sábado, 22 de fevereiro de 2020

Marlon Brando - Hollywood Boulevard - Parte 17

O livro "The Godfather" (O Poderoso Chefão) de Mario Puzo ficou por mais de 60 semanas na lista dos mais vendidos do The New York Times. Era um sucesso absoluto, um best-seller. Em 1971 o produtor Robert Evans, da Paramount Pictures, negociou os direitos de adaptação para o cinema do romance com o próprio escritor. Após as negociações concluídas o estúdio foi atrás de um diretor. A escolha recaiu em Francis Ford Coppola que apesar de não ter nenhum grande sucesso no currículo, tinha boa fama de ser um verdadeiro artesão da sétima arte. Além disso ele tinha origem ítalo-americana, um dos requisitos que a Paramount considerava ser primordial para para uma boa adaptação.

A primeira questão que surgiu veio da escalação de um bom elenco. Coppola queria Ernest Borgnine ou Rod Steiger para o papel principal, a do patriarca Don Vito Corleone. O produtor Bob Evans não achava nenhuma das escolhas a adequada. Para ele Borgnine não tinha a imagem e nem a personalidade ideal para encarnar um tipo tão marcante. Faltava um certo ar de autoridade para o ator. Além disso quem iria associar o bondoso Ernest com um chefe da máfia siciliana? Já Steiger também não iria servir pois ele já havia interpretado outro gangster famoso, Al Capone. Evans não queria que o público associasse Capone com Corleone. "Eram personagens bem diferentes" - na opinião do experiente produtor. Quem acabou colocando fim à dúvida foi o próprio autor Mario Puzo. Ele telefonou para Coppola e lhe disse: "Só existe um ator para interpretar Vito Corleone no cinema e o seu nome é Marlon Brando!".

A Paramount não gostou da sugestão. Brando tinha um histórico de problemas com o estúdio. Ele havia criado muitos problemas no passado. Era considerado um ator genioso, explosivo, complicado de se lidar. A Paramount iria investir milhões de dólares em um filme estrelado por Marlon Brando novamente? Ninguém queria saber disso na diretoria. Outro problema segundo os executivos da Paramount vinha da própria idade de Marlon Brando. Na época ele tinha 47 anos e Vito Corleone, o personagem, já havia passado dos 60. Tudo bem, uma maquiagem bem feita poderia superar isso, mas como alguém poderia esquecer que Brando vinha de uma década de fracassos de bilheteria? Será que ele ainda tinha força para atrair o público para os cinemas? Em uma tensa reunião na Paramount o diretor Coppola ficou horas tentando convencer os executivos a contratarem Brando. Foi uma luta.

E qual era a posição de Brando sobre tudo o que estava acontecendo? Para falar a verdade o ator não parecia muito preocupado. Ele não tinha lido o livro de Mario Puzo e parecia indiferente ao projeto do filme, ao contrário de seus colegas de profissão, que estavam tentando de tudo para entrar no elenco do filme. Duas coisas porém fizeram Brando mudar de ideia. A primeira é que ele precisava urgentemente de dinheiro. Os diversos processos que tinha enfrentado em relação a divórcios e guardas de seus filhos o fez gastar verdadeiras fortunas com advogados. Ele estava na pior, financeiramente falando. A outra questão que fez Brando começar a brigar pelo papel era o fato do ator estar desesperado por um sucesso. Todos diziam que "O Poderoso Chefão" seria um grande campeão de bilheteria, justamente o que Brando procurava. Além disso sua carreira precisava muito de um impacto. Tudo certo, só havia mais um problema a superar: a Paramount exigiu que Marlon realizasse um teste. Algo que ele não fazia desde os anos 40. Era um tipo de humilhação para um ator tão consagrado como ele, era coisa de iniciantes. No fundo a Paramount queria testar mesmo era a personalidade do ator. Será que ele toparia fazer algo assim? Estaria mais humilde do que no passado? Brando engoliu seu orgulho pessoal, sua vaidade e topou fazer o tal teste em sua casa em Mulholland Drive. Se esse era o preço a se pagar para estar no filme, Brando estava disposto a encarar o primeiro teste em sua carreira nos últimos 30 anos!

Pablo Aluísio.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Os Pássaros

Segue sendo ainda nos dias de hoje um dos filmes mais populares da carreira do mestre do suspense Alfred Hitchcock, sendo inclusive reprisado constantemente pelos canais de TV a cabo em todo mundo. Isso demonstra bem como o filme ainda é apreciado pelo público, inclusive pelas novas gerações. A protagonista da história se chama Melanie Daniels (Tippi Hedren). Ela é uma mulher fina e elegante, que decide ir até uma pequena cidade do norte da Califórnia para encontrar seu namorado. O que parecia ser uma viagem de rotina ou puro prazer, logo se torna um pesadelo quando pássaros de todos os tipos e tamanhos começam a atacar no local, sem qualquer motivo aparente. Ela e os moradores da cidade tentam sobreviver de todas as formas àquele inexplicável ataque da natureza.

