuga do exército foi proposital. O ator alegou que tinha problemas de saúde e usando de influência entre militares de alta patente conseguiu ser dispensado. A imprensa porém pegou no seu pé imediatamente. Com pavor de ser chamado de covarde ele começou a trabalhar em prol da venda de bônus de guerra. Já atrizes como Shirley Temple e Judy Garland se dedicaram a fazer shows para os soldados. Elas foram para a Europa e se apresentavam em campos para soldados que estavam na linha de frente do campo de batalha. Já Marilyn Monroe era apenas uma mocinha na época. Mesmo assim conseguiu colher frutos positivos em sua vida. Trabalhando como operária numa fábrica de aviões militares em Los Angeles sua beleza chamou a atenção de um fotógrafo que tirou algumas fotos dela em seu macacão de fábrica. As fotografias foram publicadas em grandes revistas de circulação nacional e isso deu o pontapé inicial em sua carreira de modelo. Em suma, a guerra mudou a vida de muitos astros e estrelas de Hollywood. Foi um acontecimento histórico que marcou toda uma geração. 

Pablo Aluísio.

terça-feira, 17 de dezembro de 2019

O Grande Motim

O navio HMS Bounty ruma em direção aos mares do sul em uma viagem de exploração e reconhecimento do Tahiti e ilhas daquela região, tudo para defender os interesses da coroa britânica. No caminho os tripulantes começam a se indispor com o tratamento rude, diria até tirânico, do comandante Bligh (Trevor Howard). Na volta da expedição, sob o comando do primeiro tenente Fletcher Christian (Marlon Brando), os membros da tripulação resolvem levantar um motim contra o capitão da embarcação. Marlon Brando relembrou esse filme em sua autobiografia "Canções Que Minha Mãe Me Ensinou". Ele contou que na época o estúdio lhe ofereceu a possibilidade de fazer dois filmes. O primeiro seria o clássico "Lawrence da Arábia" e o segundo esse remake de um antigo filme de 1935 com Clark Gable. Curiosamente Brando se decidiu por "Mutiny on the Bounty" simplesmente porque ele seria filmado na Polinésia Francesa, um lugar maravilhoso no Pacífico que o ator gostaria de conhecer desde os tempos de escola.

Brando ouvira dizer que David Lean demorava muito para fazer seus filmes e que isso iria lhe custar muito tempo e trabalho no meio do deserto, um lugar que ele não tinha a menor intenção de conhecer. Assim rejeitou a oportunidade de estrelar aquele que se tornaria um dos maiores clássicos do cinema, "Lawrence da Arábia". Entre "secar no deserto como uma planta sem água" (como ele mesmo escreveu em seu livro) ou ir se divertir nas paradisíacas ilhas dos mares do sul, Brando optou pela segunda opção. Tão encantado ficou que anos depois compraria uma ilha particular na região, a bonita e distante Tetiaroa.

Pois bem, já voltando ao filme em si temos que admitir que se trata de uma aventura realmente saborosa. As filmagens foram complicadas, com estouro de orçamento, prazo e divergências entre diretor e estúdio, o que levou inclusive o cineasta Lewis Milestone a ser demitido no meio das filmagens. Além disso o clima irregular das ilhas prejudicou as locações e os cenários. A MGM então resolveu jogar a culpa pelos atrasos em cima do próprio Marlon Brando que estava preferindo ir nadar com as lindas figurantes locais do que trabalhar duro. Quando o filme finalmente foi lançado, depois de vários adiamentos, recebeu criticas negativas e não fez o sucesso esperado. Revendo hoje em dia só podemos nos admirar por ter tido uma recepção tão ruim. Com linda fotografia e belo desenvolvimento do enredo é complicado entender tanta má vontade em seu lançamento. Talvez tenha sido uma retaliação da imprensa contra Marlon Brando e seu temperamento complicado. O espectador porém deve deixar esse tipo de coisa de lado. Ignore tudo isso e assista pois sem dúvida é um belo filme.

O Grande Motim (Mutiny on the Bounty, Estados Unidos, 1962) Estúdio: Metro-Goldwyn-Mayer (MGM) / Direção: Lewis Milestone, Carol Reed / Roteiro: Charles Lederer, baseado no livro de Charles Nordhoff / Elenco: Marlon Brando, Trevor Howard, Richard Harris / Sinopse: Durante uma longa viagem pelos mares do sul, um grupo de marinheiros e oficiais de pequena patente decidem se rebelar contra seu capitão, bem conhecido por ser um homem duro e muitas vezes cruel.

Pablo Aluísio.

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Casa de Chá do Luar de Agosto

Esse filme é bem curioso. Primeiro é uma comédia leve e divertida estrelada por dois atores, Marlon Brando e Glenn Ford, que nunca foram tecnicamente comediantes. Segundo por trazer uma das caracterizações mais esquisitas da história do cinema: Brando interpretando um japonês chamado Sakini. Confesso que foi até complicado se acostumar com a pesada maquiagem do ator no filme, além de sua atuação, um tanto quanto estereotipada. De qualquer forma conforme o filme avança essa estranheza vai cedendo lugar à pura diversão, pois se o filme não chega a ser hilariante pelo menos tem cenas realmente divertidas e bem escritas. Glenn Ford está muito à vontade no papel, fazendo sem problemas várias cenas que beiram o cinema pastelão. Ele e Marlon inclusive tiveram alguns atritos de ego nas filmagens mas isso não passou ao filme pois tudo soa despretensiosamente leve e bom astral.

