Só que do ponto de vista de quem estava gravando (no caso o próprio Elvis) isso não fazia muito sentido porque as canções foram gravadas juntas, como ele fazia em todo e qualquer disco que era lançado depois. Aliás para o colecionador da época teria sido muito melhor que tudo fosse lançado junto mesmo. Seria o disco de despedida de Elvis após ele vestir a farda verde do exército americano. Porém o Coronel Parker tinha uma filosofia comercial de "vender sempre a mesma gravação duas vezes" e por essa razão as canções chegaram aos fãs do jeito que foram lançadas. Primeiro no formato de single. Depois dentro de uma falsa coletânea que poderia ser considerado um disco próprio de Elvis.
E a qualidade dessas dez canções é inegável. Só clássico do rock americano da época. Um verdadeiro deleite para os fãs do Elvis roqueiro em sua primeira fase na carreira. É interessante relembrar que pouco depois da gravação dessas faixas o rock iria entrar numa maré de azar. Vários ídolos do surgimento do gênero musical nos Estados Unidos, em sua geração pioneira, iriam cair em desgraça e isso no intervalo de poucos meses.
Os cantores Buddy Holly, Ritchie Valens e The Big Bopper morreriam no mesmo acidente de avião quando sobrevoavam Clear Lake, no estado americano do Iowa. Tiveram mortes terríveis. Chuck Berry foi preso acusado de envolvimento em crimes sexuais. O radialista Alan Freed, o homem que deu nome ao Rock, também foi para a cadeia, acusado de cobrar propina de produtores e gravadoras para tocar músicas em seu programa. Little Richard teve uma crise de fé e decidiu que iria deixar de cantar rock para se dedicar totalmente para a religião cristã. Até a ótima dupla The Everly Brothers decidiu se separar. E com Elvis no exterior, longe da carreira, os fãs de rock perceberam que praticamente não havia sobrado mais nenhum artista de seu estilo musical preferido. Os roqueiros da primeira geração pareciam desaparecer de forma assustadora. E foi dentro desse contexto que esse álbum de Elvis foi gravado.
As sessões de gravações da maioria das músicas que fizeram parte desse álbum são curiosas porque Elvis compareceu ao estúdio com a farda do exército americano. Pois é, isso nem seria necessário pois ele estava ali em um compromisso profissional de sua esfera privada, que nada tinha a ver com o serviço militar, mas mesmo assim Elvis surgiu no estúdio da RCA Victor devidamente fardado, o que deixou seus músicos, a banda, completamente surpresos. Além disso assim que chegou Elvis foi logo pegando uma guitarra para tirar alguns acordes, algo que ele não estava acostumado a fazer.
E esse disco de fato era muito bom. Uma bela mistura de canções mais agitadas, puro rock, com baladas românticas. O curioso é que o romantismo dos discos de Elvis por essa época tinham um sentimento mais juvenil, de namoro de mãos dadas mesmo, nada parecido com as baladas dos anos 1970, que viriam repletas de mensagens de amargura, desilusão, até mesmo raiva pela traição feita por aquela mulher que ele achava ser o grande amor de sua vida (se você associou Priscilla com isso, acertou em cheio!). Porém nesse disco o amor era aquele de colégio, mais simples e pueril.
E nessa categoria temos duas belas baladas. A primeira a se elogiar é a terna "Don´t". Os fãs brasileiros, por exemplo, mal conheciam a canção. Nos Estados Unidos ela havia sido lançada em um single que até fez bastante sucesso nas rádios. Porém no Brasil essa bela música passou em brancas nuvens. Curiosamente Priscilla Presley iria escolher pessoalmente essa faixa para servir de tema do seriado baseado em suas memórias, "Elvis e Eu", que foi exibido no Brasil, durante a década de 1980, no canal aberto SBT. É até fácil entender essa escolha. Foi justamente nessa época, em que a baladinha era lançada, que Elvis e Priscilla começaram a namorar. Certamente marcou para ela.
Outra canção romântica classe A do disco era "A Fool Such As I", Nessa gravação se sobressaíram muito bem o solo tocado por Scotty Moore e o vocal de apoio do grupo The Jordanaires. Outro fato curioso digno de nota é que os Jordanaires eram os únicos creditados nos discos de Elvis na época. Como naqueles tempos distantes havia pouca (ou quase nenhuma) informação sobre o grupo, muitos pensavam que eles tocavam todos os instrumentos. Na verdade era apenas o grupo vocal que acompanhava Elvis nas gravações. Os verdadeiros instrumentistas como Scotty Moore, Bill Black e demais membros da banda não tinham seus nomes creditados nas capas dos discos, ficando praticamente desconhecidos do grande público. Esse anonimato não deixava de ser uma injustiça para esses talentosos músicos.
