A solução foi encontrada na chamada "Sala das Selvas". O nome desse ambiente era bem propício. Elvis havia adquirido todos aqueles móveis após seu pai Vernon comentar um dia que havia visto a mobília mais feia de sua vida numa loja de Memphis. Um monte de cadeiras e sofás que tentavam imitar o estilo tropical, mas com resultados sofríveis. Algo de muito mau gosto. Era tudo muito brega na opinião de Vernon. Isso acendeu uma luzinha na cabeça de Elvis. Ele que não perdia uma piada e estava sempre mostrando um humor à toda prova decidiu ir até a loja e comprar todos aqueles móveis feios. Colocou tudo na sala de TV de Graceland e passou a chamar o lugar de "A Sala das Selvas". Aquela imitação falsa de ambientação da Polinésia não passava mesmo de uma grande brincadeira por parte de Elvis, imaginem vocês! E foi nesse lugar de móveis com gosto bem duvidoso que Felton Jarvis decidiu colocar todo o equipamento de gravação da RCA Victor.
Porém isso seria apenas o começo dos problemas que viriam. Após tanto esforço o produtor Felton Jarvis descobriu que mesmo estando todos em Memphis não seria tão fácil assim colocar Elvis na frente de um microfone para gravar músicas novas. Ele geralmente descia as escadas, dava uma olhada nos equipamentos montados na Sala das Selvas e voltava a se desculpar, dizendo que sua garganta não estava boa, que sua voz não estava em um dia bom e por aí vai. Era sempre a mesma coisa, com Elvis dizendo a Jarvis que "Amanhã seria um dia melhor" ou então que "Amanhã a gente começa a gravar". Só que esse dia parecia nunca chegar. Realmente Elvis não parecia ter nenhum ânimo para gravar algo novo. Até mesmo a chegada de novas motos que ele havia comprado era desculpa para não gravar nada. O pobre Jarvis já estava com a paciência acabando!
Gosto bastante de "For The Heart". É um country alta astral, algo que contrasta positivamente com as demais músicas, todas mais na linha melancólica. Essa canção foi composta por Dennis Linde. Ele já havia criado um dos grandes sucessos de Elvis nos anos 70, a ótima "Burning Love". Por isso acabou sendo natural para Elvis gravar essa faixa.
Durante um tempo a RCA Victor pensou em colocar essa canção como Lado A do single extraído desse álbum, mas na última hora a deslocaram para o Lado B, colocando "Hurt" como a faixa pincipal do compacto. A letra é simples. Sentimento country por excelência. O que se sobressai mesmo é o ritmo, bem agradável.
"Danny Boy" é uma música histórica. Faz parte da tradição, da cultura irlandesa. Por isso alguns historiadores de arte afirmam que sua origem segue sendo desconhecida. Claro, algumas versões mais recentes foram gravadas, porém todas elas partindo de uma fonte centenária desconhecida. Um dos primeiros registros dentro da indústria musical veio do começo do século XX, mais precisamente de 1910. Essa veterana gravação foi assinada por Frederic E. Weatherly, Muito em voga entre imigrantes irlandeses que moravam nos Estados Unidos, acabou entrando também dentro da cultura do país que se tornava o seu novo lar.
Elvis gostava muito da música. Já no final dos anos 50 houve algumas gravações informais com ele. Elvis estava na Alemanha, cumprindo serviço militar. Por isso arriscou algumas notas ao piano. Ficou muito bom., Se você tiver interesse em ouvir esse registro procure pelo CD do selo FTD intitulado "In a Private Moment". Outra dica é ouvir o CD "Tucson 76" que traz uma rara versão ao vivo da música. Acredito inclusive que Elvis deveria ter explorado mais a canção em seus concertos. Pena que isso efetivamente não aconteceu. O público certamente teria apreciado essas inspiradas performances do cantor.
Esse disco tem uma sonoridade bonita. Muitos aproveitaram para criticar o álbum por ele ter sido gravado em Graceland, na sala das selvas, mas discordo desse tipo de ponto de vista. Penso que gravar em casa trouxe uma certa paz de espírito para Elvis. Ele se sentiu confortável e tranquilo e isso resultou em boas faixas para o disco. "Blue Eyes Crying In The Rain" me passa exatamente esse tipo de sensação. Ao ouvir a canção podemos perceber que Elvis estava completamente à vontade.
É uma canção antiga, gravada por Hank Williams, muito embora ele não a tivesse composto. Quem a gravou pela primeira vez foi o cantor country Roy Acuff. Ele era natural de Maynardville, Tennessee, uma cidade relativamente próxima de Memphis. Assim era algo muito próximo de Elvis Presley. O single original chegou nas lojas e começou a tocar nas rádios em 1951. Na época Elvis tinha apenas 16 anos e era apenas um colegial. Porém ele apreciou batante a canção. Por isso a gravou em Graceland décadas depois. É interessante saber que essa canção quase foi gravada nas sessões de "Elvis is Back!" de 1960. Ele fez parte da lista de músicas sugeridas a Elvis naquele momento. O cantor porém não chegou nem a ensaiar a melodia com sua banda.
