Domingão preguiçoso à tarde, nada melhor do que ouvir um bom disco de rock. Assim aproveito para tecer alguns comentários sobre o álbum "Help!" dos Beatles (que inclusive está tocando nesse momento, enquanto vou escrevendo o texto). Antes de mais nada é importante deixar um conselho: fique longe do filme que é definitivamente uma grande porcaria. A única coisa que se salva são os momentos em que os Beatles tocam - todo o resto (roteiro, direção, elenco) é um completo lixo! Se você vive reclamando dos filmes de Elvis Presley espere para ver essa bomba cinematográfica. Enfim, esqueça! Ouça a trilha sonora e fuja do cinema!
O álbum é uma maravilha. É a tal coisa, certa vez John Lennon resumiu tudo muito bem isso ao dizer:"Os Beatles são músicos, não atores!". Um exemplo que deveria ter sido passado para o colega Elvis que ficou dez anos perdendo tempo em Hollywood. Mas enfim... voltemos ao disco. Esse álbum é, em minha visão, o último grande disco dos Beatles em sua fase Ié, ié, ié (que muitos preferem chamar apenas de primeira fase). É uma coleção magnífica de grandes composições, aliados a um trabalho primoroso de produção por parte de George Martin, um trabalho digno de todos os aplausos. Ele introduziu novos instrumentos, novas sonoridades, sem nunca descaracterizar o som único dos Beatles. Isso fica óbvio logo na primeira faixa, "Help!", uma composição de Lennon com um refrão forte e marcante. Como John sempre gostou de analisar sua própria vida ele anos depois diria que a música era realmente um pedido de socorro pois ele se sentia sufocado com o sucesso absurdo que os Beatles tinham alcançado. Os gritos, as turnês e a pressão quase o levaram a ter um colapso nervoso.
"The Night Before" de Paul já era um pouco mais amena. Gosto bastante do ritmo dessa música - perceba que ela já começa numa tonalidade única que vai até o fim da canção, sem variações. O vocal de Paul está dobrado, o que traz uma ótima sensação ao ouvinte. McCartney na letra está obviamente falando da vida noturna de Londres, de suas boates e amores fugazes. Imagine conhecer uma bela garota numa sexta à noite e no dia seguinte descobrir que nada daquilo significou alguma coisa. Aliás Paul e John eram grandes frequentadores de clubes noturnos desde os tempos de Hamburgo. Quando ficaram famosos a coisa toda ficou maior e mais agitada. Na letra Paul então escreveu uma pequena crônica sobre isso, sobre as noites nas baladas e as manhãs seguintes. E para manter a dobradinha entre Lennon e McCartney logo após entra Lennon em tom de leve melancolia na ótima "You've Got to Hide Your Love Away", A letra é de um pessimismo e uma sinceridade que chegaram a assustar as adolescentes fãs dos Beatles da época. Lennon soava até mesmo depressivo. Esse tipo de atitude certamente não combinava com os gritinhos das jovens (algo que Lennon particularmente detestava!).
Depois de um momento tão surpreendente como esse, eis que o ouvinte é convidado a dar uma chance a George Harrison em "I Need You". Essa é uma composição menor de uma fase em que George ainda tentava respirar no meio de dois gênios que eram Paul e John. A música é sincera, com boa letra e uma guitarra sempre solando uma nota só (o que se torna a grande característica da faixa). Para suavizar ainda mais o disco, a música "Another Girl" de Paul vem logo a seguir e propõe acertar contas com um velho amor do passado, deixando claro que superou tudo e está de novo amor, numa boa. Decepções amorosas são dolorosas, mas precisam ser superadas. Chega o momento de seguir em frente, ter novas paixões, viver novas emoções. Paul assim propõe deixar a tristeza de lado de uma vez por todas e partir para outra. Belo conselho.
