sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Cantores do Passado: Dean Martin

Muita gente só conhece Dean Martin de seus filmes ao lado do comediante Jerry Lewis. Certo, esse foi um dos aspectos mais populares da carreira de Dino mas é apenas parte de um todo bem mais especial. O fato é que Dean Martin foi um maravilhoso cantor que gravou canções eternas - que até hoje tocam e são reverenciadas. Martin fez parte de um seleto grupo de intérpretes que marcou época na música americana. Se apresentando ao lado de Frank Sinatra e do Rat Pack (formado ainda por Sammy Davis Jr) o cantor ator fez muito sucesso em Las Vegas sempre se apresentando em temporadas de enorme sucesso. Ele tinha um timbre vocal poderoso mas agradável (algo que sempre me lembrou de Elvis Presley). Ambos eram barítonos talentosos e se destacaram não apenas por suas gravações mas também pela persona que desfilavam fora dos estúdios.

Dean Martin é o que se chamava de um bon vivant nos anos 50 e 60. Amigo do barman nunca largava seu copo de whisky e tinha uma postura relaxada e descontraída que lhe valeu inclusive o carinhoso título de "Mr Cool". Era aquele tipo de pessoa que parecia conquistar seus objetivos sem maior esforço pessoal, tudo na base do "ok, isso pode ser interessante, vamos ver se dá certo". Teve uma carreira vitoriosa não apenas no mundo do disco mas no cinema também. Mesmo após romper sua parceria com Jerry Lewis seguiu em frente estrelando boas produções, seja ao lado do Rat Pack, seja em carreira solo (onde fez ótimos westerns). Musicalmente conseguiu grandes feitos mesmo depois que seu estilo musical ficou rotulado de "careta" pela geração da contra cultura dos anos 60. Um exemplo de sua força foi o maior hit de sua carreira: Em pleno auge da Beatlemania ele conseguiu um feito e tanto tirando os Beatles do primeiro lugar das paradas para ocupar a mesma posição com sua imortal "Everybody Loves Somebody". E depois ainda tirou onda enviando um telegrama para Elvis perguntando ao Rei do Rock: "Viu como se faz?"

Dean Martin sempre foi citado como um amigo de todos do show business. Também era extremamente solidário aos amigos mais próximos. Quando John Kennedy venceu as eleições presidenciais (inclusive com sua ajuda, cantando de graça no palanque de JFK) ele se decepcionou com a atitude de recém eleito presidente que não convidou seu amigo negro, Sammy Davis Jr, para a posse. (Davis era casado com uma branca e por isso Kennedy temia a reação dos sulistas racistas na festa). Em solidariedade ao amigo barrado resolveu também não ir, em protesto. Atitudes como essa demonstravam bem seu caráter pessoal. Seguiu em frente, inclusive com um programa de tv próprio onde quase nunca aparecia para ensaiar (que ele obviamente achava uma perda de tempo!), o que é fácil de entender pois afinal ele era a própria personificação do jeito cool de ser.

Mas como a vida nem sempre é uma festa eterna os anos finais de Mr Cool foram difíceis. Seu adorado filho, que venerava, morreu em um trágico acidente. A tragédia atingiu em cheio o artista que entrou em um processo irreversível de depressão e angústia. Em seus anos finais foi ficando cada vez mais isolado e distante dos amigos. O casamento também acabou depois de longos anos. Martin abandonou a carreira musical e de ator e preferiu uma vida longe dos holofotes. Em seus últimos momentos se limitava a ir em sua cantina preferida comer o mesmo jantar noite após noite. Também não abriu mão do fumo e da bebida que acabaram o levando à morte em 1995. Não importa, o mais precioso em Dean Martin foi preservado: sua ótima voz interpretando lindos standarts da música norte-americana. Isso bastou para o Mr Cool entrar na história.