De uma maneira em geral o filme foi bem melhor do que eu esperava. Brando fala tão mal do filme em sua autobiografia que pensei que seria uma bomba completa. Não é. O diretor Daniel Mann procura ser bem sutil, até porque a cultura japonesa que mostra no filme já é conhecida por sua sutileza. O roteiro obviamente explora o choque cultural existente entre os moradores de uma pequena vila japonesa em Okinawa e os militares que a ocupam logo após a II Guerra. Os americanos tentam impor sua visão de progresso, com o plano de construir uma escola que ensine democracia no local enquanto os japoneses sonham com a construção de uma casa de chá onde possam se confraternizar e ver o pôr do sol. Desse confronto todo o argumento é construído, com momentos ora divertidos, ora banais, mas nunca chatos. Enfim, o filme nada mais é do que um bom passatempo, leve e ligeiro, e se for encarado dessa forma pode ser uma grata surpresa ao espectador.

Casa de Chá do Luar de Agosto (The Teahouse of the August Moon, EUA, 1958) Direção: David Mann / Roteiro: John Patrick baseado no livro de Vern J. Sneider / Elenco: Marlon Brando, Glenn Ford, Machiko Kyô, Eddie Albert / Sinopse: Após a II Guerra Mundial militares americanos planejam construir uma escola numa isolada vila japonesa em Okinawa, mas terão que convencer a população a local que prefere que seja construída uma casa de chá para que todos possam assistir ao por do sol juntos, em harmonia com a natureza.

Pablo Aluísio.

sexta-feira, 1 de novembro de 2019

Eles e Elas

Marlon Brando era um dos maiores atores de sua época. Porém não sabia cantar. Frank Sinatra era o rei da música, chamado de The Voice (a Voz) pelos críticos musicais. Como ator porém muitas vezes deixava a desejar. Assim teríamos um filme perfeito unindo esses dois talentos. Pelos menos foi assim que pensaram os executivos da Metro-Goldwyn-Mayer (MGM). Só que as coisas definitivamente não saíram bem como os produtores desejavam. Esse musical chamado "Eles e Elas" acabou se tornando um dos filmes mais singulares das carreiras de Brando e Sinatra. A trilha sonora foi gravada usando as diversas tentativas de Brando em cantar bem. Entre as inúmeras desafinadas os produtores conseguiram pincelar pequenos momentos. Depois editaram tudo e o espectador acabou mesmo acreditando que Brando era um cantor, mesmo que meramente mediano.

Já Frank Sinatra não gostou nada da experiência. Ele era um ator pragmático, que queria resolver tudo em apenas um ou dois takes. Porém ao contracenar com Marlon Brando precisou ter paciência em dobro para lidar com os métodos do Actor Studio. Isso acabou criando uma antipatia mútua entre Brando e Sinatra no set de filmagens. No final das gravações eles estavam praticamente sem se falar. Para Brando o ator Frank Sinatra não passava de um cantor tentando atuar sem passar muita vergonha. Ele achava Sinatra bem ruim. Para Sinatra, Brando era superestimado pela crítica. Ele também tinha achado as performances vocais de Marlon um verdadeiro desastre. Como nenhum deles estava disposto a abrir mão de seus egos monumentais a tensão imperou no estúdio. De uma maneira ou outra o público gostou do filme e ele foi até indicado ao Oscar, apesar da crítica não ter apreciado muito. Quem diria que algo assim poderia dar tanto certo no final?

Eles e Elas (Guys and Dolls, Estados Unidos, 1955) Direção: Joseph L. Mankiewicz / Roteiro: Jo Swerling, baseada no peça escrita por Abe Burrows / Elenco: Marlon Brando, Frank Sinatra, Jean Simmons, Vivian Blaine / Sinopse: Uma bela garota acaba servindo de pretexto para uma aposta nada ética. Filme indicado ao Oscar nas categorias de Melhor Direção de Fotografia (Harry Stradling Sr), Melhor Direção de Arte (Oliver Smith, Joseph C. Wright), Melhor Figurino (Irene Sharaff) e Melhor Música (Jay Blackton, Cyril J. Mockridge). Filme vencedor do Globo de Ouro nas categorias de Melhor Filme - Musical ou Comédia e Melhor Atriz (Jean Simmons).

Pablo Aluísio. 

Sindicato de Ladrões

Durante anos o diretor Elia Kazan foi considerado um traidor em Hollywood. Ele havia entregado para o Macarthismo um grande número de profissionais do cinema. Cineastas, roteiristas, atores, atrizes, muitos viram suas carreiras destruídas por causa de Kazan. Essas pessoas faziam parte do Partido Comunista, do qual Kazan também era membro. Quando a coisa apertou, ele entregou todo mundo. Alguns foram presos, outros banidos de Hollywood e alguns até mesmo cometeram suicídio. Com isso Kazan ficou marcado para sempre. Uma maneira dele procurar por uma redenção aconteceu com esse clássico chamado "Sindicato de Ladrões".

Para Marlon Brando esse filme era o retrato de todos os fracassados da América. Todos os derrotados pelo sistema. Aquelas pessoas que não conseguiam o sucesso, a fama e a fortuna. Ele interpretava um boxeador com uma carreira cheia de fracassos que entregava as lutas para que a máfia ganhasse dinheiro fácil no mundo das apostas esportivas. Algum tempo depois essa mesma quadrilha acabava cometendo um crime, colocando um peso a mais na consciência do personagem de Brando. Era aqui que Kazan tentava justificar seus atos no passado, tentando criar uma justificativa baseada em grandes valores para todos aqueles que entregavam seus antigos comparsas ou como no caso dele, dos antigos companheiros de causa.

