quarta-feira, 11 de março de 2009

Elvis Presley - Elvis Spring Tours 77

Esse CD do selo FTD vem para desmistificar vários mitos criados em torno de Elvis Presley. O primeiro deles é aquele que afirma que, em 1977, Elvis não conseguia mais apresentar um bom concerto ou se animar em um palco. Não há nenhum sinal de vacilo vocal ou falta de energia nas faixas que são ouvidas aqui, muito pelo contrário, em todas elas Elvis procura dar o melhor de si e demonstrar que ainda podia empolgar uma plateia e disponibilizar para todos um belo show, com muito rock de primeira qualidade, belas baladas românticas e muita animação e energia. Afirmar tudo o que escrevi aqui não significa negar ou tentar ignorar todos seus problemas físicos e emocionais, não é isso, mas sim dar a César o que é de César. Elvis está bem em praticamente todos os registros, se há algum deslize em alguma faixa, eles são pontuais e não prejudicam o conjunto ou a qualidade do material. Em poucas palavras: Elvis ainda continuava um grande artista, com pleno domínio de palco em seus momentos finais.

No aspecto puramente técnico, as canções não apresentam uma qualidade que vá satisfazer os ouvidos mais exigentes. Aqui devemos primar nem tanto pela excelência de som, mas sim pela excelência histórica de se ouvir Elvis nos palcos, no mesmo ano de sua morte. Há problemas de equalização, de mixagem e de balanceamento dos instrumentos e na voz de Elvis, mas isso é normal, até mesmo pela própria subcategoria em que CDs como esses são enquadrados. Ninguém vai exigir de um lançamento desses todos os cuidados que foram utilizados em seus discos oficiais. O foco aqui é outro completamente diferente. Se o ouvinte passar por cima de todos esses problemas, certamente vai chegar a conclusão que ouvir algumas dessas músicas é sempre um prazer renovado. O CD começa com três faixas retiradas de um mesmo show realizado no dia 26 de março de 1977 na cidade de Norman.

A primeira, That's All Right, é providencial. Nada melhor que abrir o CD com a música que começou tudo. Após uma pequena introdução de violão tocada pelo próprio Elvis, o grupo entra à toda e apresenta uma grande versão, totalmente coesa e praticamente perfeita do ponto de vista técnico. Após conversar um pouco com Charlie Hodge e a plateia, Elvis começa Are You Lonesome Tonight? e como quase sempre acontecia nos registros dessa música ao vivo, ele aproveita para brincar um pouco e rir, principalmente na parte falada da música. Parece uma tradição, quando chegava nessa parte da canção era quase certeza Elvis perder o controle e começar a gargalhar. Aqui com a ajuda de Charlie tudo desanda, Elvis novamente ri muito e se diverte, mas depois se recupera e leva a canção até o final. Blue Christmas é a próxima. Esse registro é especialmente interessante porque essa música nem era muito utilizada por Elvis em seus shows. Inclusive pode-se perceber claramente que ela nem mesmo estava programada e Elvis a inclui em cima da hora. Mas isso certamente não era problema para a TCB Band que chega com competência e nos presenteia com uma versão excelente. As duas faixas seguintes foram gravadas no show do dia 27 em Abilene.

São duas músicas dos anos 50. A primeira, Trying To Get To You, foi utilizada a exaustão por Elvis nos palcos durante os anos 70. Essa canção sempre proporcionou boas versões para Elvis, sempre deu a ele a chance de demonstrar seu pleno controle e domínio vocal. Após ouvi-la na íntegra não há outra conclusão a não ser que ela está isenta de maiores máculas e é praticamente perfeita (tirando uma pequena brincadeira feita por ele, que passa muito longe de prejudicá-la). Em cima Elvis entra logo com Lawdy Miss Clawdy, outro grande clássico de seus anos iniciais. Aqui Elvis aparente estar bastante empolgado, improvisando em cima do solo de piano. Talvez o único senão seja a exagerada participação no finalzinho da música por parte do acompanhamento vocal, mas nada que vá prejudicar o resultado final. Fever, que vem logo a seguir, é uma versão excelente. Tudo o que ela poderia ter sido em shows mais importantes como o Aloha e não foi. Elvis, relaxado e brincando, proporciona um belo entrosamento com a banda e responde de imediato a empolgação do público. Outra faixa impecável. Única do show do dia 30 de março, realizado em Alexandria, presente no disco, uma pena.