"Hurt" foi a principal faixa desse álbum. Foi lançada como lado A do único single extraído do disco e virou a "música de trabalho" para promover o LP durante os concertos de Elvis realizados em 1976. Um crítico de Nova Ioirque comentando sobre o "From Elvis Presley Boulevard" chegou a escrever em sua coluna que estava surpreso, pois Elvis estava próximo de virar um cantor de ópera. Apesar da fina ironia seu comentário não estava mesmo muito longe da verdade. Em seus anos finais Elvis passou a adotar um tom mais forte nas músicas, mostrando todo o seu potencial vocal. Devo dizer inclusive que essa foi uma das grandes gravações de Elvis em seus anos finais. Ele foi perfeito na sala das selvas.
"Hurt" foi originalmente lançada em 1954. A primeira gravação foi de Roy Hamilton, talentoso cantor negro que começou sua carreira no estilo gospel. Só depois de alguns anos é que ele finalmente começou a gravar R&B e soul. É interessante notar que por essa época de sua vida Elvis estava com várias músicas de Roy na sua mente. Tanto que iria gravar ainda "Unchained Melody", que Hamilton também havia gravado anos antes. Sua gravação resultou numa belíssima versão dessa canção. Além disso a proximidade de Elvis com ele não era recente. Basta lembrar do clássico "You'll Never Walk Alone". Muitos lembram de Hurt por causa da versão de Timi Yuri em 1961. Porém temos que dar também todos os créditos para Hamilton, já que Elvis simplesmente adorava seus discos antigos.
"Solitaire" é certamente a música mais melancólica desse álbum. Essa bela canção foi gravada e lançada originalmente em 1972 por Neil Sedaka. Depois disso a música ganhou uma série incrível de regravações, dando origem a novas versões, nas vozes dos mais diferentes artistas da época. Nos Estados Unidos a versão que alcançou maior sucesso foi a dos Carpenters, em 1975. Ela fez parte da seleção de canções do álbum "Horizon" e se transformou em um grande sucesso, chegando aos primeiros lugares da parada Billboard.
Por isso quando Elvis a gravou em 1976 a música já não tinha mais potencial em se tornar de novo hit em sua interpretação. Mesmo assim, para seus fãs, era sempre interessante ouvi-la na voz de Elvis Presley. E a versão de Elvis Presley não deixou a desejar. Ele interpretou a canção de forma bem intimista, acompanhado de poucos músicos de sua banda. Nada de arranjos exagerados. Apenas o essencial, o básico, dando destaque para sua voz. Ficou bonita de se ouvir.
No meio de tantas músicas românticas e lentas, "Love Coming Down" era um bom country que animava um pouco mais a audição do From Elvis Presley Boulevard. Essa canção foi escrita por Jerry Chesnut, excelente compositor, especializado em música country. Elvis já tinha escolhido outras canções dele para gravar, com destaque para "T-R-O-U-B-L-E" do álbum "Elvis Today". Sempre que Elvis ia atrás de material novo, inédito no mercado, Chesnut surgia como uma opção. A RCA Victor enviava muitas canções compostas por ele para os estúdios, quando Elvis tinha gravações programadas. Provavelmente ele a ouviu pela primeira vez nas sessões do "Elvis Today", mas resolveu gravá-la apenas em Graceland, nas sessões da Jungle Room.
Jerry Chesnut havia nascido em Harlan County, no Kentucky e tinha as mesmas raízes culturais de Elvis, por isso a identificação vinha quase que imediatamente. E Elvis Presley não seria o único popstar a gravar seu material. Depois dele outros grandes astros da country music como Alan Jackson e George Jones também gravariam seu repertório. Até mesmo Elvis Costello traria parte da obra de Chesnut para sua discografia. Foi uma carreira longa, de mais de cinquenta anos de música. Infelizmente depois de anos compondo belas canções de countru music, ele veio a falecer em dezembro de 2018.
E nessa fase ele adorava cada vez mais o country de seus anos de infância em Memphis. Havia material novo? Certamente sim. Porém ele sempre sondava e flertava com o passado. Era uma maneira de revisitar sua própria vida. Não podemos condenar Elvis por isso. Claro que não! De certa maneira isso lhe trouxe de volta o prazer de cantar ao vivo e de gravar material de que pessoalmente gostava.
