Quando Elvis voltou do exército ele tinha duas grandes pretensões. Uma era se tornar um grande ator e a outra desenvolver sua habilidade vocal. Primeiro fez G.I. Blues (Saudades de um Pracinha), um filme que ele não gostou de jeito algum, criticando inclusive a qualidade da trilha sonora. Porém, a ele era dito para fazer G.I Blues para reconquistar os fãs e depois lhe seriam oferecidos papeis mais dramáticos. Flaming Star (Estrela de Fogo) seu filme seguinte foi um bom início, seguido de Wild in the Country (Coração Rebelde) que, originalmente, tinha um ótimo roteiro, mas foi estragado pelos engravatados de Hollywood e a raposa velha Coronel Tom Parker.
A segunda pretensão, todavia foi alcançada: Elvis nunca cantou melhor e sua voz nos 3 primeiros anos da década de 60 está excelente, com performances lindíssimas em clássicos como Are You Lonesome Tonight?, It´s Now Or Never. They Remind Me Too Much Of You, There´s Always Me e muitas outras. 1961 chegou e definitivamente foi um ano que dividiu a carreira de Elvis. Ele começou o ano com dois shows beneficentes em Memphis em fevereiro, seus primeiros após a sua volta do exército e em março gravou o álbum Something for Everybody, que apesar de ser muito bom e ter chegado ao primeiro lugar, perde se comparado com Elvis is Back. Logo após as sessões de gravação Elvis viajou para o Havai para filmar Blue Hawai (Feitiço Havaiano no Brasil) e fazer um show beneficente, que acabou sendo seu último até 1968. Blue Hawai foi a pior coisa que aconteceu na carreira de Elvis por ter sido um sucesso.
O álbum passou absurdas 20 semanas em primeiro lugar e o filme foi um estrondoso sucesso, apesar de ser muito fraco. A sua trilha é na verdade uma das piores de Elvis, se salvando umas 4 músicas, incluindo o clássico absoluto Can´t Help Falling in Love. Afinal botar o rei do rock para cantar uma dúzia de músicas havaianas é o fim!! Em junho, antes de ir filmar Follow that Dream (Em Cada Sonho Um Amor) Elvis ainda entrou em estúdio e gravou entre outras, um de seus melhores singles: “His Latest Flame / Little Sister”, que injustamente não chegou ao primeiro lugar nos EUA. Na Inglaterra ambas as músicas atingiram o topo das paradas. Surrender foi a música de Elvis nesse ano que alcançou o número 1 nas paradas em ambos lados do Atlântico.
O filme seguinte Follow That Dream era um comédia bem leve onde Elvis se saiu muito bem. Infelizmente, foi durante as sessões desse filme que Elvis perdeu um de seus melhores guitarristas: Hank Garland, vitimado em um acidente de carro que quase tirou sua vida e destruiu sua carreira de guitarrista. O som de Elvis perderia muito com a saída de Garland. Fora isso, o quadro profissional de Elvis era excelente. Ele ainda chegava fácil ao primeiro lugar, seus filmes ainda mantinham um certo nível, ele ainda gravava em ritmo muito bom e produtivo e a qualidade das músicas era ainda muito boa. Mas esqueci de outro objetivo que Elvis tinha ao voltar do exército: se divertir!!! Se Elvis era um garoto que na década de 50 levava uma vida nada mundana, namorando firme garotas e morando com os pais, a situação se inverteu. Elvis agora, sem a balança moral de sua mãe, entupia sua mansão da maior quantidade de mulheres que conseguia e se divertia com os caras da máfia de Memphis destruindo hotéis (nunca de forma propositada), tendo sido expulso de vários deles. Para solucionar o problema Elvis adquiriu a sua casa em Bel Air.
Onde podia destruir o que quisesse e onde promovia algumas das festas mais badaladas de Holywood, sem contar nunca com a presença de estranhos, só o circulo fechado dele, alguns sortudos e centenas de garotas. Em outubro após mais uma ótima sessão de gravação em Nashville, Elvis foi filmar o seu décimo filme, Kid Galahad (Talhada para Campeão), uma refilmagem de um filme homônimo de 1937, dirigido por Michael Curtiz (o mesmo que dirigiu Elvis no excelente King Creole), e estrelando Edward G. Robinson, Bette Davis e. Humphrey Bogart. Na refilmagem, a idéia básica da trama foi mantida, com as alterações no nome do ator principal que seria agora Walter Gulick e na sua ocupação anterior a entrada no mundo do boxe, que agora seria de um mecânico recém-saído do exército que volta para sua cidade de nascimento e acaba encontrando um promotor de boxe que acaba descobrindo que o mecânico Walter leva jeito para a coisa (interpretado pelo ótimo Gig Young). Logo, Elvis se apaixona pela irmã do promotor interpretada por Joan Blackman, (mais linda do que nunca). Ela havia trabalhado com Elvis em Blue Hawai. Walter tem que lidar com os problemas com a máfia de Gig e uma luta final com o campeão e invencível lutador de boxe Sugarboy.