Elvis entrou para o serviço militar, cortou seus famosos cabelos, foi para um breve período de treinamento no Texas e depois foi enviado para a Alemanha Ocidental. Era época de guerra fria. Do outro lado do muro de Berlim o comunismo dominava toda a Europa oriental. Os jornais do partido soviético diziam que a presença de um artista como Elvis na fronteira era "propaganda barata do ocidente". Realmente, ter um cantor de rock ali por perto, não passava mesmo de um certa provocação ideológica. Elvis representava para os jovens certos valores, entre eles a liberdade.
Enquanto o urso russo e a águia americana brigavam por corações e mentes mundo afora, usando todos os tipos de armas possíveis, a RCA Victor tentava manter o nome de Elvis em voga. Quando foi para a Alemanha Elvis confidenciou a pessoas próximas que acreditava que seria esquecido. Cantores eram descartáveis, em sua opinião. E quem não era visto, não era lembrado. A RCA então soltou o single de "A Big Hunk O'Love" nas lojas. Era uma música inédita de Elvis, gravada antes dele partir para a Europa. Para surpresa de muita gente o compacto fez muito sucesso, chegando nos primeiros lugares das paradas, entre os mais vendidos. Parecia que os fãs não tinham esquecido Elvis Presley afinal.
No Brasil as coisas vinham com atraso. Talvez por isso a música anterior não tenha feito qualquer sucesso por aqui. Porém o mesmo não poderia se dizer de "I Need Your Love Tonight". Essa caiu nas graças do público nacional (e americano também). Tanto que muitos anos depois foi incluída no famoso disco "Elvis - Disco de Ouro" que foi lançado em 1977 em nosso país e se tornou um dos LPs mais vendidos da carreira de Elvis Presley no Brasil. Não se pode negar que essa música tinha excelente ritmo e havia sido gravada numa sessão muito produtiva por parte de Elvis e banda. Eles estavam bem entrosados. É um pop / rock de excelente qualidade.
Outra que marcou e fez sucesso foi "One Night". Você gosta de blues? Acha que Elvis tinha talento e estilo para ser reconhecido como um grande blueseiro? Pois então essa é sua faixa. Na verdade pode-se dizer que foi o maior sucesso comercial de Elvis nesse gênero musical. Claro, ele gravou outras músicas de blues, mas nenhuma, mesmo as que tinham mais méritos, conseguiram maior espaço no hit parade. E Elvis parecia muito à vontade com esse tema, que para variar, foi considerado indecente pelos conservadores americanos na época. Imagine, um cantor como Elvis, que naqueles tempos tinha fama de rebelde e até mesmo de delinquente juvenil, cantando uma letra sensual e maliciosa como essa. Era mesmo para os membros do partido republicano se morderem de raiva e ódio!
Quando Elvis Presley foi para o exército, ele acabou se convencendo de que muito provavelmente havia chegado no fim de sua carreira. Em sua forma de ver as coisas, ele seria substituído por qualquer outro cantor jovem que surgisse durante sua ausência. Fabian, Rick Nelson ou até mesmo Frankie Avalon. Todos eles tinham o potencial para roubar seu trono de Rei do Rock, isso claro, sob o seu próprio ponto de vista, por mais incrível que isso possa parecer nos dias de hoje. No exército Elvis não faria mais shows, nem filmes e nem muito menos gravaria material inédito. Então ele imaginava esse tipo de coisa, baseado na velha máxima de que "Quem não é visto, não é lembrado".
O Coronel Parker sabia que a situação realmente não era muito boa e em conversação com a RCA planejou uma forma de manter o nome de Elvis sempre em evidência no mundo musical. O plano era relativamente simples. Lançar regulamente singles inéditos no mercado - geralmente a cada 4, 5 meses – para que Elvis não fosse completamente esquecido. Todo o material já havia sido gravado antes de Elvis ir para o serviço militar. Devidamente arquivado, seria lançado no mercado aos poucos, de forma gradual. Assim as canções certamente iriam se tornar sucesso, tocando nas rádios e criando uma falsa impressão nos fãs de que Elvis ainda estava na ativa, produzindo.
O primeiro single a seguir essa nova estratégia foi “Wear My Ring Around Your Neck / Doncha Think It's Time”. O lado A com o rock "Wear My Ring Around Your Neck" era a grande aposta da RCA Victor em colocar Elvis novamente no primeiro lugar entre os compactos mais vendidos. A música tinha ótimo ritmo, muita vibração e energia, em uma bela e inspirada performance de Elvis. Curiosamente embora fosse um rock com potencial de sucesso, a gravação não conseguiu se destacar nas paradas. O máximo que conseguiu foi alcançar um suado terceiro lugar por uma semana apenas, muito pouco em se tratando de single inédito de Elvis Presley na década de 1950. Para alguns analistas a culpa seria da letra considerada pouco significativa, fraca mesmo. Para outros o que pesou mesmo foi a falta da presença de Elvis na promoção da música em shows e apresentações na TV.
