quarta-feira, 12 de janeiro de 2005

Elvis Presley - Double Trouble (1967)

Logo no começo de junho de 1966 Elvis viajou para Nashville para passar o mês inteiro se dedicando a sessões de gravação. No dia 10 começou a maratona. Elvis entrou no RCA Studio B para uma sessão de gravação de músicas avulsas. A RCA queria material para lançamento em singles e bonus songs em trilhas sonoras. Elvis queria acima de tudo gravar material de qualidade, longe dos pacotes vindos de Hollywood. Acabou gravando apenas três faixas, todas ótimas. "Indescribably Blue", "I'll Remember You" e "If Every Day Was Like Christmas" demonstravam que o talento do cantor continuava intacto, sem máculas. O que faltava mesmo era repertório de valor. A intenção de Elvis inicialmente era ficar em Nashville para aproveitar o embalo e gravar sua nova trilha sonora nos estúdios da cidade, onde se sentia à vontade ao lado de sua banda habitual.

A MGM porém não pensava assim. Os executivos consideraram bem caro gravar nos estúdios da RCA em Nashville e procurando ter controle completo sobre os trabalhos enviaram um telegrama a Elvis para que ele fosse imediatamente para a costa oeste para gravar as músicas do novo filme em West Hollywood no bem equipado Radio Recorders. Aqui Elvis gravaria quatro das músicas da futura trilha, curiosamente algumas delas consideradas das melhores do filme. "City by Night", "Could I Fall in Love?" e "There Is So Much World to See" ficaram praticamente prontas. A MGM porém não estava satisfeita e transferiu Elvis e banda mais uma vez de estúdio. Visando cortar ainda mais os custos todos foram enviados para o M.G.M. Sound Stage 1 em Culver City. Não era um lugar apropriado, pois geralmente era usado para dublagens em animações e filmes da empresa. O som certamente ficaria ruim, abaixo do que era considerado aceitável pelos fãs de Elvis. 

Foram programadas três noites de gravação, mas todos sabiam que Elvis poderia finalizar a trilha sonora em apenas uma noite se estivesse particularmente produtivo. Logo na primeira sessão Presley confirmou as expectativas. Em pouco tempo ele já tinha chegado nas versões definitivas de "Double Trouble", "Baby, if You'll Give Me All of Your Love", "I Love Only One Girl", "Old MacDonald" e "Long Legged Girl". Em pouco menos de 50 minutos de sessão Elvis já tinha gravado praticamente a metade do disco, um feito que deixou o produtor Jeff Alexander surpreso! Na noite seguinte Elvis foi ainda mais rápido, terminando os trabalhos da trilha sonora em menos de 40 minutos. Muitos podem achar que isso era um retrato da falta de capricho das trilhas sonoras - de fato algumas canções não levaram mais do que quatro ou cinco takes para ficarem prontas, mas esse tipo de rapidez era uma característica de Elvis desde os seus primeiros anos na RCA Victor.

Na última noite programada Elvis não apareceu - e nem precisava já que tinha terminado sua parte nas gravações. Apenas alguns músicos foram ao estúdio para gravar linhas de seus instrumentos para serem usados nas gravações caso o produtor assim desejasse. Infelizmente o álbum era mais uma daquelas trilhas sonoras fracas de Hollywood. Geralmente Elvis recebia uma semana antes das gravações as fitas de demonstração das canções gravadas em Nova Iorque. Esse material era enviado para que Presley pudesse memorizar as músicas. Ele obviamente odiou a maioria do material, mas teve que se calar sobre isso pois tinha que cumprir os contratos que havia assinado. Durante as sessões Elvis não se mostrou empolgado, pelo contrário, ficou claro que ele estava ali por puro profissionalismo. Não havia qualquer sentimento de satisfação por gravar todas aquelas canções plastificadas.

Double Trouble (D. Pomus / M. Shuman) - Uma decepção! Claro que a partir de 1965 as trilhas sonoras de Elvis vinham descendo ladeira abaixo em termos de qualidade e por essa razão estavam sendo ignoradas pelo público e destruídas pela crítica, mas todos os fãs esperavam pelo menos por uma boa canção título do filme, ainda mais depois que foi divulgado que seria escrita pela excelente dupla de compositores Doc Pomus e Mort Shuman. Infelizmente o que se nota é que eles não se empenharam muito em dessa vez escrever algo melhor. Alguns especialistas creditam isso ao fato do Coronel Parker ter estipulado um teto máximo para o valor das canções que eram vendidas a Elvis. Como não era algo expressivo os compositores, inclusive os bons, já não se esforçavam muito para escrever algo melhor. Uma atitude do tipo "Para o preço que você está pagando essa música já está de bom tamanho". Uma pena porque realmente não é uma grande canção e para piorar sua gravação deixa bastante a desejar.

