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quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

A Tortura do Silêncio

Outro grande clássico do mestre do suspense Alfred Hitchcock. Aqui o diretor decidiu lidar com um tema controverso, um dogma da igreja católica, o segredo da confissão. Na trama esse aspecto é muito bem explorado. Inesperadamente o empregado de uma paróquia resolve se confessar ao padre Michael Logan (Montgomery Clift) revelando que acabara de assassinar um advogado após um assalto mal sucedido. Para isso ele tinha até mesmo usado a própria batina do religioso, que havia sido roubada de seus aposentos. Como fruto de confissão, Logan agora não poderia mais contar a verdade para a polícia. O pior de tudo é que o inspetor Larrue (Karl Malden) começa a desconfiar que o próprio padre foi de fato autor do crime, afinal todas as pistas parecem apontar para seu lado, inclusive um complicado relacionamento dele com a bela Ruth Grandfort (Anne Baxter), uma mulher casada que estava sendo chantageada pelo mesmo advogado que foi morto. E agora, conseguirá o Padre Logan provar sua inocência sem romper seu juramento de nunca revelar as confissões de seus fiéis?

Provavelmente um dos mais bem elaborados filmes do mestre Alfred Hitchcock. Aqui ele coloca vários dogmas da fé católica na berlinda, ao mostrar um padre que não pode romper o segredo da confissão ao mesmo tempo em que tenta provar sua inocência em razão de um crime que nunca cometeu. Outro ponto interessante é a forma como Hitchcock lida com o celibato dos padres. Logan tem um amor em seu passado, quando era apenas um jovem prestes a ir para a guerra, justamente uma mulher casada que mesmo após tantos anos não consegue esquecer. A montagem do quebra-cabeças acaba levando o padre, um homem de grande fibra moral, ao desprezo público. Todos o consideram culpado, apenas pelo fato de ser um homem religioso que se encontrava com um antigo amor. Será que ele não merecia nem ao menos um voto de confiança? Como pode um homem tão bom e íntegro ser desacreditado assim, praticamente da noite para o dia?

O papel do torturado e existencial Padre Logan se mostra ideal para Montgomery Clift. A fragilidade física do ator, aliada a uma grande fibra espiritual, se mostra perfeita para a proposta do enredo. Há uma cena em que Hitchcock faz um paralelo muito perspicaz sobre o verdadeiro calvário que seu personagem passa. Enquanto ele anda a esmo, na rua, em profundo conflito interior por tudo o que passa, surge em primeiro plano, no alto de uma igreja, uma imagem de Cristo e os soldados romanos durante sua penosa caminhada rumo ao calvário. Um efeito até mesmo simples, mas muito significativo do mestre do suspense. A imagem funciona assim como uma materialização de tudo aquilo que o pobre padre passa naquele momento. A vivência mais plena do que é ser cristão de verdade. A acusação infundada, o abandono por parte de seus próprios fiéis, o escárnio público e a condenação sem provas consistentes.

Por falar no diretor, ele é a primeira pessoa que surge em cena, no alto de uma grande escadaria logo na abertura do filme. Hitchcock sempre fazia essas pequenas aparições em suas produções e aqui o momento é mais do que divertido. Por trás da diversão também havia um aspecto sério a se considerar. A impressão que passa é que o cineasta tentava exorcizar mais um de seus conflitos internos com o filme. Como se sabe Hitchcock tinha uma relação de amor e ódio em relação ao catolicismo, algo que aqui ele acaba passando para a tela. Ao mesmo tempo em que martiriza seu personagem principal, o padre, também o enche de muita dignidade e honestidade. O transforma em um santo perseguido. Uma cristalina imagem do que ele próprio sentia em relação à Igreja de Roma. Assim fica a recomendação desse grande trabalho do genial diretor. Fé, conflito espiritual, tentação, injustiça, mentira e hipocrisia formam o núcleo de uma trama simplesmente brilhante. Assista e entenda porque Hitchcock foi um dos maiores gênios da história do cinema.

A Tortura do Silêncio (I Confess, Estados Unidos, 1953) Estúdio: Warner Bros / Direção: Alfred Hitchcock / Roteiro: George Tabori, William Archibald / Elenco: Montgomery Clift, Anne Baxter, Karl Malden / Sinopse: Jovem padre passa a ser o principal suspeito de um crime de assassinato. Ele é inocente e sabe quem foi o verdadeiro culpado, mas não pode contar para os policiais pois esse segredo lhe foi passado em confissão, ao qual ele tem que manter sigilo por causa de um dogma de fé da igreja católica. Filme indicado no Cannes Film Festival na categoria de Melhor Direção (Alfred Hitchcock).

Pablo Aluísio.