sábado, 8 de janeiro de 2005

Elvis Presley - His Hand in Mine (1960)

Elvis gravou esse primeiro álbum gospel em 1960. A RCA Victor, sua gravadora, não achou uma boa ideia. Elvis era um rockstar, um cantor jovem pop. Não tinha nada a ver com músicas religiosas. Ele já havia gravado gospel antes, em um compacto duplo, nos anos 50, mas um álbum inteiro só com canções de teor religioso era algo que fugia dos padrões da gravadora. Só que Elvis já estava decidido. Ele queria gravar um álbum em homenagem à sua mãe. E nada era mais adequado do que gravar um LP gospel em memória da alma de Gladys Smith. Não é demais lembrar também que um dos sonhos de Elvis era fazer parte de um quarteto gospel. Isso desde os tempos em que era apenas um adolescente que ouvia música religiosa nas estações de rádio de Memphis. A família de Elvis era religiosa, mas não era fanática. Eram crentes comuns, que gostavam de ir aos cultos aos domingos e principalmente ouvir músicas religiosa no rádio, um dos poucos eletrodomésticos que existia em sua casa. Assim não é de se admirar que Elvis tenha criado um vínculo emocional nostálgico com todas essas músicas que ouvia quando era garoto. Era uma lembrança muito presente de sua mãe também, que ouvia ao seu lado todos esses programas.

Assim Elvis cresceu ouvindo gospel. Fazia parte de sua formação musical e cultural. As faixas de "His Hand in Mine" foram selecionadas pelo próprio Elvis. Ele teve que engolir todas aquelas músicas de "G.I. Blues", sem ter poder de veto sobre elas, recebendo um pacote fechado do estúdio e da gravadora, para apenas colocar sua voz. Porém em se tratando desse álbum ele iria ter controle completo. Iria escolher as músicas, cantando aquilo que realmente desejasse cantar. Era um material que ele acreditava. Eu considero um belo trabalho da carreira de Elvis. Curiosamente não gosto muito da faixa título "His Hand in Mine" que tem uma introdução muito estranha, embora melhore muito depois, em sua melodia bonita. Essa é uma antiga canção religiosa, que apenas pessoas como Elvis conheciam. Sim, ele tinha um vasto conhecimento de gospel music. E também era um colecionador de discos religiosos desde muito jovem. Ao longo dos anos Elvis estava sempre comprando discos desse gênero musical. Também adorava assistir programas religiosos nas manhãs de domingo. Esse era um lado de Elvis que realmente poucos conheciam na época.

Elvis gravou esse álbum no RCA Studio B, em Nashville, Tennessee. O produtor escolhido pela gravadora para essas sessões foi o bom e velho Steve Sholes. O escolhido para ser o engenheiro de som foi Bill Porter. Esse disco mostrou bem como Elvis era "rápido no gatilho". Em praticamente apenas dois dias (30 e 31 de outubro de 1960) ele finalizou sua participação no álbum. Gravou todas as doze faixas previstas. Sem perda de tempo e dinheiro. Contribuiu para isso o fato de que Elvis conhecia a maioria das músicas desde a adolescência. Então foi apenas questão de acertar o take certo. A primeira música gravada foi "Milky White Way", que não por acaso também era uma das melhores canções do álbum. Aqui Elvis caprichou mesmo naquele estilo de voz de veludo que seria a característica mais lembrada dessa fase de sua carreira, ali no comecinho dos anos 60. Elvis adotou um estilo de cantar mais suave, mais terno, como bem foi definido por um crítico da época. O velho estilo musical mais áspero e rasgante, de seus anos de roqueiro, nos anos 50, pareciam distantes agora.

Depois de gravar a faixa título do disco, Elvis se concentrou em "I Believe in the Man in the Sky". Essa era uma velha conhecida de Elvis. Um gospel tradicional, muito utilizado nos cultos da Assembleia de Deus, que era a igreja frequentada pela família de Elvis quando ele era apenas um garotinho. Foi uma lembrança nostálgica de seus anos de convivência ao lado de sua mãe Gladys, ainda nos tempos duros de Tupelo. Interessante citar também que a RCA Victor iria utilizar esse mesma música em um single, mas somente alguns anos depois. Nessa mesma noite de inspiração nos estúdios da RCA, Elvis ainda emplacou sua versão de "He Knows Just What I Need". Esse gospel deu um pouco mais de trabalho para Elvis e seu grupo de apoio pois foi preciso gravar 10 takes para que Elvis se sentisse finalmente satisfeito. Depois que ela foi gravada Steve Sholes sugeriu que Elvis desse um tempo nas músicas religiosas para que eles gravassem a faixa título de seu novo single, "Surrender". Mais complicada de gravar do que era esperado, Elvis levou 17 takes para finalizá-la. Havia uma parte final que cobrou seu preço na voz de Elvis. Ele precisou se empenhar bastante para que ficasse realmente boa a gravação. Ficou excelente. Essa música iria se tornar um hit em sua carreira.

"Joshua Fit The Battle" foi baseada em um evento narrado no velho testamento quando Josuè (Joshua) derrubou os muros de Jericó durante uma batalha. Essa vitória foi creditada pelos antigos judeus ao seu Deus único. Essa canção tem ótimo ritmo, bem animada, poderia ser considerado até mesmo um bom rockabilly se não fosse sua letra religiosa. Elvis parece bem empolgado com sua vocalização. É uma das faixas que mais aprecio nesse álbum. Pura energia positiva. Outra que se destaca por seu excelente ritmo, bem pra cima, bem agitada, é a canção "Swing Down, Sweet Chariot". Um fato curioso é que essa faixa seria regravada por Elvis em 1969, para fazer parte da trilha sonora do filme "Lindas Encrencas, as Garotas" (The Trouble With Girls). No filme Elvis representava um personagem que gerenciava um daqueles parques itinerantes que viajavam de cidade em cidade com seu show.

