sábado, 8 de outubro de 2011

The Doors - L.A. Woman

O disco final da banda The Doors, "L.A.Woman", foi gravado em oito canais entre dezembro de 1970 a fevereiro de 1971, no Doors Workshop (Hollywood, CA). Esse era um estúdio pequeno, improvisado no escritório do grupo. Logo no começo dos ensaios Jim percebeu que o som ficava ótimo dentro do banheiro e sugeriu que toda a banda fosse para dentro do sanitário! Com a recusa dos demais membros da banda, o Rei Lagarto não se fez de rogado, gravou todas as faixas sentado em um banquinho ao lado da privada... O disco foi lançado oficialmente nos EUA no final de abril de 1971. A produção ficou com Bruce Botnick e os próprios The Doors. Panelinha nativa. Mesmo contendo três das canções mais famosas dos Doors (a faixa título, Love Her Madly e Riders on the Storm) e ter sido um dos discos mais vendidos da banda (fazendo deles o primeiro grupo de rock americano a receber sete discos de ouro consecutivos), "L.A. Woman" é uma obra que pode não ser rapidamente digerida pelos admiradores do grupo.

Como Morrison Hotel já dava sinais, os Doors haviam se transformado mais do que nunca numa banda de blues, e esse último lançamento é basicamente todo dedicado a esse estilo. A diferença pode ter sido acentuada com a saída do produtor Paul Rothchild, que não gostou do que ouviu nos ensaios das novas canções e decidiu se afastar dos Doors. Assim, resolveram produzir a si mesmos com o auxílio de Bruce Botnick, que havia sido o engenheiro de gravação dos outros discos, e prepararam o novo álbum em um estúdio improvisado no escritório da banda. Num ambiente calmo e familiar (os vocais eram feitos no banheiro, que possuía uma melhor acústica), prepararam as faixas no chamado "estúdio ao vivo", onde todos os instrumentos são tocados e gravados ao mesmo tempo, como num show. O resultado foi simples e excelente, uma grandiosa despedida de Jim Morrison. Curiosidade: o nome Mr. Mojo Risin', repetido diversas vezes durante a canção L.A. Woman, é um anagrama de Jim Morrison. Reordenando as letras é possível formar o nome do vocalista. Além disso é o nome de uma entidade de vodu, muito em voga na cidade de New Orleans, no sul dos EUA.

Sempre foi um dos meus álbuns preferidos. Jim Morrison, barbudo e com cara de Messias insano, mandou ver nessas últimas gravações realizadas ao lado de seu grupo. Aqui os Doors resolveram chutar o balde, demitiram seu antigo produtor e resolveram gravar o que bem entendessem, sem o aborrecimento de ter que lidar com engravatados de gravadora. Jim Morrison acabou realizando o velho sonho de gravar um disco de blues. Encharcado de todos os abusos que você possa imaginar ele literalmente levou seu microfone para dentro do banheiro, sentou no vaso sanitário e assim acabou gravando praticamente todas as faixas, entre uma dose e outra de Bourbon barato! O resultado se revelou marcante, acachapante! Vamos tecer alguns comentários sobre cada canção.

1. The Changeling (Morrison / Manzarek / Densmore / Krieger) - Para muitos um blues visceral. Para outros o único funk feito por brancos que valeu a pena ouvir (pelo amor de Deus, estamos falando aqui do funk americano verdadeiro, não daquelas coisas que são chamadas de funk no Rio de Janeiro e demais cidades pelo Brasil afora!). No final das contas não importa a exata classificação da música, o que importa mesmo aqui é a bela performance de Morrison (visivelmente "alto", dando gritos de empolgação) e sua banda. Curiosamente apesar de ser muito bem executada, com ótimo arranjo, a canção não deu muito trabalho aos Doors. Em poucos takes eles chegaram na versão definitiva. E pensar que esses ótimos solos de guitarra de Robby Krieger foram alcançados quase de primeira mão dentro do estúdio. Virtuosismo pouco é bobagem.

2. Love Her Madly (Krieger) - Acabou sendo escolhida para ser uma das músicas de divulgação do álbum. Com ritmo nitidamente alegre e simpático, com a cara de Krieger, realmente parecia ser a ideal para virar um hit das rádios. A canção tem algumas paradinhas em sua melodia típicas para se ouvir nas praias californianas. Tudo muito soft e relax. Por ter essa característica tão comercial, digamos assim, não a colocaria entre as grandes faixas desse álbum. Dançante, com bom arranjo, mas em essência simplória demais para estar à altura das outras mensagens de Morrison e sua mente privilegiada. Jim aliás a achou "engraçadinha" demais da conta, mas como gostava de Krieger a gravou sem causar maiores problemas para seu amigo de banda.