Como treinador Elvis tem ninguém menos que Charles Bronson, o mesmo que dez anos depois estrelaria o filme “Desejo de Matar”. Bronson e Elvis não se deram bem nos sets de filmagem e Bronson considerou as habilidades de luta de Elvis como ridículas.Apesar disso a química entre os dois na tela é boa. O filme tem um roteiro superior aos demais filmes de Elvis, um elenco de apoio ótimo, uma trilha muito boa e equilibrada. Além desses aspectos positivos Elvis ainda tem a chance de participar de algumas cenas mais dramáticas, como a que ele discute com Gig, quando este o proíbe de sair com sua irmã. As cenas de lutas são razoáveis e o câmera mostra alguns ângulos interessantes. Porém o papel aqui exige um Elvis um pouco menos educado e mais casca grossa. Elvis aqui suaviza muito o personagem, o que é um ponto negativo. Interessante é que o cabelo de Elvis está quase ao natural, com pouca brilhantina e louro, pela última vez em sua carreira. O final, felizmente, não acaba com uma música, apesar de ser um pouco sem graça.
O grande problema de Kid Galahad é que as músicas não se contextualizam no filme, que poderia muito bem ter sido rodado sem elas. Interessante é que quando Elvis foi rodar o filme ele levou o famoso macaco chimpanzé Scatter em sua primeira viajem para Hollywood. Scatter havia sido comprado recentemente e era tratado como se fosse um membro da Máfia de Memphis. Gostava de beber cerveja e olhar embaixo das saias das garotas e era responsável por uma verdadeira bagunça nos estúdios que deixava os diretores loucos. Kid Galahad foi o último filme um pouco mais sério de Elvis. No final das contas teve uma bilheteria medíocre se comparada a de Blue Hawai e foi 37º filme mais assistido do ano. Lançado em agosto de 62 a trilha sonora foi lançada como EP alcançando a média 30º posição. A carreira cinematográfica de Elvis, após essa película, foi jogada em um mar de garotas, canções ruins, diretores medíocres e roteiros ridículos.
KING OF THE WHOLE WIDE WORLD (Batchelor / Roberts) - Não só a melhor canção do filme mas também uma das melhores músicas de Elvis na primeira metade da década de 60, que não fica devendo em nada às músicas de estúdio de Nashville. É daquelas canções que fazem de Elvis o Rei do Rock. Com uma letra simples, porém inteligente e ainda com uma lição de moral, essa música ainda prima por um ritmo alucinante, daqueles "levanta defunto" que só Elvis sabia fazer. A banda dá um show, especialmente o excelente saxofonista Boots Randolph, um dos músicos mais subestimados que trabalharam para Elvis. Saxofonista de mão cheia, Boots apareceu no palco com Elvis nos shows de 61 de Memphis e Honolulu e é responsável por solos incríveis de sax em músicas como The Meanest Girl in Town, Fools fall In Love, Witchcraft, Return to Sender e a obra prima, Reconsider Baby. Ele fez na década de 60 o equivalente ao que Scotty fazia na década de 50, tendo seus solos de sax substituído os de guitarra de Moore em várias músicas. Trabalhou com Elvis até 68 em sua última sessão em Nashville da década. Nessa música não é diferente, nos presenteando com dois solos, sendo o último o melhor deles. A voz de Elvis aqui também é o destaque, ainda exibindo um timbre parecidíssimo com o da década de 50. Como a maioria das cenas musicais de Elvis a música é apresentada de forma ridícula, com Elvis cantando na traseira de um caminhão. Uma versão mais lenta e sem a pegada foi tentada e exigiu quase 30 takes! A versão definitiva lançada alcançou o master com apenas 4. Essa é pra mostrar aos amigos.
THIS IS LIVING (Weisman / Wise) - Outro exemplo de uma boa música em um filme de Elvis. Também muito pra cima, essa canção tem uma letra meio escapista, o que nem sempre é ruim. Dificilmente alguém com mais de 25 anos vai se identificar com ela, mas temos que lembrar que em 61, o público de Elvis ainda era abaixo de dessa faixa etária. Afinal, uma música que fala sobre liberdade (de uma forma bem inocente, convenhamos) e sobre um cara que não quer se amarrar e só curtir a vida, não é para todas as idades. O primeiro verso é cantado só pelos Jordanaires e Elvis só entra do refrão em diante. O ritmo é contagiante. A única crítica fica para a banda que deveria ter tocado, digamos, de uma forma mais pesada, ficando o resultado final uma música legal, com bom ritmo, mas com uma pegada um pouco falha, sem muito "feeling".