Em 1967 Tom Jones havia gravado com sucesso a balada "I'll Never Fall In Love Again". Chegou inclusive a se apresentar na TV, soltando o vozeirão. O público gostou do que viu e ele ganhou uma excelente audiência. Elvis, que era muito amigo de Tom Jones, deve ter sentido uma pontinha de inveja porque nessa época ele estava preso com contratos de Hollywood. Não tinha poder de escolher aquilo que queria cantar. Tudo já vinha imposto pelos estúdios de cinema e pela RCA Victor. E como ele havia gostado muito da música surgiu mesmo aquela vontade de fazer sua versão que só iria chegar ao mercado em 1976 com esse disco "From Elvis Presley Boulevard, Memphis, Tennessee". Curiosamente Elvis seguiu os arranjos da versão de Tom Jones sem mudar em quase nada. A única diferença veio justamente da performance vocal. Tom Jones era bom cantor, isso era inegável, mas não tinha a mesma potência vocal de Elvis que na sua versão não poupou emoção e poderio vocal. Quase a balada sentimental virou uma ópera, principalmente no último verso. Ficou bem bonita a versão de Mr. Presley. Tom Jones foi superado, algo que ele próprio reconheceu na época.
Em 1973 Larry Gatlin soltou sua versão intimista de "Bitter They Are, Harder They Fall". Pessoalmente gosto muito desse seu trabalho original. Mais uma vez, ele não tinha o poder vocal de Elvis, por isso optou por adotar uma postura bem mais contida, quase lacrimejante. Os violinos ao estilo country pontuavam toda a gravação e até pequenos sinos foram acrescentados. Com Elvis esse arranjo ficou mais grandioso. A TCB Band aqui foi por outra direção, deixando a voz de Elvis assumir o centro do palco. Afinal o que faltava em Larry Gatlin, sobrava no Elvis quarentão dos anos 70. E ele realmente caprichou. Em termos de comparação não há o que comentar. Elvis se impôs mais uma vez e o que era intimista e mais calmo, virou novamente uma explosão de voz nas notas alcançadas por Elvis Presley. Ouvindo esse tipo de gravação chegamos em uma conclusão óbvia. Ele foi um artista grandioso, não há como negar.
"Never Again" tem um dos melhores arranjos do disco. Começa com um belo dedilhado de dois violões, criando uma atmosfera intimista, lembrando até mesmo baladas de gêneros mais introspectivos, como a nossa conhecida "Bossa Nova". Curiosamente a estrutura da melodia segue uma linha que agradava muito Elvis nessa época, com aquele estilo de ir sempre crescendo ao longo de sua execução. Começa quase sussurrada, vai subindo o tom, até ganhar ares de grandiosidade. Um tipo de estilo musical em que Elvis poderia mostrar todo o seu potencial vocal. E o coro também não fica atrás, principalmente nas últimas notas quando eles (Elvis e seus grupos vocais de apoio) levam tudo para uma espécie de explosão emocional coletiva.
A letra é interessante. Ela mostra a história de um homem que amou demais, se entregou demais a uma paixão avassaladora do seu passado, mas acabou magoado, traído, ferido por aquela que ele considerava ser o amor de sua vida. Não quero passar a imagem de alguém que se repete, mas essa letra é bem óbvia em relação ao que Elvis passou em seu casamento com Priscilla. A mágoa que sofreu, por ter sido traído pela sua própria esposa e mãe de sua filha, a enorme fossa que ele entrou depois disso, a depressão que teve que passar, tudo isso o fez jurar que nunca mais iria passar por algo assim novamente. A primeira parte da letra já deixa isso muito claro, principalmente quando Elvis canta versos como esse: "Espero nunca amar alguém tanto assim de novo! Eu não quero mais suportar isso, pois já estive ferido antes". Recado mais claro do que isso, impossível.
"The Last Farewell" é outro bom momento desse álbum cheio de baladas tristes, mas ao mesmo tempo relevantes. Esse é outro bom trabalho de arranjo do produtor Felton Jarvis, mas ao contrário de outras canções como "Never Again" que começa calma e vai crescendo, aqui a introdução é um tanto épica, para depois as coisas irem acalmando aos poucos. A melodia é agradável aos ouvidos, com Elvis cantando quase a meia voz, como se estivesse curtindo bastante a melodia junto ao ouvinte, criando com isso um sentimento de cumplicidade com seus fãs. A música em si foi muito trabalhada depois por Felton Jarvis pois ele acrescentou muitos instrumentos posteriormente à gravação. Antes do lançamento os acréscimos foram levados para aprovação de Elvis e ele gostou do resultado final.
Essa letra é quase cinematográfica. Ela leva o ouvinte a imaginar uma determinada situação, onde um marinheiro se despede de sua amada no porto, prestes a ir para a "velha Inglaterra". Mesmo Elvis não tendo sido da marinha e nem ter qualquer ligação com isso (a não ser pelo fato de ter interpretado um marinheiro em "Girls, Girls, Girls") a mensagem da canção é que provavelmente gerou interesse em Elvis. É praticamente um roteiro de cinema, com começo, meio e fim, explorando a dor da despedida de alguém que vai para o mar, mas deixa seu grande amor para trás - imagine aí em sua mente Elvis vestido de marinheiro dando um abraço final na sua amada para ir embora para a Inglaterra. Ficou estranho? Um pouquinho, mas devo dizer que no final o resultado ficou muito bom, criando um clima bem diferente nos discos de Mr. Elvis Presley.
Pablo Aluísio.
Elvis Presley
ResponderExcluirPablo Aluísio.