Quando Elvis voltou do serviço militar no começo de 1960 ele trazia na mala não apenas seus pertences pessoais mas também uma idéia fixa que havia desenvolvido enquanto estava na Alemanha. Ao longo dos meses em que passou em serviço militar Elvis acompanhou surpreso o desaparecimento e surgimento de vários cantores e músicos. Aqueles que tinham começado sua trajetória musical ao seu lado na década de 1950 estavam todos passando por enormes dificuldades com as carreiras, que naquela altura estavam praticamente arruinadas. Jerry Lee Lewis, Chuck Berry, Little Richard, todos estavam em baixa no alvorecer da nova década. Ao mesmo tempo novos ídolos juvenis surgiam com uma velocidade espantosa. Fabian, Frankie Avalon e Neil Sedaka, por exemplo, eram novos artistas que tinham surgido do nada e da noite para o dia estavam arrasando nas paradas e nos cinemas. Para Elvis toda essa situação era motivo de grande preocupação pois demonstrava como era efêmera a carreira de um cantor jovem naqueles anos.
Em vista de tudo isso Elvis chegou na conclusão inabalável de que sua única saída para sobreviver como artista quando voltasse aos EUA era se dedicar de corpo e alma ao cinema. Se tornar um ator, acima de tudo. Para Elvis, em suas próprias palavras, "cantores surgem e desaparecem rapidamente, porém se você for um bom ator pode ficar por aí por muitos anos!". Sim, Elvis estava receoso e convencido de que ao voltar para a América sua carreira musical teria apenas mais alguns anos de sobrevida e ele sumiria do mapa, como havia acontecido a todos os demais, a não ser que começasse desde já a virar um ator e dos bons. Infelizmente suas esperanças em desenvolver uma carreira séria como ator de cinema começaram a virar água logo após voltar a Hollywood. "G.I. Blues", seu primeiro filme após o retorno à vida civil, logo se tornou uma enorme frustração para o astro. Priscilla Presley em seu livro relembra o profundo desapontamento de Elvis em relação a esse filme: "Poucas semanas depois Elvis ligou de novo. Seu entusiasmo por G.I. Blues se transformara em amargo desapontamento. Elvis disse: 'Acabei de concluir a droga do filme. Estou detestando. Eles puseram uma dúzia de canções que não valem nada.' — Ele estava furioso — 'Tive uma reunião com o Coronel Parker a respeito. Quero cortar a metade das canções. Sinto-me como um idiota, desatando a cantar no meio de uma conversa com uma garota num trem. (...) O Coronel pediu melhores roteiros. O problema é que se trata do meu primeiro filme depois que voltei e não passa de uma droga." Como se pode perceber pelo relato Elvis simplesmente odiou G.I. Blues porém a despeito de suas ideias sobre o filme esse logo se transformou em um enorme sucesso, tanto em termos de bilheteria como em relação a sua trilha sonora que logo chegaria tranquilamente ao primeiro lugar entre os mais vendidos, mesmo sendo composta de "músicas que não valem nada" como disse Elvis...
De qualquer forma Elvis não se deixou abater e correu atrás de seu sonho de se tornar um ator respeitado em Hollywood. Em razão da promessa que havia feito ao seu cliente, o Coronel Parker logo se colocou à busca de algum roteiro mais consistente e de qualidade, bem ao contrário do enredo ao estilo comédia musical romântica de G.I. Blues. A procura finalmente acabou nos estúdios da 20th Century Fox, a mesma empresa que havia dado a primeira oportunidade a Elvis no cinema em 1956 com o western Love Me Tender. Embora ainda sem título definitivo o roteiro desse novo filme prometia, também era um western, porém com uma visão socialmente correta, envolvendo índios e brancos tentando levar uma convivência pacífica no período pós guerra civil. O projeto havia caído nas mãos de Marlon Brando e Frank Sinatra mas não foi em frente pois Brando detestava o poderoso executivo da Fox, Darryl F. Zanuck. Com Brando fora do projeto, mesmo tendo bastante interesse em um dia fazê-lo por causa de seu tema, a Fox se apressou em oferecer o papel principal a Elvis, pois afinal todos queriam faturar em cima da enorme publicidade que ele tinha logo após retornar a vida civil. Elvis leu o roteiro e gostou muito. Não havia músicas no filme, sem dúvida seria uma grande chance para ele se desenvolver como ator.