Baby If You Give All Or Your Love (Joy Byers) - Joy Byers foi responsável por salvar algumas das piores trilhas sonoras da carreira de Elvis. Até não podiam ser consideradas grandes músicas, mas eram divertidas e contavam com Elvis, quase sempre, empolgado em disponibilizar uma grande performance. Curiosamente todas as músicas que recebiam essa assinatura foram na verdade compostas por Bob Johnston, que era o marido de Byers na época. Ele usou o nome da esposa para escapar de um contrato com cláusula de exclusividade que tinha com outra editora musical. Nos anos 1980, após o fim do casamento, Joy e Bob acabaram tendo problemas judiciais sobre direitos autorais dessas canções gravadas por Elvis Presley por essa razão. Em entrevista ela declarou: "Foi uma honra ter meu nome nos discos de Elvis! Imagine, eu era uma típica dona de casa dos anos 60. Isso me enche de orgulho até hoje!".

Could I Fall In Love (Randy Starr) - Nas trilhas sonoras de Elvis dos anos 60 não podiam faltar baladas românticas. Era uma necessidade imposta pelos próprios roteiros de Hollywood, afinal sempre haveria cenas em que Elvis cortejaria a mocinha. O próprio Elvis brincava sobre isso ao dizer que em seus filmes sempre tinham dois tipos de cenas básicas que se repetiam todas as vezes, quando ele cantava para alguma garota ou quando socava algum desafeto. Nessa cena em particular Elvis coloca um single para tocar para a atriz Annete Day (uma estrelinha sem expressão). No final ele acaba dublando a si mesmo (no papel de Guy Lambert).

Long Legged Girl (J.L. Mc Farland / W. Scotty) - Essa foi a canção de trabalho do filme, ou seja, a música que a RCA Victor trabalhou para divulgar em rádios na época. Também foi lançado em um single que no final das contas não fez qualquer barulho nas paradas. As razões do fracasso comercial são facilmente perceptíveis. Curta demais, com letra adolescente e mal gravada, não era para fazer sucesso mesmo. Muitos criticaram a má equalização da canção, com uma guitarra fora de tom, estridente e irritante. Era mais um sinal de que as gravações de Elvis continuavam a não ter o tratamento sonoro adequado por parte de sua gravadora. Um sinal de que as trilhas sonoras já tinham dado tudo o que podiam dar e que mais cedo ou mais tarde deveriam ser deixadas de lado definitivamente.

City By Night (Giant / Baum / Kaye) - A pior tragédia para um artista que começa a ser ignorado por público e crítica é que em determinado momento de sua carreira, mesmo que ele venha a produzir algo de bom novamente, ninguém mais prestará atenção. Esse é o caso dessa gravação. No meio de uma trilha sonora realmente fraca temos essa boa faixa que acabou passando em branco até pelos fãs. "City By Night" tem um ritmo que nos remete a um jazz mais tradicional. Possui bons arranjos e uma melodia inspirada. Infelizmente como fazia parte do pacote "Double Trouble" ninguém parou para prestar atenção. Curiosamente a canção foi composta pelo trio Giant, Baum e Kaye que já tinham escrito grandes bobagens em filmes anteriores de Elvis, o que acabou afastando ainda mais qualquer possibilidade da música vir a ter algum destaque.

Old MacDonald (Randy Starr) - É como ter Elvis Presley cantando "Atirei o Pau no Gato!" em um disco. Não dá. Esse tipo de gravação acabou destruindo a imagem de cantor sério de Elvis. Tudo bem que as crianças podem até vir a se divertir, isso apesar de Elvis a cantar pessimamente mal (em determinado momento ele quase cai na gargalhada), Nada porém justifica uma bobagem desse tamanho em um dos seus discos. Apenas a saturação completa de seu repertório justificaria tal gravação. A cena no filme também é igualmente ruim e constrangedora, com Elvis soltando a voz na parte de trás de um caminhão cheio de animais. Uma lástima sem conserto.

I Love Only One Girl (S. Tepper / R.C. Bennett) - Segue a sina da canção anterior, ou seja, é bobinha, maçante e chatinha demais para ser levada à sério. Perceba que por essa época havia gente como Bob Dylan (isso mesmo, Bob Dylan!) implorando para que Elvis gravasse suas músicas e o que os responsáveis pela carreira de Elvis faziam? Não apenas recusavam sua oferta como o colocavam para cantar musiquinhas bobas como essa! Eu sinceramente até hoje não sei como a carreira musical de Elvis não acabou de vez depois dele ter gravado tanto material sem qualidade por anos e anos. Elvis era tão talentoso e carismático que conseguiu sobreviver até mesmo ao Coronel Parker, à RCA e à MGM, que pareciam estar juntos, firmes no objetivo de acabarem com seu prestígio artístico.

There´s Too Much World To See (Randy Starr) - Mais uma composição de Randy Starr. Na verdade ele era dentista! Isso mesmo que você leu. Nas horas vagas esse dentista de Nova Iorque resolveu que iria compor algumas músicas. Ao se associar a uma editora musical jamais pensaria que iria ter Elvis Presley, o maior ídolo musical de sua época, gravando suas "obras primas"! E qual era o segredo para Starr ter tido mais de vinte composições gravadas por Elvis? Simples, eram todas canções bem baratas, muito abaixo do que era cobrado pelos compositores mais caros e talentosos. Assim você entende porque Elvis chegou ao fundo do poço em sua carreira musical. Para Tom Parker o importante era economizar e lucrar ainda mais, mesmo com material sem qualidade.

