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segunda-feira, 14 de março de 2022

Crônicas de Marlon Brando - Parte 21

Esse foi o personagem que mudou a vida e a carreira de Marlon Brando. O ator sabia que ganhar um papel numa peça chamada "Um Bonde Chamado Desejo" de Tennessee Williams em Nova Iorque seria a sorte grande em sua vida profissional. Assim Brando foi uma das centenas de atores que se inscreveram para fazer o teste para o papel. Stanley Kowalski era retratado na peça teatral como uma força da natureza, um bruto, sem sentimentos e com muitos músculos. Tennessee Williams sabia que precisava encontrar o ator certo, caso contrário grande parte do apelo dramático de seu texto se perderia. A escolha de Brando para viver esse homem das cavernas moderno teve um fator de pura sorte, por mais incrível que isso possa parecer.

Tennessee Williams já estava perdendo a paciência quando Brando subiu ao palco. A maioria dos que fizeram teste antes dele acabou não agradando ao escritor. Brando parecia ser mais promissor. Era um jovem musculoso, com jeito de interiorano e sem muita educação. Esses eram os pontos que o autor estava buscando. Marlon fez uma boa audição de sua cena mas não foi isso que o levou a ganhar o papel. Casualmente Williams comentou com seu assistente que estava com um horrível vazamento de água em sua casa. Ele morava com a mãe e estava preocupado pois não conseguia encontrar um bom encanador. Ora, Brando desde que saíra da escola militar passou a exercer vários empregos braçais, onde a técnica de se lidar com canos e entupimentos era uma função e um requisito obrigatório.

Assim Brando se ofereceu para ir na casa de Williams para consertar o vazamento. Tennessee Williams confessaria anos depois que quando viu Brando todo suado e sujo, consertando seus canos quebrados, teve a certeza de ter encontrado o ator ideal para dar vida a Stanley Kowalski. Brando estava em ótima forma física e o autor, que era gay, ficou imediatamente atraído por aquela visão, mas procurou se manter à distância, afinal se envolver com os atores de suas próprias peças teatrais não parecia ser uma boa ideia. Brando também não parecia ser gay e isso era algo que foi essencial em sua escolha, afinal de contas tantos atores afeminados tinham feito o teste que Williams dava graças por encontrar um hétero de verdade no meio daquele monte de atores nova-iorquinos homossexuais.

Brando ganhou não apenas o papel mas também a aclamação da crítica. Ele era de fato um sujeito amoral, brutal e rude em cena, tal como seu personagem exigia. Uma das coisas que Brando aprendeu atuando em uma peça de sucesso em Nova Iorque era que não havia moleza sobre isso, pelo contrário, era um trabalho puxado, que exigia muito de um ator. Nos fins de semana havia matinês e assim Brando tinha que se apresentar por duas vezes no mesmo dia. Não era fácil. Ele que sempre fora um indisciplinado viu que as coisas não seriam tão maravilhosas como pensava. Essa aliás foi uma das razões porque Brando escolheu o cinema ao invés de se consagrar definitivamente nos palcos da Broadway. Um filme não exigia tanto esforço e trabalho. Por essa época ele deu mais uma de suas declarações polêmicas a um jornal especializado no mundo do teatro em Nova Iorque. Sorrindo, ele resumiu a situação: "Apenas atores que se assemelham a prostitutas vão para Hollywood fazer filmes. Os grandes atores, os mestres da arte de representar, ficam em Nova Iorque fazendo peças. Bem, o que posso dizer? Eu sou uma prostituta!"

Pablo Aluísio.

terça-feira, 18 de janeiro de 2022

O Pecado de Todos Nós

"O Pecado de Todos Nós" definitivamente não é uma obra para todos os públicos, um filme que vá agradar a todos os setores, muito pelo contrário. O diretor John Huston não fez nenhuma concessão e entregou uma obra crua, visceral, sem nenhum tipo de amenização. Marlon Brando, como sempre, se destaca. Acho esse um de seus personagens mais corajosos. O ator joga a imagem de galã fora e encara um papel extremamente complexo e polêmico. Aqui ele interpreta um Major do exército americano com o casamento em crise, em frangalhos. Sua esposa, interpretada por Elizabeth Taylor, em mais uma de seus excelentes caracterizações, é uma fútil dona de casa que passa os dias em longas cavalgadas ao lado de seu amante, um oficial que mora vizinho ao casal na vila militar onde residem. Isso já bastaria para caracterizar esse casamento como disfuncional mas isso não é tudo.

O problema básico do Major Weldon Penderton (Marlon Brando) é que ele não tem mais nenhum desejo sexual pela esposa, pois na realidade é um homossexual enrustido que não consegue exteriorizar e vivenciar sua verdadeira orientação sexual. Após ver um soldado cavalgando nu pelo bosque, o Major acaba ficando obcecado por ele. Tudo caminha então para um clímax ao melhor estilo do diretor Huston, com muitas nuances psicológicas e tensão entre os principais personagens. A hipocrisia do núcleo familiar considerado ideal pela moralista sociedade norte-americana também é exposta sem receios. O grande número de homossexuais escondidos no armário dentro da vida militar também é explorada. O roteiro do filme acerta em cheio na hipocrisia reinante nesse meio.

O argumento soa na realidade como uma provocação por parte de John Huston para com toda a sociedade norte-americana. A família tradicional e o sistema militar são obviamente seus principais alvos. Na porta de entrada dos Estados Unidos na guerra do Vietnã, ele ousou colocar um tema tabu em cena: o homossexualismo dentro das casernas militares. Mais explosivo do que isso impossível. Além disso expõe os problemas que existiam por baixo da imagem impecável das famílias conservadoras daquele país. O marido que posa de cidadão exemplar na verdade despreza sua esposa e esconde seus desejos sexuais mais inconfessáveis. A esposa é infiel, sem conteúdo, rasa, vazia, materialista e tola. Um retrato demolidor de um modelo que nos anos 1960 vinha abaixo.

"Reflections in a Golden Eye" foi baseado na obra da escritora Carson McCullers, uma autora que não tinha receio de tocar nas feridas mais profundas da América. Aqui ao lado de Huston, Liz Taylor e Marlon Brando, ela finalmente encontrou a transposição perfeita de sua obra para as telas de cinema. Em conclusão, "O Pecado de Todos Nós" é uma produção nada confortável e nem amenizadora. No fundo é um retrato controvertido que coloca na berlinda alguns dos pilares mais prezados pelos conservadores americanos. Não deixe de assistir.

O Pecado de Todos Nós (Reflections in a Golden Eye, Estados Unidos, 1967) Direção: John Huston / Roteiro: Chapman Mortimer, Gladys Hill baseados na obra "Reflections in a Golden Eye" de Carson McCullers / Elenco: Elizabeth Taylor, Marlon Brando, Brian Keith, Julie Harris / Sinopse: O Major do exército americano Weldon Penderton (Marlon Brando) se torna obcecado por um jovem soldado da tropa que ele vê nu, cavalgando no bosque. Com fortes inclinações homossexuais, ele não consegue mais conter seus desejos ao mesmo tempo em que negligencia sua esposa Leonora (Elizabeth Taylor), uma dona de casa vazia e fútil, em um casamento de aparências, de fachada.

