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quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

John Lennon - Imagine (1971)

John Lennon - Imagine
Algumas músicas definem toda a carreira de um artista. De certa forma é justamente isso que acontece com "Imagine", a música símbolo de John Lennon. De estrutura bem elaborada, a letra transmite com bastante êxito um resumo (diria até mesmo didático) do pensamento do ex beatle. Obviamente a mensagem do cantor e compositor pode soar simplista demais frente aos problemas da sociedade, porém temos que levar em conta que se trata da filosofia de um poeta, que não era (e para falar nem devia) tentar solucionar os conflitos da humanidade de forma analítica e pormenorizada. De forma sutil Lennon investe contra os Estados (e sua inerente necessidade de lutar pelas fronteiras nacionais), a religião (e seus eternos conflitos ideológicos e dogmáticos) e propõe uma espécie de sociedade livre de preconceitos e divisões. Escapismo poético vazio? Pode até ser, mas até que funciona bem, até mesmo nos dias atuais. Interessante notar que o arranjo funciona muito bem pois a canção foi gravada tal como composta (basicamente voz e piano - com o uso de bateria acrescida posteriormente, além de uma singela e discreta orquestração ao fundo que foi muito bem colocada não tirando a atenção do ouvinte da simplicidade da canção e arranjo). Sem dúvida um bom trabalho do produtor Phil Spector (curiosamente Yoko Ono também foi creditada como "produtora" do LP).

Embora "Imagine" tenha entrado para a cultura popular de forma definitiva o resto do disco não parece ter alcançado o mesmo alcance. "Imagine" é aquele tipo de álbum com uma faixa de trabalho extremamente superiora ao resto do conjunto. Um ícone pop seguido por coadjuvantes sem grande brilho próprio. Analisando friamente o resto do disco chegamos facilmente na conclusão que apenas "Jealous Guy" conseguiu se sobressair nas paradas e ser conhecida do grande público (embora hoje em bem menor escala). O resto das músicas não conseguiu abrir seu próprio espaço caindo em um (até injusto) esquecimento musical. O incrível é que o LP ficou muitos anos em catálogo (até mesmo no Brasil) mas isso definitivamente não ajudou na popularização das demais canções. Só a título de comparação podemos citar "Plastic Ono Band", um álbum bem menos popular, que conseguiu no mínimo destacar 3 faixas fortes (Mother, God e Working Class Hero) enquanto "Imagine", em seu conjunto, só conseguiu mesmo se sobressair em duas delas.

Dentre as faixas remanescentes podemos destacar algumas boas canções e outras nem tanto. Entre as ruins temos "I Don´t Wanna Be a Soldier" cuja letra tem sua importância mas que é infelizmente embalada por uma melodia enjoativa e derivativa que não leva à canção a lugar nenhum. Lennon aqui entra em um redemoinho melódico, se perdendo completamente dentro dele, não conseguindo sair mais. Por isso essa é certamente uma das músicas menos inspiradas do ex beatle em sua carreira solo. As baladas são bem melhores. "Oh My Love" é sinceramente bem conduzida e tem uma melodia linda, tudo resultando em um belo momento do disco. Um pouco menos relevante está "How?" que em certos momentos parece entrar numa encruzilhada melódica, embora felizmente tenha sido salva por causa de seu bom refrão. Yoko Ono também ganha sua música de homenagem, o countryzinho "Oh Yoko", simples mas agradável em sua pegada despretensiosa de contagiante felicidade. Nesse conjunto de coadjuvantes o grande erro de Lennon realmente é a faixa "How do You Sleep?", uma música feita exclusivamente para provocar e ofender seu ex colega de banda, Paul McCartney. Além de feia (e mal produzida) a música destoa completamente do tema proposto da faixa título, pois ao mesmo tempo em que prega a paz em "Imagine" Lennon solta farpas em relação ao ex parceiro nessa letra cheia de ressentimentos. Como conciliar tamanha contradição? Bom, entender isso é como tentar entender a personalidade de Lennon, algo nem sempre fácil de decifrar.