O lado B com "Doncha Think It's Time" não era menos interessante, Essa música tinha um ritmo próprio, sui generis, com uma vocalização muito singular por parte de Elvis. O ritmo soava nervoso, pausado, com explosões vocais em momentos chaves da canção! Infelizmente também não conseguiu chamar a atenção e foi solenemente ignorada na época. De forma injusta acabou virando um “Lado B obscuro”, pouco conhecido e nada mais dentro da discografia do cantor. Aliás o próprio Elvis parece ter esquecido dessas músicas nos anos seguintes, pois jamais as cantou ao vivo e nem as utilizou em qualquer outro projeto de sua carreira.
São duas faixas, que embora sejam muito boas, realmente foram para esquecimento dentro da discografia. A RCA Victor se esforçou bastante na divulgação do compacto, mas os resultados foram desanimadores, sendo o primeiro single de Elvis desde março de 1957 a não chegar ao topo da parada. O resultado comercial morno já indicava os problemas pelos quais a gravadora iria enfrentar, afinal vender canções inéditas de um soldado servindo à pátria na distante Alemanha não era algo fácil, nem mesmo para Elvis Presley!
O blues está na alma do povo americano e também estava na alma do jovem Elvis Presley. Como teve infância humilde, ele conviveu bastante ao longo de sua vida com a cultura negra. Não é de se admirar assim que o gênero tenha estado tão presente em sua carreira. E isso ficou bem claro no segundo single de canções inéditas lançadas pela RCA enquanto o cantor estava na Alemanha servindo o exército de seu país.
A faixa principal era um Rhythm & Blues que curiosamente sofreu auto censura pela própria gravadora, a RCA, que queria algo menos incisivo. Estamos falando da música "One Night". Inicialmente a canção se chamava “One Night of Sin”, título pela qual ficou conhecida dentro da cultura negra na voz do cantor Smiley Lewis (1913 - 1966). Natural de New Orleans, o músico havia destacado a canção nas paradas tanto que conseguiu chegar com ela no cobiçado primeiro lugar da parada R&B da Billboard.
O problema é que qualquer citação na letra a pecado e coisas afins, soava como uma má idéia por parte dos executivos da RCA, principalmente em relação a Elvis que tanta controvérsia já havia causado. Presley chegou a gravar um Take envenenado, sem qualquer tipo de suavização, mas a gravadora realmente queria algo mais soft, leve, menos provocativo. E foi essa versão que chegou aos seus fãs na década de 1950.
No lado B do compacto a RCA escolheu colocar a faixa "I Got Stung", outra inédita composta pela dupla Schroeder e Hill que havia caído nas graças de Elvis no estúdio, pois os 1compositores a criaram pensando justamente no estilo vocal característico de Elvis naquela fase de sua carreira, algo como se estivesse mastigando as palavras ou como resumiu um irônico crítico musical do New York Times: “Elvis ao cantar parece estar também mascando chicletes”.
O single chegou nas lojas americanas e tal como o anterior também não conseguiu alcançar o topo da parada Billboard, chegando no máximo ao quarto lugar entre os mais vendidos, o que não o impediu de ser premiado com um disco de ouro. Com Elvis distante, sem condições de apresentar a música em filmes e nem em programas de TV, a situação ficava mais complicada pois a máquina publicitária da RCA tinha que trabalhar apenas com as emissoras de rádio, o que nem sempre era muito fácil ou barato. De fato as performances ao vivo de Elvis Presley eram vitais para os sucessos de suas gravações no mercado como bem foi provado por essa época.
Já na Inglaterra o single se saiu melhor finalmente atingindo o topo da parada daquele país. Infelizmente a RCA optou pelo caminho mais fácil nos Estados Unidos e fez uma promoção preguiçosa do single, não se dando nem ao trabalho de confeccionar uma capa decente pois o material foi retirado das fotos promocionais do álbum “Elvis Christmas Album”. De qualquer modo o que transparece é que apesar do certo descaso de sua gravadora, Elvis parece ter realmente acreditado na música tanto que a resgatou dez anos depois em seu especial de TV no canal NBC. Um reconhecimento tardio mas que trouxe o devido tratamento a uma de suas canções mais marcantes antes de ir para o exército.