Pablo Aluísio.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

Marlon Brando - Sayonara

O filme "Sayonara" de 1957 foi um daqueles momentos diferenciados na filmografia de Marlon Brando. Ele interpretava um militar americano que era enviado até o Japão e se apaixonava por uma garota japonesa. O cenário era o pós Segunda Guerra Mundial quando o Japão tentava se reconstruir de um conflito devastador. Os americanos, inimigos até pouco tempo atrás, estavam ali para ajudar nessa reconstrução. Havia um código de ética rígido entre os militares, trazendo entre outras regras, a proibição de envolvimento amoroso entre os americanos e os nativos da ilha. Claro que algo assim iria trazer alguns problemas.

Em uma trama essencialmente romântica, sem a presença de grandes cenas dramáticas, Brando apenas passeou pelo filme. Aliás o termo "passeio" é bem conveniente, afinal o ator aceitou participar do filme justamente pelo fato de poder conhecer o Japão, lugar que lhe atraía, principalmente pelo fator cultural. Brando tinha verdadeira paixão pelo modo de vida e a cultura dos povos orientais.

Assim essa oportunidade de viajar de graça (recebendo um belo cachê, aliás) para ir ao Japão o atraiu imediatamente. Ele definitivamente não iria deixar algo assim passar em branco. O filme em si acabou sendo apenas uma desculpa para viajar até lá, no distante pais do sol nascente. O ator também percebeu que o diretor Joshua Logan passava por uma depressão, o que de certa forma o fez dirigir suas próprias cenas. Brando criou uma certa compaixão pelo que o cineasta vinha passando e decidiu que não iria incomodá-lo com pequenas coisas.

Embora seja um bom filme, "Sayonara" passa bem longe de seus melhores momentos no cinema. Brando estava jovial, com ótima aparência física, mas não parecia muito interessado em atuar bem. Além disso o roteiro não lhe exigia muita coisa. Unindo o útil ao agradável, Brando gastou seu tempo nas ilhas japonesas fazendo basicamente turismo, visitando diversas cidades. Além disso acabou tendo inúmeros namoricos com as belas japonesas que participaram do filme. Também acabou dando algumas entrevistas, fazendo contato com a cultura nipônica que ele tanto admirava. Anos depois diria que havia se tornado ator pelos ótimos salários e pelas oportunidades de conhecer o mundo. Não deixava de ter razão.

Pablo Aluísio.

sexta-feira, 26 de novembro de 2021

Marlon Brando e Elia Kazan

Em sua autobiografia o ator Marlon Brando foi enfático ao dizer que de todos os diretores com quem trabalhou Elia Kazan foi o melhor. Para Brando, Kazan tinha uma qualidade única ao dirigir atores pois ele próprio havia sido ator nos anos 30. Assim tinha plena confiança em seus intérpretes e fazia de tudo para que eles também fizessem parte do processo criativo de um filme. Por isso Kazan dava total liberdade ao seu elenco, algo que Brando admirava muito. Todos os detalhes de uma cena eram debatidos por Kazan e seus atores e juntos procuravam o melhor caminho para fazer o mais adequado para o filme. Essa forma de trabalhar deixava Brando completamente à vontade, muito concentrado em suas cenas, dando o melhor de si. O interessante é que Kazan ficava atrás das câmeras, recitando as falas, atuando como se estivesse em cena. Fazia gestos, poses e os atores se sentiam bastante desafiados a atuar da melhor forma possível para esse tipo de diretor tão engajado e emocionalmente comprometido com sua obra.

Apesar de profissionalmente se darem muito bem, na vida pessoal Marlon Brando acabou criando sérias divergências com Elia Kazan. Acontece que o diretor foi membro do Partido Comunista durante os anos 30 e anos depois caiu na malha fina do Macartismo, que naquela altura estava em uma verdadeira caça às bruxas contra comunistas dentro do cinema americano e do mundo das artes em geral. Convocado para depor Elia Kazan não pensou duas vezes e entregou todos os seus antigos companheiros de partido. Isso obviamente arruinou a vida desses profissionais que ficaram sem ter onde trabalhar ou arranjar emprego pois nenhum estúdio de Hollywood os contrataria após seus nomes estarem na lista negra. Alguns inclusive não aguentaram a pressão e se mataram. Foi uma atitude feia, vergonhosa e lamentável por parte de Kazan. O ato de ser um dedo duro covarde acompanharia e mancharia a biografia de Elia Kazan até o fim de sua vida.

Para completa surpresa de Marlon Brando ele também entrou na lista negra, só que por um ato menor, que no final das contas não o prejudicou em sua carreira. Anos antes Brando havia assinado um abaixo-assinado contra o enforcamento de um negro numa prisão do sul. Isso bastou para colocar seu nome entre os possíveis "vermelhos" de Hollywood! Pior aconteceu com sua irmã, Jocelyn Brando, que também foi incluída a lista negra por um erro absurdo: ela tinha o mesmo sobrenome de um infame roteirista comunista, só que na verdade ela nem conhecia o sujeito! Isso a prejudicou e ela ficou um tempo sem conseguir arranjar emprego em Hollywood e teve que ir para Nova Iorque para trabalhar em peças de teatro na cidade. Brando ficou indignado com as acusações. Ele nunca havia sido comunista e se tivesse sido teria assumido tudo de peito aberto. Era uma mentira e uma calúnia contra ele e sua irmã.

Esses fatos por si só já tinham convencido Brando de que nunca mais trabalharia ao lado de Elia Kazan. Assim foi com muita resistência que aceitou fazer um último filme ao lado do diretor, "Viva Zapata!", uma cinebiografia do famoso revolucionário mexicano Emiliano Zapata. O roteiro lhe interessava particularmente e o fato de Kazan filmar algo com aquela proposta lhe soava como uma doce ironia do destino. O presidente da Fox achava que o projeto tinha poucas possibilidades de ser bem sucedido comercialmente e por isso disponibilizou um orçamento bem limitado. A fotografia também seria em preto e branco para economizar custos. Obviamente o filme hoje é considerado um clássico absoluto, para surpresa de muitos da época que diziam que seria uma bomba nas carreiras de Brando e Kazan. Sua qualidade cinematográfica porém acabou provando que se em sua vida pessoal e política Elia Kazan tinha do que se envergonhar, como cineasta ele continuava tão brilhante como antes.

Pablo Aluísio.

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

James Dean - Hollywood Boulevard - Parte 16

Na foto dois ícones do cinema dos anos 50 se encontram casualmente: James Dean e Marlon Brando. Em seu livro de memórias Brando resolveu dedicar algumas palavras ao ator. Para Brando, Dean não lhe causava grande impressão. Ele já tinha ouvida falar em Dean, mas não procurou conhecer pessoalmente o famoso rebelde das telas. Já James Dean procurava se encontrar com Brando há tempos pois o tinha como ídolo. Ele enviou alguns convites por amigos mútuos, mas Brando não demonstrou maior interesse em lhe conhecer. Tudo parecia na mesma até que por mero acaso Brando e Dean se viram face a face numa festa nas colinas de Hollywood. Dean estava visivelmente emocionado em encontrar aquele que considerava o melhor ator do cinema americano.

Já Brando percebeu algumas coisas em Dean desde a primeira vez que o viu. Achou que Dean ainda mantinha a velha forma de agir dos americanos do meio oeste, um misto de medo e encantamento com a cidade grande. Como Brando também vinha de um estado rural do meio oeste, entendeu que isso gerou uma familiaridade até nostálgica entre ambos. Simpático em um primeiro momento com Dean, abriu uma conversa amigável com o colega de profissão. James Dean não deixou passar em branco e disse a Brando que o admirava muito e que em sua vida pessoal procurava seguir os passos do grande ator.

