terça-feira, 20 de dezembro de 2011

The Beatles - John Lennon e o desastre da Apple

Quando Brian Epstein morreu os Beatles ficaram sem saber como administrar os negócios da banda. Foi então que John Lennon propôs a criação de uma nova empresa chamada Apple. Ela iria gerir todos os assuntos ligados aos Beatles, além de abrir novas oportunidades a artistas que só queriam ter uma chance. Na coletiva de imprensa de anúncio da Apple John Lennon declarou: "Eu quero que todos os que são artistas nos enviem seus materiais. Na Apple vocês vão ter espaço e não irão precisar se ajoelhar a ninguém para ter uma chance!". Como se pode perceber as intenções eram as melhores possíveis só que na prática a Apple se transformou em uma desastre comercial e financeiro completo. O anúncio de John fez com que milhares de pessoas enviassem fitas e gravações para o prédio do novo selo dos Beatles em Londres só que ninguém estava realmente disposto a ouvi-los. Os Beatles não iam até a Apple e seus funcionários não passavam de amigos e colegas do grupo, pessoas sem formação nenhuma para gerir uma grande empresa. O próprio George Harrison reconheceu isso quando resolveu fazer uma visita surpresa na Apple e descobriu que não havia ninguém trabalhando de fato por lá. Os funcionários passavam o dia todo fumando maconha!

John não queria saber da Apple, nem George e nem muito menos Ringo. O único que se mostrou a fazer algo pela empresa foi Paul McCartney. Ele percebeu que a empresa era uma bagunça completa e que muito dinheiro estava sendo perdido com ela. O pior é que era o seu dinheiro, por isso resolveu convidar seu sogro Lee Eastman para administrar aquele caos. A ideia não foi bem recebida pelos demais Beatles. Eles achavam que Paul iria dominar completamente a empresa com seu sogro no comando, assim John, George e Ringo se uniram para desmontar os planos de Paul. Isso daria origem a uma das maiores brigas da história dos Beatles, algo que iria só crescer com os anos, desandando para a separação definitiva do grupo alguns anos depois. John Lennon lançou o nome de Allen Klein para controlar a Apple e os Beatles. Klein era um astuto homem de negócios de Nova Iorque que já tinha trabalhado com os Rolling Stones antes. Ele tinha fama de não ser muito honesto, mas Lennon resolveu confiar nele! "Alguém com essa fama de tubarão e ladrão como Klein não pode ser um mau sujeito!" - teria dito. Paul obviamente não aceitou ter Klein como empresário e uma guerra começou dentro dos Beatles, uma guerra onde milhões seriam perdidos, outros roubados e a banda não sairia viva dela.

O fato de John Lennon ter escolhido Allen Klein para ser o novo empresário dos Beatles colocou ele em confronto direto com Paul McCartney. Assim que John declarou sua decisão, Paul foi taxativo ao dizer: "Esse cara jamais vai ser o meu empresário!" ao que John retrucou: "Vai ser sim. Ele vai ser o empresário dos Beatles e sendo você da banda não vai ter outra opção! Aceite Klein!". Paul jamais aceitaria. Isso criou uma verdadeira rachadura dentro dos Beatles. De um lado John, George e Ringo e do outro Paul. Até aquele momento os Beatles tinham um trato não escrito dizendo que qualquer decisão dentro do grupo deveria ser unânime. Sempre que alguém dissesse "não" a decisão não seria tomada. John ignorou isso e quis impor a decisão da maioria, dizendo que Paul iria aceitar Klein de todas as maneiras. Isso criou uma tensão que duraria meses, sempre com Paul dizendo não, não e não! Esse tipo de briga não ajudou em nada para o desastroso balanço financeiro da Apple. Para aliviar um pouco a situação Paul compôs "Hey Jude" para ser o primeiro single no novo selo. Era uma grande música, que rapidamente se tornou um sucesso mundial, mas nem o ótimo resultado comercial do compacto livrou os Beatles de muitos problemas comerciais. Na época a EMI queria renovar o contrato do grupo. John então indicou Allen Klein para as negociações, mas Paul não aceitou ser representado por ele. Ao invés disso informou à EMI que seus contratos futuros deveriam ser negociados como seu sogro Lee Eastman.

John Lennon ficou possesso com a decisão de Paul. Quando se encontraram na sede da Apple, no centro do Londres, eles trocaram todos os tipos de insultos e acusações entre si. Duas revelações pioraram ainda mais a situação. John descobriu que Paul estava falando mal de Yoko Ono pelas suas costas e que seus royalties com a EMI seriam maiores do que os dos demais Beatles. Para John isso foi uma traição para o conjunto. Paul deu de ombros. Seu novo empresário Lee Eastman tinha sido mais eficiente do que Klein. Qual era o problema disso? Paul também comprou briga com George Harrison ao ridicularizar sua postura de Hare Krishna com todo aquele papo de espiritualidade ao mesmo tempo em que enviava parte de sua fortuna para paraísos fiscais, para fugir dos impostos ingleses. Para Paul o seu companheiro de banda George Harrison não passava de um baita de um hipócrita. Nem precisa dizer que isso piorou ainda mais o relacionamento interno entre os Beatles que ficaram a um passo da separação.

O clima de tensão e rivalidade entre Paul e John só aumentou com o passar do tempo. Já por volta de 1969 Paul McCartney resolveu consultar alguns advogados pois ele estava planejando processar a Apple e os demais Beatles. Claro que algo assim significaria o fim do conjunto, mas era uma possibilidade que não poderia ser descartada. Enquanto Paul se decidia ou não em processar todo mundo surgia um novo foco de conflito dentro da Apple. John Lennon, sem consultar ninguém do grupo, decidiu por conta própria dar as fitas originais das gravações das sessões de Let It Be para o produtor Phil Spector. Lennon achava o material muito ruim, sem rumo, sem foco. Talvez Spector conseguisse transformar horas e horas de gravações ruins em um álbum! Quando soube disso Paul ficou completamente fora de si, afinal aquelas também eram suas músicas e nunca alguém tinha mexido nelas antes sem sua expressa autorização. Canções como "The Long and Winding Road" e a própria "Let It Be" estavam inacabadas, precisando de um complemento em seus arranjos, algo que Paul estava preparando para fazer nos estúdios de Abbey Road. Antes que isso acontecesse John se antecipou e deu tudo para Spector em Nova Iorque dizendo que ele fizesse o que bem entendesse com as gravações. Paul ligou para John e ambos tiveram uma conversa tensa, cheia de ofensas pessoais e ameaças de processo. John disse que não voltaria atrás ao que Paul avisou que se as fitas não voltassem a Londres ele iria processar os Beatles, a EMI e o próprio Phil Spector.

John parecia se divertir com a situação. Ele chegou a afirmar que todo o material era uma grande m* e não estava nem aí para o que Phil Spector iria fazer com ele. Esse seria o começo de uma parceria entre John e o produtor, algo que se estenderia em sua carreira solo, quando Spector iria produzir muitos de seus discos. Para Paul porém não estava nada OK. Ele se irritou quando soube que Spector estava escrevendo um novo arranjo para "The Long and Winding Road". Talvez esse fato tenha sido a gota d'água! As más notícias porém não paravam por aí. Durante outra daquelas reuniões cheias de desaforos e ofensas na Apple, John deixou todos chocados ao bater o punho sobre a mesa, avisando: "Estou fora dos Beatles! Para mim chega!". John Lennon deixou todos surpresos na Apple quando anunciou que iria embora dos Beatles. Para Paul era um choque completo! Tudo bem, o relacionamento entre os membros do grupo era cada dia pior, porém ele jamais poderia imaginar que John iria pular fora do barco! A reação de Paul foi tensa. Quando John lhe disse que estava fora, ele ficou branco como uma parede! Mal podia acreditar no que ouvia de seu companheiro de tantos anos... E John parecia bem decidido, era o fim mesmo!

"Você não pode deixar os Beatles!" - disse um chocado Paul. "Nós acabamos de assinar um contrato com a EMI até 1975! Você está louco?" - ao que John respondeu: "Que se dane! Me processem! Eu não faço mais parte dos Beatles". A reunião continuou com muita tensão e a única coisa positiva que Paul conseguiu de John foi que ele não anunciasse nada na imprensa até o lançamento do próximo álbum dos Beatles, agora intitulado "Let It Be". John concordou, mas avisou que nunca mais voltaria a gravar nada com os Beatles. Ringo ficou estupefato, sem saber o que pensar ou fazer, mas curiosamente George, conforme confessaria anos depois, ficou aliviado! Havia muita tensão entre George e Paul nos estúdios e ele criou uma aversão ao estilo de Paul, sempre controlador, sempre querendo que tudo fosse feito ao seu jeito. Apesar disso McCartney tinha razão quando disse a John que os Beatles não podiam se separar naquele momento. A EMI contava com discos inéditos dos Beatles até meados da década de 1970 - ninguém poderia pensar que os Beatles iriam se auto destruir tão cedo! E era certo que todos eles seriam processados por quebra de contrato! Era um desastre completo!

Anos depois em uma entrevista John Lennon explicou sua decisão: "Eu fiquei ali dizendo não, não é não para tudo e para todos. Paul agiu como se eu tivesse pedido um divórcio! Os Beatles, na verdade, já estavam acabados há pelo menos uns três anos. Paul fez um bom trabalho nos mantendo unidos enquanto não sabíamos que caminho seguir na vida. Nessa fase ele supostamente nos liderou, mas para que serve uma liderança se você fica andando em círculos?". Naquela época a Apple se preparava para o lançamento de dois discos, "Let It Be" e "McCartney", que seria o primeiro disco solo de Paul. Havia um clima de tensão sufocante no selo, mas Paul, para choque mundial, se adiantou e foi à imprensa dizendo que ele estava deixando os Beatles! No dia seguinte manchetes de todo o mundo diziam: "Paul deixa os Beatles!". John se sentiu completamente traído por ele. Lennon havia concordado em esperar, antes de anunciar publicamente que estava deixando os Beatles e agora Paul o apunhalava pelas costas, fazendo o mesmo! Era o fim da picada! O sonho estava definitivamente acabado.

Em 1967 Paul McCartney comprou uma fazenda na Escócia. Ele comprou na planta, sem nunca ter colocado os pés lá. Só alguns meses depois Paul resolveu visitar o lugar ao lado de sua namorada Jane Asher. Realmente era uma região bem isolada, uma das propriedades rurais mais inacessíveis que se poderia pensar. Não havia muita coisa por lá, a não ser uma pequena cabana, sem luz elétrica ou qualquer luxo do mundo civilizado. Jane achou tudo horrível, mas Paul adorou o jeito rústico do lugar. Ele estava procurando por algo assim há bastante tempo, um refúgio que o tiraria da loucura dos Beatles e dos compromissos na carreira. Paul resolveu chamar seu rancho de High Park e em pouco tempo aquele seria um dos seus lugares preferidos.