Agora o curioso de tudo é saber que essa história toda, que algumas vezes pode parecer irreal para determinados espectadores, aconteceu mesmo, de fato! "Os Pássaros" foi baseado em fatos reais ocorridos numa cidade do litoral da Califórnia durante a década de 1940. Até hoje os biólogos não sabem explicar com certeza científica absoluta o que levou essas aves a atacarem seres humanos com tanta fúria. Para Alfred Hitchcock porém o que lhe importava nem era a explicação do evento propriamente dito, mas sim as diversas maneiras que ele iria arrancar suspense e terror desas situações. Para quem apreciava tanto enredos estranhos e bizarros, esses fatos que deram origem ao filme eram um prato cheio para o diretor.

Porém naquela época havia um problema: como tornar os ataques dos pássaros plenamente convincentes? Já que os especialistas em efeitos visuais nunca tinham feito nada parecido com aquilo antes no cinema. Indo ao limite, Alfred Hitchcock então decidiu que apenas com o uso de aves reais as cenas iriam se tornar plenamente realistas. E assim foi feito, a produção utilizou aves marinhas da costa da Califórnia nas cenas de ação. Claro que isso criou situações complicadas, para o elenco e principalmente para a atriz Tippi Hedren, que nesse ponto acabou tendo que enfrentar o tipo mais visceral de papel já presente em um filme de Hitchcock. Dizem as más línguas também que o diretor ficou apaixonado por ela e não sendo correspondido, acabou jogando as aves em cima de sua atriz principal! Claro, algumas aves empalhadas e mecânicas também foram utilizadas, mas em menor número que as reais. A maioria das cenas foram feitas com bichos de verdade. Seria uma vingança de Hitchcock contra sua estrela? Verdade ou mentira? Nunca saberemos ao certo. De qualquer modo não deixou de ser algo bem peculiar do humor negro que Alfred Hitchcock sempre cultivava.

Depois das complicadas filmagens, veio então o sucesso de público tão esperado. Desde seu lançamento "Os Pássaros" se tornou um dos grandes sucessos de bilheteria do diretor. Por todo o mundo o tema do roteiro se tornou um imã para a plateia. Aliás em termos de sucesso comercial o filme rivalizou com o maior hit de Hitchcock, o clássico "Psicose", lançado três anos antes. Some-se a isso as deliciosas histórias de bastidores e você certamente terá um dos mais marcantes momentos da carreira de seu criador. Vários livros e até filmes já enfocaram as manias que Hitchcock teve nas filmagens de "The Birds". Anos depois a atriz diria que inicialmente ele a convenceu que não haveria aves de verdade, apenas efeitos com bichos mecânicos. Só depois no set de filmagens é que ela descobriu como o filme seria feito de verdade! Com bichos reais, dando picadas nela! Não se admire da "grande interpretação" de Tippi Hedren nas cenas pois no fundo ela está apavorada de verdade com os métodos de seu diretor! Com tantos fatos e factoides não foi à toa que "Os Pássaros" se tornou esse ícone da cultura pop em todo o mundo.

Os Pássaros (The Birds, Estados Unidos, 1963) Estúdio: Universal Pictures / Direção: Alfred Hitchcock / Roteiro: Daphne Du Maurier, Evan Hunter / Elenco: Tippi Hedren, Suzanne Pleshette, Rod Taylor / Sinopse: Durante um passeio numa cidade do litoral da Califórnia uma mulher chamada Melanie Daniels (Tippi Hedren) é atacada por pássaros de todos os tipos e tamanhos. A cidade também entra em pânico com o estranho fenômeno da natureza. Filme indicado ao Oscar na categoria Melhores Efeitos Especiais. Vencedor do Globo de Ouro na categoria Melhor Revelação Feminina (Tippi Hedren).

Pablo Aluísio.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Disque M Para Matar

Esse filme é outro clássico do mestre do suspense Alfred Hitchcock. Ele criou um excelente clima com um enredo relativamente até bem simples. Na trama temos a figura de Margot Mary Wendice (Grace Kelly). Ela é uma jovem esposa que começa a se decepcionar com seu casamento. A rotina e o tédio acabam destruindo suas esperanças de viver um matrimônio feliz. Após longos anos de união, ela começa a ter um caso amoroso extraconjugal com um grande amor de seu passado, o escritor de romances policiais Mark Halliday (Robert Cummings). Ambos estão muito apaixonados e começam a trocar cartas de amor. Eventualmente uma delas vai parar nas mãos do marido traído, Tony (Ray Milland).

Fingindo não saber de absolutamente nada, ele então planeja uma forma de matar a esposa infiel para de quebra se tornar o único herdeiro de sua fortuna. Para colocar em prática sua artimanha criminosa, resolve chantagear um antigo colega de universidade, Swan (Anthony Dawson), que agora vive de explorar mulheres idosas, ricas e solitárias. Enquanto se garante com um álibi, em um evento social, seu comparsa deve entrar em sua casa para asfixiar sua esposa, tentando passar a ideia de que tudo foi apenas um roubo mal sucedido. No começo tudo ocorre bem até que algo acaba não saindo como havia sido inicialmente planejado.