Imagine (John Lennon) - Certa vez Paul McCartney disse que John Lennon era um gênio, mas não um santo. Ele tinha toda a razão do mundo. John Lennon sabia como poucos escrever e compor grandes músicas, realmente maravilhosas, mas passava longe de ser uma alma pura, santificada. Em muitos momentos ele poderia soar completamente hipócrita. Veja o caso de "Imagine" considerada por muitos como a sua grande música na carreira após o fim dos Beatles. Em frases muito bem escritas John propõe um mundo sem fronteiras, sem propriedades e até mesmo sem religiões. Em determinado trecho John canta a frase "Imagine não existir posses, sem necessidade de ganância, Imagine todas as pessoas compartilhando...". Ok, nada de errado, tudo muito bonito a não ser pelo fato de que Lennon era proprietário de fazendas enormes nos Estados Unidos com centenas de milhares de cabeças de gado, onde o acesso de pessoas estranhas era completamente proibido. E o que dizer de seus vários apartamentos de luxo na parte mais cara de Nova Iorque? Não há nenhum sinal de que ele um dia os tenha compartilhado com ninguém, a não ser Yoko Ono e seu filho. "Imagine não existir nenhuma religião", afirma a letra em outro trecho. Ora, John foi fiel seguidor do Hinduísmo, depois se aproximou bastante do Budismo a ponto de se auto declarar Zen Budista em uma de suas últimas entrevistas. Suas frases contra o cristianismo também lhe trouxe muitos problemas, demonstrando que o próprio John Lennon tinha alguns problemas com as religiões dos outros. Assim soa mais do que uma hipocrisia em falar algo nesse sentido e ao mesmo tempo usar do sentimento religioso das demais pessoas para atacá-las de alguma maneira. Além de contraditório é certamente uma grande hipocrisia. Mesmo assim a canção "Imagine" ainda é um belo momento de sua carreira. Embora em muitos aspectos ele fosse realmente um grande hipócrita o fato é que John continuava muito talentoso para compor letras e melodias maravilhosas. Como disse Paul ele poderia não ser um santo (e não era mesmo), mas pelo menos continuava a ser um gênio musical.

Crippled Inside (John Lennon) - "Crippled Inside" (literalmente "Aleijado por Dentro") cria uma imagem sobre a auto percepção de se estar emocionalmente abalado, doente da alma. Claro que nos dias atuais o uso da palavra "Crippled" (aleijado) iria despertar muitos protestos, por causa do mundo politicamente correto em que vivemos. Porém na época em que a música chegou no mercado isso não foi colocado em debate. Eu gosto bastante desses versos. São simples, diretos, possuem uma mensagem fácil de captar, até mesmo por quem não tem uma visão muito abstrata da vida sentimental. Basicamente Lennon afirma que não importa as diversas máscaras exteriores que você tente usar para esconder o que está sentindo por dentro, pois elas nunca vão funcionar. Não adiantaria assim colocar sua melhor roupa, usar seus melhores sapatos, arrumar seu cabelo, estampar o mais falso sorriso, nada disso iria importar no final das contas. Nada iria esconder o fato de que você estaria aleijado por dentro, em seu interior. John costumava dizer que não era um poeta com formação intelectual, pois não tinha estudado para isso. No fundo ele era apenas um artista popular que expressava da melhor forma possível aquilo que pensava e sentia. Essa canção, com sua mensagem sendo bem direta, é um exemplo perfeito do que ele quis dizer. John tinha realmente razão sobre isso.