Brando por outro lado resolveu lhe dar alguns conselhos. Disse a Dean que ele não deveria seguir por esse caminho, procurando ser igual ao seu ídolo, pois todos deviam trilhar sua própria carreira e trazer aspectos de suas personalidades para obter êxito em Hollywood. Em palavras educadas Marlon Brando estava aconselhando James Dean a não ser uma mera imitação dele mesmo. Dean havia dito que admirava Brando por ele ser um tipo fora dos padrões, rebelde, que saia de moto pelas madrugadas. Aquilo deixou Brando surpreso. Em sua opinião Dean procurava por um tipo de aprovação - como se estivesse pedindo sua bênção por seu comportamento.

Depois desse encontro e dessa conversa mais do que interessante eles poucos se encontraram novamente. Para Brando foi uma gratificação saber que James Dean havia ouvido seus conselhos e os estava seguindo. Segundo Brando seu colega ainda não tinha personalidade própria até o advento do filme "Assim Caminha a Humanidade" quando, na visão de Brando, James Dean havia finalmente encontrado seu próprio caminho. Infelizmente assim que chegou em seu objetivo na profissão, Dean encontrou também a morte de forma prematura em um acidente de carro. Para Brando o jovem James Dean acabou sendo enterrado em seu próprio mito. Uma infelicidade trágica do destino.

Pablo Aluísio.

sábado, 6 de novembro de 2021

A Noite do Dia Seguinte

Um filme de Marlon Brando que não é tão conhecido. Na verdade foi produzido em um momento de baixa na sua carreira. Talvez por isso também seja tão modesto em suas pretensões artísticas. É um filme que se propõe a contar apenas uma boa história de crime. Nada mais. E olhando-se sob esse ponto de vista até que ele funciona muito bem. Então qual é a história que esse filme nos conta? Marlon Brando interpreta o membro de uma quadrilha de sequestradores americanos que resolve raptar a jovem filha de um banqueiro rico. Ela desce do avião em Paris e cai numa armadilha. O personagem de Brando, vestido como motorista, a engana. Ela então é levada para uma casa isolada, próximo à costa. Após ser presa em seu cativeiro começam as negociações.

O plano do sequestro é bem elaborado. O problema são os criminosos. Apenas o personagem de Brando parece ter a mente no lugar. Os demais são problemáticos. Rita Moreno interpreta uma aeromoça que trabalha com os criminosos. Ela tem participação importante no sequestro, mas viciada em drogas, está sempre em busca de cocaína. Assim ela coloca quase tudo a perder. A atriz ficou perdidamente apaixonada por Brando no filme e chegou até mesmo a tentar se matar! Pior de todos é o criminoso mais velho do grupo, um sujeito perverso, cruel, com ares de psicopatia. Enfim, temos aqui um bom filme, um thriller criminal onde nada parece caminhar para um final feliz - e realmente não vá esperando por isso. Brando tem uma atuação contida. Fisicamente ele está muito bem, magro, com cabelos loiros e com elegante figurino. Só não parece ter se esforçado muito em seu papel.

A Noite do Dia Seguinte (The Night of the Following Day, Estados Unidos, 1969) Direção: Hubert Cornfield / Roteiro:Hubert Cornfield, Robert Phippeny / Elenco: Marlon Brando, Richard Boone, Rita Moreno / Sinopse: A filha de um rico banqueiro norte-americano é sequestrada em Paris. Os criminosos planejam bem o crime, exigindo alguns milhões de dólares de resgate, mas algo acaba saindo completamente errado do que havia sido planejado.

Pablo Aluísio.

quarta-feira, 3 de novembro de 2021

A Verdade sobre Marlon Brando

Poderia ser mais um documentário banal sobre a vida do ator Marlon Brando, só que não se trata disso. O que importa nesse filme são as centenas de fitas que Brando deixou gravadas na fase final de sua vida. Nessas fitas, que ele usou quase como um sistema de auto análise psicológica, Brando abre o coração, falando sobre a carreira, os filmes que fez, seu relacionamento problemático com seus pais, com as mulheres, seu passado conturbado. Uma coisa que me deixou surpreso foi perceber como Brando ainda ranascia quando falava de sua formação de ator, quando teve como professora Stella Adler. Nesse ponto de suas declarações descobrimos bem como Brando fingia ao dizer que atuar era uma atividade secundária. Não, ele tinha mesmo paixão em atuar, não houve como esconder isso.

Como li sua autobiografia pude perceber também que parte desses tapes foram gravados para serem usados no livro. Alguns trechos, algumas frases, estão lá, sem tirar, nem colocar uma só vírgula. A novidade veio nas fitas em que ele fala dos filhos e das ex-esposas, algo que se recusou a fazer no livro. Como todos sabemos o ator enfrentou muitos problemas familiares, como ter um filho condenado por assassinato e uma filha que se matou com apenas 25 anos de idade. Uma sucessão de tragédias. E para dar mais vivacidade em alguns trechos surge um Brando virtual na tela, declamando seus últimos pensamentos. Algo meio fantasmagórico, mas que funcionou muito bem, para minha surpresa!

A Verdade sobre Marlon Brando (Listen to Me Marlon, Estados Unidos, 2015) Direção: Stevan Riley / Roteiro: Stevan Riley / Elenco: Marlon Brando, Stella Adler, Bernardo Bertolucci / Sinopse: Documentário realizado usando trechos de fitas gravadas por Marlon Brando onde ele fala sobre sua vida, seus filmes e seus problemas familiares.

Pablo Aluísio.

segunda-feira, 21 de junho de 2021

Espíritos Indômitos

Título no Brasil: Espíritos Indômitos
Título Original: The Men
Ano de Produção: 1950
País: Estados Unidos
Estúdio: United Artists
Direção: Fred Zinnemann
Roteiro: Carl Foreman
Elenco: Marlon Brando, Teresa Wright, Everett Sloane, Jack Webb, Richard Erdman, Arthur Jurado

Sinopse:
Ken Wilocek (Marlon Brando) é um jovem americano que se alista no exército dos Estados Unidos. Uma vez no front é seriamente ferido com um tiro. Quando é tratado descobre a terrível realidade, pois o tiro fez com que perdesse os movimentos de sua pernas. Nessa nova condição tenta recomeçar sua vida, apesar de todas as dificuldades físicas e psicológicas que precisará enfrentar. Filme indicado ao Oscar na categoria de melhor roteiro (Carl Foreman).

Comentários:
Esse foi o primeiro filme da carreira do ator Marlon Brando no cinema. E sua estreia se deu em grande estilo. Dirigido pelo ótimo cineasta Fred Zinnemann, o personagem de Brando dava voz a milhares de de veteranos que iam para a guerra e voltavam para sua pátria com problemas físicos graves. Alguns ficavam presos em cadeiras de rodas pelo resto de suas vidas. Era sem dúvida um tema muito humano, importante e relevante, em uma época em que Hollywood retratava os soldados apenas como heróis de guerra em filmes que muitas vezes fantasiava o que acontecia de verdade em um campo de batalha. E muitos desses homens que voltavam com sequelas eram abandonados pelo próprio governo e pelo exército. Brando, que sempre teve grande sensibilidade social, conviveu e contracenou com veteranos reais, que estavam vivendo em cadeiras de rodas. Uma experiência que o marcou por toda a vida. E o filme em si é considerado até hoje uma obra-prima da sétima arte. Um retrato visceral dos danos que uma guerra poderia causar em jovens com toda uma vida pela frente, agora limitados por ferimentos de combate.