Que Alfred Hitchcock foi um dos grandes gênios do cinema ninguém mais duvida. O diretor tinha um talento incomum para contar enredos sórdidos de uma maneira toda especial. Na superfície, seus personagens viviam em uma espécie de conto de fadas moderno, onde todos eram ricos, felizes e bonitos. Por debaixo dessa aparente normalidade se escondia os mais terríveis sentimentos mesquinhos. Veja o caso do casal formado por Mary (Kelly) e Tony (Milland). Ela é uma bem sucedida mulher, loira e linda, que não desperta suspeitas. Todos pensam ser a esposa ideal. Ele é um ex-tenista, agora aposentado, que se diz muito feliz em se dedicar completamente à esposa e seus caprichos. Um casal realmente perfeito a admirável. Isso é o que a sociedade pensa ser a verdade.

Por debaixo de tudo se esconde uma mulher infeliz com seu casamento de fachada, a ponto de nutrir um amor secreto e inconfessável. Na verdade ela não sente nenhum carinho ou afeição pelo marido e morre mesmo de amores por um antigo amor, um escritor de tramas policiais. Como não pode assumir esse seu sentimento proibido publicamente, começa a ter encontros escondidos com o amante. O marido, que sempre aparentou ser um homem muito educado e fino, um verdadeiro gentleman, acaba descobrindo a traição de sua jovem esposa, mas ao invés de se divorciar em um escandaloso rompimento perante a sociedade ele resolve ir por um caminho mais sutil e... fatal. Ele entra em contato com um antigo conhecido da universidade, um sujeito que não conseguiu se dar bem na vida, vivendo de pequenos e grandes golpes, explorando mulheres velhas e ricas. Um verdadeiro escroque.

A intenção é clara, o sujeito deve matar sua esposa infiel, em sua própria casa, enquanto ele, o marido, surge numa festa, na frente de todos, o que o livraria de uma eventual acusação de tê-la matado. Para atrair ela até um quarto escuro de sua casa, onde o assassino cometerá o crime, Tony usa o telefone. Assim que Margot o atender deverá ser assassinada. Aqui Hitchcock expõe todos os detalhes do plano e depois dos acontecimentos que vão surgindo em decorrência de vários imprevistos. O personagem Tony (Ray Milland) é extremamente inteligente e consegue armar contra todos, inclusive enganando os experientes inspetores da polícia. Tudo acaba caminhando muito bem, mesmo que por linhas tortas, até um pequeno, quase invisível detalhe, colocar tudo a perder. Esse roteiro pode ser descrito como um intrigado caso criminal, baseado muitas vezes em um tipo de suspense mais intelectual, apelando quase sempre para a perspicácia do espectador, que deve ficar bem atento para não perder nenhum detalhe. Nesse aspecto é certamente um dos grandes filmes da carreira do mestre. É um clássico absoluto do suspense na história da sétima arte.

Disque M Para Matar (Dial M for Murder, Estados Unidos, 1954) Estúdio: Warner Bros / Direção: Alfred Hitchcock /Roteiro: Frederick Knott / Elenco: Grace Kelly, Ray Milland, Robert Cummings, John Williams, Anthony Dawson / Sinopse: Marido planeja matar a esposa infiel contando com a colaboração de um amigo. Tudo é minuciosamente planejado. Porém dar certo como previsto já seria uma outra história completamente diferente. Filme indicado ao BAFTA Awards na categoria de Melhor Atriz (Grace Kelly).

Pablo Aluísio. 

O Terceiro Tiro

“O Terceiro Tiro” é um filme bem diferente da carreira do diretor Alfred Hitchcock. A impressão que o espectador tem ao assistir a essa produção é a de que o cineasta estava acima de tudo se divertindo muito, o que não é de se admirar uma vez que o enredo – em tom de humor negro – brincava o tempo todo com uma situação bem inusitada e bizarra. O título original do filme, “The Trouble with Harry” (O Problema com Harry), era bem mais explicativo do que o equivocado nome nacional que o distribuidor brasileiro arranjou. Provavelmente acreditaram que ninguém iria assistir ao filme, caso seu título fosse uma tradução literal. Bobagem, o nome de Alfred Hitchcock já garantia o  interesse dos cinéfilos em qualquer parte do mundo. No Brasil não seria diferente.

Pois bem, e qual seria esse problema com Harry? E afinal, quem diabos era Harry?! Ora, Harry era um cadáver abandonado em um bosque. Isso mesmo que você leu. O roteiro se baseava justamente nisso. Um corpo era encontrado sucessivamente por várias pessoas em ocasiões diferentes e todas elas procuravam esconder o fato dos demais. Isso porque nenhum deles tinha exatamente certeza sobre as circunstâncias da morte de Harry e algumas até pensavam ter alguma culpa no cartório sobre isso. Achou tudo muito bizarro? Estranho? Claro que sim. O roteiro brinca de forma até mórbida com a inusitada situação. Quem teria matado Harry? O que levou ele a esse trágico fim? E quem seria o verdadeiro assassino?

Harry acaba sendo encontrado por um garotinho, por sua mãe, pela ex-esposa, por uma jovem e até por um capitão. Todos eles lidando com a situação de uma forma até inesperada, alguns com até uma certa indiferença ao fato do morto estar ali estendido no chão entre as folhas do bosque. O roteiro dessa maneira arma toda uma situação de puro humor negro para divertir o espectador. O velho Hitchcock costumava dizer que “O Terceiro Tiro” era um de seus filmes preferidos. Ele atribuía isso ao fato do argumento ser muito diferente de suas outras produções, com acentuado clima de morbidez cômica, por mais estranho que isso pudesse parecer. Some-se a isso a bela fotografia de Vermont, um dos lugares mais bonitos e pacatos dos EUA e você terá o clima perfeito.

