Em 1970 Jim Morrison já tinha ultrapassado todos os limites. Ele já havia sido preso, processado e execrado pela mídia por causa de alguns concertos muito loucos que havia feito ao lado de sua banda. Não havia mais espaço para a inocência. Quando não estava sendo massacrado pela imprensa ou prestando depoimento em algum tribunal, Jim procurava relaxar. Seu lugar preferido para isso era o bar mais próximo. Quanto mais vagabundo fosse o boteco, melhor para Jim. Ele adorava passar horas e horas ouvindo blues, bebendo muito, nesse tipo de lugar. E foi em um desses bares que ele teve duas ideias que pareciam brilhantes: um disco mais visceral, cru, com muitos blues intitulado simplesmente "Morrison Hotel", justamente o mesmo nome de um dos botequins que Jim mais apreciava.
Os Doors estavam mesmo precisando cumprir seus contratos com a gravadora. Desde que Jim tinha se metido em apuros legais, ele não havia entrado mais em estúdio. A lata estava vazia! O problema para os produtores era conseguir levar Jim para trabalhar sem que ele estivesse completamente bêbado ou narcotizado. Como seu lema preferido dizia: "Os excessos levam aos palácios da sabedoria". Pelos excessos que tinha cometido certamente, naquela altura de sua vida, Jim já poderia se considerar um sábio! De uma forma ou outra Jim prometeu cumprir o contrato, procurando beber menos durante a semana de gravações do novo álbum (algo que cumpriu apenas em parte pois em algumas faixas o ouvinte podia notar claramente que Jim estava embriagado!). Assim uma semana antes de entrar em estúdio Jim e os Doors se encontraram para os primeiros ensaios. Morrison havia escrito algumas letras, adaptado até mesmo velhos poemas de sua autoria. Como sempre o material era de primeira. Meio ao acaso, administrando o caos, então os Doors começaram a dar os primeiros acordes. O novo disco estava prestes a ser produzido.
O álbum "Morrison Hotel" começa com aquele que considero o melhor blues dos Doors, "Roadhouse Blues"!
Que grande gravação! Dentro dos estúdios, quando os Doors se entrosavam
completamente, eles conseguiam o melhor em termos musicais. Essa faixa é
certamente uma das melhores da discografia do grupo, porém uma ressalva
é importante. Embora seja uma das melhores gravações
dos Doors, a melhor versão de "Roadhouse Blues" não está nesse disco.
Uma versão ao vivo, maravilhosa, foi descoberta anos depois. Quem
adquiriu o CD com a trilha sonora do filme "The Doors" de Oliver Stone
certamente saberá do que estou escrevendo. Essa "Live Version" é
seguramente a melhor performance do grupo interpretando esse blues.
Contando com o calor e reação do público presente no concerto, esse é
seguramente o auge dos Doors em relação a essa música. A Warner Music
(atual detentora dos direitos autorais dos Doors) bem poderia lançar uma
versão Luxe de "Morrison Hotel" com essa faixa. Ficaria perfeito. "Land Ho!"
foi uma parceria entre Jim Morrison e o guitarrista Robby Krieger.
Dentro dos Doors eles tinham uma amizade especial. Krieger sempre foi um
cara na dele, introspectivo, até mesmo tímido. Morrison gostava muito
dele. Ao contrário de sua relação ruim com o baterista John Densmore,
Jim apreciava a companhia e a presença de Krieger ao seu lado. Desses
encontros, geralmente no apartamento de Morrison, surgiram composições
como essa. "Land Ho!" é uma expressão que significa "Terra à Vista!",
sempre dita por marinheiros quando encontravam terra firme. A letra é
uma referência indireta ao próprio pai de Jim, que era da Marinha dos
Estados Unidos. Claro que para disfarçar um pouco Jim diz na letra que
seu avô era um baleeiro, em um universo de ficção, porém fica óbvio
desde os primeiros versos a associação com o velho pai. Eles sempre
tiveram uma relação muito complicada, a ponto de certa vez Jim mentir
durante uma entrevista dizendo que ele estava morto!
"The Spy"
por sua vez tem uma carga erótica muito grande, embora quase ninguém
tenha percebido isso ao ouvir a canção pela primeira vez. Jim Morrison
tinha grande habilidade nas letras, conseguindo transmitir mensagens em
linguagem cifrada que poucos conseguiam compreender de imediato. Versos
como "Eu sou um espião na casa do amor" não eram tão inocentes como
inicialmente poderiam soar. Para pessoas próximas Jim explicou que a
letra havia sido escrita após uma aventura sexual pelas noites de Los
Angeles (provavelmente com uma prostituta). Para que Pamela, a garota de
Jim, não pirasse, ele resolveu colocar tudo sob um véu de metáforas,
algumas parecendo simples banalidades românticas. Ficou bonita, com
melodia envolvente. A primeira vez que ouvi "You Make Me Real" eu pensei comigo
mesmo que essa canção era alegre demais para ter saído da pena de Jim
Morrison. Realmente, o verdadeiro autor desse momento pra cima era o
guitarrista Robby Krieger. Ele a compôs após um encontro com uma garota
que estava apaixonado há muitos anos. Por isso o tom para cima,
contagiante, como se alguém realmente comemorasse aquela noite. Algum
tempo depois Jim declarou: "Eu nunca escrevi nem uma linha para You Make
Me Real. Acho que Robbie colocou meu nome na autoria da música por
amizade ou misericórdia, ou ambos, quem sabe..."