It Won´t Be Long (Ben Weisman - Sid Wayne) - Quando você pensa que a trilha sonora de "Double Trouble" já não terá mais nenhuma surpresa digna de nota surge em seus ouvidos os primeiros acordes dessa excelente canção! O que é isso?! - e a primeira fase que surge em sua mente. De repente você se pega prestando atenção no disco novamente! Realmente meus amigos, as trilhas sonoras de Elvis dos anos 60 deixavam bastante a desejar, porém como nos microfones estava um gênio da música era mesmo de se supor que pequenas gotas de seu talento iriam despontar aqui e acolá! Sempre gostei dessa faixa, que acredito deveria ter ido até mesmo para os palcos em Las Vegas nos anos 70. Ótima gravação, sem fazer favor algum. Nem parece uma composição de Ben Weisman, considerado por alguns como o mais burocrático de todos os compositores da carreira de Elvis Presley. Dessa vez ele teve um surto de criatividade, quem diria...

Never Ending (Buddy Kaye / Phil Springer) - Nunca achei uma maravilha, mas no meio de um material tão mediano e fraco não é de surpreender que ganhe algum destaque. A partir da música anterior o álbum "Double Trouble" realmente melhora de qualidade e, pasmem, isso ocorre simplesmente porque acabam as músicas do filme e entram uma série de músicas bônus colocadas lá na RCA para o vinil não ficar muito curto e sem material mais relevante. São as famosas Bonus Songs, faixas que eram encaixadas nas trilhas sonoras, mas que não faziam parte do filme. Essa "Never Ending" não era nenhuma novidade pois já tinha sido aproveitada em um single com "Such a Night" em 1964. Depois disso foi arquivada e colocada aqui, não sei se por engano ou desconhecimento por parte dos produtores da RCA. De uma maneira ou outra acabou sendo uma boa adição. No Brasil ficou anos e anos inédita porque a partir de 1964 os discos e singles de Elvis foram rareando em nosso país, por causa das baixas vendas no exterior. Quando um disco vendia mal nos Estados e Europa ele não chegava a ser lançado no Brasil. Infelizmente foi o que aconteceu com a trilha sonora de "Double Trouble".

Blue River (Paul Evans / Fred Tapias) - O que escrevi para "Never Ending" vale também para essa canção. Está no álbum como tapa-buracos, sem qualquer ligação com o filme ou sua trilha sonora. Também havia sido arquivada e depois lançada sem qualquer promoção em um single promocional. A falta de divulgação também havia se tornado um problema. A RCA Victor, gravadora de Elvis, não se preocupava mais em trabalhar bem no marketing de lançamento dos singles e álbuns. Assim muitas faixas inéditas de Elvis foram completamente ignoradas pelo público, mostrando como andava mal administrada e gerida sua carreira na época.

What Now, What Next, Where To (Don Robertson / Hal Blair) - O álbum se encerra com essa bonus song final. Uma boa composição escrita por Don Robertson, um dos meus compositores preferidos. Pianista de mão cheia Don conseguiu escrever ternas e belas baladas para Elvis Presley nessa fase de sua carreira. Como uma andorinha só não faz verão não houve como salvar o álbum inteiro do fracasso comercial. O disco, lançado em meados de 1967 foi muito mal nas paradas, vendendo pouco e sendo praticamente todo ignorado. Um sinal de que tudo estava errado e deveria haver mudanças na carreira de Elvis Presley.

Elvis Presley - Double Trouble (1967) - Elvis Presley (vocal) / Scotty Moore (guitarra) / Tiny Timbrell (guitarra) / Bob Moore (baixo) / D.J. Fontana (bateria) / Buddy Harmon (bateria) / Floyd Cramer (piano) / Pete Drake (Steel Guitar) / Charlie McCoy (Harmonica) / Boots Randolph (sax) / Richard Noel (Trombone) / The Jordanaires (Gordon Stoker, Hoyt Hawkins, Neal Matthews e Ray Walker) / City By Night: Michael Deasy (guitarra) / Jerry Scheff (baixo) / Toxey French (bateria) / Michael Anderson (Sax) / Butch Parker (sax) / Gravado no Radio Recorders, Hollywood, California exceto "Never Ending", "What Now, What Next, Where To" e "Blue River" gravadas no RCA Studio B, Nashville / Data de gravação: 28 e 29 de junho de 1966, exceto "City By Night" gravada em 14 de julho de 1966 e "Never Ending", "What Now, What Next, Where To" e "Blue River" gravadas em maio de 1963 / Produzido e arranjado por Felton Jarvis e Jeff Alexander / Data de lançamento: junho de 1967 / Melhor posição nas charts: #47 (USA) e #34 (UK).

Pablo Aluísio.

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