terça-feira, 18 de janeiro de 2005

Elvis Presley - He Touched Me (1972)

"He Touched Me" foi o terceiro e último álbum gospel da carreira de Elvis Presley. Lançado em 1972 o disco foi premiado com o prêmio Grammy na categoria gospel, de álbuns religiosos,  ainda naquele ano. Apesar de laureado pela academia musical "He Touched Me" não se tornou uma unanimidade entre os especialistas. Ao contrário dos discos evangélicos anteriores de Elvis, esse não foi gravado em uma sessão exclusiva, mas sim no meio da maratona de maio de 1971, sendo completado meio que às pressas no mês seguinte em Nashville. Tanta correria e rapidez de certa forma acabaram prejudicando em parte o desenvolvimento do disco, cujo projeto deveria ter sido melhor trabalhado.

Um reflexo disso acabou aparecendo depois quando todos o ouviram pela primeira vez. Por causa da correria em finalizar o LP o produtor Felton Jarvis não conseguiu providenciar um arranjo mais original para as faixas do disco. Dessa forma quando surgiu nas lojas, alguns críticos de música dos EUA foram quase unânimes em acusar o disco de simplesmente copiar linha a linha o arranjo e as harmonias das gravações originais. De certa forma havia razão por parte dos jornalistas e da crítica em geral. "He Touched Me" sofre bastante nesse aspecto. A impressão que nos passa é que realmente tudo foi gravado na pressa de finalizar o número de canções planejadas a tempo. Também pudera, Elvis vinha cumprindo uma extensa e apertada agenda de shows e temporadas ao vivo que acabavam sendo incompatíveis com as chamadas maratonas de gravação, como essa de 1971, praticamente a última grande sessão em estúdio da carreira de Elvis.

O álbum é puxado pela faixa título, na realidade um sucesso gospel de Bill Gaither, famoso compositor, músico e pregador americano. A canção é um spiritual ideal para o grupo The Imperials brilhar. O cantor por sua vez deve ter se sentido muito bem gravando essa faixa, pois ela foi escrita especificamente para ser executada por um quarteto gospel e não era segredo para ninguém que um dos maiores sonhos de Elvis era justamente esse, participar como vocalista de um grupo como o The Imperials (aqui brilhantemente o acompanhando). "I´ve Got a Confidence", a faixa seguinte, demonstra a falta de um trabalho mais consistente de arranjo. A música mais parece uma jam session descompromissada.

Os grandes destaques do álbum realmente são as faixas "Amazing Grace" (clássico absoluto do repertório gospel americano, aqui muito bem executado por Elvis e seu grupo feminino de apoio), "Bossom Of Abraham" (com seu balanço que não deixa margens de dúvidas de onde proveio o Rock n Roll em suas origens) e "I, John" (que acabou ganhando uma divertida cena no documentário "Elvis On Tour"). Enfim, "He Touched Me" é um disco que tem belos méritos e se peca por não ter sido muito original em seus arranjos se redime pela intensa dedicação de Elvis em dar o melhor de si nas músicas. De qualquer maneira não deixa de ser também um marco em sua discografia. Um álbum que deve estar presente em toda coleção do cantor que se preze. Vamos tecer comentários sobre cada música, a seguir.

01. He Touched Me (William J. Gaither) - "He Touched Me", a música que dá título ao álbum, foi um lançamento original de Bill Gaither em 1963. Porém a versão que fez Elvis efetivamente se interessar por ela foi outra, mais tardia, gravada pelo grupo vocal The Imperials. Elvis admirava bastante esse quarteto gospel, sempre comprava seus singles e álbuns, então acabou sendo algo natural para ele gravar a música alguns anos depois. A letra foi inspirada nas páginas do próprio evangelho, nos milagres que Jesus fazia usando apenas suas próprias mãos. Basta lembrar da cura do cego e outras passagens. Também há o toque inspirativo de sua própria mensagem que tocava o coração dos homens.

02. I've Got Confidence (Andraé Crouch) - "I've Got Confidence" foi escrita por Andraé Edward Crouch, pastor, cantor e compositor negro gospel bem popular nos Estados Unidos. Todos sabem que Elvis era um colecionador de discos religiosos. Estava sempre atento aos novos talentos. O primeiro álbum de Crouch chamado de "Take the Message Everywhere" havia sido lançado em 1969. Foi através desse álbum que Elvis conheceu a obra musical desse ministro batista. A versão de Elvis é até bem simples. Arranjo sóbrio e destaque para a vocalização. Ficou bonito, mas em minha opinião ainda não tão marcante como outras faixas desse disco. Durante a sessão de gravação de muitas canções desse álbum Elvis contou apenas com sua banda básica e grupo vocal de apoio dentro do estúdio. Somente depois que o produtor Felton Jarvis colocava todos os demais instrumentos, para deixar as músicas mais completas, mais bonitas ao ouvinte.