O filme traz um retrato cru e realista. As cenas foram rodadas nas ruas e nas docas, no meio de pessoas comuns, sem excessos de produção e nem nada do tipo. Marlon Brando, com seu jeito da classe trabalhadora, simplesmente atuava ao lado das pessoas do dia a dia, sempre procurando pelo realismo. Seu talento lhe valeu o primeiro Oscar de sua carreira. Curiosamente Brando compareceu à cerimônia onde recebeu a estatueta de uma linda Grace Kelly. Depois tirou fotos e seguiu todo o protocolo da Academia. Algo que iria renegar anos depois quando seria premiado por "O Poderoso Chefão", ao recusar a premiação. No caso do Oscar vencido por "Sindicato de Ladrões" ele decidiu dar a estatueta para um amigo. Era uma forma dele demonstrar que não dava valor ao Oscar e nem à Academia. Também era uma maneira rebelde de se dissociar da futilidade de uma Hollywood que em sua opinião era vazia e sem sentido. De uma forma ou outra o filme foi aclamado por público e crítica, vencendo os principais prêmios de cinema naquele ano. Foi a forma de Hollywood dizer que finalmente Kazan estava perdoado.

Sindicato de Ladrões (On the Waterfront, Estados Unidos, 1954) Direção: Elia Kazan / Roteiro: Budd Schulberg, Elia Kazan, Malcolm Johnson / Elenco: Marlon Brando, Karl Malden, Rod Steiger, Lee J. Cobb, Eva Marie Saint / Sinopse: Terry Malloy (Brando) é um boxeador fracassado que entrega lutas para que a máfia fature no mundo das apostas esportivas. Após um crime ele começa a ter crises de consciência. Filme vencedor do Oscar nas categorias de Melhor Filme, Melhor Ator (Marlon Brando), Melhor Atriz Coadjuvante (Eva Marie Saint), Melhor Direção (Elia Kazan), Melhor Roteiro, Melhor Direção de Fotografia (Boris Kaufman), Melhor Direção de Arte (Richard Day) e Melhor Edição (Gene Milford). Também vencedor do Globo de Ouro nas categorias de Melhor Filme, Melhor Ator (Marlon Brando), Melhor Direção e Melhor direção de fotografia.

Pablo Aluísio.

sábado, 19 de outubro de 2019

Viva Zapata!

Cinebiografia do revolucionário mexicano  Emiliano Zapata (1879 - 1919). Filho de uma família rica no México, Zapata liderou a nação na revolução mexicana de 1910 que tencionava devolver o poder ao povo daquele país. Com o descontentamento crescente da população com sua classe política e corrupta, Zapata de posse de uma retórica populista conseguiu formar um grande exército que lutou ao seu lado. Filmar a vida de Zapata era um velho projeto de Elia Kazan. Ele próprio era uma pessoa com uma visão de esquerda (que seria manchada após ser acusado de entregar seus amigos do Partido Comunista). Assim era natural que Kazan quisesse fazer o filme definitivo sobre o revolucionário. Não foi nada fácil. Poucos produtores tinham coragem de filmar a vida desse personagem histórico mexicano com receio de ser acusado de ser socialista, o que poderia transformar em um inferno a vida de qualquer um em Hollywood na década de 1950. Kazan porém não desistia fácil e realizou um belo filme.

"Viva Zapata" resistiu bem ao tempo, isso apesar de cometer alguns clichês em seu roteiro (fato que se pode perdoar porque afinal estamos falando de um filme que foi feito há mais de 60 anos). O Zapata de Marlon Brando é bem romantizado por isso, embora a caracterização do ator seja muito boa, mostrando um personagem bem verossímil e que ficou bem próximo da realidade: um homem de pouca cultura (era analfabeto), brutalizado e de poucas palavras, mas muita ação. Brando inclusive deixou crescer um enorme bigode ao estilo do verdadeiro Zapata, mas teve que aparar seu vasto bigodão por ordens do estúdio que o achou muito exagerado (o que poderia fazer a plateia rir dele, levando o filme ao ridículo). Mesmo sob protestos o bom senso prevaleceu e Brando fez o que foi determinado pelo estúdio. A atriz Jean Peters era fraca (só entrou no filme por influência de seu namorado, o milionário excêntrico Howard Hughes que literalmente a escalou no filme). Nas cenas mais dramáticas ao lado de Brando a situação fica um tanto constrangedora para o lado dela (que afinal só era uma starlet, bonita e nada mais). O filme também quase não saiu do papel. O produtor Zanuck não queria Brando para o papel e entrou com confronto direto com Kazan que não abria mão do ator. Zanuck ainda brigou com Kazan por causa da maquiagem "muito escura" que foi realizada em cima de Jean Peters. Como se vê ele era um produtor muito poderoso que procurava se meter em cada detalhe dos filmes que produzia o que irritava profundamente Kazan, sempre muito independente e cioso de seu trabalho.

Além disso o filme não pôde ser rodado no México por expressa proibição do governo daquele país que achou o roteiro "inaceitável". As filmagens então foram realizadas no Novo México, no Colorado e no Texas. As condições não eram as ideais e o custo de se "maquiar" essas localidades para parecerem o México inflaram o orçamento. Lá pelo meio do filme Brando também foi perdendo o interesse ao entender que "Viva Zapata!" faria várias concessões para se enquadrar no estilo de Hollywood. Mesmo com tantos problemas "Viva Zapata" resistiu e hoje em dia é considerado um clássico, sem a menor sombra de dúvidas. Além da direção de alto nível por parte de Kazan o filme acabou ganhando muito também com a presença de Anthony Quinn no papel do irmão de Zapata. Enfim é um dos mais interessantes filmes da carreira de Brando e Kazan, o que não é pouca coisa. "Viva Zapata!" assim se torna essencial para quem deseja conhecer a obra de Elias Kazan e Marlon Brando em sua plenitude criativa.