 
Discografia Comentada:

Dean Martin - Dream with Dean: The Intimate Dean Martin
Dean Martin tinha uma voz maravilhosa. Aqui o cantor resolveu apostar em algo bem intimista. Ele gravou o álbum com apenas quatro  músicos ao seu lado, Ken Lane ao piano, Irv Cottler na bateria, Red Mitchell no baixo e Barney Kessel na guitarra (Kessel chegou a trabalhar com outros grandes nomes como Elvis Presley na década de 1960). Nada de orquestras e nada de arranjos mais sofisticados como era praxe em seus discos anteriores, já que Martin sempre seguiu os passos de Sinatra nesse aspecto. A ideia era mesmo mudar um pouco, produzindo algo bem intimista (o que fica bem claro na própria capa do álbum, com Martin ao lado da lareira com um cigarro em mãos, fazendo todo o charme possível, bem de acordo com sua imagem de Mr. Cool). Para produzir o disco na Capitol, Martin trouxe o produtor Jimmy Bowen, praticamente uma lenda do meio musical americano, tendo trabalhado com dezenas de cantores ao longo da carreira, entre eles o próprio Frank Sinatra, além de produzir grandes sucessos para Sammy Davis, Jr., Kenny Rogers, Hank Williams, Jr., The Oak Ridge Boys, Reba McEntire e George Strait. Era tão competente que Frank Sinatra o escalou para produzir os primeiros discos de sua filha, Nancy.

Esse álbum traz aquele que talvez seja o maior sucesso de toda a carreira de Dean Martin, a faixa "Everybody Loves Somebody". A história dessa canção é bem interessante pois quebrou a supremacia que os Beatles tinham nas paradas de sucesso da época. Foi uma das poucas canções americanas a tirarem do número 1 da Billboard gravações do grupo inglês que naquela época vivia a febre da Beatlemania. Reza a lenda que o próprio Dean Martin teria ligado para Elvis e dito em tom de piada que aquele era o jeito certo de enfrentar a invasão britânica nas rádios e paradas de sucesso. Tirando esses aspectos comerciais de lado, o que podemos dizer é que esse é certamente um disco maravilhoso, sob qualquer ângulo que se analise. A sonoridade em geral é de uma beleza ímpar, muito suave e delicada. O que sempre se sobressai é a excelente vocalização de Martin, com intervenções sutis da guitarra de Kessel, acompanhada da melodia do piano de Ken Lane, tudo intercalado por um baixo quase inaudível do talentoso Mitchell (que vinha do jazz). Nos Estados Unidos o álbum ganhou uma recente edição de luxo, simplesmente excepcional.

Dean Martin - Dream with Dean: The Intimate Dean Martin
1. I'm Confessin' (That I Love You) 2. Fools Rush In 3. I'll Buy That Dream 4. If You Were The Only Girl 5. Blue Moon 6. Everybody Love Somebody 7. I Don't Know Why (I Just Do) 8. "Gimmie" A Little Kiss 9. Hands Across The Table 10. Smile 11. My Melancholy Baby 12. Baby Won't You Please Come Home.

Dean Martin - Memories Are Made Of This
Em plena explosão do rock americano em meados dos anos 50, eis que surge nas paradas um grande sucesso romântico cantado por Dean Martin. A bonita e singela "Memories Are Made Of This" acabou derrubando vários roqueiros das primeiras posições, chegando ao número 1, ficando por lá por cinco semanas! Um feito e tanto! Dean Martin conseguiu inúmeras vezes essa proeza. É bem lembrado que foi ele também quem derrubou os Beatles do Top 1 em 1964 com sua "Everybody Loves Somebody", o que fez com que tirasse uma enorme onda com esse feito! Em pleno auge da Beatlemania lá estava o velho e bom Dean Martin ocupando seu espaço. Pois é, Dean Martin era realmente bom de vendas no mercado de singles.