A nostalgia prossegue com Heartbreak Hotel, seu primeiro grande sucesso internacional. Em seus últimos anos Elvis ganhou fama por não tratar seus velhos hits com a seriedade e o respeito merecidos, principalmente nos palcos. Esse mito tem sua razão de ser, principalmente por causa das mini versões de um minuto de duração de algumas de suas maiores músicas, mas isso nem sempre acontecia, como bem podemos notar nessa versão aqui presente. Elvis a canta corretamente, ainda que em certos trechos tire uma onda, mas a banda apresenta um bom acompanhamento, respeitando o arranjo das primeiras versões ao vivo de 1969. Gravada em Saginaw no show do dia 25 de abril. If You Love Me entra em seguida e vem para demonstrar o material mais recente de sua carreira. Essa versão não é tão boa como a oficial que aparece no disco Moody Blue, mas é na média. De todas as faixas, essa talvez seja a mais prejudicada pelo desnível de equalização existente entre Elvis, a banda e os vocais femininos de apoio. Faltou maior rigor técnico por parte daqueles que estavam gravando a apresentação. Vale pela importância. O Sole Mio / It's Now or Never traz novamente todos os problemas técnicos da faixa anterior, pois ambas foram gravadas no mesmo dia 26 de abril em Kalamazoo. Apesar da boa vontade de Elvis em promover Sherril Nielsen, acho que a introdução poderia ter sido suprimida sem maiores traumas. A Hot Horns certamente também é outro problema nessa faixa, pois o arranjo é excessivo e abusa de efeitos sonoros para passar a imagem de grandiosidade. Tudo ficou altamente excessivo no final das contas.

Little Sister vem logo a seguir. Essa versão foi retirada do show em Ann Arbor no dia 24 de abril. Bem mais extensa que suas irmãs do mesmo período a canção se torna uma boa surpresa e quando mal nos recuperamos de seu final somos arremessados imediatamente para um delicioso medley com as imortais Teddy Bear / Don't Be Cruel, mesma fusão que Elvis vinha utilizando já há tempos, mas que nunca perdia o frescor e a beleza. São canções imortais certamente, daquelas que Elvis nunca iria se livrar mesmo. A parte final do Medley é muito legal, com Elvis animado e novamente se divertindo para valer! Enfim, uma versão sem novidades, mas muito boa. Do mesmo show ainda temos Help Me. Há versões melhores do que esta certamente. Aqui Elvis já aparece um pouco cansado, o que se nota nitidamente no último verso quando ele se segura e se preserva, provavelmente se poupando para o resto da apresentação (a compare com a versão de Memphis de 1974 para ter uma ideia do momento em que Elvis realmente pisa no freio). A versão de Blue Suede Shoes do show do dia 26 de março em Norman que vem a seguir é fantástica. Depois de a negligenciar durante muitos anos, Elvis acata a sugestão que lhe é passada no palco e apresenta uma versão energética e de um pique ímpar. Pena que ela dure muito pouco. Mas isso não é problema pois somos compensados logo após, pois antes que percebamos como ela foi fugaz, outra boa versão entra nas caixas: é mais uma dos 50's, light e mínima, mas outro de seus clássicos de rock, Hound Dog, versão que mal chega a pouco mais de um minuto, mas que diverte principalmente pela bateria e pelos demais efeitos percussivos.

Pensou que a volta aos anos 50 tinha acabado? Que nada! Logo após Jailhouse Rock nos chega numa outra versão que não foge à regra: pouca duração e apenas o básico, o feijão com arroz, porém com um diferencial interessante: a própria empolgação de Elvis. Com ela chega ao final a sucessão de seus sucessos roqueiros dos anos 50, pelo menos por enquanto. Polk Salad Annie dá seus primeiros sinais e logo nos primeiros momentos descobrimos que estamos na presença de uma versão especial. Muito mais movimentada e bem arranjada, a Polk Salad Annie de 1977 nada fica a dever a suas predecessoras do começo da década. Primeira constatação importante: Elvis está a mil! O grupo fecha com ele e capricha no apoio que não lhe falta em nenhum momento da execução de seu grande hit! Até mesmo o naipe de metais se mostra altamente feliz nessa noite. Aliás esse show de Milwaukee é muito interessante, muito recomendado para quem quiser ouvi-lo na íntegra. Infelizmente para esse CD só utilizaram essa versão, o que deixará todos com água na boca certamente. Elvis vai no comando da animação e segura muito bem a vibração ao lado de seus músicos, lá pelo meio ele desliza levemente e perde um pouco de fôlego, para logo se recuperar e encerrar a música com tudo! O final dessa versão é a melhor que já ouvi dessa música! Elvis e a TCB Band colocando pra quebrar mesmo e botando abaixo o ginásio. Apoteose pouca é bobagem! Nota 10!