Pablo Aluísio.

terça-feira, 4 de maio de 2021

A Fórmula

Título no Brasil: A Fórmula
Título Original: The Formula
Ano de Produção: 1980
País: Estados Unidos
Estúdio:  Metro-Goldwyn-Mayer (MGM)
Direção: John G. Avildsen
Roteiro: Steve Shagan
Elenco: George C. Scott, Marlon Brando, Marthe Keller, John Gielgud, Beatrice Straight, Richard Lynch

Sinopse:
A fórmula de produção de combustível sintético, inventada pelos nazistas no final da Segunda Guerra Mundial, é procurada por alguns homens de negócios que pretendem vendê-la e por outros que desejam destruí-la. Filme indicado ao Oscar na categoria de melhor direção de fotografia (James Crabe).

Comentários:
Em sua autobiografia o ator Marlon Brando explica que só decidiu fazer esse filme por causa do roteiro, que explorava essa questão corporativa do mundo sórdido dos negócios escusos. Ele queria explorar o mal que existia por trás de certas indústrias. E também deixa claro que não fez o filme por dinheiro, recebendo o cachê mínimo do sindicato de atores. Também contribuiu o fato do filme ter George C. Scott no elenco que era amigo pessoal de Brando, seu vizinho em um bairro de Los Angeles. E também um dos melhores atores de sua geração. E não havia apenas ele. Tinha também o shakesperiano John Gielgud, ou seja, três monstros vivos do mundo da arte dramática. Pena que esse foi um caso de filme menor para elenco grandioso. Inegavelmente "A Fórmula" é um filme que não está à altura desse elenco fenomenal e primoroso. A direção também soa um tanto preguiçosa, deixando o filme cair em um certo marasmo.

Pablo Aluísio.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Os Que Chegam Com a Noite

Durante sua longa carreira o ator Marlon Brando poucas vezes flertou com o gênero terror! Um profissional formado no Actors Studio, em Nova Iorque, ele certamente pensou que esse estilo de cinema jamais cruzaria seu caminho. Uma breve e rara exceção ocorreu com esse "Os Que Chegam Com a Noite". Não era essencialmente um filme tradicional no gênero, mas apostava em um enredo que seria uma espécie de prévia do que acontecia em um dos filmes de terror mais clássicos da história do cinema, "Os Inocentes" de 1961. Nesse primeiro filme Deborah Kerr teve uma de suas mais elogiadas atuações. Anos depois decidiu-se contar o que teria acontecido antes da trama de "Os Inocentes". O resultado foi esse hoje considerado cult "Os Que Chegam com a Noite". Aliás uma boa dobradinha para o cinéfilo seria assistir os dois filmes em sequência. Primeiro o de Deboarh Kerr, depois esse com Marlon Brando.

Esse foi o último filme que Marlon Brando fez antes de sua consagração em "O Poderoso Chefão". Ele foi filmado na Inglaterra, o que levou muitos jornalistas a decretarem o fim de sua carreira na época! Muitos diziam que nenhum estúdio de Hollywood bancaria mais filmes com o ator, não apenas por seu terrível temperamento nas filmagens, mas também porque Brando não significava mais retorno imediato nas bilheterias, uma vez que seus últimos lançamentos se tornaram fracassos comerciais. Processado por ex-mulheres, sendo perseguido pela imprensa por causa de sua disfuncional vida familiar, o ator não viu outra saída senão trocar de ares - o que fez muito bem. "Os Que Chegam Com a Noite" é um filme por demais interessante. Todo rodado na Inglaterra rural a produção também se apresenta como um prequel do famoso livro de Henry James, "Turn of the Screw" (no Brasil, "A Volta do Parafuso").

Certamente eu já tinha propensão a gostar desse estilo de filme por dois motivos: gosto de tramas passadas na Inglaterra rural (sou fã de cineastas como James Ivory) e tenho a tendência de sempre gostar das atuações de Marlon Brando, mesmo quando ele não está particularmente inspirado. Aqui o ator se apresenta de forma natural, sem exageros à la Actors Studio. O personagem simplista, um trabalhador comum chamado Peter Quint, caiu como uma luva para a personalidade do ator. Cabelos grisalhos, grandes e despenteados Brando dá um tom selvagem e indomado ao criado da bela mansão do filme e mais uma vez rouba as atenções para si. Também gostei do clima bucólico que reina em praticamente todo o filme. O que acaba enganando o espectador pois por baixo dessa normalidade se esconde uma situação terrível, o que desencadeará eventos macabros. É uma daquelas tramas que parecem caminhar para uma direção, mas que no final chegará em algo completamente diverso do que o espectador estava esperando. O terror é psicológico, sutil e no final se mostra bem impactante.

Os Que Chegam Com a Noite (The Nightcomers, Inglaterra, 1971) Direção: Michael Winner / Roteiro: Michael Hastings inspirado na obra de Henry James, "A Volta do Parafuso" / Elenco: Marlon Brando, Stephanie Beacham, Thora Hird / Sinopse: O filme mostra os acontecimentos que antecedem a trama do livro "A Volta do Parafuso" do consagrado escritor Henry James. Na história o trabalhador Peter Quint (Marlon Brando) acaba se aproximando de uma família rica, numa propriedade rural na Inglaterra. Isso dará origem a eventos trágicos e terríveis. Filme indicado ao BAFTA Awards na categoria de Melhor Ator (Marlon Brando).

Pablo Aluísio.

sexta-feira, 16 de outubro de 2020

A Face Oculta

Esse western foi o único filme dirigido por Marlon Brando. Foi um projeto complicado desde o começo. Inicialmente a Paramount escolheu o genial Stanley Kubrick para dirigir o filme, mas atritos com Brando fizeram com que o cineasta resolvesse abandonar a produção. Como Marlon Brando confiava na qualidade do material e parte do dinheiro do orçamento de produção vinha de sua própria produtora (a Pennebaker Productions) ele tomou uma decisão inédita em sua carreira. Ele decidiu que assumiria a direção do filme. Foi uma decisão precipitada e muito ousada pois Brando nunca havia dirigido nada em sua vida. Ele era um ótimo ator, mas nunca havia estudado uma linha para assumir a direção de um filme. Ele não tinha experiência e nem o conhecimento técnico para essa função. A direção de Marlon Brando transformou "A Face Oculta" em um verdadeiro elefante branco cinematográfico. Sem experiência nenhuma na arte de dirigir um filme, Brando começou a filmar a esmo, sem foco, sem rumo certo a tomar. 

Durante as filmagens ficou óbvio para todos que sua inexperiência iria tornar tudo mais caro, demorado e complicado. Ele não tinha a menor capacidade técnica para realizar o filme. Coisas óbvias como a escolha da lente da câmera ou das técnicas de se filmar em locações eram desconhecidas para o ator. Brando resolveu contratar o ator e amigo Karl Malden para o papel de xerife, uma escolha que a Paramount achava equivocada já que o personagem era bem mais velho do que ele. E assim os erros foram se acumulando cada vez mais. Outro problema foi o estouro rápido do orçamento. Marlon chegou a ficar um dia inteiro filmando ondas no mar em busca da "onda perfeita" para aparecer no filme. Seu primeiro rolo editado chegou nas mãos do estúdio com cinco horas de duração! Era uma metragem absurda, completamente fora dos padrões e nada comercial. A Paramount então resolveu assumir o controle da edição final do filme, tentando montar no meio de horas e horas de filmagens inúteis, um enredo que fizesse sentido para o público. Foi um trabalho imenso que levou meses para ficar pronto e mesmo assim tudo resultou em um filme muito longo... e muitas vezes muito chato! Pelo menos essa foi a opinião dominante entre os críticos na época de lançamento original do filme.