03. Amazing Grace (John Newton) - Um dos destaques positivos desse disco vem justamente de "Amazing Grace", um dos maiores clássicos religiosos da cultura norte-americana. Penso até que o disco deveria ter sido nomeado de "Amazing Grace", não apenas porque essa faixa é muito superior a "He Touched Me" como também pela força comercial do nome da música. Provavelmente não foi escolhida para nomear o álbum por questões de direitos autorais, ou então porque os executivos da RCA Victor acreditavam que esse gospel já havia sido gravado tantas vezes antes, por tantos artistas diferentes ao longo dos anos, que estaria simplesmente saturado no mercado. De qualquer maneira esse gravação é uma das que justificam a existência do disco como um todo. Mesmo com problemas, etc, "Amazing Grace" na voz de Elvis é sem dúvida um dos mais belos momentos de sua discografia. Algo muito inspirador e bonito de se ouvir. Pena que seja uma exceção no meio convencional dominante que impera no disco.

04. Seeing Is Believing (Red West / Glen Spreen) - "Seeing Is Believing" também trazia uma mensagem bela do ponto de vista religioso, exaltando os fiéis a não embarcarem no equivocado pensamento do "ver para crer". A canção foi escrita pelo guarda-costas e amigo pessoal de Elvis, Red West. Foi um ato de amizade por parte dele. Ainda assim temos aqui que reconhecer que Red West, apesar de tudo o que aconteceu, tinha talento para escrever belas letras e até bonitas melodias. Elvis gravou diversas músicas de Red West ao longo de sua carreira, nenhuma delas pode ser considerada ruim ou medíocre. Aqui Red dividiu os créditos da música com o músico Glen Spreen. É um bom momento do álbum.

05. He is My Everything (Dallas Frazier) - Assim que os primeiros acordes de "He Is My Everything" tocam, o fã de Elvis imediatamente lembra de outra música do cantor, "There Goes My Everything" de outro disco, do "Elvis Country (I’m 10,000 Years Old)".  Quando consulta o selo descobre que o autor, Dallas Frazier, é exatamente o mesmo da outra canção. Como poderia se explicar isso? Na realidade temos aqui a mesma melodia, porém com uma pequena mudanças na letra. Uma é romântica, a outra é gospel, religiosa. Elvis curtia as duas versões e por isso decidiu gravar a sacra para seu novo disco, "He Touched Me". Curiosamente o autor dessas duas faixas foi considerado no começo de sua carreira como uma espécie de Elvis, estilo mais country e gospel. O mundo realmente dá voltas. Eis que nos anos 70 Elvis gravaria duas composições de sua autoria. Foi o ápice para Dallas Frazier, sem dúvida.

06. Bosom of Abraham (William Johnson / George McFadden / Ted Brooks) - Para quem não consegue entender a ligação entre o rock e a música gospel indico a audição de "Bosom of Abraham", Como se sabe o rock em seus primórdios foi uma fusão de diversos ritmos musicais, entre eles o gospel. A rapidez, a vibração do ritmo, principalmente nos hinos mais enérgicos cantados nas capelas do sul, trouxe muito ao novo ritmo que nascia. Essa música mais se parece um velho rockabilly se formos pensar bem. A única diferença obviamente vem no teor de sua letra. Essa foi uma das gravações de Elvis que penso poderia ter sido muito bem aproveitada nos palcos. Pena que ele não pensou dessa forma, a relegando apenas nessa versão em estúdio, muito bem gravada por sinal.

07. An Evening Prayer (C. Maude Battersby / Charles Hutchison Gabriel) - "An Evening Prayer" abria o lado B do vinil original de "He Touched Me" em sua versão oficial, da discografia americana. É uma composição da dupla C. Maude Battersby e Charles Hutchison Gabriel, Era uma das faixas que a RCA Victor promoveu como uma gravação original de Elvis Presley na época de lançamento do disco. Como o próprio título deixa claro se trata de uma oração cantada, com uma letra composta de poucas linhas, mas que funciona perfeitamente aos seus propósitos. Orações são assim, puro sentimento. Elvis, por sua vez, tem uma excelente performance vocal. Ele sempre ficava muito inspirado cantando gospel.