"You're Going to Lose That Girl" tem ótimos solos de guitarra e um arranjo diferenciado onde Ringo deixou a bateria de lado para investir em velhos bongôs cubanos. Essa foi uma sugestão de George Martin. Casualmente ele foi informado que o filme teria cenas filmadas nas Bahamas. Nada melhor do que dar um pequeno toque caribenho ao álbum. A composição é de John e ele novamente se mostra um grande letrista. Depois de "Help!" o grande sucesso desse disco foi "Ticket to Ride". Poucos sabem, mas essa canção foi composta por Paul e John na Alemanha, em Hamburgo, quando eles ainda formavam uma banda desconhecida de jovens ingleses. A expressão "Ticket to Ride" era usada em prostíbulos da cidade, era o nome que era dado aos ingressos para entrar nesses cabarés localizados no porto de Hamburgo. Traduza a expressão e entenda o sentido malicioso das palavras! Essa piada interna por parte dos Beatles só seria revelada muitos anos depois por John em uma entrevista. Até aquele momento todos pensavam que os Beatles estavam sendo apenas "poéticos"! Não, eles estavam sendo vulgares mesmo! Coisas de jovens da idade deles.
Já "Act Naturally" foi colocada para abrir o Lado B do antigo vinil. Era a sempre reservada faixa para Ringo Starr exercitar seus limitados dotes vocais. Em faixas como essa, animadinhas e nada complexas, ele até que se saía muito bem - vamos reconhecer. Nada importante, nada mais do que um momento divertido do disco. Pura diversão mesmo. Encerrada ela vem os primeiros acordes de "It's Only Love", outro momento cortante de John Lennon. A canção foi escrita para sua esposa da época. Ele tentava de alguma forma reacender seu amor por ela - algo que não daria muito certo pois o casamento estava praticamente arruinado. Em um dos versos ele pergunta: "Brigamos todas as noites?". Estava mesmo complicada a vida do casal Lennon.
"You Like Me Too Much" é a segunda faixa composta e cantada por George Harrison. Essa é bem melhor do que a anterior. John está nos teclados, o que dá um sabor diferente para os arranjos da canção. George Harrison também pediu a George Martin que dobrasse seu vocal, assim ele faz dueto consigo mesmo. Ficou bonita, principalmente os solos do meio. Não é nenhuma obra prima, mas é bonita e tem bela harmonia. "Tell Me What You See" que vem logo a seguir talvez seja a única composição realmente de Lennon e McCartney do disco, já que na época eles já procuravam escrever seus próprios trabalhos, sem necessariamente contar com a ajuda do outro. A letra é basicamente de Paul, com pequenos toques de Lennon. É engraçado porque fica até fácil descobrir quem escreveu cada linha. Geralmente Paul surgia com alguma frase mais otimista, enquanto John respondia com sua acidez habitual.
"I've Just Seen a Face", por outro lado, foi escrita apenas por Paul. Ele inclusive se esmerou em escrever um belo arranjo, com um belo dedilhado em seu começo. Essa melodia inclusive me passa um sabor country - não sei se apenas eu penso assim. Aquele violão solando, aquele ritmo, parece até que foi gravada em Nashville. Ecos dos pioneiros do sul dos Estados Unidos que inspiraram os Beatles. Depois dela vem o grande clássico do disco, a imortal "Yesterday", a música que mais ganhou versões na história. Esqueça os Beatles. Essa é uma criação de Paul McCartney, única e exclusivamente. O próprio Lennon dizia que as pessoas sempre o estavam parabenizando por essa canção, mas que ela era na verdade "filha de Paul". Em entrevista John Lennon reconheceu isso ao dizer: "Nunca pensei em escrever nada parecido com aquilo". Os Beatles não participam da sessão de gravação da faixa oficial. Apenas Paul toca violão, acompanhado de um quarteto de cordas providenciado por George Martin. O resultado ficou inesquecível. Clássico absoluto!
Talvez para contornar a extrema doçura e ternura de "Yesterday", John Lennon resolveu encerrar o disco com a paulada de "Dizzy Miss Lizzy", um cover estridente de Larry Williams. A guitarra, no último volume, vai estourar seus tímpanos - por isso tenha cuidado! A razão da gravação dessa canção seria explicada por John na entrevista que deu na Playboy no começo dos anos 80, pouco antes de sua morte. Na ocasião ele desabafou: "As pessoas sempre me viram como o roqueiro dos Beatles. Enquanto Paul escrevia belas baladas de amor eu sempre aparecia com as faixas ao estilo pauleira. Talvez elas tenham razão. Eu sou assim. Uma velha orquestra de Rock ´n´Roll".
Pablo Aluísio.