Marlon Brando, por sua vez, passou a falar mal do filme aos jornalistas que lhe perguntavam quando o filme iria ser lançado. Ele nem pensava duas vezes antes de dizer que esse faroeste era um desastre e que dirigir tinha sido uma das piores experiências de sua vida. O resultado que chegou até o público mostra bem os problemas da película. Mesmo completamente cortado e editado, o filme se mostrou muitas vezes longo e sem direção, caindo, em alguns momentos, no marasmo completo. A crítica em 1961 obviamente malhou impiedosamente o filme quando chegou aos cinemas, mas curiosamente o tempo parece ter feito bem ao western, uma vez que hoje em dia ele assumiu um status de cult movie que ninguém previra em sua chegada aos cinemas na década de 1960.

A Face Oculta (One-Eyed Jacks, Estados Unidos, 1961) Direção: Marlon Brando / Roteiro: Guy Trosper, Calder Willingham / Elenco: Marlon Brando, Karl Malden, Pina Pellicer, Katy Jurado, Ben Johnson / Sinopse: Traição e morte rondam os envolvidos em um roubo no México anos atrás. Único filme dirigido por Marlon Brando. Filme indicado ao Oscar na categoria de melhor direção de fotografia (Charles Lang).

Pablo Aluísio.


terça-feira, 23 de junho de 2020

Assassinato Sob Custódia

Título no Brasil: Assassinato Sob Custódia
Título Original: A Dry White Season
Ano de Produção: 1989
País: Estados Unidos
Estúdio: Davros Films, Star Partners
Direção: Euzhan Palcy
Roteiro: Colin Welland
Elenco: Donald Sutherland, Marlon Brando, Susan Sarandon, Janet Suzman, Gerard Thoolen, Susannah Harker

Sinopse:
Baseado no livro escrito por André P. Brink, o filme "Assassinato Sob Custódia" conta a história de um homem comum que decide ajudar seu ajudante negro a encontrar seu filho desaparecido. Isso serve para lhe mostrar os horrores do regime racista da África do Sul, seu sistema político e as atrocidades cometidas em nome de uma ideologia de segregação racial. Filme indicado ao Oscar e ao Globo de Ouro na categoria de melhor ator (Marlon Brando).

Comentários:
Em um momento que se fala tanto em racismo estrutural, um filme como esse, que retrata o racismo como política de Estado, é mais do que providencial. Esse foi um dos últimos filmes da carreira de Marlon Brando. Ele só aceitou o convite para participar do filme por causa de seu tema. Não é segredo para ninguém que Marlon Brando defendeu ao longo de toda a sua vida uma agenda progressista. O tema do racismo lhe era muito caro. Ele participou de inúmeros movimentos em favor dos direitos sociais dos negros americanos durante a década de 1960 e não ia deixar passar em brancas nuvens um roteiro como esse. Para Brando não havia nada de mais infame do que o regime do Apartheid na África do Sul, onde negros e brancos eram separados por leis do próprio Estado. Havia áreas nobres que eram exclusivas para brancos, as melhores terras, as melhores plantações. Nenhum negro africano poderia colocar os pés nessas regiões pois seriam mortos. Caso um nativo entrasse nessas fazendas sem autorização levaria um tiro sem piedade. E ninguém seria preso por isso. Era direito dos brancos matar negros que entrassem em sua propriedade sem aviso ou autorização. Para os negros sobravam as favelas, as regiões sem condições de habitação, sem saneamento básico, segurança, nada! Para o branco colonizador vindo da Europa havia o melhor do país. Para os negros nativos, apenas a escória. Então, mesmo que esse filme seja considerado não tão bom por muitos, sua mensagem já prova o valor de sua existência. Em tempos atuais, quando o racismo volta a ganhar força, não deixa de ser relevante rever uma produção como essa.

Pablo Aluísio.

sexta-feira, 12 de junho de 2020

Duelo de Gigantes

Título no Brasil: Duelo de Gigantes
Título Original: The Missouri Breaks
Ano de Produção: 1976
País: Estados Unidos
Estúdio: United Artists
Direção: Arthur Penn
Roteiro: Thomas McGuane
Elenco: Marlon Brando, Jack Nicholson, Randy Quaid, Harry Dean Stanton, Kathleen Lloyd, Frederic Forrest

Sinopse:
Um rancheiro decide contratar o pistoleiro Lee Clayton (Marlon Brando) para proteger sua família e sua propriedade. A região está sendo assolada por um bandoleiro e bandido conhecido como Tom Logan (Jack Nicholson), um renegado que agora vive de seus crimes violentos.

Comentários:
Esse western entraria para a história do cinema mesmo que tivesse um fraco roteiro e uma produção ruim (o que definitivamente não é o caso aqui). O fato é que o filme entrou mesmo na história da sétima arte porque reuniu pela primeira e única vez dois monstros da atuação, Marlon Brando e Jack Nicholson. Eram amigos na vida real, se admiravam e eram vizinhos em um bairro nobre de Hollywood. Porém nunca tiveram a oportunidade de atuar juntos antes. Por isso Marlon Brando nem pensou duas vezes antes de aceitar o convite de atuar nesse filme. Ele nem tinha mais pretensões de trabalhar em um faroeste, pois considerava que já havia feito muito pelo gênero cinematográfico, porém a chance de atuar com Jack Nicholson era irecusável. Curiosamente Brando muitas vezes ignorou o roteiro original, trazendo elementos novos para seu personagem. Ele transformou seu pistoleiro em um tipo exótico, dado a bizarrices, como se vestir de mulher. Nada disso estava no roteiro original. Já Jack Nicholson optou por ir em um caminho mais convencional. Seguiu à risca o que pedia o texto. No final de tudo esse "duelo" de grandes atores só teve um vencedor, o próprio espectador, que conseguiu ver dois ícones do cinema no mesmo filme. Realmente um encontro memorável.

Pablo Aluísio.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

Crônicas de Marlon Brando - Parte 20

O sucesso de "A Streetcar Named Desire" abriu as portas do cinema para Marlon Brando. O roteiro escrito em cima da peça de Tennessee Williams  foi um dos mais elogiados pela crítica na época. A produção recebeu uma enxurrada de indicações, principalmente no Oscar e no Globo de Ouro. Para o Oscar o filme foi nomeado aos prêmios de Melhor Filme, Ator (Brando), Direção, Roteiro, Fotografia, Figurino e Trilha Sonora, se saindo vencedor nas categorias de Melhor Atriz (Vivien Leigh), Ator Coadjuvante (Karl Malden), Atriz Codjuvante (Kim Hunter) e direção de arte.

No Globo de Ouro outra consagração com mais três importantes indicações. A fita também logo se tornou um grande sucesso de bilheteria. Algo grandioso estava surgindo na sétima arte mas Brando parecia não se importar, transparecendo um claro ar blasé sobre tudo o que estava acontecendo ao seu redor.

Embora tenha sido proibido de se manifestar publicamente o fato é que o ator estava furioso com os cortes que a Warner Bros havia feito para que a produção não fosse qualificada numa faixa etária mais elevada - o que no final das contas significaria perda considerável de receitas nas bilheterias. Ele só descobriu os cortes ao assistir o filme pela primeira vez no cinema. Sentiu falta de inúmeras cenas e ficou muito desapontado com isso. Na visão de Brando a simples questão comercial jamais poderia servir de desculpa para a mutilação de uma obra de arte. Pelo visto o idealismo de Brando ainda não havia sido colocado à prova pelas regras do jogo da indústria do cinema. Em Hollywood o lucro estava bem acima da arte.