O bom e velho Jim Morrison só retorna mesmo em "Ship of Fools",
um blues acelerado que ele pensou enquanto estava em uma mesa de bar da
periferia de Los Angeles. No meio dos seus delírios alcoólicos ele
escreveu as primeiras linhas. Depois como era de hábito enviou o esboço
com cheiro de vodka e maconha para o tecladista Ray Manzarek. Morrison,
como todos os fãs sabem, era um grande letrista e poeta, porém não
entendia nada de notas musicais ou harmonia. Seu método de trabalho era
justamente esse, escrevendo a poesia da música para que depois Manzarek e
os demais Doors se virassem para compor arranjos e melodia. O curioso é
que como foi provado esse tipo de parceria sempre funcionava bem."Queen of the Highway"
é uma homenagem de Jim às mulheres que conhecia pelas noites de Los
Angeles. Diretamente ele não assumia isso por causa de seu
relacionamento com Pamela, mas todos sabiam que a rainha da Highway era
um protótipo ou uma imagem das milhares de prostitutas que ficavam nas
pistas de alta velocidade da cidade para arranjar seus clientes. Jim
achava muito interessante o estilo e modo de vida daquelas moças.
Durante uma conversa de bar ele chegou a dizer que havia feito a música
em homenagem a todas essas mulheres que lutavam por sua sobrevivência
nas noites da cidade. Jim as admirava e as respeitava, acima de tudo.
Outra canção que também falava sobre as ditas "garotas de vida fácil" era "Maggie M'Gill".
Essa segunda música sobre prostitutas já era mais complicada de
disfarçar pois Jim resolveu homenagear a Maggie, uma garota que fazia
ponto perto do bar onde ele bebia todos os dias. A letra é direta.
Maggie contou a Jim que era uma garota do interior que apanhava do pai
alcoólatra. Assim resolveu deixar seu passado para trás e foi para as
ruas de Los Angeles ganhar sua vida. Jim ouviu tudo atentamente e disse a
Maggie: "Farei uma canção em sua homenagem no meu próximo disco!".
Promessa que aliás cumpriu justamente aqui nesse álbum, "Morrison
Hotel"."Indian Summer" não foi gravada nas mesmas sessões das outras
canções desse álbum "Morrison Hotel". Na verdade essa era uma faixa que
estava arquivada na Elektra Records desde o ano anterior. Deveria ter
saído como single, mas ficou perdida, no limbo, sem espaço na
discografia oficial da banda. Antes que surgisse na praça em algum disco
pirata acabou sendo encaixada aqui no disco. Não é um blues como as
demais canções. É uma bela balada escrita por Robby Krieger que mais uma
vez foi generoso, colocando Jim como parceiro na composição.
Outra que também não fez parte das sessões originais do "Morrison Hotel" foi "Waiting for The Sun".
Essa destoa muito das outras músicas desse álbum. Ela foi gravada
originalmente em 1968 e sabe-se lá a razão ficou pegando poeira nos
arquivos da gravadora em Nova Iorque por dois anos! É uma composição que
foi creditada a todos os membros do grupo (John Densmore, Robby
Krieger, Ray Manzarek e Jim Morrison), embora saiba-se que os que mais
contribuíram mesmo para sua elaboração tenham sido Manzarek, Krieger
(nos arranjos) e Morrison (na letra e nos versos). Sinceramente falando
não gosto muito dessa música porque ela quebra o ritmo de "Morrison
Hotel", se mostrando bem fora de rota mesmo da linha dorsal melódica
desse disco."Peace Frog" por outro lado traz
uma das melhores melodias do disco. Puro swing. Essa é mais uma criação
do guitarrista Robbie Krieger que a compôs com sua guitarra (nada de
violão ou piano). Por isso se nota o intenso uso do instrumento durante
toda a execução. Curiosamente a voz de Morrison foi gravada em dois
canais diferentes, dando a impressão de que ele também realiza os vocais
de apoio a ele mesmo! Há até espaço para Jim declamar um verso de um de
seus poemas. Outro aspecto digno de nota é que a fita original de
gravação apresentou um pequeno defeito, o que levou muitos a pensaram
que a cópia de vinil que tinham comprado nas lojas estava com defeito de
fabricação. Não era! Foi um problema do rolo de gravação dentro do
estúdio mesmo. O grupo percebeu o problema técnico, mas o take havia
ficado tão bom que foi lançado assim mesmo. A baladinha "Blue Sunday"
não acrescenta muito. Jim, com a voz encharcada de álcool (e outras
coisinhas mais) canta a canção com convicção, mas sem maior
envolvimento. A letra é um tanto banal, o que nos leva a pensar que foi
composta exclusivamente por Krieger, já que Jim não era adepto de letras
pueris e banais em excesso. Ele sempre preferia o excesso, até mesmo o
barroco em seus textos. Afinal era exatamente isso que o levava aos
pilares da sabedoria!
Pablo Aluísio.
Music! - Pablo Aluísio
ResponderExcluirThe Doors - Morrison Hotel - Parte 1
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É estranho como a Jim historia do Morrison é parecida com a do Kurt Cobain inclusive na tragédia prematura.
ResponderExcluirIsso, só que comparando no quesito vocal /cantor, o Jim era muito mais talentoso. Cantava muito...
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