Linda, a futura esposa de Paul, com seu jeito meio hippie, também adotaria a fazenda na Escócia como um dos melhores lugares para se estar. Paul e ela iam com regularidade para lá, onde ficavam isolados por semanas a fio. Nos primeiros meses Paul não modificou em nada a rudeza do lugar. Quando apareceu um buraco no teto ele mesmo tratou de consertar. Depois comprou equipamentos como um trator e começou uma criação de ovelhas. Acabou até mesmo seguindo a moda dos fazendeiros da região, deixando crescer uma grande barba vitoriana! Também mandou instalar energia elétrica, porque viver sem luz também já era demais! Assim quando Paul queria escapar das pressões era para lá que ele ia embora. Com as melhorias Paul foi levando cada vez mais coisas para High Park. Ele instalou praticamente um estúdio de gravação por lá, uma sugestão de Linda. E foi nesse lugar bucólico, isolado e de paz, que Paul acabou gravando seu primeiro disco solo. Em "McCartney", o álbum, Paul fez tudo. Ele compôs as canções, tocou todos os instrumentos sozinho, gravou sua parte vocal e depois produziu as fitas. Foi um disco de um homem só. Paul tinha intenção de colocar o LP para venda logo no começo de 1970, mas como era de se prever em termos do selo Apple logo surgiram problemas. John Lennon parecia disposto a sabotar o disco de Paul. E ele tinha uma arma bem poderosa em suas mãos, o novo disco dos Beatles, "Let It Be". John arquitetou um plano para lançar o novo disco dos Beatles na mesma semana em que o novo disco de Paul fosse lançado. Sua intenção era acabar com Paul nas lojas, gerando uma concorrência pesada no mercado.

Quando soube disso Paul ficou indignado! Se aquilo acontecesse realmente suas vendas seriam baixas, pois os fãs certamente iriam escolher o disco dos Beatles ao invés do seu. Provavelmente essa deslealdade de John tenha sido o motivo que Paul estava esperando para processar todo mundo. Em poucos dias Paul abriu um processo contra a companhia de Allen Klein, o novo empresário dos Beatles, contra a Apple e contra os Beatles. Amigos desde quando eram adolescentes Paul agora processava John, George e Ringo. Isso abriu uma verdadeira caixa de Pandora e de repente todos eles estavam processando a si mesmos. "O fim dos Beatles foi uma situação do tipo 'eu processo você e você me processa!" - lamentaria Ringo anos depois. Não haveria mais volta depois de algo assim.

Derek Taylor, que trabalhou muitos anos com os Beatles, resumiu bem os bastidores do grupo: "Na Apple havia todo tipo de coisa, menos paz e amor". Era uma frase irônica, um sarcasmo, sobre a diferença entre a imagem pública dos Beatles e as brigas sem fim que caracterizavam o cotidiano dos integrantes da banda. Quando Paul McCartney saiu dos Beatles em 1970 a primeira coisa que ele fez foi fundar sua própria empresa, a MPL. A partir de então tudo o que se referia a sua carreira seria administrada única e exclusivamente por ele mesmo, sem a interferência de empresários ladrões e agentes corruptos. Paul havia aprendido muito com o desastre da Apple e usou aquilo como experiência profissional, algo que ele não queria mais repetir. Já John, George e Ringo cometeram um erro fatal. Com a saída de Paul eles resolveram dar mais poder ainda ao empresário Allen Klein! John Lennon queria provar um ponto de vista para Paul, a de que Klein era realmente o nome certo para os Beatles. O problema é que ele não era. Em pouco tempo começaram a surgir denúncias de mal gerenciamento de Klein sobre os direitos dos Beatles. Ele foi acusado pela imprensa americana de ter ficado com a maior parte dos lucros do lançamento do álbum "Let It Be" nos Estados Unidos. Além disso havia forte indícios de que Klein estava vendendo para o mercado negro gravações inéditas da banda. Em poucas palavras: ele estava roubando os Beatles!

Paul McCartney obviamente se sentiu gratificado com tudo. Ele havia dito que Klein não era o nome certo para gerenciar os negócios dos Beatles e isso basicamente criou a crise que o fez abandonar o conjunto. John Lennon assim pagou caro por ter comprado essa briga. Em 1973 John cansado das histórias mal explicadas de Klein finalmente o demitiu. Lennon acreditava que o contrato do empresário havia chegado ao final e por isso não queria mais renová-lo. Klein alegou quebra de contrato e abriu processos milionários contra John, George, Ringo e Paul. Em relação a McCartney ele conseguiu se livrar da ação, principalmente ao provar nos tribunais que jamais havia assinado um documento considerado crucial na causa. John porém não teve a mesma sorte. Ele assinava tudo o que Klein colocava em sua frente. Acabou perdendo milhões de dólares por causa disso. Já a empresa Apple, que os Beatles tinham fundado, continuou as atividades, embora a própria banda já não mais existisse. "Uma situação surreal!" - resumiu Neil Aspinall, que ficou à frente do selo após a explosão dos Beatles nos tribunais. A EMI porém não abriria mão do contrato que os Beatles havia assinado, cuja duração previa o lançamento de discos até 1975. A situação acabou sendo resolvida em acordos individuais, onde cada um membro da banda gravaria seus discos solos que iriam valer para o cumprimento do contrato. Era uma saída que acabou poupando os ex-Beatles de novos processos e novas dores de cabeça.

O fim dos Beatles significou também o fim da amizade entre John, Paul e George. Apenas Ringo procurou manter a velha aproximação com seus ex-colegas de banda. Paul e John ficaram anos sem se falar. Só depois que houve uma trégua nos processos judiciais é que John e Paul ensaiaram uma rápida reaproximação. Sempre que ia até Nova Iorque Paul fazia esforços para encontrar John, indo em seu apartamento, mas quase nunca era muito bem sucedido. John não queria ter a mesma amizade de antes. Ele mesmo chegou a declarar em entrevistas que após o fim dos anos de escola era natural deixar os antigos amigos de lado, caso contrário isso significaria que você ainda não havia conseguido sair da adolescência. A coisa de ter um bando, nas próprias palavras de John, havia chegado ao fim.

A relação entre John e George era ainda mais tensa. Embora eles tenham chegado a tocar juntos novamente, John nunca mais se sentiria à vontade ao lado de George. Para Lennon o ex-beatle tinha uma espécie de mágoa misturada com decepção em relação a ele, tudo porque segundo John, ele havia ido embora de casa (dos Beatles). George tinha uma relação de pupilo e mestre em relação a John desde o começo do grupo. Ele era muito mais jovem do que John e o líder dos Beatles nunca o havia levado muito à sério, mesmo após tantos anos. "George vivia atrás de mim, me admirando e procurando que eu o ensinasse algo sobre a vida! Eu não quero ser mestre de ninguém!" - declarou Lennon, resumindo a questão. Além disso o próprio John havia ficado decepcionado com a biografia de George que em sua visão havia propositalmente apagado sua influência e ajuda após anos de apoio e incentivo dentro dos Beatles. Para John, George não passava de um ingrato, um sujeitinho que não lhe deu o reconhecimento devido após o fim dos Beatles. Depois da separação John e George poucas vezes se viram pessoalmente. Geralmente George tentava entrar em contato com John, inclusive fazendo ligações para ele, mas John não tinha muita vontade de encontrá-lo novamente ou manter uma amizade próxima. John encarava George como o garoto que Paul havia trazido para os Beatles anos antes. Nada muito além disso.

E se John e George não se davam mais muito bem o pior acontecia entre George e Paul. Harrison criou uma antipatia e uma aversão absoluta em relação a McCartney. Em várias ocasiões ele declarou que jamais gostaria de trabalhar novamente ao lado de Paul. Claro que anos depois engoliria todas as suas opiniões ao voltar a tocar ao lado de Paul em "Anthology", mas isso em nada amenizou o fato dele nunca mais sentir prazer ao gravar ao lado do ex-companheiro dos tempos dos Beatles. Nesse meio de tantas inimizades, o único que conseguiu manter um companheirismo com todos foi realmente Ringo. Ele, sempre com espírito conciliador, acabou sendo o único elo de ligação real entre os Beatles. Todo o resto se transformou em raiva, mágoa, decepção e indiferença. Uma das coisas que Paul lamentaria após o fim dos Beatles foi a forma como ele tratou Ringo Starr quando esse o visitou em sua casa em Londres para convencê-lo a segurar o lançamento de seu primeiro disco solo até que o novo disco dos Beatles, "Let It Be" finalmente chegasse nas lojas. Nessa ocasião Paul tratou muito mal Ringo, o xingando de todos os palavrões possíveis, o expulsando de sua casa, quase a pontapés! Eles jamais brigaram daquele jeito, mesmo após tantos anos de convívio nos Beatles.

"Foi uma vergonha!" - admitiria Paul anos depois. Ringo estava na casa de Paul para tentar convencer ele que Klein era o melhor nome para se tornar o empresário dos Beatles. "Eu nunca vou aceitar ele!" - gritou Paul. É interessante que anos depois Paul tenha admitido em entrevista que naquela época sentiu-se numa situação clara de "Eu contra eles", o que não deixava de ser verdade, mas que também tinha um pouco de paranoia envolvida. Decidido a abandonar os Beatles, Paul escreveu uma longa carta para John Lennon, explicando sua visão do assunto. Ao invés de responder com outra longa carta, Lennon simplesmente mandou como resposta uma foto sua, com um balãozinho de quadrinhos onde ele perguntava: "Basta dizer, onde, como e porquê". Era o velho besteirol Lenniano que Paul conhecia muito bem, desde os tempos do colégio quando eles se conheceram. De fato, nos últimos dias dos Beatles houve uma clara divisão na banda, de um lado Paul, do outro John, George e Ringo. Obviamente os três quartos restantes dos Beatles eram comandados por Lennon, capitaneado por ele. Os Beatles estavam rachados.

Durante uma entrevista John Lennon finalmente resumiu a questão ao dizer as frases: "Os Beatles estão mortos! Viva os Beatles" e a mais conhecida lápide da história sobre o fim de uma banda: "O Sonho Acabou!". Na verdade John Lennon sabia que não haveria volta. Um empresário de Nova Iorque resolveu oferecer uma fortuna por apenas um show dos Beatles na cidade, no Madison Square Garden, mas Lennon desconsiderou completamente a questão. "Dane-se, os Beatles não existem mais. Eu não sou mais aquele cara de terninho com uma guitarra cantando para um bando de garotas gritando! Isso é bobagem! Hoje eu sou um outro homem. Os Beatles jamais vão voltar simplesmente porque eles não existem mais. Eu não tenho mais 20 anos de idade. Não seria legal trazer Elvis de volta aos seus primeiros anos? Seria, mas é impossível. Isso é passado, se conformem!" - concluiu de forma avassaladora John, com seu conhecido pragmatismo ácido.

Um fato pouco conhecido dos fãs dos Beatles é que nos últimos momentos da banda houve uma derradeira tentativa de salvar os Beatles. Aconselhado por Allen Klein, John Lennon resolveu fazer um último esforço para ressuscitar o grupo. Uma sessão de gravação foi marcada nos estúdios de Abbey Road. George e Ringo confirmaram sua presença. Então John ligou para Paul informando a sessão, dizendo: "Vamos gravar na sexta. Estaremos esperando por você!". Paul não confirmou nada, ficou em silêncio. No dia marcado todos os três Beatles compareceram. A intenção era gravar um novo single dos Beatles. Seria o primeiro lançamento deles após o lançamento do álbum "Let It Be". Com vinte minutos de atraso John adentrou o Abbey Road. Encontrou George e Ringo na sala de controle. George Martin também estava lá, mas Paul... jamais apareceu! Ringo ainda perguntou aos companheiros de grupo: "Paul não virá, vamos gravar alguma coisa ou não?". Certamente os Beatles poderiam seguir em frente sem Paul. Várias sessões nos últimos tempos tinham acontecido sem um ou até mesmo dois Beatles. Aquela porém era uma sessão diferente. Era uma tentativa de manter os Beatles unidos. Tudo fracassou.