Além de Alfred Hitchcock na direção, outro fato que chama a atenção no filme é a presença da jovem atriz Shirley MacLaine no elenco. Poucos lembram disso, mas esse foi seu primeiro filme! Jovem e bonita, ela interpretava Jennifer Rogers, uma das pessoas que também se deparavam com Harry na floresta! Naquela época ela já demonstrava todo o seu carisma que iria ajudá-la a construir uma das mais marcantes carreiras da história do cinema americano. Enfim, “O Terceiro Tiro” é indicado para os que desejam conhecer um outro lado do mestre do suspense. Seu humor definitivamente não era convencional e nem normal, mas certamente poderia ser considerado bem divertido. Que tal rir um pouco com Alfred Hitchcock?

O Terceiro Tiro (The Trouble with Harry, Estados Unidos, 1955) Direção: Alfred Hitchcock / Roteiro: John Michael Hayes, baseado no livro de Jack Trevor Story / Elenco: Shirley MacLaine, Edmund Gwenn, John Forsythe, Mildred Natwick / Sinopse: O corpo de um sujeito chamado Harry é encontrado em um bosque por várias pessoas. Todas elas o conheciam, mas ninguém queria se comprometer com aquela bizarra descoberta. Todas acabam pensando ter algo a ver com sua morte. Filme vencedor do Globo de Ouro na categoria de Melhor Revelação Feminina (Shirley MacLaine). Também indicado ao BAFTA Awards na categoria de Melhor Filme e Melhor Atriz (Shirley MacLaine).

Pablo Aluísio 

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

A Tortura do Silêncio

Outro grande clássico do mestre do suspense Alfred Hitchcock. Aqui o diretor decidiu lidar com um tema controverso, um dogma da igreja católica, o segredo da confissão. Na trama esse aspecto é muito bem explorado. Inesperadamente o empregado de uma paróquia resolve se confessar ao padre Michael Logan (Montgomery Clift) revelando que acabara de assassinar um advogado após um assalto mal sucedido. Para isso ele tinha até mesmo usado a própria batina do religioso, que havia sido roubada de seus aposentos. Como fruto de confissão, Logan agora não poderia mais contar a verdade para a polícia. O pior de tudo é que o inspetor Larrue (Karl Malden) começa a desconfiar que o próprio padre foi de fato autor do crime, afinal todas as pistas parecem apontar para seu lado, inclusive um complicado relacionamento dele com a bela Ruth Grandfort (Anne Baxter), uma mulher casada que estava sendo chantageada pelo mesmo advogado que foi morto. E agora, conseguirá o Padre Logan provar sua inocência sem romper seu juramento de nunca revelar as confissões de seus fiéis?

Provavelmente um dos mais bem elaborados filmes do mestre Alfred Hitchcock. Aqui ele coloca vários dogmas da fé católica na berlinda, ao mostrar um padre que não pode romper o segredo da confissão ao mesmo tempo em que tenta provar sua inocência em razão de um crime que nunca cometeu. Outro ponto interessante é a forma como Hitchcock lida com o celibato dos padres. Logan tem um amor em seu passado, quando era apenas um jovem prestes a ir para a guerra, justamente uma mulher casada que mesmo após tantos anos não consegue esquecer. A montagem do quebra-cabeças acaba levando o padre, um homem de grande fibra moral, ao desprezo público. Todos o consideram culpado, apenas pelo fato de ser um homem religioso que se encontrava com um antigo amor. Será que ele não merecia nem ao menos um voto de confiança? Como pode um homem tão bom e íntegro ser desacreditado assim, praticamente da noite para o dia?

O papel do torturado e existencial Padre Logan se mostra ideal para Montgomery Clift. A fragilidade física do ator, aliada a uma grande fibra espiritual, se mostra perfeita para a proposta do enredo. Há uma cena em que Hitchcock faz um paralelo muito perspicaz sobre o verdadeiro calvário que seu personagem passa. Enquanto ele anda a esmo, na rua, em profundo conflito interior por tudo o que passa, surge em primeiro plano, no alto de uma igreja, uma imagem de Cristo e os soldados romanos durante sua penosa caminhada rumo ao calvário. Um efeito até mesmo simples, mas muito significativo do mestre do suspense. A imagem funciona assim como uma materialização de tudo aquilo que o pobre padre passa naquele momento. A vivência mais plena do que é ser cristão de verdade. A acusação infundada, o abandono por parte de seus próprios fiéis, o escárnio público e a condenação sem provas consistentes.