Viva Zapata! (Viva Zapata!, EUA, 1952) Direção: Elia Kazan / Roteiro: John Steinbeck / Elenco: Marlon Brando, Jean Peters, Anthony Quinn, Joseph Wiseman, Alan Reed / Sinopse: Cinebiografia do líder revolucionário Emiliano Zapata (Marlon Brando) que em 1910 promoveu uma grande revolução no Estado do México visando devolver o poder político ao povo daquele país, que estava cansado de sua classe política corrupta e inepta. Filme vencedor do Oscar nas categorias de melhor ator coadjuvante (Anthony Quinn). Filme indicado ao Oscar nas categorias de melhor ator (Marlon Brando), melhor roteiro (John Steinbeck), melhor direção de arte, melhor música (Alex North).

Pablo Aluísio. 


Espíritos Indômitos

Marlon Brando esperou bastante tempo para estrear no cinema americano. Ator talentoso de teatro em Nova Iorque, ele via Hollywood com desconfiança pois achava que a grande maioria dos filmes não tinham nada de relevante para passar ao público. Só em 1950 Brando resolveu assinar com a Columbia Pictures para a realização de sua estreia na sétima arte. O roteiro escolhido foi “The Men” que tocava em um tema explosivo na época. Após a Segunda Guerra Mundial muitos foram os filmes que louvavam o sentimento patriótico da nação americana, geralmente mostrando seus combatentes na Europa como heróis acima do bem e do mal, em visões muitas vezes superficiais e ufanistas. “The Men” era muito mais realista se comparado aos filmes de guerra na época. Saíam de cena os soldados invencíveis para mostrar o lado mais cruel e dramático de um conflito de grandes proporções como aquele. O filme mostra a dura realidade dos que voltaram do campo de batalha com graves lesões, feridos em combate, paralíticos, tetraplégicos, muitos deles na flor da idade, com vinte e poucos anos.

Marlon Brando interpretava um jovem soldado, veterano de guerra, que volta para casa paraplégico após ser ferido gravemente em combate, na coluna. O tom da mensagem transmitido pelo ótimo roteiro escrito por Carl Foreman era nitidamente pacifista pois mostra um lado que sempre era varrido para debaixo do tapete por filmes bem mais patrióticos. A produção foi toda filmada em um hospital de veteranos de Nova Iorque com feridos reais interpretando os personagens secundários. Brando em sua autobiografia relembrou os momentos em que viveu ao lado desses homens. A grande maioria deles jamais voltaria a andar novamente e o ator ficou impressionado pela força e a luta de todos eles em relação ao que passavam. Eram homens jovens, que viam sua vida mudar literalmente da noite para o dia. De jovens atletas, fortes e praticantes de esportes, eles passavam a viver numa cadeira de rodas. Um dos aspectos que mais chamou a atenção do ator foi a recusa deles em serem tratados como “coitadinhos” ou algo parecido. Não queriam a pena de ninguém. Assim Brando os tratou como iguais, usando a cadeira de rodas todo o tempo, mesmo quando não havia cenas sendo filmadas. “Espíritos Indômitos” é uma obra importante pois lida com um tema relevante, de impacto social. A direção de Fred Zinnemann procura ser a mais realista possível. Seus diálogos e situações mostram muito bem a irracionalidade das guerras e seus efeitos nefastos. Sem dúvida é um dos melhores clássicos já feitos sobre o tema.

Espíritos Indômitos (The Men, EUA, 1950) Direção: Fred Zinnemann / Roteiro: Carl Foreman / Elenco: Marlon Brando, Teresa Wright, Everett Sloane, Jack Webb, Richard Erdman / Sinopse: Após sofrer uma terrível lesão em combate, veterano de guerra retorna do front completamente paraplégico. Produção que procura conscientizar o público ao mostrar as amarguras e lutas daqueles que voltam incapacitados de conflitos armados. Ótima estreia de Marlon Brando no cinema. Filme indicado ao Oscar na categoria de Melhor Roteiro Original.

Pablo Aluísio.

sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Duelo de Gigantes

Que tal unir dois dos mais talentosos atores do século XX em um westen, digamos, diferente? Pois foi essa a proposta de "Duelo de Gigantes" que reuniu Jack Nicholson e Marlon Brando em uma obra tão surpreendente como diferente. Em suas memórias pessoais Brando confessa que fez o filme apenas por dinheiro. Como sempre ele estava muito endividado e assim aceitou participar do filme, mas achou o roteiro muito vazio e sem expressão. Só durante as filmagens é que ele teve a ideia de inovar com a figura de seu personagem. Vestiu roupas de mulher, usou um figurino espalhafatoso e exagerado e caprichou na caracterização nada comum do pistoleiro que interpretava. Como era um mito do cinema ninguém ousou ir contra suas decisões durante as filmagens. Outro aspecto curioso de "Duelo de Gigantes" narrado em seu livro foi a falta de respeito do estúdio que não pagou em dia seu cachê combinado. Brando ficou furioso com isso e começou a criar novos problemas. Esquecia as falas, inventava sotaques absurdos para declamar o texto e estragava takes de forma proposital. Até o dia em que um alto executivo foi lhe visitar em seu camarim. Brando deixou claro que se o pagassem em dia provavelmente ele começaria a recordar suas falas e quem sabe até trabalhar direito! Não tardou para que a Warner começasse a lhe pagar conforme estipulava seu contrato!