John não ficou magoado com Paul, ficou com raiva! Poucos dias depois ele resolveu dar uma entrevista para uma famosa revista de música americana e então abriram-se as portas do inferno. John Lennon deixou sua imagem de pacifista de lado e como uma metralhadora giratória disparou para todos os lados. Acusou Paul de tudo. Disse que McCartney dominava os demais Beatles, que só suas músicas ganhavam destaque nos discos do grupo, que ele boicotava as composições dos demais colegas, que ele tratava George e Ringo como seus músicos de apoio, como empregados. Pior do que isso, perguntado sobre o primeiro disco solo de seu ex-companheiro, John foi taxativo: "O disco de Paul é um lixo!". Nem o prestativo George Martin escapou da ira de John. Ele ofendeu o talentoso maestro, que tanto havia feito pelos Beatles por todos aqueles anos. Martin jurou que nunca mais trabalharia ao lado de Lennon em sua vida. Paul respondeu dizendo que John havia sido um babaca na entrevista. Aliás John havia sido um babaca em inúmeras ocasiões. Paul queria recomeçar, sem os Beatles, sem a Apple, sem Yoko e principalmente sem Allen Klein. Em sua fazenda isolada na Escócia Paul também explicou que John jamais o havia perdoado pelo fato dele ter barrado a entrada de Yoko Ono nos Beatles. Isso mesmo, durante as gravações do "White Album", John havia pedido apoio de todos para que Yoko Ono se tornasse parte dos Beatles. Paul disse não e então uma guerra interna começou para valer entre eles. E esse clima de tensão entre os dois acabou explodindo de vez quando John deu a sua infame entrevista em Nova Iorque. Os tempos sombrios tinham finalmente chegado.

Para que a Apple pudesse sobreviver os Beatles tiveram que morrer. Um aspecto curioso sobre o fim do grupo de rock mais famoso do mundo é que a empresa criada e idealizada por John Lennon conseguiu sobreviver ao fim do conjunto pelo qual foi criada. Após a dissolução de fato dos Beatles eles começaram uma ciranda de processos que duraria praticamente toda a década de 1970. No centro de todos esses processos estava justamente e luta pelo poder dentro da Apple. Quando essa empresa foi bolada por John Lennon ele queria que esse novo selo musical fosse aberto a qualquer pessoa de talento. Não seria mais preciso implorar para gravar um disco ou fazer alguma gravação. A ideia de John foi realmente boa, só que ninguém quis colocá-la em prática. Nenhum dos Beatles (talvez com exceção de Paul) quis realmente se envolver no dia a dia na empresa, administrá-la e gerir a imensa soma de dinheiro que circulava em seus balancetes.

O descaso imperou durante longos anos na Apple, até que no final dos anos 70 todos estavam cansados de tantas brigas judiciais. Ao invés de liquidar a Apple, dando a cada um dos ex-Beatles sua fatia do bolo, acabou-se optando por algo mais racional. A Apple não seria mais extinta e fechada. Ao contrário disso o selo continuaria a administrar o legado dos Beatles, mesmo que eles estivessem separados. O interesse nos Beatles nunca cessou. Ao contrário do que muitos pensavam os anos só consolidaram ainda mais a obra da banda. Os discos foram sendo relançados ao longo dos anos, com excelentes resultados comerciais. CDs, filmes, especiais de TV, tudo ainda estava de pé. E para administrar tudo, lá estava a Apple novamente no centro das atenções.

A Apple nasceu bagunçada e desorganizada, com aquele velho sonho do flower power que jamais daria certo dentro de uma corporação. A partir dos anos 80 porém a empresa começou a ser bem administrada, com a nomeação de executivos de negócios para gerenciá-la, tudo resultando em ótimos resultados financeiros. Paul, Ringo, George e Yoko (que herdou a parte de John), continuaram sócios e donos da Apple. O bom senso, que nunca havia prevalecido na época dos Beatles, finalmente tomou conta de todos. Hoje em dia a Apple ainda mantém o controle sobre os lançamentos dos Beatles no mercado, provando que mesmo com todos os problemas conseguiu resistir ao teste do tempo. No final de tudo o desastre da Apple levou os Beatles ao seu fim, mas paradoxalmente coube à mesma empresa manter viva a chama do maior grupo de rock da história.

Pablo Aluísio.

The Beach Boys - Surfin' Safari

The Beach Boys - Surfin' Safari
A resposta americana à invasão britânica não veio através de grupos ou cantores consagrados, mas sim de um grupo de jovens bem despretensiosos, que cantavam músicas bem simples, com letras louvando uma vida de surf e diversão. O Beach Boys acabou se tornando o grande rival dos Beatles nas paradas americanas. É interessante isso porque eles surgiram no mesmo ano em que os Beatles foram se firmando na carreira. Era 1962 e os dois conjuntos estavam prestes a travar uma batalha pelos primeiros lugares nas paradas americanas. Esse primeiro disco dos Beach Boys mostra bem com era a sua musicalidade nesses primeiros anos de carreira. As melodias eram irresistíveis e os vocais muito bem elaborados. As letras eram invariavelmente monotemáticas, sem nenhuma grande riqueza poética, porém os Beach Boys não posavam de intelectuais. Eles apenas gravavam músicas bonitas, bem melodiosas, para tocar entre os jovens enquanto eles estivessem na praia, esperando para pegar a próxima onda. A Capitol Records, que depois compraria os direitos autorais dos Beatles nos Estados Unidos, resolveu apostar nessa moçada.

O resultado, pelo menos do ponto de vista comercial, foi excelente. Em certos álbuns os Beach Boys conseguiam vender mais cópias que os próprios Beatles ou até mesmo Frank Sinatra, o grande nome contratado do selo. Era surpreendente isso, porém demonstrava que o mercado consumidor jovem era uma potência em termos comerciais. A gravadora ganhou muito, muito dinheiro mesmo com esses discos dos garotos da praia. Esse álbum tinha alguns dos maiores sucessos do grupo. Entre eles a própria faixa "Surfin' Safari". No mínimo era uma mistura esquisita. Safáris se faziam na África, não nas praias da Califórnia. E o que isso tinha a ver com surf? Não importa. O que era importante era o fato de que foi justamente essa gravação que levou os Beach Boys para a galeria dos artistas contratados pela Capitol. Eles enviaram uma fita demo para a Capitol e um dos executivos gostou muito do que ouviu. Ele qualificou a música como o "grande hit do próximo verão"!.

Acertou em cheio. Lançado como single 45 RPM, o disquinho vendeu muito, colocando os Beach Boys entre os 10 mais vendidos da Billboard. Um feito e tanto para um grupo novato e praticamente desconhecido. Foi a porta de entrada para que esse álbum fosse gravado. A Capitol tinha grandes planos para eles.
  
Pablo Aluísio.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Paul McCartney e os Wings

Os Beatles estavam destruídos. Por volta de 1969 Paul já sabia que o grupo não iria mais muito longe. Durante uma reunião na Apple (a empresa fundada pelo grupo) em Londres, Paul propôs que os Beatles tinham que voltar a fazer shows ao vivo. Ele lançou a proposta de fazer concertos em pequenos lugares, para pequenos públicos, talvez até mesmo usando outro nome, que não fosse Beatles. Era uma volta aos primeiros anos, para recuperar o prazer de tocar ao vivo. A resposta de John Lennon para a proposta de Paul foi a pior possível. Ele encarou o colega de banda e disparou: "Eu acho que você está louco, Paul!". John não tinha a menor intenção de tocar ao vivo de novo com os Beatles. O mesmo acontecia em relação a George Harrison. O pior aconteceu depois quando Lennon e Harrison trocaram socos por causa de uma desavença de negócios. Era isso, os Beatles se odiavam, não queriam mais trabalhar uns com os outros e a chegada de um novo empresário, não aceito por Paul, acabou decretando o fim do conjunto. Paul anunciou publicamente que estava fora e com isso abriu-se uma caixa de Pandora, com inúmeros processos e brigas sem fim.

Paul McCartney sabia que mais cedo ou mais tarde ele teria que voltar para a estrada. Embora tenha ficado financeiramente bem no fim dos Beatles o fato é que ele perdeu muito dinheiro ao longo dos anos. Nem sequer tinha mais os direitos sobre as próprias músicas que havia escrito - algumas delas entre as mais populares do século. O empresário Allen Klein que havia sido contratado por John Lennon enfrentava acusações de que estava roubando os Beatles e a Apple. Foi tudo muito feio, muito trágico. Paul não queria deixar os Beatles, para falar a verdade. Ele superou várias crises causadas pelos demais membros. Ringo, por exemplo, disse que ia deixar os Beatles ainda na época do White Album. Um dia ele simplesmente se levantou da bateria e foi embora. Só com muita diplomacia por parte de Paul ele decidiu voltar. George Harrison era um dos mais problemáticos. Ele não aceitava as sugestões de McCartney e se irritava com qualquer coisa, qualquer observação. Embora posasse como Hare Krishma, Harrison tinha uma personalidade extremamente difícil, era temperamental, tinha sempre uma frase mordaz para dizer e ofendia Paul diretamente. E John não ajudava em nada. Ele estava obcecado por Yoko Ono. Assim para Paul não sobrou outra alternativa do que pegar seu boné, ir embora e formar uma nova banda de rock. Ela já tinha até nome: Wings! Uma nova fase em sua carreira estava prestes a começar.

Logo no comecinho dos anos 70 Paul McCartney resolveu viajar para os Estados Unidos, para Nova Iorque. Ele tinha planos de gravar seu novo disco lá. O repertório era composto basicamente por canções compostas por Paul em sua fazenda na Escócia. Tudo foi feito da forma mais informal possível. Paul alugou um velho estúdio punk, que pertencia a um dos membros dos Ramones. Não era um estúdio sofisticado, nem tinha conforto algum. Na realidade parecia mais um velho porão cheio de poeira. Para Paul porém tudo estava bem, ele gostou do clima mais rústico do lugar. Obviamente Paul não queria repetir a experiência de seu primeiro disco solo, "McCartney" onde ele tocou todos os instrumentos, gravando o disco praticamente sozinho. Assim ele tinha que contratar músicos para acompanhá-lo. Todos os contatos foram feitos pessoalmente por Paul, sem a interferência de produtores, empresários, etc. Paul ligou pessoalmente para os músicos, os convidando para a sessão de gravação. Não haveria contratos escritos, nem nada do tipo. Paul pagaria pelo dia de gravação e após um aperto de mão hippie tudo estaria resolvido.

O primeiro contratado foi o baterista Denny Seiwell que mal sabia que estava prestes a gravar um disco ao lado do ex-beatle. Paul quis contratá-lo por uma semana. O pagamento foi feito e tudo estava resolvido. Dave Spinozza foi chamado para uma das guitarras. Paul queria que ele gravasse por seis dias, mas Dave já tinha compromissos e ele só poderia tocar por três dias. Por fim outro guitarrista foi contratado, Hugh McCracken. Era uma banda bem básica, sem luxos. Os trabalhos então começaram. Esse pacote de canções não se destacaria dentro da carreira de Paul, a não ser duas faixas que se tornariam hits, a bem elaborada "Uncle Albert / Admiral Halsey" e "Another Day" que se tornaria o primeiro single de grande sucesso da carreira solo de Paul. Depois das sessões em Nova Iorque Paul, Linda e as crianças viajaram para Los Angeles. onde o álbum seria mixado. McCartney resolveu chamar seu novo disco de "Ram", uma expressão que significava manter-se firme, aguentar o tranco. Era justamente o que Paul tinha que passar na época. Em breve ele teria que voltar para Londres para as tediosas sessões de julgamento do fim dos Beatles, onde Paul estava processando Allen Klein, o desonesto empresário dos Beatles. Paul também estava com pressa no lançamento de seu novo disco porque estava completamente sem dinheiro. Klein havia suspenso o pagamento de seus direitos na época dos Beatles e a parte que lhe cabia no selo Apple. Era imperativo colocar o novo disco nas lojas pois Paul estava completamente descoberto na questão financeira.