Por falar no diretor, ele é a primeira pessoa que surge em cena, no alto de uma grande escadaria logo na abertura do filme. Hitchcock sempre fazia essas pequenas aparições em suas produções e aqui o momento é mais do que divertido. Por trás da diversão também havia um aspecto sério a se considerar. A impressão que passa é que o cineasta tentava exorcizar mais um de seus conflitos internos com o filme. Como se sabe Hitchcock tinha uma relação de amor e ódio em relação ao catolicismo, algo que aqui ele acaba passando para a tela. Ao mesmo tempo em que martiriza seu personagem principal, o padre, também o enche de muita dignidade e honestidade. O transforma em um santo perseguido. Uma cristalina imagem do que ele próprio sentia em relação à Igreja de Roma. Assim fica a recomendação desse grande trabalho do genial diretor. Fé, conflito espiritual, tentação, injustiça, mentira e hipocrisia formam o núcleo de uma trama simplesmente brilhante. Assista e entenda porque Hitchcock foi um dos maiores gênios da história do cinema.

A Tortura do Silêncio (I Confess, Estados Unidos, 1953) Estúdio: Warner Bros / Direção: Alfred Hitchcock / Roteiro: George Tabori, William Archibald / Elenco: Montgomery Clift, Anne Baxter, Karl Malden / Sinopse: Jovem padre passa a ser o principal suspeito de um crime de assassinato. Ele é inocente e sabe quem foi o verdadeiro culpado, mas não pode contar para os policiais pois esse segredo lhe foi passado em confissão, ao qual ele tem que manter sigilo por causa de um dogma de fé da igreja católica. Filme indicado no Cannes Film Festival na categoria de Melhor Direção (Alfred Hitchcock).

Pablo Aluísio. 

Assim Estava Escrito

Infelizmente o ator Kirk Douglas faleceu ontem, aos 103 anos de idade. Ele está sendo relembrado por diversos órgãos de imprensa no mundo todo. Muitos se lembram de filmes como "Spartacus", etc. No meu caso vou citar esse excelente "The Bad and the Beautiful" que considero o melhor filme de sua longa e produtiva carreira. Lançado em 1952 o filme era ao mesmo tempo uma homenagem ao cinema e uma visão crítica e mordaz da indústria cinematográfica como um todo. Na trama o ator interpretava um produtor ganancioso chamado Jonathan Shields. Quando o filme começa encontramos o personagem Harry Pebbel (Walter Pidgeon), um dono de estúdio de cinema em Hollywood, reunindo em seu escritório três grandes nomes da indústria: a estrela Georgia Lorrison (Lana Turner), o roteirista James Lee Bartlow (Dick Powell) e o diretor Fred Amiel (Barry Sullivan). Ele quer que os três aceitem o convite do produtor Jonathan Shields para trabalharem em um novo filme. A partir daí todos eles começam a relembrar fatos que viveram no passado ao lado de Shields. Na maioria dos casos, lembranças bem dolorosas.

O roteiro do filme é um primor. Tudo se desenvolve nos bastidores da história do cinema. No filme o astro Kirk Douglas interpreta esse ótimo personagem, cheio de nuances psicológicas, um produtor de Hollywood que no passado deixou marcas negativas em diversas pessoas que trabalharam e se relacionaram com ele. Ele conseguiu construir do nada um estúdio de cinema e aos poucos foi colecionando sucessos de bilheteria. O começo foi modesto. Shields precisou produzir filmes baratos, produções B de terror. Quando conheceu o jovem e promissor diretor Fred Amiel (Barry Sullivan), que desejava adaptar um livro clássico da literatura para as telas,  percebeu que sua sorte poderia mudar. Porém sua deslealdade com todos os que trabalharam ao seu lado começou a ficar cada vez mais evidente com o passar dos anos.

Shields tinha um talento natural para descobrir futuros profissionais brilhantes, assim ele também apostou suas fichas numa jovem atriz, com pouca experiência e baixa auto estima, a loira Georgia Lorrison (Turner). Filha de um ex-astro do passado, ela não conseguia superar seus problemas emocionais. Afundada no alcoolismo por causa das frustrações na carreira ela foi finalmente resgatada da sarjeta por Shields. Por fim o mesmo produtor percebeu que o futuro do cinema vinha da contratação de bons escritores para roteirizar os filmes. Por isso também contratou o romancista James Lee Bartlow (Powell) para trabalhar ao seu lado. Só que não demorou muito para que ele também fosse passado para trás pelo produtor, aqui visto como um sujeito bem dúbio, amigo na frente das pessoas, jogando contra elas nas suas costas. Todas essas pessoas deveriam ter laços eternos de gratidão com Shields, mas isso não acontece porque o produtor mais cedo ou mais tarde acabou decepcionando todos ao seu redor com suas atitudes.

O personagem interpretado por Kirk Douglas é um papel maravilhoso para qualquer ator, porque é real, tem sentimentos mesquinhos e não vacila em trair as pessoas caso entenda que isso seja necessário. Ao mesmo tempo possui um inegável talento para convencer a todos, mesmo quando foram magoados por ele no passado. O roteiro desse filme é realmente brilhante porque toda a história de Shields é narrada em flashback enquanto seus antigos desafetos são reunidos na sala de um dono de estúdio que quer convencê-los a trabalharem com o produtor novamente.