Marlon Brando e Jack Nicholson eram vizinhos e se admiravam tanto como amigos quanto como profissionais. Brando via em Nicholson um provável sucessor de sua própria carreira. Não eram da mesma geração, quando Jack surgiu no cinema Brando já tinha vários de sucessos na carreira, mas o ator procurou se posicionar num patamar de igualdade com o colega mais jovem. Jack Nicholson, sempre excêntrico, procurou dessa vez não criar muitas encrencas no set, uma vez que Brando já estava criando seus próprios no desenrolar das filmagens. Apesar dos grandes nomes envolvidos, o saldo final se revela um pouco irregular. "Duelo de Gigantes" se destaca por ser diferente, por sair do lugar comum dos filmes de faroeste daquela época. Não chega a ser um filme excepcional, mas as excentricidades de Marlon Brando acabam mantendo completamente o interesse no resultado da obra. De fato o que vemos em cena é um Brando deitando e rolando com os mitos do gênero. Seu pistoleiro, Lee Clayton, é visivelmente andrógino e fora dos padrões. A impressão que temos é que Brando quis mesmo reverter os cânones do estilo. Funciona em certas ocasiões, mas em outras não. De qualquer modo um filme que conseguiu reunir dois mitos desse porte jamais pode ser ignorado pelos cinéfilos e essa é a grande força de "Duelo de Gigantes".

Duelo de Gigantes (The Missouri Breaks, EUA, 1976) Direção: Arthur Penn / Roteiro: Thomas McGuane / Elenco: Marlon Brando, Jack Nicholson, Randy Quaid, Harry Dean Stanton  Kathleen Lloyd / Sinopse: Um rico e próspero rancheiro se vê ameaçado pelo constante roubo de seus cavalos na região onde vive. Os roubos são atribuídos a um conhecido renegado, Tom Logan (Jack Nicholson). Para resolver seus problemas ele resolve contratar o pistoleiro Lee Clayton (Marlon Brando), um exótico fora-da-lei que chama atenção não apenas por sua habilidade no gatilho, como também por seu modo nada convencional de se vestir e se apresentar em público.

Pablo Aluísio.

sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Os Que Chegam Com a Noite

Esse foi o último filme que Brando fez antes de sua consagração em "O Poderoso Chefão". Ele foi filmado na Inglaterra o que levou muitos jornalistas a decretarem o fim de sua carreira na época! Muitos diziam que nenhum estúdio de Hollywood bancaria mais filmes com o ator não apenas por seu terrível temperamento nas filmagens mas também porque Brando não significava mais retorno imediato nas bilheterias uma vez que seus últimos lançamentos se tornaram fracassos comerciais. Processado por ex-mulheres, sendo perseguido pela imprensa por causa de sua disfuncional vida familiar o ator não viu outra saída senão trocar de ares - o que fez muito bem. "Os Que Chegam Com a Noite" é um filme por demais interessante. Todo rodado na Inglaterra rural a produção se apresenta como um prequel do famoso livro de Henry James, "Turn of the Screw" (no Brasil, "A Volta do Parafuso").

Certamente eu já tinha propensão a gostar desse estilo de filme por dois motivos: gosto de tramas passadas na Inglaterra rural (sou fã de cineastas como James Ivory) e tenho a tendência de sempre gostar das atuações de Marlon Brando, mesmo quando ele não está particularmente inspirado. Aqui o ator se apresenta de forma natural, sem exageros à la Actors Studio. O personagem simplista, um trabalhador comum chamado Peter Quint, caiu como uma luva para a personalidade do ator. Cabelos grisalhos, grandes e despenteados Brando dá um tom selvagem e indomado ao criado da bela mansão do filme e mais uma vez rouba as atenções para si. Também gostei do clima bucólico que reina em praticamente todo o filme. O que acaba enganando o espectador pois por baixo dessa normalidade se esconde uma situação terrível, o que desencadeará eventos macabros. Inclusive para uma experiência cultural plena aconselho não apenas assistir a esse "The Nightcomers" mas também a leitura do livro, seguida da exibição de outra produção inspirada na mesma obra, o muito bem sucedido "Os Inocentes", um marco do terror psicológico.

Os Que Chegam Com a Noite (The Nightcomers, EUA, 1971) Direção: Michael Winner / Roteiro: Michael Hastings inspirado na obra de Henry James, "A Volta do Parafuso" / Elenco: Marlon Brando, Stephanie Beacham, Thora Hird / Sinopse: O filme mostra os acontecimentos que antecedem a trama do livro "A Volta do Parafuso" do consagrado escritor Henry James.

Pablo Aluísio.

quarta-feira, 26 de junho de 2019

Crônicas de Marlon Brando - Parte 10

Depois do aclamado "O Último Tango em Paris", Marlon Brando surpreendeu a todos ao aceitar participar do novo filme de Arthur Penn chamado de "The Missouri Breaks" (Duelo de Gigantes, no Brasil). Era realmente de cair o queixo o fato do grande ator aceitar trabalhar em um filme menos pretensioso, menos artístico. Além disso era um western, gênero que ninguém pensava que Brando voltaria a atuar.

Na realidade o ator queria mesmo relaxar. Ele tinha atuado em filmes fortes, verdadeiros clássicos e estava de certa forma exausto da repercussão que essas obras tinham provocado. Era impossível para Brando encarar mais uma obra de grande magnitude pela frente. Assim ele optou por algo mais comercial, mas simples, menos estressante. Some-se a isso o fato de Brando ter a chance de atuar ao lado de seu amigo e vizinho Jack Nicholson, um sujeito de quem ele gostava bastante, algo raro dentro da comunidade de cinema em Los Angeles, onde todos pareciam competir ferozmente entre si.

