O Elvis Desconhecido
I’ll Never Stand in Your Way - Não é o marco zero na carreira de Elvis Presley, mas é quase isso. Para quem pensa que a pré-história de Elvis se resume ao acetato de "My Happiness / That’s The When Your Heartaches Begin", essa faixa, lançada na coleção Elvis Platinum - A Life In Music, serviu para lembrar a todos que a trajetória de Elvis em seus anos iniciais foi muito mais complexa (e interessante) do que a simples lenda do disco gravado para dar de presente à sua mãe, da milagrosa descoberta “instantânea” por parte de Sam Phillips em relação ao talento musical dele e de seu sucesso relâmpago, “da noite para o dia”. Não foi bem assim, isso é uma simplificação que pode até ficar bonita em um texto com o claro objetivo de impressionar o leitor menos atento, mas que não condiz inteiramente com a verdade dos fatos. Não foi tão fácil assim para Elvis em seu primeiríssimo momento, no nascimento de sua carreira.
As lendas costumam ser simples, mas os fatos históricos são mais complexos. Depois de My Happiness Elvis ainda gravaria um segundo acetato, também de forma amadora, que foi registrado na Sun Records numa clara tentativa dele em chamar a atenção de Sam Phillips para seu talento, para deixar claro a sua existência, para que o famoso produtor da Sun não o esquecesse (se bem que na gravação de seu primeiro acetato, Phillips na realidade nem sequer estava presente!). My Happiness é o marco zero de Elvis Presley em um estúdio, aquela mesma canção da lenda do disquinho dado a Gladys por Elvis em seu aniversário (pura lenda, diga-se de passagem!).
A música, que sobreviveu ao tempo, mesmo com inúmeros problemas de áudio e defeitos resultantes da deterioração natural da única matriz existente, registra um jovem Elvis, quase vacilante, tentando vencer sua timidez e tornando realidade seu velho sonho de ser cantor. É uma faixa que conta apenas com Elvis e sua violão, sem acompanhamento nenhum, sem banda e sem truques de estúdio. Just Elvis. Ela é simples do ponto de vista musical, mas não do ponto de vista histórico. Muito longe de registrar o surgimento do Rock’n’Roll como muitos pensam, My Happiness apenas deixou para a história o momento inicial do nascimento daquele que se tornaria o grande nome dessa revolução musical que iria tomar conta da América e do mundo nos anos seguintes. Naquele momento tudo se resumia no jovem caminhoneiro de Memphis, tentando fazer uma boa gravação e não fazer feio na frente de estranhos, nada mais do que isso. Muito longe do mega astro, do fenômeno mundial, do mito que todos conhecemos hoje.
I’ll Never Stand in Your Way é uma canção irmã de My Happiness. Gravada para completar o segundo acetato de Elvis na Sun (com Casual Love Affair no outro lado) a música ficou muitos anos desaparecida e esquecida. Muitos autores, dentre eles muitos escritores renomados, esqueceram ou ignoraram completamente sua existência e em inúmeros artigos escritos ao longo dos anos, chegaram a fazer uma ponte imediata entre My Happiness e That’s All Right, esquecendo-se completamente desse acetato que, se muito, no final das contas, apenas causou aborrecimentos e desilusões a Elvis quando o gravou na época. Como escrevi antes, a intenção de Elvis ao voltar à Sun e gravar duas novas músicas era muito simples: ele queria ser descoberto por Sam Phillips de uma vez por todas, queria chamar a atenção do dono da Sun, queria causar impacto. Mas, talvez pelo excesso de ansiedade e nervosismo, talvez pela inibição de fazer tudo certo e não errar, de ser perfeito demais, tudo o que Elvis conseguiu naquele dia foi ser ignorado pelo dono da gravadora, que acabou lhe dizendo (como sempre falava a todos os que gravavam em seu estúdio, em uma resposta padrão dada aos músicos que por lá passavam), que deixasse seu telefone com sua secretária.
Tudo estaria muito bom se Elvis já não tivesse deixado seu número antes, quando gravou My Happiness, tempos atrás. Imagine o desapontamento por parte dele! Para quem queria ser notado, descoberto, tudo o que acabou sentindo naquele dia foi uma involuntária demonstração de desânimo e desinteresse por parte de Sam, que nada viu demais nele e na sua música, naquele momento. Sam tinha razão? Elvis, nesse dia em particular, nada demonstrou para impressionar o dono da Sun? Em parte sim, Phillips teve razão em não achar nada demais na performance de Elvis.
Ao ouvir essa faixa hoje, mais de 50 anos depois de Elvis tê-la gravado, notamos certas coisas fascinantes para um admirador do Rei do Rock. Antes de tudo é bom salientar que a qualidade sonora não é boa, todos os problemas de My Happiness se repetem aqui. O ouvinte deve ignorar toda a precariedade de sua qualidade técnica para se deliciar e se sentir ao lado de Elvis na Sun, naquele tarde quente de Memphis. No final das contas isso não tem importância mesmo, principalmente para quem quer conhecer a história de Elvis com profundidade. Todas as relíquias históricas são assim, todas trazem a marca do tempo encravadas em sua essência material. I’ll Never Stand in Your Way é uma baladinha popular daqueles tempos. Elvis está contido, mas transmite bem seu estado emocional, que acaba sendo uma mistura curiosa de timidez excessiva e sensibilidade à flor da pele. O violão é tocado de forma tímida, quase inaudível, porém dentro das possibilidades dele na época.
Curioso notar que a voz de Elvis apresenta variações de volume típicas de quem, em certos momentos, abaixa a cabeça (e consequentemente se afasta um pouco do microfone) para verificar se a posição de sua mão está correta no braço do violão. A letra é simples, mas Elvis a canta com convicção e honestidade. Fico maravilhado a ouvir esse tipo de registro porque podemos notar com muita clareza a clara evolução vocal de Elvis ao longo de sua vida, da voz fininha e acanhada dos primeiros anos ao vozeirão apoteótico de seus momentos finais. A canção em si, emociona ao fã verdadeiro de Elvis Presley, mas não tiro a razão de Sam em não ter notado nada demais naquele dia.
Temos que ter em mente que uma pessoa como ele recebia diariamente muitos cantores à procura de um lugar ao sol. Certamente Elvis foi visto como apenas mais um dentre eles no meio da multidão. Um garoto com um visual estranho, mas que não causou grande impacto naquele dia. Não seria uma simples balada country romântica como essa que iria despertar a atenção de um homem rodado no mundo musical como Sam Phillips. Se Elvis tinha algo especial, não foi naquele dia que ele o mostrou a Sam. Na intenção de não errar, tudo o que Elvis conseguiu foi ser ordinário, comum. Como todos sabemos Elvis só seria notado quando trouxesse algo extraordinário, que fugisse dos padrões musicais de seu tempo. Isso só iria acontecer mesmo na próxima vez em que Elvis colocaria os pés na Sun. Nesse dia Elvis sentiu que para ser notado era melhor ser diferente, se transformar em algo novo, revolucionário. Foi na sessão seguinte que Elvis finalmente fez história e mudou o rumo da cultura popular do século XX. Mas essa é uma outra história...
Pablo Aluísio - abril de 2006
O Elvis Desconhecido
ResponderExcluirPablo Aluísio - Todos os Direitos Reservados