Depois de gravar "Ram" Paul se convenceu que precisava formar uma nova banda. Ele sentiu falta de gravar com um conjunto de verdade e não apenas com músicos contratados de estúdio. Inicialmente Paul pensou em formar um super grupo de rock, com Eric Clapton, Pete Townshend, Billy Preston e outros feras do rock mundial. Só a nata da música, porém depois desistiu dessa ideia pois não se sentia muito confortável de ter que passar por tudo de novo, com brigas de egos e confusões, como havia acontecido com os Beatles. Era melhor formar um novo grupo com músicos menos conhecidos, mas que fossem bons o suficiente para fazer um bom trabalho, tanto em estúdio, como em concertos ao vivo. Nesse aspecto um dos nomes que vieram à mente de Paul foi o de Denny Laine, do grupo The Moody Blues. Esse conjunto havia sido empresariado por Brian Epstein, o mesmo empresário dos Beatles, por isso Paul conhecia Laine muito bem, desde os primeiros tempos dos Beatles, quando ambos excursionavam juntos pela Inglaterra. Paul gostava de seu estilo e sabia que o The Moody Blues estava com a carreira praticamente estagnada, sem um sucesso há anos. Convidar Laine assim se tornou algo natural. Para o guitarrista o convite caiu do céu pois ele estava passando por dificuldades financeiras, com pilhas de contas para pagar. Sem trabalhar há muito tempo, a proposta de fazer parte do Wings foi realmente uma salvação.

O outro nome que Paul pensou para o grupo foi o da sua própria esposa Linda. Se John havia colocado Yoko Ono em sua banda, Paul faria o mesmo com sua patroa. O problema é que Linda era uma excelente fotógrafa, mas jamais havia tocado nenhum instrumento. Sua habilidade musical era zero. Ok, Linda havia participado timidamente da gravação de "Let It Be", fazendo vocais de apoio, mas se tornar uma das "instrumentistas" do Wings já era demais. Paul porém estava decidido e Linda entrou para a banda. Ele lhe ensinou alguns acordes no teclado, só para que ela não ficasse o palco parada, sem ter o que fazer. O núcleo central dos Wings estava completo, com Paul, Denny e Linda. Essa seria a sua formação básica, até que Paul teve uma ideia maluca! Será que John Lennon aceitaria fazer parte dos Wings? John era, segundo as próprias palavras de Paul, o único ex-Beatle que gostaria de trabalhar novamente. Eles estavam juntos desde a adolescência e Paul sabia que John era o parceiro ideal. As relações com George estavam péssimas desde as sessões de "Let It Be" e Paul não tinha a menor intenção de trabalhar de novo com ele. Ringo era apenas o baterista, não fazendo grande diferença, mas John... bem, John era o grande parceiro de sua vida! Só que após algumas semanas Paul chegou na conclusão que John jamais aceitaria tal convite depois da separação dos Beatles. Era uma ideia bizarra demais para virar realidade.

Pablo Aluísio. 

The Doors - Morrison Hotel

Em 1970 Jim Morrison já tinha ultrapassado todos os limites. Ele já havia sido preso, processado e execrado pela mídia por causa de alguns concertos muito loucos que havia feito ao lado de sua banda. Não havia mais espaço para a inocência. Quando não estava sendo massacrado pela imprensa ou prestando depoimento em algum tribunal, Jim procurava relaxar. Seu lugar preferido para isso era o bar mais próximo. Quanto mais vagabundo fosse o boteco, melhor para Jim. Ele adorava passar horas e horas ouvindo blues, bebendo muito, nesse tipo de lugar. E foi em um desses bares que ele teve duas ideias que pareciam brilhantes: um disco mais visceral, cru, com muitos blues intitulado simplesmente "Morrison Hotel", justamente o mesmo nome de um dos botequins que Jim mais apreciava.

Os Doors estavam mesmo precisando cumprir seus contratos com a gravadora. Desde que Jim tinha se metido em apuros legais, ele não havia entrado mais em estúdio. A lata estava vazia! O problema para os produtores era conseguir levar Jim para trabalhar sem que ele estivesse completamente bêbado ou narcotizado. Como seu lema preferido dizia: "Os excessos levam aos palácios da sabedoria". Pelos excessos que tinha cometido certamente, naquela altura de sua vida, Jim já poderia se considerar um sábio! De uma forma ou outra Jim prometeu cumprir o contrato, procurando beber menos durante a semana de gravações do novo álbum (algo que cumpriu apenas em parte pois em algumas faixas o ouvinte podia notar claramente que Jim estava embriagado!). Assim uma semana antes de entrar em estúdio Jim e os Doors se encontraram para os primeiros ensaios. Morrison havia escrito algumas letras, adaptado até mesmo velhos poemas de sua autoria. Como sempre o material era de primeira. Meio ao acaso, administrando o caos, então os Doors começaram a dar os primeiros acordes. O novo disco estava prestes a ser produzido.
 
O álbum "Morrison Hotel" começa com aquele que considero o melhor blues dos Doors, "Roadhouse Blues"! Que grande gravação! Dentro dos estúdios, quando os Doors se entrosavam completamente, eles conseguiam o melhor em termos musicais. Essa faixa é certamente uma das melhores da discografia do grupo, porém uma ressalva é importante. Embora seja uma das melhores gravações dos Doors, a melhor versão de "Roadhouse Blues" não está nesse disco. Uma versão ao vivo, maravilhosa, foi descoberta anos depois. Quem adquiriu o CD com a trilha sonora do filme "The Doors" de Oliver Stone certamente saberá do que estou escrevendo. Essa "Live Version" é seguramente a melhor performance do grupo interpretando esse blues. Contando com o calor e reação do público presente no concerto, esse é seguramente o auge dos Doors em relação a essa música. A Warner Music (atual detentora dos direitos autorais dos Doors) bem poderia lançar uma versão Luxe de "Morrison Hotel" com essa faixa. Ficaria perfeito. "Land Ho!" foi uma parceria entre Jim Morrison e o guitarrista Robby Krieger. Dentro dos Doors eles tinham uma amizade especial. Krieger sempre foi um cara na dele, introspectivo, até mesmo tímido. Morrison gostava muito dele. Ao contrário de sua relação ruim com o baterista John Densmore, Jim apreciava a companhia e a presença de Krieger ao seu lado. Desses encontros, geralmente no apartamento de Morrison, surgiram composições como essa. "Land Ho!" é uma expressão que significa "Terra à Vista!", sempre dita por marinheiros quando encontravam terra firme. A letra é uma referência indireta ao próprio pai de Jim, que era da Marinha dos Estados Unidos. Claro que para disfarçar um pouco Jim diz na letra que seu avô era um baleeiro, em um universo de ficção, porém fica óbvio desde os primeiros versos a associação com o velho pai. Eles sempre tiveram uma relação muito complicada, a ponto de certa vez Jim mentir durante uma entrevista dizendo que ele estava morto!

"The Spy" por sua vez tem uma carga erótica muito grande, embora quase ninguém tenha percebido isso ao ouvir a canção pela primeira vez. Jim Morrison tinha grande habilidade nas letras, conseguindo transmitir mensagens em linguagem cifrada que poucos conseguiam compreender de imediato. Versos como "Eu sou um espião na casa do amor" não eram tão inocentes como inicialmente poderiam soar. Para pessoas próximas Jim explicou que a letra havia sido escrita após uma aventura sexual pelas noites de Los Angeles (provavelmente com uma prostituta). Para que Pamela, a garota de Jim, não pirasse, ele resolveu colocar tudo sob um véu de metáforas, algumas parecendo simples banalidades românticas. Ficou bonita, com melodia envolvente. A primeira vez que ouvi "You Make Me Real" eu pensei comigo mesmo que essa canção era alegre demais para ter saído da pena de Jim Morrison. Realmente, o verdadeiro autor desse momento pra cima era o guitarrista Robby Krieger. Ele a compôs após um encontro com uma garota que estava apaixonado há muitos anos. Por isso o tom para cima, contagiante, como se alguém realmente comemorasse aquela noite. Algum tempo depois Jim declarou: "Eu nunca escrevi nem uma linha para You Make Me Real. Acho que Robbie colocou meu nome na autoria da música por amizade ou misericórdia, ou ambos, quem sabe..."

O bom e velho Jim Morrison só retorna mesmo em "Ship of Fools", um blues acelerado que ele pensou enquanto estava em uma mesa de bar da periferia de Los Angeles. No meio dos seus delírios alcoólicos ele escreveu as primeiras linhas. Depois como era de hábito enviou o esboço com cheiro de vodka e maconha para o tecladista Ray Manzarek. Morrison, como todos os fãs sabem, era um grande letrista e poeta, porém não entendia nada de notas musicais ou harmonia. Seu método de trabalho era justamente esse, escrevendo a poesia da música para que depois Manzarek e os demais Doors se virassem para compor arranjos e melodia. O curioso é que como foi provado esse tipo de  parceria sempre funcionava bem."Queen of the Highway" é uma homenagem de Jim às mulheres que conhecia pelas noites de Los Angeles. Diretamente ele não assumia isso por causa de seu relacionamento com Pamela, mas todos sabiam que a rainha da Highway era um protótipo ou uma imagem das milhares de prostitutas que ficavam nas pistas de alta velocidade da cidade para arranjar seus clientes. Jim achava muito interessante o estilo e modo de vida daquelas moças. Durante uma conversa de bar ele chegou a dizer que havia feito a música em homenagem a todas essas mulheres que lutavam por sua sobrevivência nas noites da cidade. Jim as admirava e as respeitava, acima de tudo.

Outra canção que também falava sobre as ditas "garotas de vida fácil" era "Maggie M'Gill". Essa segunda música sobre prostitutas já era mais complicada de disfarçar pois Jim resolveu homenagear a Maggie, uma garota que fazia ponto perto do bar onde ele bebia todos os dias. A letra é direta. Maggie contou a Jim que era uma garota do interior que apanhava do pai alcoólatra. Assim resolveu deixar seu passado para trás e foi para as ruas de Los Angeles ganhar sua vida. Jim ouviu tudo atentamente e disse a Maggie: "Farei uma canção em sua homenagem no meu próximo disco!". Promessa que aliás cumpriu justamente aqui nesse álbum, "Morrison Hotel"."Indian Summer" não foi gravada nas mesmas sessões das outras canções desse álbum "Morrison Hotel". Na verdade essa era uma faixa que estava arquivada na Elektra Records desde o ano anterior. Deveria ter saído como single, mas ficou perdida, no limbo, sem espaço na discografia oficial da banda. Antes que surgisse na praça em algum disco pirata acabou sendo encaixada aqui no disco. Não é um blues como as demais canções. É uma bela balada escrita por Robby Krieger que mais uma vez foi generoso, colocando Jim como parceiro na composição.