Um fato curioso aconteceu durante as filmagens desse filme. O estúdio começou a atrasar os depósitos dos pagamentos de Brando em sua conta corrente. Isso irritou o ator. Nada parecia menos profissional do que atrasar o cachê de um astro de seu porte. Assim Brando começou a jogar também. Ele de repente começou a esquecer sua falas, atrasando completamente o cronograma de filmagens. Os dias iam passando e nada de Brando acertar suas cenas. O amigo Jack Nicholson logo entendeu as intenções de Marlon e se divertiu muito com o fato. O impasse durou até o produtor Elliott Kastner resolver ir pessoalmente até o trailer do ator. Brando, com aquele seu jeito único, explicou a situação então ao produtor: "Sabe Elliot, talvez se não esquecerem mais de me pagar, eu consiga me lembrar das minhas falas!". Recado dado e entendido, a Paramount nunca mais atrasou os pagamentos de Marlon.

Outra coisa que chamou a atenção foi o fato de Brando novamente resolver improvisar. Ele achava que o roteiro não era grande coisa, por isso começou a criar coisas absurdas para seu personagem. Em seu livro de memórias o ator explicou que seu personagem era um pistoleiro genérico, sem muitos atrativos. Então ele resolveu se vestir de mulher, ter um comportamento excêntrico e fazer coisas impensáveis para um assassino profissional no velho oeste. O diretor Arthur Penn gostou das inovações e assim Brando imprimiu sua marca autoral nesse faroeste que tinha tudo para ser mais uma fita banal do gênero.

Pablo Aluísio.

Crônicas de Marlon Brando - Parte 9

As filmagens de "O Último Tango em Paris" foram mais complicadas do que todos poderiam prever. O diretor Bernardo Bertolucci não falava inglês, Marlon Brando não falava italiano e a atriz Maria Schneider era francesa. Por isso não havia como se comunicarem direito. Em seu livro de memórias Brando explica que na maioria das vezes se comunicava através de mímica com o diretor ou então nas poucas palavras em francês que ele dominava. Também não havia um script e o roteiro era completamente aberto. 

Toda a liberdade que Brando procurou por anos lhe foi dada. Ele poderia dizer o texto que quisesse, falar o que bem entendesse, sem seguir nenhuma regra. Assim Brando improvisou praticamente em todas as cenas, revivendo antigas lembranças de sua infância, falando dos pais, da mãe alcoólatra, de seus primeiros anos em uma cidade rural do meio oeste americano. Isso acabou virando uma verdadeira terapia para o ator. Sua atuação foi a mais íntima e pessoal de toda a sua carreira. Algo inédito em sua vida profissional.

Isso levou Brando a também ter um esgotamento emocional nas filmagens. Tamanho esforço lhe deixou exausto a tal ponto que depois o próprio Brando acabou renegando o filme. Ele só o assistiu uma única vez, depois nunca mais quis rever a obra. Em seu livro ele chegou a admitir que jamais chegou a entender completamente a proposta de "O Último Tango em Paris" e creditou ao acaso o sucesso de crítica da produção. Resenhas altamente elogiosas, como a da famosa Pauline Kael, eram exageradas, na visão pessoal de Brando.

Recentemente o filme voltou a criar polêmica quando o diretor Bernardo Bertolucci declarou que as cenas de sexo tinham sido reais e sem a prévia autorização da atriz Maria Schneider. Por isso muitos jornalistas chegaram até a acusar Bertolucci e Brando de terem promovido um estupro durante as filmagens. Não era verdade. Em seu livro Brando deixou claro que não houve sexo real nas cenas, que tudo havia sido apenas simulado, encenado. Ele nunca teve relações sexuais com a atriz. Assim a tese de que teria havido um estupro nunca fez o menor sentido. De sua parte Marlon Brando deixou claro que depois desse filme jamais iria se despir emocionalmente como fez. Era doloroso demais, relembrar os traumas do passado e tudo mais. Dali em diante o próprio Brando só aceitaria participar de filmes com scripts devidamente escritos, em roteiros mais tradicionais. A liberdade completa, pelo visto, não lhe fez muito bem.

Pablo Aluísio.

terça-feira, 25 de junho de 2019

Crônicas de Marlon Brando - Parte 8

Logo no começo de sua carreira Brando conheceu a atriz Anna Kashfi. Ela era indiana e tinha ido até Hollywood em busca do sucesso no cinema americano. Kashfi tinha uma beleza exótica, bem diferente das loiras americanas. Brando sempre foi atraído por esse tipo de mulher e o fato dela ser muito independente, de forte personalidade, fez com que Marlon ficasse ainda mais caído por ela. Desde seus primeiros amores Marlon Brando sempre se interessou por mulheres de etnias diferentes da sua. Ele tinha intensa predileção por mulatas, negras e latinas. Também se interessava muito por taitianas. Assim em termos de visual Kashfi tinha tudo o que precisava para seduzir Brando. Apaixonado, o ator a pediu em namoro, mas ela, para sua completa surpresa, o recusou. Isso atiçou ainda mais o lado conquistador de Brando que estava decidido a conquistá-la de todas as formas. Depois de muitas recusas ela finalmente cedeu. Brando ficou completamente encantado a ponto de pensar pela primeira vez em sua vida no casamento. Sabendo que poderia ganhar o grande prêmio na capital mundial do cinema ela acabou manipulando o ator e em pouco tempo estavam casados.

Infelizmente a união passou longe de ser um casamento feliz. Marlon Brando não estava disposto a deixar suas inúmeras amantes. Nunca havia sido fiel em sua vida e não seria agora que as coisas mudariam. As traições viraram rotina. Brando estava sempre dando alguma desculpa para ficar longe de sua casa e se divertia a valer com as muitas mulheres (e dizem, homens) que frequentavam sua cama. Anna Kashfi ficou furiosa com seu comportamento. Mulher de gênio forte jamais iria aceitar esse tipo de humilhação pública (sim, Brando surgia com suas amantes em restaurantes e festas, na frente de todos, sem um pingo de arrependimento). Seu comportamento não iria dar em algo bom e realmente não deu.