Esse filme foi um projeto bem pessoal de Kirk Douglas que conseguiu mostrar os bastidores do mundo do cinema como nunca antes visto. Ele chamou o talentoso cineasta Vincente Minnelli para dirigir e isso trouxe um grande impacto na tela. Fugindo de enquadramentos convencionais, Minnelli criou uma obra imortal. O elenco também está todo em estado de graça. Lana Turner tem uma de suas melhores interpretações: a de uma linda atriz que por baixo de toda a imagem glamorosa escondia uma mulher muito frágil emocionalmente falando. As semelhanças com Marilyn Monroe chegam a ser óbvias. Kirk Douglas dá vida ao produtor Shields, uma verdadeira força da natureza, egoísta e egocêntrico em certos momentos, amigo e fiel em outras situações. Um verdadeiro camaleão.

Curiosamente no meio de tantos talentos quem acabou levando o Oscar foi a atriz Gloria Grahame. Ela interpreta a esposa de um escritor contratado por Shields para ser o novo roteirista de seu estúdio. Uma beldade do sul, ela fica deslumbrada e magnetizada pela vida de luxo e riqueza de Hollywood e acaba sendo manipulada por Shields para seus interesses pessoais, o que acaba resultando em uma grande tragédia. Enfim, "Assim Estava Escrito" é realmente uma obra prima do cinema clássico americano. Um filme fantástico que é principalmente indicado para os cinéfilos em geral, para as pessoas que amam a sétima arte e sua história. É seguramente um dos melhores autorretratos já feitos por uma Hollywood em seus tempos de glória e auge.

Assim Estava Escrito (The Bad and the Beautiful, Estados Unidos, 1952) Estúdio: Metro-Goldwyn-Mayer (MGM) / Direção: Vincente Minnelli / Roteiro: Charles Schnee, George Bradshaw / Elenco: Lana Turner, Kirk Douglas, Walter Pidgeon, Dick Powell, Gloria Grahame, Gilbert Roland / Sinopse: O filme conta a história de um poderoso e desleal produtor de Hollywood. Um homem que não pensava duas vezes antes de passar para trás pessoas que lhe ajudaram no passado. Filme indicado ao Oscar na categoria de Melhor Ator (Kirk Douglas). Vencedor do Oscar nas categorias de Melhor Atriz Coadjuvante (Gloria Grahame), Melhor Roteiro (Charles Schnee), Melhor Fotografia (Robert Surtees), Melhor Direção de Arte (Cedric Gibbons, Edward C. Carfagno) e Melhor Figurino (Helen Rose). Também indicado ao BAFTA Awards na categoria de Melhor Filme.

Pablo Aluísio.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Gigantes em Luta

Terceira e última parceria entre os grandes astros do faroeste americano John Wayne e Kirk Douglas. No filme Wayne interpreta Taw Jackson que resolve se unir ao pistoleiro e ladrão Lomax (Kirk Douglas) para colocar em prática um plano mais do que ousado: roubar um carregamento de ouro no valor de 500 mil dólares. O grande desafio deles será, além de enfrentar a forte segurança que acompanha a fortuna, conseguir vencer a própria carroça que transporta o ouro, pois essa é fortemente armada com um potente metralhadora, além de ser blindada, se tornando praticamente inexpugnável. “Gigantes em Luta” é um western de pura ação, com muitas cenas de lutas, batalhas e tiroteios. Durante as filmagens Kirk Douglas teve uma surpresa que o impactou. John Wayne havia perdido o pulmão em uma complicada operação, três anos antes, na sua luta pessoal contra o câncer. 

Assim o veterano ator estava bem debilitado fisicamente, precisando recorrer regularmente a uma bolsa de oxigênio para dar conta das complicadas filmagens, que lhe exigiam muito do ponto de vista físico. Mesmo assim ele trabalhou com empenho, sem reclamar. Vendo aquela obstinação do colega, Kirk ficou emocionado, como bem revelou em uma entrevista anos depois. Ele tinha que dar o melhor de si nas filmagens ao mesmo tempo em que se preocupava com John Wayne nas cenas mais exigentes e perigosas.

Além do ótimo elenco o filme também apresentava uma produção muito boa, até acima da média. Uma das “estrelas” do filme era a própria carroça blindada que levava o carregamento de ouro, chamada “War Wagon”. Durante anos ela foi exposta no parque temático da Universal ao lado de vários outros artefatos famosos de filmes clássicos. O curioso é que a “War Wagon” era na realidade feita de madeira pintada para parecer aço e ferro. Um truque de Hollywood. Com o uso de efeitos sonoros para recriar o som característico dos metais, completou-se a ilusão de que se estava na presença de uma carroça realmente blindada. Ninguém na época desconfiou de nada.

O diretor de “Gigantes em Luta” foi Burt Kennedy, que se deu tão bem com o astro John Wayne que esse o trouxe de volta para dirigir “Chacais do Oeste” cinco anos depois. O diferencial é que Kennedy sempre procurava respeitar os limites que a saúde de John Wayne exigia. Assim ele procurava filmar as cenas com o ator de forma concentrada, para evitar deixar John Wayne esperando por longas horas para entrar em cena. Também sempre deixava o ator à vontade, sem aquele clima de tensão no set, algo bem típico de Hollywood. O resultado de tudo é mais um belo western na filmografia de John Wayne, aqui ao lado de outro mito do cinema americano, Kirk Douglas. Simplesmente imperdível para os fãs do gênero.