Outra que também não fez parte das sessões originais do "Morrison Hotel" foi "Waiting for The Sun". Essa destoa muito das outras músicas desse álbum. Ela foi gravada originalmente em 1968 e sabe-se lá a razão ficou pegando poeira nos arquivos da gravadora em Nova Iorque por dois anos! É uma composição que foi creditada a todos os membros do grupo  (John Densmore, Robby Krieger, Ray Manzarek e Jim Morrison), embora saiba-se que os que mais contribuíram mesmo para sua elaboração tenham sido Manzarek, Krieger (nos arranjos) e Morrison (na letra e nos versos). Sinceramente falando não gosto muito dessa música porque ela quebra o ritmo de "Morrison Hotel", se mostrando bem fora de rota mesmo da linha dorsal melódica desse disco."Peace Frog" por outro lado traz uma das melhores melodias do disco. Puro swing. Essa é mais uma criação do guitarrista Robbie Krieger que a compôs com sua guitarra (nada de violão ou piano). Por isso se nota o intenso uso do instrumento durante toda a execução. Curiosamente a voz de Morrison foi gravada em dois canais diferentes, dando a impressão de que ele também realiza os vocais de apoio a ele mesmo! Há até espaço para Jim declamar um verso de um de seus poemas. Outro aspecto digno de nota é que a fita original de gravação apresentou um pequeno defeito, o que levou muitos a pensaram que a cópia de vinil que tinham comprado nas lojas estava com defeito de fabricação. Não era! Foi um problema do rolo de gravação dentro do estúdio mesmo. O grupo percebeu o problema técnico, mas o take havia ficado tão bom que foi lançado assim mesmo. A baladinha "Blue Sunday" não acrescenta muito. Jim, com a voz encharcada de álcool (e outras coisinhas mais) canta a canção com convicção, mas sem maior envolvimento. A letra é um tanto banal, o que nos leva a pensar que foi composta exclusivamente por Krieger, já que Jim não era adepto de letras pueris e banais em excesso. Ele sempre preferia o excesso, até mesmo o barroco em seus textos. Afinal era exatamente isso que o levava aos pilares da sabedoria!

Pablo Aluísio.

domingo, 18 de dezembro de 2011

John Lennon, o Iconoclasta

Certa vez durante uma entrevista, em um raro momento de humildade (algo que convenhamos era raro em John) ele reconheceu que muitas vezes falava demais, além da conta. O entrevistador queria saber porque ele, John, sempre aparecia mais na imprensa do que seus colegas de banda. John explicou que ele falava demais e por isso havia a impressão de que ele era mais atuante que Paul, George e Ringo. Na verdade John não conseguia ver um microfone diante de si... em pouco tempo ele estava falando literalmente de tudo, do universo, das religiões e principalmente de política, algo que iria lhe trazer mais problemas do que soluções.

Certa vez vi uma entrevista de Paul McCartney dizendo que John muitas vezes se perdia e começava a falar bobagens em série. Era verdade. Sua frase "Os Beatles são mais populares do que Jesus Cristo" rendeu muitos problemas aos Beatles. Segundo explicou John depois que a confusão começou, ele apenas estava tentando explicar que para muitos jovens ingleses e americanos os Beatles tinha se tornado mais importantes em suas vidas do que as próprias religiões, o próprio cristianismo. Depois ele soltou a frase infeliz que iria surgir em manchetes pelo mundo afora. Muitos jovens, principalmente americanos batistas, promoveram grandes fogueiras para que outros jovens jogassem os discos dos Beatles nas chamas.

Inicialmente com pose de quem não estava nem aí para o que estava acontecendo, John teve que reconhecer que a coisa toda havia tomado proporções impensáveis. O novo single da banda não conseguia chegar mais ao primeiro lugar nos Estados Unidos e muitos analistas afirmaram que isso estava acontecendo simplesmente porque as rádios americanas estavam boicotando os Beatles. O empresário do grupo Brian Epstein então colocou John contra a parede - ele deveria ir a público explicar sua frase e principalmente se desculpar com os cristãos do mundo inteiro.

John assim o fez, mas as coisas nunca mais seriam como antes, essa é a verdade. Recuperar-se de algo assim não é uma coisa fácil de superar. Para piorar após a morte de Brian, John recomeçou as provocações contra o cristianismo. Na letra de "The Ballad of John And Yoko" ele usou um refrão claramente provocativo que dizia: "Do jeito que as coisas vão eles vão acabar me crucificando". E na carreira solo John se auto declarou ateu ao dizer numa de suas letras mais autorais de que não acreditava em Deus, nem em Elvis, nem nos Beatles, que ele só acreditaria mesmo nele mesmo e em Yoko. O curioso é que apesar do texto de sua própria letra John voltaria atrás de sua declaração ao dizer que "acreditava em uma força do universo" - uma forma dele reconhecer a existência de um criador. De uma maneira ou outra o Beatle jamais deixou de falar pelos cotovelos, mesmo a poucas semanas de sua morte. Além de falastrão John era também um iconoclasta, ou seja, tinha uma combinação explosiva dentro de si.

Pablo Aluísio.

Carrie Underwood - Blown Away

Pouca gente no Brasil conhece a cantora Carrie Underwood. Na verdade se trata de uma artista que, tirando os Estados Unidos, poucos países conhecem. Sim, ela é uma espécie de ídolo nacional dos WASPs. Também pudera, como vencedora do programa American Idol quem iria prestar atenção nela fora das fronteiras ianques? Pessoalmente já passei da época em minha vida de sair pesquisando sobre todo cantor ou cantora de que me chame a atenção. Em determinado ponto da sua vida haverá aqueles músicos que farão você gostar de uma ou outra música, ou até mesmo um CD inteiro, e isso definitivamente não significará que você sairá por aí atrás de maiores informações sobre sua vida e carreira. Como gosta de afirmar meu amigo Pablo Aluísio em determinado momento de nossas vidas chegamos na fase em que descobrimos que muito desse negócio de ser fã é coisa de adolescente e que a frase: "Chega de ídolos!" se torna um bom conselho, além de um chavão que deve ser seguido. Não somos mais garotos bobões! Já sou adulto mamãe!

Assim aqui vai algumas coisas que sei da Carrie: ela é loira bombshell, do tipo que os americanos adoram e tem uma boa voz que combina very bem com algumas canções que canta. Seu estilo está mais para pop-country, um sub-gênero que tem feito a cabeça da moçada jovem americana principalmente nos estados sulistas (entenda-se caipirada confederada). A grande maioria de suas músicas é assinada por ela mesma, mas isso significa pouca coisa pois todo mundo sabe que muitos desses artistas fabricados de hoje em dia compram composições de autores mortos de fome e as assinam como se fossem deles sem muita cerimônia. Money Talks! Tirando isso de lado gosto da loira, é aquele tipo de CD que eu toco no carro quando estou indo ao trabalho. Trânsito infernal já vou colocando a Carrie para cantar. É música de FM como diria os trintões da minha época. Hoje a moçada não sabe nem o que é rádio, imagine FM! Eu definitivamente também não vou me tornar em PHD em Carrie Underwood porque isso cansaria minha beleza nórdica. Assim quero apenas deixar a dica desse trabalho. Popzinho, inofensivo e bom de ouvir casualmente. Só não vá virar fã da moça, colocando posters dela pelo seu quarto porque isso seria definitivamente uma perda de tempo né garoto!

Pablo Aluísio.

sábado, 17 de dezembro de 2011

George Michael - Ladies & Gentlemen

Um CD duplo ideal para quem não tem paciência (ou simplesmente não quer) colecionar toda a discografia de George Michael. Esse é aquele tipo de artista que é muitas vezes prejudicado por aspectos de sua vida pessoal. Muitas pessoas infelizmente o deixaram de ouvir porque ele assumiu sua homossexualidade ou porque vira e mexe ele é explorado por jornais sensacionalistas ingleses que o retratam de forma muitas vezes pouco lisonjeira (para dizer o mínimo). Há tempos que deixei de idolatrar ídolos da música, afinal isso é coisa de adolescente, e por essa razão tenho me concentrado unicamente na música desses artistas.

Em relação a George Michael não importa se ele é gay, promíscuo e se envolve em situações constrangedoras a cada mês. O que vale mesmo a pena levar em conta é se ele produz música de qualidade e só! Até porque não estou atrás de ídolos, mas de boa música. Nesse ponto pode ficar tranquilo, pois como bem prova esse "Ladies & Gentlemen: The Best of George Michael" o astro não perdeu a mão em seu trabalho. George tem uma das melhores vozes do pop, tudo aliado a um refinado e bom gosto musical na seleção das canções que compõem esse trabalho. Em minha opinião George Michael deveria se concentrar cada vez mais em um repertório clássico, de grandes standards, pois ele tem o timbre ideal para isso. Sua vocalização é suave e ao mesmo tempo incrivelmente marcante, próprio para dar corpo a muitas dessas melodias do passado.

No total são 29 faixas, algumas pinceladas dos álbuns originais do cantor, outras remixadas ou remasterizadas para dar uma nova sonoridade e roupagem para as antigas gravações. Uma coisa que me chamou bastante a atenção foi que George Michael procurou não se concentrar apenas em seus grandes hits, mas sim em trazer para o ouvinte registros que ele considera realmente importantes em sua carreira. A seleção musical foi feita pelo próprio George Michael que desde o começo de sua carreira mantém controle quase absoluto sobre sua obra (mostrando que ele é bem esperto do ponto de vista corporativo). Assim ele mistura "Careless Whisper" e "Don't Let the Sun Go Down on Me", dois enormes sucessos radiofônicos, com momentos intimistas como "Desafinado" (sim, um dos maiores clássicos da bossa nova, composta por Antônio Carlos Jobim e seu parceiro Newton Mendonça). Essa gravação é surpreendente por vários motivos. Além de ser cantada em português, o cantor não escorrega no sotaque, apresentando um português (quase) perfeito. Credito isso aos longos períodos que passou no Brasil pois não é segredo para ninguém que um dos grandes amores de sua vida foi um namorado brasileiro que infelizmente morreu de AIDS. Enfim é isso, eis um bom presente de natal para pessoas queridas e próximas, afinal se elas forem pessoas de bom gosto musical certamente curtirão a lembrança.

Pablo Aluísio.

Bing Crosby - White Christmas

Época de natal! De repente você sente aquela vontade de ouvir músicas natalinas. Certo, muitas pessoas (com razão) não aguentam canções de natal por achar o material de maneira em geral muito brega e piegas. De certa forma praticamente noventa por cento é ruim de doer mesmo. Deixemos essa porcariada de lado. Vamos nos focar nos grandes clássicos de natal. Dentre eles talvez nenhuma música supere em importância e relevância a imortal "White Christmas". Essa canção é tão importante do ponto de vista cultural e comercial que é impossível não a ouvir sendo tocada em algum lugar durante esse período de festas. Do ponto de vista puramente musical ela tem um pedigree incrível pois foi escrita pelo genial Irving Berlin. Sua inspiração veio dos natais de sua infância, quando passou momentos inesquecíveis ao lado de seus pais. Aquele sentimento que provou quando era apenas um garoto jamais o abandonou. Curiosamente ele não tinha planos de compor a canção. Ele estava há dias compondo músicas para um editor de Nova Iorque quando parou para tomar um pouco de café. Entre um gole e outro, as notas foram surgindo em sua mente. Era época de natal então foi mesmo um encontro entre uma casualidade e uma época especial que acabou dando origem a uma obra prima.