08. Lead Me, Guide Me (Doris Akers) - "Lead Me, Guide Me", por sua vez, era uma velha composição da cantora e compositora gospel Doris Mae Akers. O auge de sucesso de sua carreira aconteceu no pós guerra. Ela decidiu se mudar para Los Angeles em 1946 e lá tirou a sorte grande ao ser contratada pela gravadora RCA Victor, que começava a apostar no mercado gospel, na produção de discos voltados mais para o público religioso. Provavelmente Elvis conhecia suas músicas desde a infância pois Gladys gostava de ouvir música evangélica no rádio, na estação local de Memphis. Foi assim uma forma de Elvis voltar no passado, nos bons tempos que passou ao lado de sua mãe.

09. There Is No God But God (Bill Kenny) - "There Is No God But God" era uma das novidades do disco. Escrita por Bill Kenny, era uma canção praticamente desconhecida de muitos. A letra louvava obviamente a Deus, mostrando toda a sua grandiosidade, deixando claro que apenas existe um único Deus e nenhum outro. Elvis gostava muito do trecho da letra que afirmava que Deus havia criado tudo no universo e que não existiria nada, absolutamente nada, existente, que não fosse uma obra de Deus, nem um pássaro voando no horizonte, nem um gota de água que viesse a cair no chão. Deus absoluto, criador de todas as coisas. Esse tipo de mensagem enchia a alma de Elvis que era uma pessoa muito religiosa.

10. A Thing Called Love (Jerry Reed) - Nunca cheguei a gostar muito de "A Thing Called Love", Acredito que seja uma das músicas mais datadas do álbum, por causa dos arranjos. A primeira versão, a original, foi lançada em 1968 por Jerry Reed, cantor country. Depois Jimmy Dean (não confundir com o famoso ator morto nos anos 50) também gravou sua versão. Curiosamente a canção se tornou sucesso mesmo com Johnny Cash, chegando a ficar em primeiro lugar na parada country. Era bem a especialidade do bom e velho Cash. Em suma, é uma country music em essência, mas com uma letra também religiosa sob certos aspectos.

11. I, John (William Johnson / George McFadden / Ted Brooks) - "I, John" é excelente. Outra que tem uma sonoridade bem rockabilly, mostrando que o rock é mesmo uma mistura, um caldeirão de outros ritmos musicais que se fundiram e lhe deram origem. Uma canção bem rápida, com excelente trabalho coletivo entre Elvis e seu grupo de apoio. É interessante que muitos que viviam ao redor de Elvis sempre afirmaram que a canção era uma de suas preferidas nas reuniões e pequenas festas que ele dava em seu apartamento após os shows. Era uma forma dele relaxar. Sempre nessas ocasiões ele puxava o coro dos seus vocalistas, aproveitando cada nota. Então fica a questão: por que ele não a usou mais em concertos já que gostava tanto da canção? Essa é uma daquelas perguntas que apenas Elvis poderia mesmo responder.

12. Reach Out to Jesus (Ralph Carmichael) - "Reach Out To Jesus" é uma música bem antiga. Seu autor Ralph Carmichael foi um bem sucedido compositor de músicas religiosas, tendo suas obras gravadas por grandes nomes da música norte-americana, entre eles Nat King Cole, Ella Fitzgerald e Bing Crosby. Alguns anos depois ele decidiu se tornar ministro religioso e virou pastor. Também virou produtor musical, fundando seu próprio selo de músicas gospel, a Light Records. Essa versão de Elvis é muito boa, porém não chega necessariamente a se tornar um destaque dentro do disco. "He Touched Me" vale muito pelo seu conjunto. Essa é, em minha opinião, a principal razão do disco ter sido premiado pelo Grammy. Visto como um todo é um belo álbum gospel. Assim a faixa cumpre seu papel dentro do repertório. Elvis nunca mais a utilizou em estúdio e tampouco voltou a cantá-la em concertos ao vivo. De certa forma essa gravação pode ser considerada um autêntico Lado B da discografia de Elvis Presley. Nada muito além disso.

Elvis Presley - He Touched Me (1972) - Elvis Presley (vocais) / James Burton (guitarra) / Chip Young (guitarra) / Charlie Hodge (violão) / Norbert Putman (baixo) / David Briggs (piano) / Joe Moscheo (piano) / Charlie McCoy (órgão, harmônica e percussão) / Jerry Carrigan (percussão e bateria) / Kenneth Buttrey (bateria) / Glen Spreen (órgão) / The Imperials (vocais) / Mary & Ginger Holladay (vocais) / Millie Kirkham (vocais) / Junge Page (vocais) / Temple Riser (vocais) /Sonja Montgomery (vocais) / Produção: Felton Jarvis e Elvis Presley / Local de Gravação: RCA Studio B, Nashville, Tennessee / Data de Gravação: 15 de março de 1971, 15 a 21 de maio de 1971, 8 a 10 de junho de 1971 / Data de Lançamento: Abril de 1972.

Pablo Aluísio.

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