3. Been Down So Long (Morrison / Manzarek / Densmore / Krieger) - Vamos aos fatos: Jim estava interessado mesmo em cantar blues nessas sessões. Embora isso de certa forma aborrecesse o batera Densmore, Morrison queria mesmo se entregar de corpo e alma ao ritmo. Essa "Been Down So Long" é o primeiro grande blues do disco. Morrison visivelmente entregue, se farta com uma canção extremamente bem arranjada, com os demais membros do Doors em momento inspirado. Curiosamente a ordem dos instrumentos foi levemente alterada para essa gravação. Não havia necessidade de órgão e nem piano e por essa razão Ray Manzarek trocou os teclados pela guitarra rítmica. Robby Krieger ficou responsável pelo Slide guitar e um terceiro guitarrista, o músico Marc Benno, ficou na base. Completando a equipe os Doors ainda contaram com Jerry Scheff, o baixista de Elvis Presley. Assim acabaram atendendo às velhas críticas que sempre afirmavam que os Doors precisavam urgentemente de um baixo em suas canções, algo que nunca havia se tornado um problema, mas que agora tinham resolvido suprir contratando o baixista da banda do Rei do Rock.

4. Cars Hiss by My Window (Morrison / Manzarek / Densmore / Krieger) - Foi justamente essa gravação que irritou o baterista Densmore. Anos depois ele declararia numa entrevista: "Tudo bem para um vocalista pois aqueles blues eram ótimos nesse aspecto. Já para um batera como eu, era extremamente chato esse tipo de canção. Não há como inovar ou trazer coisas interessantes. A coisa toda vira um tédio. O ritmo se mantém o mesmo em praticamente todo o tempo". Se para Densmore tudo era tédio puro o mesmo não se pode dizer para o brilhante trabalho de guitarra do mestre Krieger. Ele praticamente sola da primeira a última estrofe, criando um duelo de melodia com a voz de Morrison, que aliás surge perfeita, dando a impressão de estar levemente embriagada - o que convenhamos casa perfeitamente com a proposta da gravação e da letra. Impossível ficar indiferente a esse belo momento dark etílico da carreira do grupo. 

5. L.A. Woman (Morrison / Manzarek / Densmore / Krieger) - Basicamente é uma declaração de amor de Morrison para a cidade de Los Angeles. Em uma de suas últimas entrevistas Jim Morrison explicou que L.A. o tinha acolhido em um momento particularmente complicado de sua vida, quando finalmente resolveu largar a universidade e viver como um vagabundo errante pelos arredores de Venice Beach, e que por essa razão era eternamente grato a ela. "Se disserem que nunca a amei certamente estarão mentindo" - decretou o cantor. Curiosamente em sua letra Morrison acaba humanizando a cidade, a identificando de forma surrealista com uma mulher, tudo sendo criado em um plano puramente subjetivo e poético, de sua maneira muito peculiar de enxergar a realidade. Os lugares da cidade por onde parece caminhar se misturam com os delicados devaneios do corpo de uma mulher amada, misteriosa e Inatingível. Em termos técnicos considero essa uma das melhores gravações da carreira dos Doors. A música tem uma melodia envolvente, que desfila em uma crescente euforia que também vai contagiando o ouvinte, tudo indo desembocar em um excesso de explosões emocionais. Certamente uma obra prima da carreira do grupo. Genial mesmo. 

Singles nas lojas:
Love Her Madly / Don't Go No Farther - Em março de 1971 os Doors lançaram seu penúltimo single. O interessante deste compacto simples foi a escolha de uma das canções do disco como lado principal. "Love Her Madly" não tem a importância de "Riders on the Storm" ou ainda "L.A.Woman", mas foi ela a eleita para figurar como música "carro chefe" do disco. Não a considero uma canção altamente relevante dentro da discografia da banda, mas me parece que ela foi escolhida por ser a mais comercial, a mais fácil de ser digerida pelas rádios americanas. No lado B desse single temos uma música que hoje em dia é considerada uma verdadeira raridade. Se você já ouviu "Don't go no farther" por aí se considere privilegiado pois essa faixa sumiu da discografia da banda após seu lançamento nesse single.