A partitura acabou caindo nas mãos de Bing Crosby. Era 1942 e o mundo passava pelo trauma da II Guerra Mundial. Crosby queria gravar algo para os militares que estavam longe de casa, em trincheiras congeladas na Europa. Assim que ouviu "White Christmas" decidiu que aquela era a música que tanto procurava. No estúdio Crosby colocou o coração na ponta do microfone e criou um registro único e inesquecível. Ao seu lado músicos talentosos fizeram também sua parte. O acompanhamento vocal ficou com as delicadas garotas do Ken Darby Singers. E na parte instrumental brilhou o talento de todos os grandes músicos da John Scott Trotter and His Orchestra. Crosby acreditou que estava prestando uma singela homenagem aos soldados que estavam lutando na guerra e não tinha a menor ideia do que iria acontecer. O single com duas canções no lado B ("Let's Start the New Year Right" e "God Rest Ye Merry Gentlemen") pintou nas lojas americanas no natal do mesmo ano e foi um fenômeno de vendas. Pela primeira vez na história da indústria fonográfica dos Estados Unidos um disco conseguia vender mais de cinco milhões de cópias. Depois com as reedições a canção foi batendo recordes e mais recordes de vendagens, todos os anos, e hoje estima-se que no total "White Christmas" vendeu mais de cem milhões de cópias ao redor do mundo (sim, você não leu errado, cem milhões!!!). Uma linda música que merece servir de trilha sonora para a noite de natal de cada lar formado por pessoas de bom gosto musical.

Pablo Aluísio. 

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

The Doors - As Portas da Percepção

O lendário líder do grupo The Doors sempre estará envolto em mistérios. O rock sempre teve, em minha opinião, um lado negro, um aspecto enigmático, que nos causa a sensação de que há algo muito maior do que nós imaginamos. Essa é a impressão que tenho sobre o grupo de rock The Doors. Eu nunca os assisti ao vivo. Meu contato com a banda sempre veio através de seus discos e filmes. Em relação às composições posso dizer que são realmente geniais, um verdadeiro monumento musical. Se Jim Morrison fosse um automóvel ele certamente seria um Lamborghini clássico, daqueles bem raros e caros. Jim tinha um jeito único de compor e se apresentar. Era algo interessante, seu charme era também perigoso, tal como uma serpente que você sabe ser bela, mas que também pode lhe matar.

O ícone líder dos Doors só entrou no Rock and Roll Hall of Fame em 1993, talvez por ser perigoso demais. Ele era aquele tipo de cantor carismático que ofuscava todos os demais membros do grupo, tal como se fosse um Elvis Presley ou um Mick Jagger do rock psicodélico em fins dos anos 1960. É o tipo de artista que não lhe deixa com vergonha de admitir que é um verdadeiro ícone do rock em toda a sua essência. O legado de Jim Morrison não se resume porém aos seus discos ou gravações. Sua influência no comportamento e no modo de agir dos roqueiros foi profundo e visceral. Seus shows eram, conforme ele gostava de dizer, uma festa de amigos, de preferência sem convite nenhum, onde os tipos mais indigestos se encontravam para testar os limites da liberdade hedonista de seu tempo. Dentro da simbologia de Morrison existia justamente essa mensagem: a de que o excesso levaria aos portões da sabedoria. E Jim, provou com sua vida que acreditava plenamente nisso. Ele cometeu todos os excessos que você possa imaginar. Ganhou sabedoria? Seus escritos provam que sim, porém ele ganhou também uma passagem para o outro lado, como gostava de dizer e sondar.

Uma das coisas mais significativas da obra dos Doors é que eles nunca subestimaram seu público. Os Doors sabiam que como banda de rock iriam ter muitos jovens em sua platéia, mas isso não os furtavam de rechear suas letras de filosofia e teologia. Como eram universitários eles tinham uma bagagem intelectual acima da média e resolveram jogar tudo em suas letras (que também podem ser lidas tal como se fossem poemas, já que Jim também se considerava um poeta). Por isso o som dos Doors jamais vai deixar de tocar, nem que as portas da percepção um dia venham a ser fechadas.

The Doors ‎- Live In Miami 1969 - Todos que conhecem a história dos Doors sabem que Jim Morrison literalmente surtou em Miami. Ele estava bêbado e drogado quando seu grupo começou o show na cidade. Depois de algumas músicas tocadas sem o cantor - que era "ressuscitado" pelos promotores do evento nos bastidores - Jim adentrou ao palco com um enorme chapéu de cowboy, uma garrafa de whisky na mão e uma cabra! Coisa mais bizarra não poderia haver em um concerto de rock! E se você pensou que as loucuras pararam por aí, bom, não pararam! Jim começou a insultar o público, depois ameaçou tirar as calças até o chefe de polícia de Miami decidir que tudo aquilo tinha ido longe demais. Os policiais subiram ao palco e Jim foi preso ali mesmo, na frente de todo mundo! Esse caos completo foi registrado por poucas câmeras Super 8 e alguns fãs que gravaram tudo em seus equipamentos antigos (não se esqueça que estamos falando de 1969). Os registros amadores de toda essa confusão podem ser ouvidos aqui nesse CD. Não pense que ouvirá algo bom do ponto de vista musical. Na verdade o CD traz mesmo é o caos daquele desastroso concerto dos Doors. As poucas músicas tocadas corretamente o foram pelos demais membros da banda pois a partir do momento que Jim subiu ao palco a coisa toda saiu do controle. Caos é uma palavra amena demais para definir o que realmente aconteceu naquela noite em Miami.

The Doors ‎- Live In Miami 1969 
1 Back Door Man    
2 Five To One    
3 Touch Me    
4 Love Me Two Times    
5 When The Music's Over    
6 Wake Up    
7 Light My Fire

The Doors - Live At The Isle Of Wight Festival 1970 - Para quem gosta dos Doors está chegando nas lojas um DVD bem interessante. Trata-se de " Live At The Isle Of Wight Festival 1970" trazendo o concerto que o grupo fez no festival da ilha de Wight. Eu particularmente nunca gostei muito desse show. Jim Morrison, cheio de problemas pessoais, não parecia muito animado no concerto. Pendurado no microfone, como se fosse uma muleta, ele parecia nitidamente apenas cumprir uma obrigação. Não havia a mesma fúria de antes, dos tempos áureos do grupo. Aqui Jim parece mais preocupado em não causar problemas do que qualquer outra coisa. Ele estava sendo processado por causa de uma apresentação explosiva na Flórida, onde havia sido acusado de baixar as calças, mostrando seu pênis. Na Ilha de Wight ele se comportou, talvez em excesso. A boa notícia é que acabou cantando bem. Por isso gosto de dizer que esse show é melhor sendo ouvido do que assistido. Como CD ele funciona muito bem. Para assistir cai na monotonia várias vezes. A iluminação do palco também não ajuda, Imitando luzes de cabarets parisienses, tudo parece escuro demais, complicado de ver. Na penumbra o antigo Rei Lagarto virou um mero animal de estimação com coleira e tudo. Quem diria...

The Doors - Live At The Isle Of Wight Festival 1970
1. Roadhouse Blues / 2. Introductions / 3. Back Door Man / 4. Break On Through (To The Other Side) / 5. When The Music's Over / 6. Ship Of Fools / 7. Light My Fire / 8. The End / Across The Sea / Away In India / Crossroad Blues / Wake Up / Extras: 'This Is The End' - 17 minutos de entrevistas realizadas pelo diretor original do filme, MurrayLerner, vencedor do Oscar, com Krieger, Densmore e gerente original da Doors Bill Siddons.

Pablo Aluísio.

John Lennon - Os primeiros discos dos Beatles

Esse primeiro álbum dos Beatles foi gravado em poucas horas. Na época a EMI deu uma chance ao grupo, mas esse teria que se virar rapidamente, em poucas horas de estúdio, para finalizar os trabalhos. Nesse aspecto os anos em que eles davam duro em Hamburgo, na Alemanha. Se apresentando todos os dias, em shows longos, eles criaram a prática necessária para tocar bem, em poucos takes.

O resultado ficou muito bom, diríamos até mesmo histórico. O próprio John Lennon, que sempre havia sido um crítico mordaz dos primeiros discos dos Beatles até mesmo fez um mea culpa nos anos 70, quando morava em Nova Iorque. Ele reconheceu que "Please, Please Me" era bom, embora poderia ser melhor em sua opinião, caso eles tivessem mais experiência.

Ouvindo o disco nos dias de hoje podemos perceber que a opinião de Lennon era até bem válida, por causa do avanço que os Beatles iriam desenvolver nos anos seguintes. Comparada com os discos da segunda fase do grupo, de fato "Please, Please Me" parecia bem simples, até primitivo. Afinal não se conseguiria gravar um álbum com mais consistência numa época em que eles eram apenas quatro jovens, ainda deslumbrados pela oportunidade que estavam tendo em gravar um disco de estúdio. Era algo que nem eles acreditavam que um dia iria acontecer.

Pablo Aluísio.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

John Lennon - Imagine (1971)

John Lennon - Imagine
Algumas músicas definem toda a carreira de um artista. De certa forma é justamente isso que acontece com "Imagine", a música símbolo de John Lennon. De estrutura bem elaborada, a letra transmite com bastante êxito um resumo (diria até mesmo didático) do pensamento do ex beatle. Obviamente a mensagem do cantor e compositor pode soar simplista demais frente aos problemas da sociedade, porém temos que levar em conta que se trata da filosofia de um poeta, que não era (e para falar nem devia) tentar solucionar os conflitos da humanidade de forma analítica e pormenorizada. De forma sutil Lennon investe contra os Estados (e sua inerente necessidade de lutar pelas fronteiras nacionais), a religião (e seus eternos conflitos ideológicos e dogmáticos) e propõe uma espécie de sociedade livre de preconceitos e divisões. Escapismo poético vazio? Pode até ser, mas até que funciona bem, até mesmo nos dias atuais. Interessante notar que o arranjo funciona muito bem pois a canção foi gravada tal como composta (basicamente voz e piano - com o uso de bateria acrescida posteriormente, além de uma singela e discreta orquestração ao fundo que foi muito bem colocada não tirando a atenção do ouvinte da simplicidade da canção e arranjo). Sem dúvida um bom trabalho do produtor Phil Spector (curiosamente Yoko Ono também foi creditada como "produtora" do LP).

Embora "Imagine" tenha entrado para a cultura popular de forma definitiva o resto do disco não parece ter alcançado o mesmo alcance. "Imagine" é aquele tipo de álbum com uma faixa de trabalho extremamente superiora ao resto do conjunto. Um ícone pop seguido por coadjuvantes sem grande brilho próprio. Analisando friamente o resto do disco chegamos facilmente na conclusão que apenas "Jealous Guy" conseguiu se sobressair nas paradas e ser conhecida do grande público (embora hoje em bem menor escala). O resto das músicas não conseguiu abrir seu próprio espaço caindo em um (até injusto) esquecimento musical. O incrível é que o LP ficou muitos anos em catálogo (até mesmo no Brasil) mas isso definitivamente não ajudou na popularização das demais canções. Só a título de comparação podemos citar "Plastic Ono Band", um álbum bem menos popular, que conseguiu no mínimo destacar 3 faixas fortes (Mother, God e Working Class Hero) enquanto "Imagine", em seu conjunto, só conseguiu mesmo se sobressair em duas delas.