Numa noite Brando chegou de madrugada em casa logo após uma noite de farras. Anna Kashfi o estava esperando na cozinha, fora de si, com uma faca na mão. Assim que Marlon entrou no recinto ela tentou lhe esfaquear. A agilidade salvou o ator da morte certa. Ele conseguiu se desviar no último segundo. Com a faca na mão Anna não desistiu e saiu correndo atrás de Brando que correu com toda a velocidade para a piscina. Agora imaginem a cena, o ator mais bem pago de Hollywood dando voltas em sua piscina com sua mulher enfurecida com uma faca na mão decidida a matá-lo! No outro dia empregados de Marlon e Anna abriram a boca e em pouco tempo o escândalo já tinha se tornado público e notório. O que ninguém sabia e nem Marlon é que Anna era bipolar, sofria de problemas mentais e em sua família várias mulheres tinham apresentado esse problema ao longo dos anos.

Depois disso Brando resolveu dar um basta, pediu divórcio e começou uma longa, custosa e penosa briga na justiça pela guarda do filho Christian Brando (anos depois seu filho seria condenado pela morte do marido da própria irmã e condenado, cumpriria uma longa pena de prisão por assassinato em primeiro grau). As custas judiciais pelo divórcio e pela guarda definitiva e exclusiva de seu único filho custaram muito a Brando. Ele gastou milhões com advogados e teve que conviver com o assédio implacável da imprensa. Para piorar a carreira começou a ir mal, a má publicidade nos jornais influenciou o público que deixou de ir conferir seus últimos filmes. De repente Brando via sua vida profissional e sentimental em frangalhos. Muito bem humorado o ator dizia que nada disso importava, o que mais lhe preocupava era o fato de estar ficando rapidamente careca! Pelo visto Brando jamais perdeu uma das coisas mais importantes de sua personalidade, o bom humor!

Pablo Aluísio.

Crônicas de Marlon Brando - Parte 7

Hoje em dia as pessoas conhecem muito mais o filme "Uma Rua Chamada Pecado" do que propriamente a peça teatral que lhe deu origem. Escrita pelo genial autor Tennessee Williams, a obra ficou longos anos em cartaz nos mais concorridos teatros de Nova Iorque. Na primeira versão montada o próprio Marlon Brando interpretou o rude Stanley Kowalski. Se no filme a atriz escalada para viver Blanche DuBois foi Vivien Leigh (em ótima performance), no teatro coube a Jessica Tandy viver a complexa personagem.

Em sua autobiografia Brando deu sua opinião sobre as duas atrizes. Para ele Jessica Tandy nunca se mostrou adequada para interpretar Blanche. Brando relembra que nas apresentações da peça ela adotava uma maneira muito caricata de dar vida ao confuso mundo interior de Blanche. Isso criava até mesmo um humor involuntário que era péssimo para a montagem. Já Vivien Leigh se mostrava muito mais sutil, elegante até! Brando foi além e afirmou que em certos aspectos Vivien Leigh era Blanche, pois tinha uma vida tão complexa e confusa do ponto de vista mental e emocional quanto à sua personagem que interpretava nas telas.

Outro aspecto interessante confessado pelo ator em seu livro foi o fato de reconhecer que muitas vezes ficava entediado com as várias apresentações de teatro. Obviamente nem sempre seu personagem estava em cena e quando isso acontecia Brando ficava nos bastidores tentando matar o tempo. Como estava muito preocupado em sua forma física ficava o tempo todo levantando peso até a hora de entrar no palco novamente. Certo dia resolveu fazer algo diferente e começou a treinar boxe. Má ideia. Em pouco tempo Brando havia sido colocado à nocaute por um funcionário do teatro, um negão de quase dois metros de altura. O pior é que tudo aquilo aconteceu bem no meio da apresentação da peça!

Como o show não podia parar, Brando resolveu entrar no palco mesmo assim, ferido. Com a camisa encharcada de sangue ele entrou na sua deixa e assustou Jessica Tandy que estava no palco! Curiosamente quem acabou não notando nada de diferente foi o próprio público que pensou estar vendo todo aquele sangue como parte da cena. Depois de terminar suas falas Brando se retirou e foi direto para o hospital onde os médicos diagnosticaram a quebra de seu nariz em vários pontos. Esse incidente convenceu Brando que o teatro já não era mais sua praia. Ele queria mesmo era ir para Hollywood onde os cachês eram enormes e o trabalho bem mais leve. Assim logo após ter alta o ator fez sua malas, pediu demissão, fechou seu apartamento em Nova Iorque e foi embora para Los Angeles. Uma nova carreira estava começando para ele! Hollywood era o caminho.

Pablo Aluísio.

segunda-feira, 24 de junho de 2019

Crônicas de Marlon Brando - Parte 6

Desde os primeiros dias em Hollywood Marlon Brando sabia que a pior parte de ser um ator de cinema era ter que lidar com a imprensa da costa oeste. Marlon estava acostumado com os grandes órgãos de notícias de Nova Iorque, que eram sérios e tratavam de temas relevantes. Em Los Angeles a coisa era bem diferente.

O mundo das celebridades já estava a mil quando ele chegou por lá. Os principais nomes dos jornais que tratavam sobre cinema não eram de jornalistas consagrados, mas de senhoras que eram mais conhecidas por seus fuxicos e fofocas do que por qualquer outra coisa. Entre elas havia Hedda Hopper, ex-atriz que se destacava mais por publicar mexericos em sua coluna do que produzir algo que prestasse.