HOME IS WHERE THE HEART IS (Edwards / David) - Se você é daqueles fãs que acham “Love Me Tender” a melhor balada gravada por Elvis, então você precisa se aprofundar mais na discografia de seu ídolo. Do contrário, você vai perder pérolas como essa belíssima canção. Com uma melodia celestial, instrumentalmente simples e um vocal soberbo de Elvis, essa música merece ser ouvida mais de uma vez. Aqui, pessoalmente, eu acho um dos pontos altos, vocalmente falando, na carreira de Elvis que vai de um grave até então inédito até aquele agudo característico dos anos da Sun Records. Nessa música Elvis dá uma aula de canto em menos de 3 minutos! Os takes iniciais são mais lentos, porém prefiro o master, um pouco mais acelerado.Como em Don´t, por exemplo, Elvis pega uma música aparentemente boba e simples e suga sua essência de tal maneira que ela se transforma em Elvis e ele nela, fato que iria ocorrer em dezenas de outras ocasiões como em Bridge Over Troubled Water, guardada as devidas proporções na qualidade do material. Como Pomus e Shuman diziam: "Elvis era o único cantor que conhecíamos que nos mostrava algo em nossas músicas que ainda não sabíamos ou não tínhamos percebido."
I GOT LUCKY (Fuller/ Weisman/ Wise) - Puro Pop dos anos 60. I Got Lucky, inexplicavelmente, não fez sucesso nas paradas, talvez por não ter sido dada a devida atenção e ter sido lançada em um EP e não em um single. Amostra perfeita do som que os adolescentes escutavam na época: músicas bobinhas, com letras falando de amor adolescente e ritmo extremamente pegajoso e impregnante (no bom sentido!). Nada de errado com isso, em uma América ainda inocente. Essa canção é daquelas que envelheceram e ouvindo-a, imediatamente vem aquele gostinho de nostalgia. Me lembra muito I Gotta Know, do ano anterior. Na cena do filme em que Elvis a canta o vemos em um picnic tipicamente americano e meninas com saia rodada, características da época. Elvis ensaia um pouco de seus movimentos de Pelvis, contidos, é claro, do mesmo jeito que a música é. Doo Woop de primeira para ninguém botar defeito.
RIDING THE RAINBOW (Weisman / Wise) - Junto com "A Whistling Tune", as mais fracas da trilha, porém, sem prejudicar em momento algum a qualidade do material. O interessante dessa trilha é que até as músicas mais bobinhas são infinitamente superiores a materiais futuros como Harum Scarum ou Easy Come Easy Go. Na mesma linha de I Got Lucky, essa canção aparece no filme na parte em que Elvis após reformar um antigo Cadillac leva todos para dar uma voltinha, incluindo no banco traseiro o troglodita Charles Bronson. Interessante é ver Bronson, o brutamontes de "Desejo de Matar" escutando versinhos inocentes como " I´m riding the rainbow, I´m Following my star to where you are". Irônico, no mínimo! Uma das primeiras, de muitas músicas que Elvis canta em um filme dentro de um carro.
A WHISLING TUNE (Edwards / David) - A mais fraquinha da trilha, essa havia sido rejeitada, apesar de gravada, para a trilha de Follow That Dream. A diferença é que no filme anterior o arranjo é feito com o piano e aqui a melodia é feita com assovio mesmo, justificando o título da música. Apesar da melodia e letra agradáveis, essa canção representa uma parcela de tudo errado nas músicas nas trilhas: letras bobinhas e melodias suaves e pueris demais. Nem o adolescente de 61 iria dar atenção e se identificar com essa aqui. (Victor Alves)
Elvis Presley - Kid Galahad (1962): Elvis Presley (vocal) / Scotty Moore (guitarra) / Tiny Timbrell (guitarra) / Bob Moore (baixo) / Buddy Harman (bateria) / D.J. Fontana (bateria) / Neal Mathews (guitarra) / Dudley Brooks (piano) / The Jordanaires: Gordon Stoker, Hoyt Hawkins, Neal Matthews e Ray Walker (vocais) / Gravado no Radio Recorders, Hollywood, California / Data de gravação: 26 e 27 de outubro de 1961 / Produzido e arranjado por Jefrey Alexander / Data de lançamento: Agosto de 1962 / Melhor posição nas charts: #30 (USA) e #23 (UK) Obs: O EP só foi lançado na Inglaterra em janeiro de 1963. Ficha Técnica / Filme: KID GALAHAD (talhado para campeão, 1962) - Dirigido por Phil Karlson / Produzido por David Weisbart / A Four Leaf Production / A Mirisch production / Elenco: Elvis Presley, Gig Young, Lola Albright, Joan Blackman, Charles Bronson, David Lewis.
Pablo Aluísio e Victor Alves.
Avaliação:
ResponderExcluirProdução: ★★★
Arranjos: ★★★
Letras: ★★★
Direção de Arte: ★★★
Cotação Geral: ★★★
Nota Geral: 7.6
Cotações:
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