Dentre as faixas remanescentes podemos destacar algumas boas canções e outras nem tanto. Entre as ruins temos "I Don´t Wanna Be a Soldier" cuja letra tem sua importância mas que é infelizmente embalada por uma melodia enjoativa e derivativa que não leva à canção a lugar nenhum. Lennon aqui entra em um redemoinho melódico, se perdendo completamente dentro dele, não conseguindo sair mais. Por isso essa é certamente uma das músicas menos inspiradas do ex beatle em sua carreira solo. As baladas são bem melhores. "Oh My Love" é sinceramente bem conduzida e tem uma melodia linda, tudo resultando em um belo momento do disco. Um pouco menos relevante está "How?" que em certos momentos parece entrar numa encruzilhada melódica, embora felizmente tenha sido salva por causa de seu bom refrão. Yoko Ono também ganha sua música de homenagem, o countryzinho "Oh Yoko", simples mas agradável em sua pegada despretensiosa de contagiante felicidade. Nesse conjunto de coadjuvantes o grande erro de Lennon realmente é a faixa "How do You Sleep?", uma música feita exclusivamente para provocar e ofender seu ex colega de banda, Paul McCartney. Além de feia (e mal produzida) a música destoa completamente do tema proposto da faixa título, pois ao mesmo tempo em que prega a paz em "Imagine" Lennon solta farpas em relação ao ex parceiro nessa letra cheia de ressentimentos. Como conciliar tamanha contradição? Bom, entender isso é como tentar entender a personalidade de Lennon, algo nem sempre fácil de decifrar.

Imagine (John Lennon) - Certa vez Paul McCartney disse que John Lennon era um gênio, mas não um santo. Ele tinha toda a razão do mundo. John Lennon sabia como poucos escrever e compor grandes músicas, realmente maravilhosas, mas passava longe de ser uma alma pura, santificada. Em muitos momentos ele poderia soar completamente hipócrita. Veja o caso de "Imagine" considerada por muitos como a sua grande música na carreira após o fim dos Beatles. Em frases muito bem escritas John propõe um mundo sem fronteiras, sem propriedades e até mesmo sem religiões. Em determinado trecho John canta a frase "Imagine não existir posses, sem necessidade de ganância, Imagine todas as pessoas compartilhando...". Ok, nada de errado, tudo muito bonito a não ser pelo fato de que Lennon era proprietário de fazendas enormes nos Estados Unidos com centenas de milhares de cabeças de gado, onde o acesso de pessoas estranhas era completamente proibido. E o que dizer de seus vários apartamentos de luxo na parte mais cara de Nova Iorque? Não há nenhum sinal de que ele um dia os tenha compartilhado com ninguém, a não ser Yoko Ono e seu filho. "Imagine não existir nenhuma religião", afirma a letra em outro trecho. Ora, John foi fiel seguidor do Hinduísmo, depois se aproximou bastante do Budismo a ponto de se auto declarar Zen Budista em uma de suas últimas entrevistas. Suas frases contra o cristianismo também lhe trouxe muitos problemas, demonstrando que o próprio John Lennon tinha alguns problemas com as religiões dos outros. Assim soa mais do que uma hipocrisia em falar algo nesse sentido e ao mesmo tempo usar do sentimento religioso das demais pessoas para atacá-las de alguma maneira. Além de contraditório é certamente uma grande hipocrisia. Mesmo assim a canção "Imagine" ainda é um belo momento de sua carreira. Embora em muitos aspectos ele fosse realmente um grande hipócrita o fato é que John continuava muito talentoso para compor letras e melodias maravilhosas. Como disse Paul ele poderia não ser um santo (e não era mesmo), mas pelo menos continuava a ser um gênio musical.

Crippled Inside (John Lennon) - "Crippled Inside" (literalmente "Aleijado por Dentro") cria uma imagem sobre a auto percepção de se estar emocionalmente abalado, doente da alma. Claro que nos dias atuais o uso da palavra "Crippled" (aleijado) iria despertar muitos protestos, por causa do mundo politicamente correto em que vivemos. Porém na época em que a música chegou no mercado isso não foi colocado em debate. Eu gosto bastante desses versos. São simples, diretos, possuem uma mensagem fácil de captar, até mesmo por quem não tem uma visão muito abstrata da vida sentimental. Basicamente Lennon afirma que não importa as diversas máscaras exteriores que você tente usar para esconder o que está sentindo por dentro, pois elas nunca vão funcionar. Não adiantaria assim colocar sua melhor roupa, usar seus melhores sapatos, arrumar seu cabelo, estampar o mais falso sorriso, nada disso iria importar no final das contas. Nada iria esconder o fato de que você estaria aleijado por dentro, em seu interior. John costumava dizer que não era um poeta com formação intelectual, pois não tinha estudado para isso. No fundo ele era apenas um artista popular que expressava da melhor forma possível aquilo que pensava e sentia. Essa canção, com sua mensagem sendo bem direta, é um exemplo perfeito do que ele quis dizer. John tinha realmente razão sobre isso.

Jealous Guy (John Lennon) - "Jealous Guy" chegou a ser lançada em single e de certo modo conseguiu uma boa resposta por parte de público e crítica. É interessante notar que Lennon, nessa fase solo de sua carreira, começou a escrever obsessivamente sobre si mesmo, seu mundo e seus relacionamentos. Obviamente ele estava perdidamente apaixonado pela artista plástica Yoko Ono e de certa forma ela acabou se tornando o tema principal de praticamente todas as suas composições. Musicalmente, em termos de arranjo, as músicas de Lennon em sua carreira solo eram econômicas. Nada dos arranjos bem elaborados da época dos Beatles. Afinal nem George Martin e nem Paul McCartney estavam ao seu lado para enriquecer melodicamente as gravações. Era um som mais cru. Assim o interessante é mesmo prestar atenção nas letras, todas, como disse, autorais. "Jealous Guy" é um grande pedido de desculpas para Yoko. Eles tiveram uma briga, John foi acusado de ser um cara ciumento e assim ele, reconhecendo seu erro, escreveu essa letra. A mensagem é bem direta, sem rodeios

It's So Hard (John Lennon) - Por fim a última canção do álbum composta por John foi a confessional "It's So Hard". Essa música trazia outra declaração bem pessoal do cantor, mostrando suas dificuldades de seguir em frente. Na época John tinha muitos problemas, o governo americano queria deportá-lo, a imprensa o ridicularizava, ele tinha conflitos com Yoko Ono e a Apple, a empresa dos Beatles, que deveria ser um sopro de vitalidade no mundo empresarial, tinha se tornado uma fonte de dores de cabeça, com muitos processos na justiça, desvios de dinheiro, histórias mal contadas e brigas pelo controle acionário. Tudo acabou sendo resumido na primeira estrofe da letra quando John escreveu: "Você tem que viver. Você tem que amar. Você tem que ser alguém. Você tem que se superar. Mas é tão difícil, é realmente difícil. Às vezes eu sinto vontade de desistir."

Don't Wanna Be A Soldier Mama I Don't Wanna Die (John Lennon) - Para não ficar tão feio para John, mais à frente no álbum ele encaixou a canção " I Don't Wanna Be A Soldier Mama, I Don't Wanna Die" cuja letra era clara e direta, como convinha a John na época. A música intitulada "Eu não quero ser um soldado, mãe, eu não quero morrer" era obviamente uma mensagem contra a Guerra do Vietnã que na época estava no auge, com milhares de militares americanos sendo enviados para as florestas asiáticas para morrerem em uma guerra que nem eles mesmos entendiam direito. O curioso é que inicialmente bem recebida pela crítica americana logo começaram as represálias contra John. O governo de Richard Nixon considerou a música uma clara ofensa aos valores patrióticos da nação. John, por ser inglês e não ter ainda o green card (que lhe daria a nacionalidade norte-americana) logo virou alvo de um processo de deportação. Era considerado uma persona non grata pelo governo Nixon. Parte da imprensa americana também se virou contra ele, chegando ao ponto de eleger Lennon "O Palhaço do Ano". Como tinha o espírito de brigar por aquilo que acreditava logo Lennon comprou a briga, dando origem a uma luta que durou anos para ter o direito de viver e morar nos Estados Unidos.

Give me Some Truth (John Lennon) - Já em "Give me Some Truth" John pedia um pouco de verdade. Não era novidade para ninguém que John estava farto das mentiras dos políticos, da imprensa, dos ricos e poderosos. Assim ele compôs essa canção pedindo, na verdade clamando, por um pouco de verdade no mundo. O estilo era novamente bem direto, sem meias palavras. Chamando os políticos de suínos, Lennon destroçava o poder de manipulação da verdade dentro da sociedade. Essa é uma das letras mais polêmicas de John em "Imagine", Nos versos finais ele não apenas pede pela verdade, mas também por dinheiro para comprar drogas e uma corda! (uma óbvia referência ao suicídio). Não é a toa que Kurt Cobain do Nirvana considerava essa letra uma das melhores de Lennon em sua discografia solo. Essa porém não foi a opinião da crítica inglesa da época de lançamento do disco. Para muitos Lennon havia ido longe demais... Mal sabiam eles o que estaria por vir nos anos seguintes...

Oh My Love (John Lennon) - Como era de praxe também não faltou outra exaltação a Yoko Ono em "Oh My Love". É curioso que havia uma dualidade bem escondida ao público em relação ao relacionamento entre John e Yoko. Para o público, em canções como essa, John passava a imagem de estar vivendo o maior amor romântico do século. Não era verdade. O caso amoroso entre ele e Yoko tinha muitos problemas. Tantos que poucos meses depois da gravação de canções como essa, Yoko simplesmente deixou John. Foi dar um tempo. Não aguentava mais o estilo de vida dele, sua personalidade irascível e seus comportamentos doentios (como o abuso de drogas como a famigerada heroína).

How Do You Sleep? (John Lennon) - John Lennon era um sujeito bem contraditório. No mesmo álbum em que ele lançou o clássico da paz "Imagine" ele resolveu incluir uma canção que de pacífica não tinha nada. "How Do You Sleep?" havia sido composta para afrontar e agredir seu ex-companheiro dos Beatles, Paul McCartney. Ambos estavam se processando, o clima não era bom, John e Paul trocavam farpas pela imprensa e assim Lennon resolveu destroçar o antigo colega em uma canção que tinha apenas um objetivo: falar mal de Paul. "How Do You Sleep?" é apenas isso. Uma longa e agressiva indireta (ou melhor dizendo, direta mesmo) mensagem contra Paul McCartney. E o lado que John resolveu atacar foi o profissional. Entre outras coisas Lennon colocou em sua letra que a única coisa boa que Paul havia feito em sua carreira musical havia sido a canção "Yesterday". Obviamente um absurdo e uma mentira, mas John não quis saber, partiu para o ataque, deixando sua mensagem de "Imagine" no vácuo! Afinal como alguém poderia pregar tanto pacifismo em uma faixa para depois destruir seu próprio amigo e companheiro de banda? No mínimo uma contradição.