Jealous Guy (John Lennon) - "Jealous Guy" chegou a ser lançada em single e de certo modo conseguiu uma boa resposta por parte de público e crítica. É interessante notar que Lennon, nessa fase solo de sua carreira, começou a escrever obsessivamente sobre si mesmo, seu mundo e seus relacionamentos. Obviamente ele estava perdidamente apaixonado pela artista plástica Yoko Ono e de certa forma ela acabou se tornando o tema principal de praticamente todas as suas composições. Musicalmente, em termos de arranjo, as músicas de Lennon em sua carreira solo eram econômicas. Nada dos arranjos bem elaborados da época dos Beatles. Afinal nem George Martin e nem Paul McCartney estavam ao seu lado para enriquecer melodicamente as gravações. Era um som mais cru. Assim o interessante é mesmo prestar atenção nas letras, todas, como disse, autorais. "Jealous Guy" é um grande pedido de desculpas para Yoko. Eles tiveram uma briga, John foi acusado de ser um cara ciumento e assim ele, reconhecendo seu erro, escreveu essa letra. A mensagem é bem direta, sem rodeios

It's So Hard (John Lennon) - Por fim a última canção do álbum composta por John foi a confessional "It's So Hard". Essa música trazia outra declaração bem pessoal do cantor, mostrando suas dificuldades de seguir em frente. Na época John tinha muitos problemas, o governo americano queria deportá-lo, a imprensa o ridicularizava, ele tinha conflitos com Yoko Ono e a Apple, a empresa dos Beatles, que deveria ser um sopro de vitalidade no mundo empresarial, tinha se tornado uma fonte de dores de cabeça, com muitos processos na justiça, desvios de dinheiro, histórias mal contadas e brigas pelo controle acionário. Tudo acabou sendo resumido na primeira estrofe da letra quando John escreveu: "Você tem que viver. Você tem que amar. Você tem que ser alguém. Você tem que se superar. Mas é tão difícil, é realmente difícil. Às vezes eu sinto vontade de desistir."

Don't Wanna Be A Soldier Mama I Don't Wanna Die (John Lennon) - Para não ficar tão feio para John, mais à frente no álbum ele encaixou a canção " I Don't Wanna Be A Soldier Mama, I Don't Wanna Die" cuja letra era clara e direta, como convinha a John na época. A música intitulada "Eu não quero ser um soldado, mãe, eu não quero morrer" era obviamente uma mensagem contra a Guerra do Vietnã que na época estava no auge, com milhares de militares americanos sendo enviados para as florestas asiáticas para morrerem em uma guerra que nem eles mesmos entendiam direito. O curioso é que inicialmente bem recebida pela crítica americana logo começaram as represálias contra John. O governo de Richard Nixon considerou a música uma clara ofensa aos valores patrióticos da nação. John, por ser inglês e não ter ainda o green card (que lhe daria a nacionalidade norte-americana) logo virou alvo de um processo de deportação. Era considerado uma persona non grata pelo governo Nixon. Parte da imprensa americana também se virou contra ele, chegando ao ponto de eleger Lennon "O Palhaço do Ano". Como tinha o espírito de brigar por aquilo que acreditava logo Lennon comprou a briga, dando origem a uma luta que durou anos para ter o direito de viver e morar nos Estados Unidos.

Give me Some Truth (John Lennon) - Já em "Give me Some Truth" John pedia um pouco de verdade. Não era novidade para ninguém que John estava farto das mentiras dos políticos, da imprensa, dos ricos e poderosos. Assim ele compôs essa canção pedindo, na verdade clamando, por um pouco de verdade no mundo. O estilo era novamente bem direto, sem meias palavras. Chamando os políticos de suínos, Lennon destroçava o poder de manipulação da verdade dentro da sociedade. Essa é uma das letras mais polêmicas de John em "Imagine", Nos versos finais ele não apenas pede pela verdade, mas também por dinheiro para comprar drogas e uma corda! (uma óbvia referência ao suicídio). Não é a toa que Kurt Cobain do Nirvana considerava essa letra uma das melhores de Lennon em sua discografia solo. Essa porém não foi a opinião da crítica inglesa da época de lançamento do disco. Para muitos Lennon havia ido longe demais... Mal sabiam eles o que estaria por vir nos anos seguintes...