Essa canção tem um swing bem peculiar, poderia inclusive ter feito parte de qualquer disco de Frank Sinatra. Aliás falando em comparações é interessante dizer que Martin não tinha uma voz mais bonita do que a de Sinatra, porém era bem mais forte e impressionante. Frank Sinatra em termos de voz ganhava em beleza, ao que Dean Martin o superava em potência e poderio vocal. Um detalhe sobre essa canção que poucos sabem é que a primeira versão a sair em disco nos Estados Unidos foi gravada pela orquestra de Ray Conniff. Essa primeira gravação tem uma suntuosidade que Martin dispensou em sua versão, já que ele procurava criar um clima de intimidade, romantismo. Já o maestro Ray procurava pela explosão sonora. Outro fato interessante para os fãs do cantor: com o sucesso do single a gravadora Capitol lançou um EP com mais duas faixas, que também venderam muito bem. Então é isso. Entre os grandes sucessos musicais da parada da Billboard de 1956 lá estava o romântico Dean Martin se sobressaindo entre um oceano de roqueiros rebeldes. O romantismo sempre se faz presente, não importando o momento.

Dean Martin - Memories Are Made Of This (1956)
Memories Are Made Of This / Change of Heart / I Like Them All (EP) / Ridin Into Love (EP).

Dean Martin - Collected Cool
Está sendo lançado nos EUA e Europa um box maravilhoso com 3 CDs e 1 DVD enfocando os melhores anos da carreira de Dean Martin. Uma verdadeira preciosidade. Tudo de extremo bom gosto acompanhado de um maravilhoso livreto informativo com muitas fotos fantásticas e informações preciosas. Para quem é fã do Dino é realmente um dos melhores lançamentos atuais sobre o artista. Quem acompanha meus textos sabe que eu sempre prezo pela discografia oficial lançada ainda quando o cantor estava vivo. Nesse aspecto tudo me atrai, o vinil original, as capas com direções de arte que refletem as tendências artísticas que estavam na moda no ano em que o disco foi lançado e todo aquele sabor nostálgico que geralmente acompanha esse tipo de material. Infelizmente nem todos os grandes cantores do passado tem sua discografia original relançada em novos formatos, o que dificulta muito chegar nos produtos originais. É o caso de Dean Martin cujo legado ficou esquecido durante muito tempo.

Por isso vou aqui elogiar esse box. É obviamente uma coletânea de seus maiores sucessos mas também traz material inédito, o que por si só já é motivo para comemorar. Praticamente todas as faixas foram remasterizadas digitalmente, procurando trazer as gravações para um padrão de qualidade aceitável na atualidade. O trabalho ficou magnífico – basta comparar até mesmo com os últimos CDs lançados de Martin no mercado há cinco ou dois anos. A diferença é realmente marcante. A lamentar apenas a exclusão de muitas gravações excelentes de Martin na fase em que trabalhou na gravadora de seu amigo Frank Sinatra, a Reprise Records. Ao que parece (nada é confirmado oficialmente) há uma disputa judicial sobre os direitos dessas músicas. De qualquer maneira momentos como “Everybody Loves Somebody” acompanhada de um lindo arranjo de quarteto de cordas faz tudo valer a pena. A gravação é deslumbrante! O terceiro CD traz várias gravações ao vivo de Dean Martin em Lake Tahoe e o DVD traz a histórica apresentação de Dean Martin em Londres no mitológico The Apollo Victoria Theatre. Em suma, um trabalho de resgate com muito bom gosto e elegância. Coisa fina.

Dean Martin Collected Cool (2013)
CD 1 - Dean's Spoken Word Introductions / My Own, My Only, My All / Powder Your / Face With Sunshine (Smile! Smile! Smile!) / I Don't Care If The Sun Don't Shine / That's Amore / If I Could Sing Like Bing / Sway / Long, Long Ago / Memories Are Made Of This / Pardners / Volare / Rio Bravo / On An Evening In Roma / Sleep Warm / Ain't That A Kick In The Head / Just In Time / Arrivederci Roma / Return To Me / A Hundred Years From Today / CD 2 - Tik-A-Tee, Tik-A-Tay / Senza Fine / Who's Got The Action? / Guys And Dolls / Marina / Everybody Loves Somebody / The Door Is Still Open (To My Heart) / You're Nobody 'Til Somebody Loves You / In The Misty Moonlight / Sophia /  Send Me The Pillow You Dream On / In The Chapel In The Moonlight / Welcome To My World / Houston / I Will / Somewhere There's A Someone / My First Country Song / LA Is My Home / CD 3 - Drink To Me Only With Thine Eyes / Almost Like Being In Love / I Love Tahoe (Paris) / My Kind Of Girl / Break It To Me Gently / Rock-A-Bye Your Baby With A Dixie Melody / Primrose Lane / You Are Too Beautiful / Carolina In The Morning / Love Walked In/ I Love Being A Girl / Beautiful Dreamer / You Made Me Love You / It Had To Be You / Nevertheless / I'm Gonna Sit Right Down And Write Myself A Letter / Volare / On An Evening In Roma / I Love Paris.