O lado A do compacto vinha com a conhecida “A Fool Such As I”. A música havia sido lançada originalmente em 1952 pelo popular cantor Hank Snow (1914 – 1999) um dos maiores nomes da história do country americano, com mais de 50 anos de carreira e 140 discos lançados em sua vasta discografia. Elvis cuja formação musical se deu principalmente devido ao rádio, conhecia muito bem o artista desde a década de 1940. Era uma cria do Grand Ole Opry, um dos programas mais ouvidos no sul. A versão de Elvis é maravilhosa. O cantor colocou em seu vocal anos e anos de aprendizado radiofônico. Aqui se nota muito bem seu espírito country, uma característica que nunca o abandonou, em nenhuma fase de sua carreira. Country music certamente sempre foi um dos pilares da trajetória de Elvis e aqui, em plena fase roqueira de sua discografia, ele ressurgia cantando um clássico country de Hank Snow. Depois do sucesso da versão de Elvis outros artistas a gravaram também, em especial Petula Clark, Mickey Gilley, Rodney Crowell e Baillie & the Boys
E talvez para não deixar seus fãs roqueiros confusos, o lado B trazia o excelente rock “I Need Your Love Tonight”. Essa canção ficou muito conhecida no Brasil porque fez parte do popular “Elvis – Disco de Ouro” de 1977, o vinil mais vendido do cantor em nosso país. Já nos EUA ela mantém seu status de boa gravação, mas ainda assim um Lado B. Elvis a registrou na última sessão antes de ir embora para a Alemanha. Havia muita pressa em deixar músicas inéditas arquivadas, mas isso em nada impediu o excelente nível técnico da gravação. Particularmente considero esse um dos melhores arranjos da década de 1950.
A banda, muito entrosada, não perdeu o pique. Além disso Elvis se mostrou comprometido em realizar uma boa versão. O single chegou nas lojas americanas em março de 1959 alcançando o quarto lugar da parada Billboard e sendo, assim como o single anterior, premiado com um disco de ouro. Isso apesar de nunca ter chegado ao número 1, que era o desejo da RCA. As noticias sobre sua volta já começavam a surgir na imprensa, trazendo seu nome de volta aos holofotes o que de certa forma ajudou na promoção do compacto. De qualquer modo não há como negar a ótima qualidade desse material. Os fãs certamente gostaram muito dessas boas músicas.
Finalizando os comentários sobre esse álbum de Elvis Presley, vamos falar sobre as últimas músicas referentes a esse disco. "I Beg Of You" seguiu a linha básica das canções que fizeram parte desse repertório. Ela foi gravada antes de Elvis ir para a Alemanha, em uma de suas últimas sessões de gravação antes de partir para o serviço militar. É uma boa canção, diria até que um bom momento roqueiro da carreira de Elvis, mas que nunca chegou a se tornar um hit. Tanto que foi deixada de lado. Com os anos Elvis nunca se lembrou dela para usar em shows, etc. Um bom momento que a despeito disso ficou inteiramente no passado de sua carreira.
O curioso é que as dez músicas que fizeram parte do disco original de vinil lançado em 1959 não foram as únicas que Elvis gravou naquela ocasião. Ele registrou outras músicas, mas a RCA Victor resolveu arquivá-las, só as lançando na década seguinte, nos anos 60, quando a música jovem americana já havia trilhado por outros caminhos. Foi uma falha da gravadora no meu ponto de vista. Elas deveriam ter chegado no mercado ainda nos vibrantes anos 50, nos chamados anos dourados do rock americano.
Uma dessas músicas foi "Your Cheatin' Heart" do lendário cantor country Hank Williams. Considerado um dos pais do country and western dos Estados Unidos, ele teve presença marcante em diversas ocasiões dentro da discografia de Elvis Presley. A influência de Williams certamente era enorme na época, sendo que Elvis simplesmente não poderia ignorar o seu legado musical. Essa boa gravação foi para os arquivos da RCA, só chegando ao mercado como música de abertura do disco "Elvis For Everyone" em 1965. Um erro, mas que ao menos foi corrigido, mais de cinco anos depois de ter sido produzida. Como diz o ditado "Antes tarde do que nunca".
Pior aconteceu com "Ain’t That Loving You Baby". Grande música com enorme potencial de se tornar um hit. Só que aqui a RCA Victor errou duas vezes. Primeiro por não lançar a música durante os anos 50, já que ela só chegou ao mercado de forma equivocada em um single obscuro e sem qualquer divulgação nos anos 60. Segundo, por ter escolhido o Take errado. Ora, basta ouvir a versão que foi lançado no disco "Reconsider Baby" de 1985, para entender que aquela era a versão certa para lançamento, não a que foi escolhida para o single, que tinha um ritmo muito estranho e fora do compasso. Enfim, erros e mais erros da gravadora de Elvis. Hoje em dia só podemos lamentar mesmo.
Pablo Aluísio
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