Oh My Love (John Lennon) - Como era de praxe também não faltou outra exaltação a Yoko Ono em "Oh My Love". É curioso que havia uma dualidade bem escondida ao público em relação ao relacionamento entre John e Yoko. Para o público, em canções como essa, John passava a imagem de estar vivendo o maior amor romântico do século. Não era verdade. O caso amoroso entre ele e Yoko tinha muitos problemas. Tantos que poucos meses depois da gravação de canções como essa, Yoko simplesmente deixou John. Foi dar um tempo. Não aguentava mais o estilo de vida dele, sua personalidade irascível e seus comportamentos doentios (como o abuso de drogas como a famigerada heroína).

How Do You Sleep? (John Lennon) - John Lennon era um sujeito bem contraditório. No mesmo álbum em que ele lançou o clássico da paz "Imagine" ele resolveu incluir uma canção que de pacífica não tinha nada. "How Do You Sleep?" havia sido composta para afrontar e agredir seu ex-companheiro dos Beatles, Paul McCartney. Ambos estavam se processando, o clima não era bom, John e Paul trocavam farpas pela imprensa e assim Lennon resolveu destroçar o antigo colega em uma canção que tinha apenas um objetivo: falar mal de Paul. "How Do You Sleep?" é apenas isso. Uma longa e agressiva indireta (ou melhor dizendo, direta mesmo) mensagem contra Paul McCartney. E o lado que John resolveu atacar foi o profissional. Entre outras coisas Lennon colocou em sua letra que a única coisa boa que Paul havia feito em sua carreira musical havia sido a canção "Yesterday". Obviamente um absurdo e uma mentira, mas John não quis saber, partiu para o ataque, deixando sua mensagem de "Imagine" no vácuo! Afinal como alguém poderia pregar tanto pacifismo em uma faixa para depois destruir seu próprio amigo e companheiro de banda? No mínimo uma contradição.

How? (John Lennon) - Finalizando a análise do álbum "Imagine" de John Lennon vamos tecer alguns comentários sobre as demais canções do disco. Como se sabe Lennon quis com esse lançamento voltar a ser um artista comercialmente bem sucedido. Seus primeiros LPs venderam mal e a crítica também não gostou muito. Assim John queria provar para a indústria fonográfica que ele ainda podia ser um artista de sucesso. Mesmo tentando voltar ao topo John também não abriu mão de continuar sendo bem autoral e sincero nas letras. Em "How?" ele aproveitou para desfilar uma série de questionamento existenciais que tinha em sua mente. A letra abre justamente com uma indagação sobre os próprios rumos de sua vida. De forma aberta John perguntava: "Como eu posso seguir em frente quando não sei que caminho escolher?"

Oh Yoko! (John Lennon) - O álbum "Imagine" segue em frente com a faixa "Oh Yoko!". Bom, desnecessário comentar muito. O título é auto explicativo. É mais uma música feita em homenagem à diva suprema de Lennon, Yoko Ono. Esse romance não foi dos mais tranquilos. A imprensa britânica não gostava de Yoko que para eles era apenas mais uma japonesa esquisita e bizarra. Lennon, que era bom de briga, também comprou um atrito com jornalistas ingleses, defendendo Yoko sempre que possível. E assim foi também em seus álbuns. Uma das críticas que jornais ingleses tinham feito em relação a John é que ele se mostrava muito submisso e dependente de Yoko após se apaixonar por ela. Assim John fez uma letra que era ao mesmo tempo uma afirmação sobre isso e uma auto paródia. Nela John surge sempre chamando Yoko, não importando o que estivesse fazendo: no banho, fazendo a barba, no meio de uma nuvem, ele sempre chamaria por Yoko! Pois é...

Pablo Aluísio.