Brando achava aquilo de uma futilidade sem tamanho. Até porque ele queria ser um ator sério e não uma celebridade respondendo perguntas idiotas como se ele dormia nu, se gostava de beber ou se era tão namorador como diziam. O problema é que Brando tinha que dar entrevistas por obrigação contratual, como parte do esforço de divulgar seus novos filmes e assim lá ia ele se encontrar com essa gente que tanto desprezava. Geralmente Brando dava respostas absurdas nessas entrevistas maçantes. Quando perguntado por seus pais, Brando dizia: "Morreram no Titanic!". Onde havia nascido? "Em Kuala Lumpur". O que gostava de fazer nas horas vagas? "Plantar bananeira" e por aí vai.

Tão entediado e aborrecido ficava nesses momentos que a partir do momento em que virou um astro em Hollywood Brando disse a seu agente que retirasse de seus contratos toda e qualquer obrigação de ter que falar com a imprensa de Hollywood. Para Brando os seus filmes falavam por ele, tudo o que precisavam saber sobre Marlon Brando, o ator, estava em suas atuações. Nos anos que seguiram isso aumentou a fama de rebelde de Marlon Brando ao mesmo tempo em que o transformou em um alvo da imprensa. Qualquer deslize em sua vida pessoal era logo tratado como um grande escândalo pelas jornalistas fofoqueiras de Los Angeles. Havia um preço a se pagar ao não fazer o jogo daquela gente e Brando pagou muito bem esse preço.

Pablo Aluísio.

Crônicas de Marlon Brando - Parte 5

Em 1949 Marlon Brando apareceu em um episódio da série Actor's Studio. Essa foi uma série televisiva muito interessante produzida pelo canal ABC que tinha como objetivo levar adaptações de textos teatrais para a TV. O material era escrito, dirigido e interpretado por professores e alunos do famoso Actor's Studio de Nova Iorque. Como Brando estudava lá, também participou de um dos episódios chamado "I'm No Hero".

Aqui Brando interpreta um jovem e inexperiente médico que é forçado a mão armada a operar um gangster ferido após uma intensa troca de tiros com a polícia, interpretado por Harry Bellaver, numa adaptação de uma história de Henry Kane. O curioso é que o programa era feito ao vivo e em seu livro de memórias Brando relembra que trabalhar dessa maneira era muito complicado para um ator como ele. 

Numa das cenas do episódio Brando tinha que entrar debaixo de um chuveiro, ficar pensativo e receoso pois seu personagem estava o tempo todo sob a mira de uma arma de fogo. Na hora em que estava atuando o contraregra abriu a água e Brando foi surpreendido por um verdadeiro dilúvio em sua cara. O problema é que a água estava fria como o pólo norte e Brando não aguentou e soltou um grito dizendo: "Mas que diabos?!"

O mais divertido de tudo é que no dia seguinte o New York Times elogiou a intensidade da "atuação" de Brando, só que na verdade aquela tinha sido apenas uma reação natural diante de uma situação de completa surpresa! Pelo visto a estrela de Brando já brilhava desde o começo de sua carreira!

Pablo Aluísio.

domingo, 23 de junho de 2019

Crônicas de Marlon Brando - Parte 4

A carreira e a vida pessoal de Marlon Brando enfrentaram diversos problemas nos anos 1960. O ator não parecia mais se entender com os estúdios, brigava com diretores e para piorar um quadro complicado começou a escolher os roteiros errados. Muitos de seus filmes fracassaram nas bilheterias, gerando um mal estar geral entre o ator, seu empresário e a indústria cinematográfica. De repente o grande astro da década anterior parecia não ter mais importância. Não gerava mais lucro para Hollywood.

Na vida pessoal do ator imperava o caos. Ele havia se casado com a atriz Anna Kashfi. Mulher de temperamento forte, não aceitava o modo de ser do marido. Brando era conhecido como um mulherengo e invariavelmente traía todas as mulheres com quem se envolvia. Com Anna não seria diferente. Ele tinha inúmeras amantes e muitas vezes não tinha nem a preocupação de esconder isso. Obviamente a imprensa de fofocas fazia a festa.

Só que Anna Kashf não estava disposta a ser humilhada publicamente. Após mais uma reportagem noticiando um dos casos amorosos do marido ela resolveu confrontá-lo em uma de suas casas em Los Angeles. A discussão foi ficando cada vez mais acalorada e insana, até que Anna resolveu que iria matar Brando. Ela pegou uma faca de cozinha e foi para cima dele. O ator recuou, mas quase foi esfaqueado. A polícia foi chamada. O escândalo ganhou grandes proporções na imprensa marrom. Isso em nada iria ajudar na carreira de Brando, naquela altura bem em baixa em Hollywood.

O casal acabou se separando, mas isso não foi o fim dos problemas. Marlon e Anna ficariam anos brigando nos tribunais na luta pela guarda do filho Christian. Ela também pediu uma fortuna de milhões de dólares para assinar o divórcio. As finanças do ator foram à bancarrota. Ele tinha que pagar advogados, investigadores, detetives particulares. E Anna não parecia disposta a deixar de lutar com fúria, o ameaçando de morte por anos a fio. Quando muitos anos depois Marlon Brando aceitou escrever sua autobiografia ele só pediu uma exigência, a de que não iria falar dos problemas enfrentados em seus casamentos. Era tanta confusão e baixaria que o livro iria correr o risco de virar uma novela mexicana, daquelas bem bregas!

Pablo Aluísio.