Gigantes em Luta (The War Wagon, Estados Unidos, 1967) Direção: Burt Kennedy / Roteiro: Clair Huffaker, baseado em sua novela, The War Wagon / Elenco: John Wayne, Kirk Douglas, Howard Keel, Robert Walker Jr, Keenan Wynn / Sinopse:  Dois aventureiros se unem no velho oeste para roubar uma carroça blindada que transporta um grande carregamento de ouro no valor de 500 mil dólares. Filme premiado pelo Western Heritage Awards na categoria de Melhor Direção.

Pablo Aluísio. 

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

A Um Passo da Morte

Esse é um clássico do western americano estrelado pelo astro Kirk Douglas. Na história Johnny Hawks (Kirk Douglas) lidera uma caravana de pioneiros no meio de um território indígena. Embora pacificadas, as tribos do local vivem em tensão com os brancos por causa de minas de ouro recentemente descobertas. Um dos membros da caravana, Wes Todd (Walter Matthau), está particularmente interessado em descobrir o exato local dessas ricas minas. Para isso usará de todos os meios para ter em mãos a localização dessa imensa riqueza mineral. Claro, isso vai criar todos os tipos de disputas e problemas dentro da caravana. Além da ameaça dos nativos, ainda há a ganância dos demais pioneiros.

"A Um Passo da Morte" é uma produção de encher os olhos do espectador. O filme foi todo rodado na maravilhosa reserva natural de Bend, no Estado norte-americano do Oregon. Isso trouxe ao filme uma das mais belas fotografias que já vi em um faroeste dos anos 50. Rios de águas límpidas, montanhas e muito verde desfilam pela tela como um verdadeiro brinde aos espectadores. Junte-se a isso um bom roteiro, socialmente consciente, mostrando o profundo respeito dos índios em relação às riquezas naturais da região e você terá um belo western como resultado final.

O filme é curto, menos de 80 minutos, mas muito eficiente. Um dos destaques é a ótima cena de ataque dos guerreiros Sioux contra o forte do exército americano. Usando de cavalos, flechas e lanças de fogo, os indígenas demonstram ter bastante conhecimento de táticas de guerra e combate. Afinal de contas eram povos guerreiros. A cena é excepcionalmente bem filmada e o próprio forte construído na locação impressiona pelo tamanho e realismo. Certamente não foi uma produção barata, o que era bem do feitio do astro Kirk Douglas que sempre procurou o melhor em termos de produção para seus filmes. Aqui obviamente não seria diferente.

Curiosamente o filme foi dirigido pelo húngaro André de Toth, um cineasta versátil que se saía bem dirigindo os mais diversos tipos de filmes, de faroestes a dramas, passando por alguns clássicos do terror (como "Museu de Cera" ao lado do amigo Vincent Price). Dizem que foi escolhido pelo próprio Kirk Douglas, já que ele tinha também a intenção de dirigir algumas partes do filme, sempre dando opinião no roteiro, etc. Isso levou alguns a afirmarem que o filme foi co-dirigido por Douglas, embora ele não tenha sido creditado na direção. Em conclusão recomendo bastante esse excelente western bucólico, com lindas locações naturais, um belo romance ao fundo e muitas cenas de ação e conflitos. Está mais do que recomendado.

A Um Passo da Morte (The Indian Fighter, Estados Unidos, 1955) Direção: André de Toth / Roteiro: Frank Davis, Robert L. Richards / Elenco: Kirk Douglas, Walter Matthau, Elsa Martinelli, Lon Chaney Jr / Sinopse: Johnny Hawks (Kirk Douglas) lidera uma caravana de pioneiros no meio de um território indígena. Assim que a jornada começa um dos integrantes afirma que está particularmente interessado na localização de minas de ouro na região, criando conflitos, despertando a ambição e ganância dos demais viajantes e pioneiros.

Pablo Aluísio. 

Face a Face com o Diabo

Faroeste estrelado por Jeffrey Hunter. Na história um casal decide deixar New Orleans para ir embora rumo ao velho oeste. Uma mina de ouro muito promissora espera por eles. Após extrair o valioso metal, acabam sendo alvos de um bando de criminosos mexicanos que armam um cerco a eles. O marido reage ao ataque, usando inclusive bananas de dinamite, mas elas acabam causando um desmoronamento de rochas da encosta. Ele assim fica preso sob pedras e objetos que caíram da montanha. Sua esposa então parte em busca de ajuda numa pequena cidade cheia de ladrões e traficantes de armas. É justamente lá que encontra Joe Collins (Jeffrey Hunter) e suplica por sua ajuda, para que salve seu esposo da morte certa no deserto. Esse western spaghetti é bem interessante por vários aspectos. O principal deles é a presença do ator americano Jeffrey Hunter. 

Depois de um começo muito promissor em Hollywood, onde chegou a interpretar até mesmo Jesus Cristo no clássico "Rei dos Reis", sua carreira entrou em declínio. Depois de alguns fracassos Hunter resolveu mudar de ares, indo até a Europa onde estrelou esse faroeste italiano. Seu personagem, Joe Collins, é um ex-oficial da cavalaria americana que agora vive em uma cidade infestada de criminosos. Expulso do exército ele vaga sem rumo, alcoólatra e sujo. Para sobreviver acaba até mesmo traficando armas para um bandoleiro mexicano assassino chamado "Chato", conhecido por invadir e saquear vilas indefesas, matando mulheres e crianças pelo caminho, ou seja, alguém muito longe da imagem de mocinho dos filmes de western.