How? (John Lennon) - Finalizando a análise do álbum "Imagine" de John Lennon vamos tecer alguns comentários sobre as demais canções do disco. Como se sabe Lennon quis com esse lançamento voltar a ser um artista comercialmente bem sucedido. Seus primeiros LPs venderam mal e a crítica também não gostou muito. Assim John queria provar para a indústria fonográfica que ele ainda podia ser um artista de sucesso. Mesmo tentando voltar ao topo John também não abriu mão de continuar sendo bem autoral e sincero nas letras. Em "How?" ele aproveitou para desfilar uma série de questionamento existenciais que tinha em sua mente. A letra abre justamente com uma indagação sobre os próprios rumos de sua vida. De forma aberta John perguntava: "Como eu posso seguir em frente quando não sei que caminho escolher?"

Oh Yoko! (John Lennon) - O álbum "Imagine" segue em frente com a faixa "Oh Yoko!". Bom, desnecessário comentar muito. O título é auto explicativo. É mais uma música feita em homenagem à diva suprema de Lennon, Yoko Ono. Esse romance não foi dos mais tranquilos. A imprensa britânica não gostava de Yoko que para eles era apenas mais uma japonesa esquisita e bizarra. Lennon, que era bom de briga, também comprou um atrito com jornalistas ingleses, defendendo Yoko sempre que possível. E assim foi também em seus álbuns. Uma das críticas que jornais ingleses tinham feito em relação a John é que ele se mostrava muito submisso e dependente de Yoko após se apaixonar por ela. Assim John fez uma letra que era ao mesmo tempo uma afirmação sobre isso e uma auto paródia. Nela John surge sempre chamando Yoko, não importando o que estivesse fazendo: no banho, fazendo a barba, no meio de uma nuvem, ele sempre chamaria por Yoko! Pois é...

Pablo Aluísio.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

John Lennon e a Heroína

John Lennon e a Heroína - Um fato interessante revelado no livro "A Batalha pela Alma dos Beatles" do autor Peter Doggett, mostra ao leitor como John Lennon estava debilitado física e emocionalmente depois de anos de abuso da terrível droga chamada Heroína. Desde a fase final do grupo John já não conseguia mais compor ou cantar com a mesma qualidade, simplesmente porque passava por longos períodos de abuso de drogas.

É interessante que de todos os membros dos Beatles ele foi aquele que caiu mais fundo nas drogas. Seu estado era tão precário que em determinado momento sua esposa Yoko Ono resolveu fretar um avião para levá-lo até as ilhas Virgens onde John teria que passar por um tratamento de recuperação. O problema é que ele não queria largar as drogas e como todos sabemos uma rehab desse tipo só traz bons resultados quando se conta com a vontade de se libertar do próprio viciado.

John porém se sentia muito bem abusando de várias drogas ao mesmo tempo. Além da sempre presente heroína ele ainda usava maconha, cocaína e LSD em doses fartas. Era como se diz no meio um verdadeiro junkie! Sua dependência era tamanha que nem quando ia até a Apple - a empresa que controlava os negócios dos Beatles - ele conseguia ficar sem se drogar. Inevitavelmente John pedia por comprimidos contra dor de cabeça e laxantes, pois estava sempre passando mal, vomitando, por causa das drogas. Em certo momento durante uma reunião com homens de negócios ele declarou, sem vergonha alguma: "Esperem, preciso de cocaína para levar essa reunião em frente. Vou até o banheiro e já volto".

Essa pasmaceira artística se refletiu em sua carreira solo. Em termos absolutos, de vendas de discos, John foi o menos bem sucedido dos Beatles. Seus primeiros discos venderam mal, pois o público não aguentava muito a presença completamente opressora e invasiva de Yoko Ono nesses primeiros trabalhos. John em determinado momento decidiu que seria um artista de vanguarda, mas isso definitivamente não vendia bem. Quando George Harrison conseguiu transformar seu primeiro disco solo em um dos mais vendidos dos anos 70, John reagiu com fúria, dizendo que o ex-colega de banda não tinha nem dez por cento de seu talento. Pois é, além de abusar muito das drogas John não conseguia também controlar seu lado mais mesquinho.

Pablo Aluísio.

Elvis Presley - Promised Land Outtakes

Elvis Presley - Promised Land Outtakes
O lançamento das sessões de gravação do álbum "Promised Land" trouxe curiosidades interessantes e divertidas para os fãs de Elvis. Algumas faixas como o ensaio de "Love Song Of The Year" mostram como Elvis estava se divertindo nos estúdios. Essa canção em particular tem uma das melodias mais melancólicas de toda a discografia do cantor, mas quem disse que ele em algum momento a leva à sério nesse registro? Elvis brinca o tempo todo, tirando onda com a letra, com seu grupo vocal de apoio, com a banda, com tudo. Esse foi um ensaio bem descompromissado, que Elvis aproveitou para brincar, rir e se divertir ao máximo.

O mesmo acontece com a faixa seguinte "Thinking About You" onde Elvis começa os vocais imitando a voz do coelho Pernalonga. Não demora muito e tudo desbanca para a pura zoeira, principalmente quando Elvis muda o estilo da música, virando um blues bem sem noção! Na verdade Elvis apenas passa a letra, e o grau de insanidade vai às alturas quando ele começa a cantar do nada um refrão de uma canção de natal! Estranho, mas divertido, no final das contas. Depois todos tentam entrar no espírito certo da música, tentando levar à sério dessa vez. Começa assim o take 3, praticamente perfeito. Essa versão inclusive tem uma suavidade e uma levada muito boa, poderia até vir a se tornar a versão oficial se Elvis não cometesse pequenos deslizes pelo meio do caminho.

Eu sempre gostei muito do country old school "Your Love's Been A Long Time Coming". Nesse CD temos a oportunidade de ouvir várias versões. Algumas começam muito bem, mas acabam dando errado por coisas que acontecem no estúdio. O take 2 começa de forma perfeita, mas alguém deixa cair algo bem no meio da gravação, fazendo com que Elvis interrompa sua interpretação! O take 3 é bem melhor. Nesse podemos ouvir como mais nitidez a segunda voz de apoio do vocalista de Elvis, algo que não acontece com a versão oficial do álbum original. Elvis estava pesadão na época, mas isso em nada atrapalhava sua performance que considero acima da média. Esse take só se estraga no finalzinho quando Elvis resolve brincar novamente, colocando tudo a perder!

O take 2 de "Promised Land" presente nesse CD é excelente, inclusive com uma ótima introdução de bateria que ficou fora da versão oficial. O pique é um pouco menos intenso em relação à master, Elvis parece ainda estar se familiarizando com a letra de Chuck Berry, algo normal de acontecer. Ele inclusive chega a se perder um pouco pelo meio do caminho, mas nada muito fora do normal. James Burton, como sempre arrasa nesse registro. Excelente guitarrista. "Mr Songman" é de uma beleza incrível. Alguém toca órgão no começo da gravação - Elvis fica em silêncio, só ouvindo. Depois pergunta de forma divertida "Ei cara, onde você está indo?". Depois troca algumas piadas com as vocalistas. Esse registro é ótimo porque mostra parte dos bastidores das sessões, com Elvis sempre muito bem humorado. A vocalização surge praticamente perfeita. Essa canção tem uma melodia maravilhosa. Pura beleza em forma de notas musicais.

Pablo Aluísio.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

O Estranho Casamento de John e Yoko

Recentemente tive acessos a alguns livros biográficos que revelam os detalhes do estranho casamento entre John e Yoko. Existia um casamento de fachada, para ser exibido ao público e outro bem estranho, privado, segundo esses autores. Tomando como depoimento os relatos de pessoas próximas ao casal como empregados, amigos e até mesmo a astróloga e numeróloga preferida de Yoko podemos tecer um retrato desse casamento fora do comum.

Havia um problema com drogas por parte de John Lennon. Ele havia se viciado em heroína, uma droga realmente devastadora. Seu abuso levou Lennon a um estado lastimável, onde ele não conseguia mais produzir, nem compor nada. A relação entre o casal era tensa dentro de sua esfera privada. Segundo Peter Doggett, autor do livro "A Batalha pela Alma dos Beatles", Yoko Ono não gostava de sexo, pois em sua visão feminista achava que essa era uma invasão ao seu corpo, uma atitude praticamente desrespeitosa. Isso levava John à loucura, procurando por prostitutas de luxo ou então tentando seduzir outras mulheres na presença de Yoko, para provocar ciúmes nela, para quem sabe assim conseguir levá-la para a cama. Quase nunca dava certo!

Outro fato perturbador é que Lennon tinha uma dependência absurda de Yoko. Dependência em nível psicológico até. Quando sua esposa assumia todo o controle o ex-Beatle ficava completamente isolado, sem ver ninguém de fora. Para Doggett isso era reflexo do fato de que Lennon sempre vivera com mulheres de personalidades fortes, como sua tia Mimi, assim ele se sentia melhor com uma mulher que o dominasse em todos os aspectos de sua vida. Era algo muito próximo a uma submissão total. Por essa razão também John passou anos sem ver seu filho Julian. Só o fez quando Yoko deu a devida autorização.

Não seria por outra explicação que quando se separou de Yoko Ono na primeira metade dos anos 70 (período que John se referia como "O fim de semana perdido") ele voltou a se relacionar novamente com os velhos amigos, se tornou sociável, chegou inclusive a cogitar seriamente uma volta com os demais parceiros, ressuscitando os Beatles. Porém quando Yoko o chamou de volta ele voltou a se desligar de tudo - não quis mais saber de discos, shows ou aproximações com seus ex companheiros de banda. A vida voltava para o isolamento completo, para a reclusão total, sob ordens estritas de Yoko Ono.

Pablo Aluísio.

Roxette e os anos 80

Recentemente tivemos a notícia da morte da cantora sueca Marie Fredriksson. Ela era um dos pilares do grupo pop Roxette. É curioso que o Roxette, que era sueco, tenha sido um dos grupos mais populares dos anos 80. Na década anterior outro grupo pop da mesma Suécia tinha se tornado extremamente popular no mundo todo, o Abba. Assim o Roxette de certa forma era o herdeiro legítimo desse posto dentro do cenário musical internacional.

E apesar de tudo, das críticas e dos jornalistas especializados em música que sempre torceram o nariz para esse tipo de som, o fato é que hoje em dia esse tipo de banda faz uma falta e tanto nas rádios e no cenário musical do mundo.

Isso porque o lixo que se lança hoje em dia fica muito abaixo da qualidade das canções desse tipo de grupo. No meio de vários álbuns lançados pelo Roxette você consegue pinçar verdadeiras jóias musicais. Eles eram muito bons nos temas mais românticos. E os arranjos também surpreendiam, sejamos sinceros. Após tantos anos a sonoridade ficou meio datada? Ficou, claro, mas ainda agrada bastante. Inegável isso.

Então você achava o Roxette ruim e o Abba pior ainda? Já parou para ouvir o que se toca nas rádios atualmente? É tudo muito ruim, mas ruim mesmo! A maioria das músicas nem mereciam esse título. Não há harmonia, não há melodia, letras então, nem se fala. Por isso fica a saudade do pop meloso e pegajoso do Roxette. As músicas eram cheias de clichê sim, porém em sua simplicidade conseguiram trazer uma trilha sonora para uma época que hoje em dia soa bem nostálgica. Por isso não subestime bandas como essa, que aliás passou muito longe do rótulo de "grupo de um sucesso só" que era muito utilizado em artistas dos anos 80. Isso porque o Roxette de fato colecionou inúmeros sucessos. E provavelmente você nem saiba que conhece tantas canções desses suecos que marcaram época no pop internacional.

Pablo Aluísio.