Com a aprovação de Elvis o Coronel Parker finalmente fechou o acordo com a Fox para a realização do filme. Os executivos do estúdio porém não estavam contentes justamente com a falta de músicas no roteiro e deixaram claro ao empresário de Elvis que ele deveria cantar no filme, mesmo que os números musicais fossem limitados. Parker também concordava com os chefões da Fox, não havia sentido em fazer um filme com o cantor mais famoso do mundo e não explorar seu talento em uma trilha sonora. Prometeu a eles que conversaria com Elvis e o convenceria a cantar em cena. Elvis ficou muito contrariado ao saber que deveria aparecer no filme cantando, porém como o contrato já estava assinado resolveu abrir mais essa concessão. Assim ficou acertado que a primeira obrigação de Elvis com a Fox seria a gravação da trilha sonora nos estúdios Radio Recorders em agosto daquele mesmo ano.
A trilha sonora - Sempre que Elvis trabalhava na Fox seu grupo musical era educamente colocado de lado pelos executivos do estúdio. Havia sido assim em Love Me Tender e a mesma situação se repetiria em Flaming Star. Scotty Moore, DJ Fontana e os demais sequer foram chamados, ao invés disso o produtor Urban Thielmann resolver escalar um grupo totalmente novo para acompanhar Elvis. Entre as novidades havia o guitarrista Howard Roberts e o baixista Michael "Meyer" Rubin. Da tradicional turma de Elvis em estúdio apenas o pianista Dudley Brooks e os Jordanaires no apoio vocal foram convocados. Elvis chegou ao estúdio com a expectativa de gravar apenas duas canções, que seriam justamente a música tema do filme e mais uma para que fosse apresentada em cena durante o filme. Porém para sua surpresa havia mais de sete canções na pauta! Ele começou os trabalhos com Black Star, depois uma a uma as demais foram sendo gravadas: Summer Kisses, Winter Tears (cortada da trilha e lançada cinco anos depois no disco Elvis For Everyone), Britches (que permaneceria inédita por muitos anos) e A Cane and a High Starched Collar (a escolhida para Elvis cantar durante o filme).
As outras canções da pauta foram ignoradas por Elvis e jamais gravadas. Mesmo assim os trabalhos na trilha não foram definitivos, Elvis ainda retornaria aos estúdios para tentar uma nova versão de Summer Kisses, Winter Tears e em outubro ainda voltaria para gravar Flaming Star, já que o filme havia mudado de nome durante sua produção. Livre da parte musical do filme Elvis então resolveu se dedicar de corpo e alma a sua atuação como ator. Para dirigir o filme a Fox contratou Don Siegel, um diretor ainda considerado de segundo escalão no cinema, proveniente da TV que tinha como maior sucesso no currículo um filme B de ficção científica dos anos 50, que viraria cult ao longo dos anos, Vampiros de Almas. Na realidade ele só se tornaria um grande diretor nos anos que viriam, principalmente após sua parceira vitoriosa ao lado de Clint Eastwood.
Para contracenar com Elvis no filme foram contratadas duas atrizes, uma veterana e uma novata. A novata era Barbara Eden, ex-Miss San Francisco, que tinha como currículo pequenas participações na TV, entre elas uma pequena ponta na popular I Love Lucy e que no cinema só havia estrelado filmes B sem grande importância. Apenas cinco anos depois ela encontraria finalmente o caminho do sucesso ao estrelar a série I Dream of Jeannie (Jeannie é um gênio, no Brasil). A veterana era a mexicana Dolores del Río, cuja carreira de sucesso vinha desde a chamada era de ouro de Hollywood. As filmagens transcorreram sem maiores incidentes com Elvis profundamente empenhado em dar o melhor de si como ator.