Na época chegou-se a dizer que o enredo do filme era baseado na vida do Coronel Tom Parker antes dele encontrar Elvis, para se tornar seu empresário. De qualquer maneira entre as duas versões prefiro muito mais a desse disco do que a trilha sonora, que embora inferior também era muito boa. E a cena no filme também ficou excelente, com Elvis em seu terno branco e chapéu de cowboy, figurino inclusive que usa em praticamente todas as cenas do filme, que também considero bom, até acima da média do que ele vinha fazendo em Hollywood. Outra faixa que merece destaque nesse disco "His Hand in Mine" é  "Working On The Building". Tem um excelente arranjo, mais voltado para o acústico. O violão é o grande destaque e muitos dizem que foi tocado pelo próprio Elvis no estúdio. Não seria uma surpresa. Se houve um álbum em que Elvis fez questão de se envolver nesse ano de 1960 foi justamente esse, que inclusive seria o seu último disco do ano a chegar nas lojas. Assim Elvis esperava fechar seu ano de retorno com belas mensagens cristãs. Nesse aspecto ele foi definitivamente bem sucedido em suas pretensões.

O gospel  "I'm Gonna Walk Dem Golden Stairs" atualmente é bem associada a Elvis Presley, mas esse hino religioso, ou pelo menos seus primórdios, suas primeiras versões, são bem antigas. Segundo algumas pesquisas os pioneiros já cantavam versões rudimentares dessa música religiosa já por volta de 1750. Esse tipo de gospel vai mudando ao sabor dos tempos, afinal é uma música composta e criada para ser cantada em cultos. Conforme mudam as igrejas, novas versões vão surgindo. "Known Only To Him" é o que os americanos gostam de chamar de spiritual. E o que seria isso? É uma subdivisão da música gospel. Essa denominação de spiritual era usada para canções mais introspectivas, mais centradas em si mesmo, mais reflexivas, algo como se fosse uma oração interior, um diálogo bem pessoal com Deus. Geralmente esse tipo de song era mais lenta, melancólica até. Feita para se ouvir em grandes crises pessoais.

"Mansion Over The Hilltop" apresenta uma melodia bem mais agradável em meu ponto de vista. O arranjo apresenta uma bela combinação entre o violão (que os americanos gostam de chamar de "guitarra acústica") e o piano, aqui dando o tom de todo o gospel, do começo ao fim. Destaque também, como não poderia de ser, ao grupo vocal The Jordanaires. Aqui eles estavam em casa, em seu habitual, pois nasceram como quarteto gospel, desde seu surgimento. Cantar ao lado de Elvis música pop, rock e comercial, havia sido quase um acidente em sua carreira. Um aspecto que acho interessante em um álbum como esse é que não é segredo para ninguém o desejo que Elvis tinha, desde que era apenas um adolescente, em se tornar membro de um quarteto vocal gospel. E ao longo de sua carreira ele pareceu nunca desistir de um dia realizar esse tipo de sonho. Tanto que sempre foi acompanhado em suas gravações por grupos vocais que tinham surgido dentro do universo gospel americano. Não importava o tipo de música que gravava, sempre havia um grupo vocal desse estilo ao seu lado fazendo os vocais de apoio.

Elvis gostava muito dos discos de um pastor batista chamado Thomas Mosie Lister. Tinha em sua coleção particular de discos todos os álbuns e singles desse pregador. Tão admirador do gospel de Mosie Lister se tornou que gravou várias versões de músicas dele, muitas delas presentes nesse seu primeiro LP de músicas religiosas, "His Hand in Mine". Era até engraçado quando Elvis entrava em alguma loja de discos naquela época. Os vendedores pensavam que ele iria comprar discos de rock ou pop, mas Elvis ignorava completamente a seção desses discos. Ele ia direto para a sessão de gospel music. Inclusive passando os olhos sobre a lista de sua discoteca particular vemos que a grande maioria dos discos era de gospel e country, seus dois ritmos musicais preferidos. Quase não havia nada de rock, a não ser alguns discos dos Beatles.

"In My Father's House", que em tradução livre poderia ser traduzido em nossa língua portuguesa como "Na casa de Meu Pai" era mais uma das músicas religiosas preferidas de Elvis. Aqui, como não poderia deixar de ser, se destacava em relevo as vocalizações de seu grupo de apoio, os bons e velhos membros dos Jordanaires, que poucas pessoas sabem hoje em dia, mas que nasceram como quarteto gospel. E por falar em quartetos gospel, Elvis tinha verdadeira adoração por esse tipo de vocalização. Ele inclusive chegou a declarar em entrevistas que não havia nada no mundo da música mais belo de se ouvir do que quatro vozes masculinas, em perfeita harmonia, cantando gospel music. Isso talvez explique a inclusão da faixa  "If We Never Meet Again" na seleção musical do álbum. Muito embora a versão de Elvis tenha sido adaptada ao seu estilo. Afinal os fãs queriam ouvir Elvis quando comprava um de seus discos oficiais e não um quarteto gospel ao velho estilo.

Pablo Aluísio.

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