Já a seguinte, Bridge Over Troubled Water, versão gravada em Duluth no dia 29 de abril de 1977, apresenta problemas. Parece que esqueceram de avisar ao pianista que está é uma canção suave e intimista. Mal começa a canção e ele dispara alucinadamente, fazendo com que Elvis literalmente corra atrás! A canção está totalmente fora de seu ritmo normal, parece que Elvis fica todo o tempo da música tentando se acertar com o resto da banda, tudo ficando muito confuso. A orquestra e a banda de Elvis também não conseguem chegar num denominador comum! Certamente canções ao vivo são mais rápidas que as de estúdio, isso é natural e todo músico sabe disso, mas essa versão de Bridge Over Trouble Water mais parece uma maratona, onde a pressa e o desentrosamento imperam! Em vista de tudo isso não se poderia de jeito nenhum alcançar um resultado satisfatório. Pior faixa do CD. Porém nem tudo está perdido, como bem demonstra uma grata surpresa gravada no mesmo show que vem logo a seguir, Big Boss Man, outra que Elvis não costumava muito apresentar ao vivo. Aqui Elvis e banda nos apresenta uma versão muito agradável, fluída, de fácil assimilação. Músicas como essa dão a nítida impressão que em determinados concertos Elvis poderia também trazer um sopro de renovação em seu muitas vezes cansado repertório. Big Boss Man está acima da média nessa apresentação, tanto em aspectos artísticos como em aspectos técnicos. Gravada no show do dia 29, é uma bela surpresa e uma doce exceção!

Fairytale, faixa do disco Elvis Today, traz um Elvis novamente com o freio de mão puxado. Única canção do show dele em Chicago presente no CD. Particularmente nunca gostei muito dessa apresentação e essa faixa é uma boa amostra do que rolou naquela noite na cidade dos ventos! Embora a cante corretamente, Elvis visivelmente se posiciona e se contém, com pequenas exceções no meio da faixa. No final Elvis não se arrisca e deixa o vocal de apoio assumir o controle. Melhor mesmo poupar a voz para outra ocasião! Mistery Train / Tiger Man gravada no show em Saginaw também demonstra um Elvis mais contido. A versão é muito boa também, mas lhe falta maior pique, aqui quem brilha certamente é o grupo de Elvis, James Burton na guitarra principalmente. Elvis apenas dá o tom para que seus músicos brilhem, tanto individualmente em belos solos (inclusive de bateria) como em conjunto. Última dos velhos tempos presente no CD. Unchained Melody é uma preciosidade absoluta! Aqui temos a versão que Elvis gravou no dia 24 em Ann Arbor. Não há maiores novidades e todos já a conhecem bem, inclusive de outros discos. Momento especial na carreira de Elvis.

Litlle Darlin vem apenas para cumprir tabela e preparar o desfecho final do disco. Essa é a versão do mesmo show da faixa anterior. Também sem maiores novidades. Finalmente de todo esse revival chegamos ao final com chave de ouro: My Way. Essa é a versão do show em Saginaw e está entre as melhores que Elvis gravou. Apesar da versão do Aloha From Hawaii ser considerada a melhor pelos especialistas, principalmente pela sua perfeição técnica, fico com essa! Nessa época Elvis vinha apresentando belas versões dessa canção, vide a do show em Rapid City, por exemplo. Mesmo todas sendo de alto nível, a versão de Saginaw tem um diferencial que a lhe coloca em posição de superioridade perante as demais: Elvis está muito mais envolvido nela, muito mais ligado emocionalmente! Apesar de sempre ter ouvido ela em outros bootlegs, essa é a melhor em termos de qualidade sonora que já ouvi. Com ela Elvis fecha o CD de forma magistral.

Resumo da ópera: o velho mito de que Elvis não conseguia mais comover ou emocionar, que estava tão gordo que mal se segurava em pé, que estava tão dopado que não conseguia mais levar uma apresentação até seu final, deve ser revisto. Tudo está aí, para quem quiser ouvir. O raciocínio é simples: o CD foi gravado em 1977, último ano de vida do cantor, e prova que se houve problemas em sua vida, certamente eles não conseguiram apagar o brilho de Elvis nos palcos da vida! Alguns dessas versões em nada ficam a dever ao material que ele gravou nos anos anteriores. Certamente ele passou por situações aflitivas, de saúde, emocionais, mas ainda era Elvis Presley quando adentrava em um palco, ainda era o Rei do Rock'n'Roll que todos conhecemos. Para constatar isso basta apenas ouvir atentamente! Fazendo isso você certamente vai entender porque uma canção vale mesmo mais do que mil palavras!

Pablo Aluísio.

Um comentário:

  1. Avaliação:
    Produção: ★★★
    Arranjos: ★★★
    Letras: ★★★
    Direção de Arte: ★★★
    Cotação Geral: ★★★
    Nota Geral: 7.8

    Cotações:
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