Marlon Brando havia sido indicado ao Oscar de Melhor Ator e decidiu que se vencesse iria ler uma carta de desagravo pelos cortes que o filme havia sofrido. No final ele não venceu o prêmio o que foi um alívio para a Warner. Curiosamente a grande maioria das cenas cortadas do filme jamais apareceram. De fato o enredo original mostrava personagens bem mais doentios e neuróticos do que aquilo que se vê na versão oficial. Isso porém jamais tirou os méritos da produção que até hoje é considerada um dos grandes clássicos da história do cinema americano. No final das contas Brando só estava mesmo sendo Brando, um gênio da arte dramática que era muito complicado de se lidar nos bastidores.

Pablo Aluísio

domingo, 23 de fevereiro de 2020

Crônicas de Marlon Brando - Parte 19

Como já era previsto Marlon Brando venceu o Oscar de Melhor Ator por sua atuação em "O Poderoso Chefão". E também como alguns esperavam Brando resolveu recusar o prêmio. Ele enviou uma atriz vestida de nativa americana (em figurinos pouco convincentes) para realizar um discurso de protesto sobre a forma como o cinema americano tratava os índios nas telas. A coisa toda pegou muito mal. Vários diretores, produtores e atores acharam a encenação um grande desrespeito. John Wayne liderou os que consideraram aquilo uma hipocrisia sem tamanho por parte de Brando. O ator republicano e conservador disparou em uma entrevista: "Brando deveria ter vergonha! Ele deveria homenagear os soldados americanos que morreram na colonização do velho oeste, isso sim!".

Longe da polêmica Brando procurou por novos projetos. Ele não queria o Oscar e isso não tinha volta. O que ele queria agora ela realizar mais um bom filme para consolidar a retomada em sua carreira. Inicialmente Brando desejou se afastar de Hollywood. Ele ficara enojado pela reação de alguns membros da Academia por causa do Oscar rejeitado e resolveu que seu próximo filme seria realizado na Europa. "Hollywood me despreza e eu a desprezo. É um lugar cheio de cretinos, não quero me misturar com esse tipo de gente!" - afirmou a um jornal de Los Angeles. Foi justamente nesse momento de intenso tiroteio e troca de farpas entre Brando a indústria americana de cinema que surgiu em suas mãos o roteiro de um filme chamado "Ultimo tango a Paris".

O roteiro era de Bernardo Bertolucci, que também iria dirigir o filme. Brando gostou muito do fato de que aquele script era um roteiro em aberto, que iria ser basicamente desenvolvido durante as filmagens, contando com a colaboração do elenco em sua construção. Imediatamente Brando convidou o cineasta italiano para vir em sua casa, para um jantar onde poderiam discutir a participação do ator naquele projeto. Assim que Bertolucci chegou em sua casa, Brando expôs seu ponto de vista. "Estou cansado de trabalhar com diretores burros e tiranos! Eu quero fazer o seu filme, mas também quero liberdade total e completa! Eu quero atuar sem amarras, sem marcações, até mesmo sem diálogos previamente escritos. Eu quero criar um personagem que seja uma mistura, metade com minha alma, metade como mera ficção!".

Bertolucci achou maravilhosa a proposta. Era justamente o que ele procurava e não poderia haver ator mais indicado para o papel, já que Brando era considerado um gênio da atuação. O ator também sugeriu que o diretor ficasse longe de grandes estrelas para escolher a atriz que iria contracenar com ele. "São todas umas idiotas estúpidas!" - resumiu Brando. Seguindo os conselhos de Brando, o diretor acabou escolhendo a jovem e inexperiente Maria Schneider, escolha que agradou ao ator. Marlon havia dito a Bernardo Bertolucci: "Escolha a atriz mais inexperiente que encontrar nos testes, prefira uma quase amadora. Vai ajudar bastante no filme". Com tudo acertado Brando fez as malas e deixou a cidade em direção a Paris. Uma obra prima estava prestes a ser filmada.

Pablo Aluísio.

Crônicas de Marlon Brando - Parte 18

Depois da fortuna recebida pela filme "Superman", Marlon Brando pensou em se aposentar. Dizia ele que já havia feito tudo o que um ator poderia fazer em Hollywood. Já havia subido os degraus do sucesso de público e crítica, assim como caído nas fossas do fracasso comercial. Não havia mais nada na indústria cinematográfica americana que o convenceria a sair de seu retiro em sua querida ilha Tetiaroa, localizada na distante Polinésia Francesa. Brando dizia que assim que seu avião pousava em Los Angeles sua pressão aumentava imediatamente. Era um reflexo do stress e da tensão que vivia quando chegava nos Estados Unidos. Já na sua ilha particular ele conseguia relaxar e ser feliz.

Só que foi a própria ilha que o fez retornar ao cinema. Brando havia gasto muito dinheiro na construção de um hotel e um resort turístico. Assim que tudo estava terminado, um furacão passou e destruiu com tudo. Todo o investimento foi perdido. Brando ficou sem recursos para seguir em frente com seus sonhos paradisíacos. Assim precisou telefonar para seu agente em Hollywood para avisar que ele aceitasse ofertas de trabalho, que ele ainda estaria no jogo, pronto para atuar. Seus planos de aposentadoria foram deixados de lado. Ele ainda precisava ganhar dinheiro para levantar tudo de novo em Tetiaroa. 

Uma vez a cada quatro ou cinco meses Brando voltava para os Estados Unidos. Recebia os roteiros de propostas de novos filmes e avaliava se algum lhe interessava. Eram pilhas e pilhas de roteiros ruins, muitos deles eram apenas variações do seu personagem mafioso de "O Poderoso Chefão". Marlon Brando não tinha a menor intenção de fazer um filme sobre gangsters novamente. Era muito limitado e sem imaginação, em sua opinião. Como um ator que sempre primou por apenas trabalhar naquilo que interessava, ele não estava mais disposto a encarar produções apenas por motivos puramente comerciais. 

Demorou quase um ano até que viesse a surgir algo que valesse a pena. O diretor Francis Ford Coppola, com quem Brando havia trabalhado em "O Poderoso Chefão" lhe telefonou numa manhã. Disse que tinha um papel em mãos em que apenas ele, Marlon Brando, poderia atuar. Era uma adaptação de um livro de autoria do escritor Joseph Conrad chamado "Heart of Darkness", lançado em 1902. Brando conhecia o trabalho original. Esse livro quase virou filme nas mãos de Orson Welles nos anos 1950. Só que Coppola queria adaptar tudo para uma realidade passada na Guerra do Vietnã. O nome do personagem de Brando seria Walter E. Kurtz, um Coronel americano que havia enlouquecido nas selvas do continente asiático. Coppola chamaria o filme de "Apocalypse Now". Tudo parecia estar no lugar certo. Brando praticamente aceitou na mesma hora o convite. Aquele sim era um projeto que valia a pena se envolver. 

Pablo Aluísio

sábado, 22 de fevereiro de 2020

Crônicas de Marlon Brando - Parte 17

Em 1977 a Warner Bros convidou Marlon Brando para participar da primeira grande adaptação do personagem dos quadrinhos Superman para o cinema. O estúdio queria Brando para interpretar Jor-El, o pai do super-herói em Kripton, um planeta com uma civilização altamente avançada que vivia seus últimos dias de existência. No começo Brando hesitou já que era algo completamente fora dos padrões para sua carreira. Ele ficou semanas pensando se iria ou não aceitar o convite.