Dean Martin Sings Songs from "The Silencers"
Trilha sonora do filme "O Agente Secreto Matt Helm". Pois é, assim como Elvis Presley, o Dean Martin achou por bem encher alguns de seus filmes com um vasto repertório, para depois lançar como LP (o velho álbum de vinil) no mercado. O resultado? Uma porção de músicas bem fracas no meu ponto de vista. Veja, esse é um caso clássico de grande cantor em material de segunda linha. Nenhuma das músicas do filme (pessimamente apresentadas entre as cenas) soa marcante ou memorável.

Algumas são meros trechos engraçadinhos como "Empty Saddles in the Old Corral" em que Dean Martin aproveitava para dar uns amassos numa garota vestida de cowgirl no filme. Ok, sua maravilhosa voz estava lá, só que faltava letra nas músicas, além de serem completamente descartáveis. Grande parte desse repertório fraco foi composto por Billy Hill que recebia do estúdio de cinema a cena que deveria ser musicada. Assim ele ia fazendo as músicas, sem muito capricho. Apenas a música tema, "The Silencers" (composta pelo maestro Elmer Bernstein), merece maior atenção. Mesmo assim ele quase não escapa do resultado bem medíocre do resto do disco. É meio decepcionante bem no meio de uma até boa canção você ouvir o Dean Martin cantando sobre o "Big O", o vilão caricato do filme. Quando isso acontece vem aquela sensação de tempo perdido que destrói qualquer disco que você comprou. Enfim, esse disco foi mesmo uma "bola fora" do grande Dean Martin em sua rica discografia.

Dean Martin Sings Songs from "The Silencers" (1966)
The Glory of Love / Empty Saddles in the Old Corral / Lovey Kravezit / The Last Round-Up / Anniversary Song / Side by Side / South of the Border / Red Sails in the Sunset / Lord, You Made the Night Too Long / If You Knew Susie (Like I Know Susie) / On the Sunny Side of the Street / The Silencers,

Pablo Aluísio.

5 comentários:

  1. Pablo:

    Eu já li em várias reportagens que, a despeito da sua grande originalidade, o Elvis imitava o Dean Martin quando gravou as primeiras baladas. Você já ouviu falar disso?

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  2. Elvis gostava bastante de Dean Martin. Obviamente por admirar o cantor ele acabou trazendo algo dele para seus discos também, fato que perdurou durante toda sua carreira e não apenas em suas primeiras baladas. Dean Martin foi uma influência no estilo de Elvis Presley, sem dúvida.

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  3. Pablo:

    Eu li a biografia não autorizada do Frank Sinatra e numa parte é muito destacado o fato que o Dean Martin era o único dos convivas próximos que não tinha medo físico do Sinatra, já que esse era amigo da máfia e fazia questão de aterrorizar a todos, mas o Dino não estava nem aí.

    Dizem que se o Sinatra chamasse todos tinham que vir abanando o rabo, principalmente os componentes do Rat Pack, mas o Dean Martin, quando não queria, não ia e se o Sinatra ligava para obrigá-lo ele não obedecia e mandava o Sinatra pastar. O Sinatra certa vez chegou a implorar, mas não teve jeito.

    O cara era o cara!

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  4. De fato, Dean Martin sempre manteve uma postura independente, mesmo em relação ao Sinatra.

    Frank gostava de dar festas de arromba em Las Vegas e com o passar dos anos Dean Martin começou a achar esses eventos muito chatos e maçantes, por isso simplesmente deixou de ir, para desgosto do Blue Eyes.

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  5. Cantores do Passado: Dean Martin
    Pablo Aluísio
    Todos os direitos reservados.

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