Riders On The Storm / Changeling - Em junho de 1971 o grupo lançou o segundo single extraído deste disco. "Riders on the Storm" é uma canção visceral, excepcionalmente bem produzida e que mostra que em poucos anos o grupo atingiu uma maturidade precoce. A letra é bem emblemática e mostra como o cinema influenciou o trabalho poético de Jim, basta ler a letra e ver como tudo se desenrola como um verdadeiro roteiro de um filme, uma cena rápida, bem ao estilo de alguém que frequentou uma escola de cinema, um verdadeiro outsider cinematográfico. Bem, essa canção dispensa maiores comentários, nem vou relembrar o fato dela ter sido inspirada em um fato real ocorrido com Jim em sua infância, quem assistiu ao filme de Oliver Stone, sabe do que estou falando, por isso não vou me repetir aqui. Em suma, essa música é vital, essencial na história do Rock Mundial. No Lado B do single foi colocada "Changeling", um blues ao velho estilo. Todos concordam em um ponto, "L.A.Woman" é basicamente um trabalho de Blues. Jim poderia até mesmo ter chamado esse disco de "The Doors Blues Album" se quisesse. É uma faixa forte, recomendada para bluesmen inveterados.

Enquanto isso, fora dos estúdios...
Os Doors estavam fartos! Depois de tudo o que rolou com a banda, os processos e tudo mais, os quatro procuravam um modo de recolocar as coisas no lugar, A ideia era gravar um disco simples, um disco de blues, sem superproduções, algo bem cool! A verdade era que a esta altura Jim já não se sentia à vontade nos palcos, e os outros integrantes não se sentiam à vontade com Jim. Por tudo isso, os Doors decidiram levar os planos iniciais em diante e começaram a gravar um novo material em estúdio e dar uma longa pausa nas apresentações ao vivo. Em 29 de agosto tocaram no festival da Ilha de Wight (único grande festival de que participaram) e no dia 12 de dezembro fizeram seu último show com o vocalista, no The Warehouse, em Nova Orleans. Em seu livro, o tecladista Ray Manzarek relata que enquanto tocava de olhos fechados a parte instrumental de Light My Fire, sentiu que Jim havia deixado o palco, como fazia várias vezes durante essa passagem. Quando olhou, ele ainda estava de pé junto ao microfone. Foi ali que notou que Jim realmente havia perdido seu vigor e energia, e os Doors estavam realmente no fim. O disco "L.A. Woman" foi lançado em abril de 1971, produzido pela primeira vez pelos próprios Doors e gravado num estúdio improvisado no escritório do grupo. Dias antes do álbum chegar às lojas, Jim embarcou para a França com sua namorada Pamela, visando ficar em Paris por alguns meses.

No dia 3 de julho foi encontrado morto na banheira do apartamento onde estava hospedado. As únicas pessoas que viram o cadáver foram Pamela e o médico legista, que deu como causa de morte ataque cardíaco. Não se sabe e nunca se saberá ao certo os verdadeiros motivos da morte de Jim Morrison, e por isso mesmo há intermináveis rumores dizendo que ele forjou sua morte para fugir das problemas da fama. De qualquer forma, L.A. Woman estourou depois da morte de Morrison, e há quem diga que foi o mais vendido da carreira da banda. Seu corpo nunca voltou da capital francesa. Está até hoje enterrado no cemitério Père-Lachaise, junto com os de personalidades como Frederich Chopin, Alan Kardec e Balzac.

Seu túmulo é o mais visitado de todos, e várias vezes já foi cogitada sua extradição para os EUA, em virtude da baderna que seus fãs fazem no local. Festas regadas a álcool e drogas e casais que usam o lugar para fazer sexo (como no filme Um Lobisomem Americano em Paris) convivem em paz com os rabiscos em sua lápide. Mesmo com a morte de Jim, os outros três integrantes decidiram continuar juntos e manter o nome da banda. O primeiro disco dessa fase se chamou Other Voices (1971), remetendo ao fato de que os cantores seriam outros, mais precisamente Robby e Ray, que revezavam nos vocais. Apesar do disco não ter feito muito sucesso, a banda entrou em turnê e em 72 lançou Full Circle. O título já mostrava que eles não pretendiam mais seguir em frente. O círculo estava fechado, os Doors haviam encerrado carreira.
 
Pablo Aluísio.

Um comentário:

  1. Avaliação:
    Produção: ★★★
    Arranjos: ★★★
    Letras: ★★★
    Direção de Arte: ★★★
    Cotação Geral: ★★★
    Nota Geral: 8.7

    Cotações:
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