A Warner porém parecia decidida a contratar o grande Marlon Brando para o filme. A razão era simples de entender. O estúdio queria trazer publicidade e prestigio para essa produção e nada melhor do que ter um gênio da atuação, um mito da história do cinema, em um papel coadjuvante, mas central da história. No final o estúdio deu uma proposta irrecusável, um cachê de 3.7 milhões de dólares por apenas 20 dias de trabalho. Era algo inédito na época, uma soma fabulosa que acabou convencendo o ator a entrar no elenco. Anos depois o próprio Brando explicou que havia deixado o receio de lado muito antes, quando grandes nomes como Glenn Ford e Gene Hackman também foram contratados. Curiosamente o papel de Superman foi dado a um ator que embora talentoso ainda era considerado um novato no meio de tantos astros de Hollywood, Christopher Reeve.

Para consolidar a contratação Brando mandou inserir em seu contrato uma cláusula de que receberia mais um percentual caso sua imagem fosse utilizada em continuações do filme (algo que no final das contas lhe renderia 5 milhões de dólares por seu trabalho). Ele queria esse dinheiro para investir em sua ilha particular, que estava enfrentando problemas após um furacão passar por lá, destruindo completamente o hotel que Brando havia construído no local.

O curioso é que essa seria a primeira vez em sua longa carreira que Brando iria desempenhar um personagem saído diretamente dos quadrinhos. Para se sair bem ele mandou dois assistentes em uma loja especializada em gibis de Los Angeles. Brando mandou que fossem compradas todas as edições de Superman do estabelecimento. E assim foi feito seu "laboratório" para atuar. Durante duas semanas Brando leu tudo o que lhe caiu em mãos sobre o personagem. Ele percebeu que o pai kriptoniano do Superman surgia quase sempre nos quadrinhos como um fantasma, uma sombra do passado que se comunicava com seu filho através da fortaleza da solidão. Assim, por conta própria, Brando pintou seus cabelos, se tornando completamente brancos, para lhe dar a imagem de um homem do passado, um ancestral do super-herói. Anos depois Brando confessaria que no final de tudo havia gostado bastante do filme e ficado orgulhoso por ter dado tanta dignidade em cena para Jor-El.

Pablo Aluísio.

Crônicas de Marlon Brando - Parte 16

O livro "The Godfather" (O Poderoso Chefão) de Mario Puzo ficou por mais de 60 semanas na lista dos mais vendidos do The New York Times. Era um sucesso absoluto, um best-seller. Em 1971 o produtor Robert Evans, da Paramount Pictures, negociou os direitos de adaptação para o cinema do romance com o próprio escritor. Após as negociações concluídas o estúdio foi atrás de um diretor. A escolha recaiu em Francis Ford Coppola que apesar de não ter nenhum grande sucesso no currículo, tinha boa fama de ser um verdadeiro artesão da sétima arte. Além disso ele tinha origem ítalo-americana, um dos requisitos que a Paramount considerava ser primordial para para uma boa adaptação.

A primeira questão que surgiu veio da escalação de um bom elenco. Coppola queria Ernest Borgnine ou Rod Steiger para o papel principal, a do patriarca Don Vito Corleone. O produtor Bob Evans não achava nenhuma das escolhas a adequada. Para ele Borgnine não tinha a imagem e nem a personalidade ideal para encarnar um tipo tão marcante. Faltava um certo ar de autoridade para o ator. Além disso quem iria associar o bondoso Ernest com um chefe da máfia siciliana? Já Steiger também não iria servir pois ele já havia interpretado outro gangster famoso, Al Capone. Evans não queria que o público associasse Capone com Corleone. "Eram personagens bem diferentes" - na opinião do experiente produtor. Quem acabou colocando fim à dúvida foi o próprio autor Mario Puzo. Ele telefonou para Coppola e lhe disse: "Só existe um ator para interpretar Vito Corleone no cinema e o seu nome é Marlon Brando!".

A Paramount não gostou da sugestão. Brando tinha um histórico de problemas com o estúdio. Ele havia criado muitos problemas no passado. Era considerado um ator genioso, explosivo, complicado de se lidar. A Paramount iria investir milhões de dólares em um filme estrelado por Marlon Brando novamente? Ninguém queria saber disso na diretoria. Outro problema segundo os executivos da Paramount vinha da própria idade de Marlon Brando. Na época ele tinha 47 anos e Vito Corleone, o personagem, já havia passado dos 60. Tudo bem, uma maquiagem bem feita poderia superar isso, mas como alguém poderia esquecer que Brando vinha de uma década de fracassos de bilheteria? Será que ele ainda tinha força para atrair o público para os cinemas? Em uma tensa reunião na Paramount o diretor Coppola ficou horas tentando convencer os executivos a contratarem Brando. Foi uma luta.

E qual era a posição de Brando sobre tudo o que estava acontecendo? Para falar a verdade o ator não parecia muito preocupado. Ele não tinha lido o livro de Mario Puzo e parecia indiferente ao projeto do filme, ao contrário de seus colegas de profissão, que estavam tentando de tudo para entrar no elenco do filme. Duas coisas porém fizeram Brando mudar de ideia. A primeira é que ele precisava urgentemente de dinheiro. Os diversos processos que tinha enfrentado em relação a divórcios e guardas de seus filhos o fez gastar verdadeiras fortunas com advogados. Ele estava na pior, financeiramente falando. A outra questão que fez Brando começar a brigar pelo papel era o fato do ator estar desesperado por um sucesso. Todos diziam que "O Poderoso Chefão" seria um grande campeão de bilheteria, justamente o que Brando procurava. Além disso sua carreira precisava muito de um impacto. Tudo certo, só havia mais um problema a superar: a Paramount exigiu que Marlon realizasse um teste. Algo que ele não fazia desde os anos 40. Era um tipo de humilhação para um ator tão consagrado como ele, era coisa de iniciantes. No fundo a Paramount queria testar mesmo era a personalidade do ator. Será que ele toparia fazer algo assim? Estaria mais humilde do que no passado? Brando engoliu seu orgulho pessoal, sua vaidade e topou fazer o tal teste em sua casa em Mulholland Drive. Se esse era o preço a se pagar para estar no filme, Brando estava disposto a encarar o primeiro teste em sua carreira nos últimos 30 anos!

Pablo Aluísio.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Crônicas de Marlon Brando - Parte 15

A estrela de Marlon Brando começou a se apagar no início da década de 1960. Durante exatos dez anos Brando foi um dos campeões de bilheteria em Hollywood. Seu nome sempre estava no Top 10 dos astros mais populares. A partir de 1960 porém seus filmes começaram a fracassar. O ponto de virada aconteceu com o faroeste "A Face Oculta". Essa produção era uma aposta certeira rumo ao sucesso por parte da Paramount Pictures, mas Brando brigou logo nos primeiros dias com o diretor e depois de muitos problemas ele mesmo assumiu a direção. Acontece que Brando nunca havia dirigido um filme antes na carreira. O resultado era previsível. O orçamento estourou, os gastos ficaram fora do controle e Brando não conseguiu dar uma forma ideal do ponto de vista comercial ao filme. O resultado foi que o público não comprou a ideia e assim o ator teve seu primeiro grande fracasso de bilheteria.