A própria Barbara Eden relembra sobre o comportamento profissional do cantor no set: "Elvis tinha uma facilidade muito grande em atuar. Era completamente natural para ele. Em pouco tempo ele se incorporava no papel. Também foi a pessoa com a melhor educação que já conheci, ele tinha boas maneiras, sempre ouvia atentamente o que o diretor Siegel lhe transmitia em termos de instruções na cena, sempre estava aberto a novas sugestões e ao contrário de muitos atores isso não era um problema para ele. Ele não era um astro com um ego monumental, como muitos que encontrei ao longo da minha carreira. Eu sabia que ele queria apenas atuar no filme e não cantar, porém uma música foi encaixada no script e Elvis resolveu não fazer confusão sobre o fato. Ele era muito solícito". O filme foi lançado no final do ano, durante as festas natalinas, e Elvis recebeu boas críticas nos principais órgãos de imprensa, incluindo a prestigiada Variety. Infelizmente o público não respondeu à altura em termos de bilheteria, sendo que no saldo final o filme iria render bem menos do que seu antecessor G.I. Blues.
Para quem esperava um grande sucesso os números finais mostravam apenas uma bilheteria morna, sem grandes atrativos. A RCA Victor também não se empolgou com as músicas gravadas na trilha sonora e resolveu não editar um álbum e nem ao menos um single promocional do filme pois os executivos preferiam apostar em material convencional de estúdio para que os singles de Elvis fossem realmente competitivos nas paradas. Assim em relação ao material gravado para a trilha a RCA resolveu aproveitar apenas a música título Flaming Star e Summer Kisses, Winter Tears que amarradas aos recentes sucessos It´s Now Or Never e Are You Lonesome Tonight? fariam parte do compacto duplo "Elvis by Request". Seguindo o mesmo resultado do filme o lançamento em disco também traria um retorno morno, apenas 14º lugar entre os mais vendidos. De qualquer forma Flaming Star não seria tão facilmente esquecido assim e seu passo rumo a eternidade não viria da indústria do disco e nem do cinema, viria do mundo das artes plásticas. O artista Andy Warhol acabou escolhendo parte do material promocional do filme para criar uma homenagem a Elvis e sua carreira. Suas obras em silk-screen "Double Elvis", "Triple Elvis", e "Elvis 11 Times" acabaram se tornando mais famosos que o próprio filme que lhes deu origem e garantiu a Elvis e sua imagem no filme Flaming Star nada mais, nada menos do que a imortalidade artística.
Elvis Presley - Flaming Star (1960)
Flaming Star
Summer Kisses, Winter Tears
Britches
A Cane and a High Starched Collar
Black Star
Elvis Presley - Flaming Star (1960): Vocais: Elvis Presley / Guitarra: Howard Roberts / Guitarra: Hilmer J. "Tiny" Timbrell / Baixo : Michael "Meyer" Rubin / Bateria: Bernie Mattinson / Acordeon: James Haskell / Piano: Dudley Brooks / Backup Vocals: The Jordanaires: Gordon Stoker, Hoyt Hawkins, Neal Matthews e Ray Walker / Produzido por Urban Thielmann / Engenheiro: Thorne Nogar / Gravado no Radio Recorders, Hollywood, California / Data de Gravação: 08 de agosto de 1960 / Data de Lançamento (Elvis by Request): fevereiro de 1961 / Melhor posição nas charts: # 14 (Billboard)
Escrito por Pablo Aluísio - Março de 2009.
Avaliação:
ResponderExcluirProdução: ★★★
Arranjos: ★★★
Letras: ★★★
Direção de Arte: ★★★
Cotação Geral: ★★★
Nota Geral: 7.6
Cotações:
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