Mesmo assim, com esse histórico nada promissor, ele resolve ajudar essa jovem mulher que está desesperada em busca de ajuda após o marido ficar soterrado no alto das montanhas. Collins então forma um bando para ir com ele até lá, salvar o sujeito. Nesse grupo há todos os tipos de escória que você possa imaginar. Há um cafetão sem qualquer escrúpulo, um falso padre que na verdade rouba viajantes e um famigerado traficantes de armas. O resultado, embora longe do memorável, me agradou bastante. Jeffrey Hunter, por exemplo, se despiu de sua imagem de galã americano e surge na tela envelhecido, rústico e excessivamente bronzeado (no mal sentido da palavra, nada estético, queimado mesmo do sol do deserto). Com uma linguagem bem de acordo com o estilo do western spaghetti, esse filme no final de tudo acaba se revelando uma excelente diversão.

Face a Face com o Diabo (Joe... Cercati Un Posto Per Morire!,  Itália, 1968) Estúdio: Aico Films, Atlantis Film / Direção: Giuliano Carnimeo / Roteiro: Lamberto Benvenuti / Elenco: Jeffrey Hunter, Pascale Petit, Giovanni Pallavicino / Sinopse: Jovem pistoleiro ajuda um casal que foi roubado por um bando de ladrões mexicanos do deserto. Eles querem todo o ouro de uma mina explorada pela esposa e seu marido.

Pablo Aluísio.

domingo, 16 de fevereiro de 2020

A Conquista do Oeste

Quando a Metro anunciou "A Conquista do Oeste" o estúdio deixou claro suas intenções: realizar o filme definitivo sobre a expansão da civilização norte-americana em direção ao oeste selvagem.  Para isso não mediu esforços colocando à disposição do filme tudo o que estúdio tinha de mais importante na época. Atores, diretores, roteiristas, tudo do bom e do melhor foi direcionado para esse projeto. Os grandes nomes do western foram contratados. John Wayne e James Stewart logo assinaram para participarem do elenco. Os diretores consagrados John Ford e George Marshall também entraram no projeto sem receios. Era uma grande equipe reunida. Além do capital humano a Metro resolveu investir em um novo formato de exibição onde três telas enormes projetavam cenas do filme. A técnica conhecida como Cinerama visava proporcionar ao espectador uma sensação única de imersão dentro do filme. Para isso há uso de longas tomadas abertas, tudo para dar a sensação ao público de que realmente está lá, no velho oeste. Era claramente uma tentativa da Metro em barrar o avanço da televisão que naquele ano havia tirado uma grande parte da bilheteria dos filmes. Assim "A Conquista do Oeste" chegava para marcar a história do cinema... bom, pelo menos essa era a intenção.

Realmente é uma produção de encher os olhos, com três diretores e um elenco fenomenal. O resultado de tanto pretensão porém ficou pelo meio do caminho. "A Conquista do Oeste" passa longe de ser o filme definitivo do western americano. Na realidade é uma produção muito megalomaníaca que a despeito dos grandes nomes envolvidos não passa de uma fita convencional, pouco memorável. O problema é definitivamente de seu roteiro. São vários episódios com linhas narrativas que as ligam numa unidade, mas nenhuma delas é bem desenvolvida. Tudo soa bem superficial.

O grande elenco também é outro problema. Apesar dos mitos envolvidos nenhum deles tem oportunidade de disponibilizar um bom trabalho, realmente marcante. John Wayne, por exemplo, só tem praticamente duas cenas sem maior importância. Ele interpreta o famoso general Sherman, mas isso faz pouca diferença pois tão rápido como aparece, desaparece do filme, deixando desolados seus fãs que esperavam por algo mais substancioso. James Stewart tem um papel um pouquinho melhor, de um pioneiro que vive nas montanhas, mas é outro grande nome que também é desperdiçado. A única que faz parte de todos os segmentos é a personagem de Debbie Reynolds, porém ela não é uma figura de ponta no mundo do faroeste. Quem não gosta dela certamente não se importará com sua personagem. Assim, em conclusão, podemos definir "A Conquista do Oeste" como um filme grande, mas não um grande filme. Faltou um melhor equilíbrio.

A Conquista do Oeste  (How the West Was Won, Estados Unidos, 1962)  Direção: John Ford ("The Civil War") / Henry Hathaway ("The Rivers", "The Plains", "The Outlaws") / George Marshall ("The Railroad") / Roteiro: James R. Webb, John Gay / Elenco: Debbie Reynolds, James Stewart, Lee J. Cobb, Henry Fonda, Carolyn Jones, Karl Malden, Gregory Peck, George Peppard, Richard Widmark, Eli Wallach, John Wayne / Sinopse: A saga de uma família de pioneiros cujos descendentes participarão dos grandes eventos que marcaram a história do oeste americano.Filme vencedor do Oscar nas categorias de Melhor Roteiro (James R. Webb), Melhor Som (Franklin Milton) e Melhor Edição (Harold F. Kress).

Pablo Aluísio.