As coisas só pioraram depois disso. Brando começou a encarar os estúdios como verdadeiros inimigos e passou a recusar roteiros sugeridos pelas companhias. Ao invés de estrelar grandes produções, ele optou pelos pequenos filmes, de diretores iniciantes, cujos roteiros dificilmente fariam sucesso nas bilheterias. Uma exceção foi exatamente o remake de um antigo filme estrelado por Clark Gable chamado "O Grande Motim". Brando que poderia ter atuado em um dos maiores filmes de todos os tempos (Lawrence da Arábia) recusou o convite do diretor David Lean para literalmente afundar em um filme cuja produção nos mares do sul do Pacífico se revelou um enorme desastre financeiro. A MGM perdeu milhões com esse fracasso e nem pensou duas vezes antes de culpar o próprio Marlon Brando pelo prejuízo que teve.

Nos anos seguintes Brando foi colecionando fracassos comerciais: "Quando Irmãos se Defrontam", "Dois Farristas Irresistíveis", "Morituri" e "Caçada Humana" não foram bem de bilheteria. Em pouco mais de quatro anos Brando se tornou um dos atores menos bem sucedidos da indústria. Seu nome foi caindo na lista dos astros mais rentáveis. Ele que sempre havia ficado entre os "10 mais" agora não conseguia ficar nem entre os 40 mais bem sucedidos! A imprensa, que nunca havia gostado muito de Brando, começou a bater. Ele foi chamado de decadente, fracassado, careca, gordo e outras ofensas que só serviam para afundá-lo ainda mais dentro da indústria do cinema.

Em 1967 pintou uma boa oportunidade de se reerguer. Brando soube que Charles Chaplin iria dirigir uma comédia chamada "A Condessa de Hong Kong". Marlon sabia que ele não tinha um bom timing para o humor, mas mesmo assim estava disposto a não perder a oportunidade de trabalhar ao lado de um dos grandes gênios da sétima arte, Chaplin. O problema é que o roteiro não era bom e Chaplin, já bem envelhecido, não tinha mais a mesma genialidade de seu auge. Para piorar Brando não gostou dos métodos de trabalho do veterano e nem de sua pessoa. Em sua autobiografia Brando destroçou Chaplin o chamado de uma das pessoas "mais sádicas e cruéis que havia conhecido em toda a sua vida". Isso porque Chaplin humilhava seu próprio filho, na frente de todos, durante as filmagens.

Assim as previsões pessimistas logo se confirmaram. Quando chegou aos cinemas o filme fracassou de forma monumental. Brando nem quis defender o filme pois sabia que ele não era bom. Tinha um humor ultrapassado, um enredo sem graça e uma produção fraca. Nas próprias palavras do ator o filme "A Condessa de Hong Kong" acabou se transformando em um de seus "maiores desastres". Foi embaraçoso para todo mundo. Quando todos pensavam que Brando havia chegado ao fundo do poço ele ainda caiu mais em "Candy" e "Queimada"! Os filmes não foram apenas novos fracassos, mas também eram muito ruins! O próprio Brando reconhecia isso. Na verdade Marlon Brando só iria reencontrar o caminho do sucesso quando soube que a Paramount iria filmar o romance "O Poderoso Chefão" de Mario Puzo. Se conseguisse o papel do mafioso Corleone poderia ter uma nova chance na carreira. Ele sabia que tinha que interpretar o personagem de qualquer jeito... mas essa é obviamente uma outra história...

Pablo Aluísio.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Crônicas de Marlon Brando - Parte 14

Em meados dos anos 1950 o ator Marlon Brando foi até o distante Japão para atuar em seu novo filme chamado "A Casa de Chá do Luar de Agosto" (The Teahouse of the August Moon, EUA, 1956). Embora fosse um americano típico do meio-oeste ele iria interpretar na verdade um personagem japonês, um nativo de nome Sakini. Era obviamente uma aposta arriscada. Ninguém sabia ao certo se a maquiagem iria fazer o espectador esquecer que Brando era um norte-americano ou se tudo ficaria completamente ridículo. O filme dirigido pelo cineasta Daniel Mann contava em seu elenco ainda com outro astro, muito popular na época, Glenn Ford. Antes de desembargar em Tóquio porém Brando resolveu conhecer outros vários países asiáticos. Ele tinha planos de produzir um filme denúncia que mostrasse a pobreza ao redor do mundo, tudo feito em conjunto com a UNESCO.

Assim Brando foi até as Filipinas e outras nações do sudeste asiático para escolher locações, histórias e situações que pudesse explorar em seu documentário. Em cada país que chegou foi recebido como um verdadeiro astro de Hollywood, algo que não o agradava e o deixava até mesmo incomodado. "Não quero ser tratado dessa maneira" - ia logo esclarecendo onde chegava. A imprensa local obviamente o recebia com grande estardalhaço e assim Brando aproveitou para também dar inúmeras entrevistas, a maioria delas falando mal de Hollywood, sua indústria de cinema e da política internacional equivocada promovida pelo governo americano. Para Brando: "Tudo o que o governo dos Estados Unidos faz ao redor do mundo está terrivelmente errado!" Sobre a rotina de ser um ator em Los Angeles ele declarou: "É uma das coisas mais estúpidas do mundo. Você procura fazer um bom trabalho, mas os jornalistas americanos não estão preocupados com arte e sim com fofocas. Eles exploram minha vida pessoal como abutres. Ninguém se importa com os filmes que faço. Eles querem mesmo é saber com quem me deito". Sobre o cinema americano ele resumiu: "Muito comercial, vazio e estúpido".

Ao chegar em Tóquio para o começo das filmagens Brando percebeu que nem tudo seriam flores. O estúdio havia escolhido a época errada para as tomadas de cena, pois chovia todos os dias na capital japonesa. Os produtores não conheciam as estações climáticas do Japão e tinham escolhido a pior delas - a das chuvas torrenciais - para rodar o filme. Sem condições de trabalhar Brando resolveu conhecer a cultura japonesa a fundo. Ele havia frequentado os bairros orientais de Nova Iorque para conhecer melhor o estilo de vida dos japoneses, justamente para parecer mais convincente no filme, porém nada disso poderia significar algo maior do que estar no próprio coração da civilização japonesa. Brando passou a maior parte de seus dias andando pela capital do sol nascente, frequentando seus restaurantes, casas de massagens, absorvendo tudo, a culinária, o idioma (que fez questão de aprender, dando inclusive uma entrevista coletiva em japonês) e convivendo com o japonês comum, o homem médio, o trabalhador (tal como seu papel no filme). Sobre isso falou: "Não me interessa os políticos ou os figurões. Quero conhecer o povo japonês e seu modo de viver".

O projeto porém de filmar o filme no Japão logo se mostrou um desastre. Assim os diretores e executivos da Metro-Goldwyn-Mayer (MGM) decidiram que toda a equipe deveria voltar para os Estados Unidos, para que o filme fosse feito dentro do estúdio em Los Angeles, algo que deixou Brando realmente furioso. Para o ator o filme iria perder muita da sua autenticidade se fosse feito nos Estados Unidos e não no Japão. Embora tenha protestado não houve jeito. Todos voltaram. Pior do que isso, Brando descobriu que a MGM havia escolhido ele para ser o bode expiatório do fracasso no Japão. A imprensa começou a atacar Marlon dizendo que ele havia criado problemas em Tóquio. Não era verdade! Assim o ator começou a surgir no estúdio para trabalhar sem a menor motivação, com cara fechada e obviamente contrariado. A duras penas concluiu sua parte e depois disparou: "O filme não vai convencer. Não fiquei bem com maquiagem de japonês. Melhor esquecer tudo!". O velho rebelde Marlon Brando, pelo visto, não havia perdido seu jeito de criar polêmicas e dar o troco em quem ele achava que o havia apunhalado pelas costas.

Pablo Aluísio.