sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Arquivo Elvis Presley (EPHP) - Parte 81

O Último Trem para Memphis
A Primeira vez que Elvis Presley entrou em um estúdio de gravação foi no verão de 1953, com 18 anos. Ele parecia tão inseguro que Sam Phillips, proprietário da Memphis Recording Service, achou difícil de acreditar que o rapaz já houvesse cantado em público antes. "Ele tentou não demonstrar isso... mas ele se sentiu tão inferiorizado... Elvis Presley foi provavelmente a pessoa mais introvertida que já entrou naquele estúdio". Elvis tinha acabado de se formar no colégio em Junho. Estava trabalhando como motorista na M.B. Parker Machinists, e entrou no estúdio com a certeza que queria gravar um disco. O Memphis Recording Service ficava na 706 Union Avenue e era quase exclusivamente um gravadora de Blues naquela época. Funcionava sob o comando de um homem de 31 anos, Sam Phillips. A gravadora fazia promoções para quem quisesse gravar um compacto de forma mais barata e acessível. E Elvis foi uma das muitas pessoas que pagaram 4 dólares para gravar um compacto com sua própria voz.

Elvis esperava extremamente nervoso numa salinha ao lado, enquanto o pequeno estúdio era preparado para a gravação. A gerente do escritório de Sam Phillips, Marion Keisker, chegou a interromper seu trabalho por sentir pena do estado de nervos que o rapaz se encontrava. Eles conversaram um pouco enquanto Phillips fazia os acertos finais no estúdio. A conversa foi se alongando, e Marion confusa com a ousadia e "arrogância" do garoto tímido. Ela perguntou: "Que tipo de cantor você é?" "Eu canto qualquer tipo de música", respondeu Elvis. Ela voltou a perguntar: "Você canta parecido com quem?" Elvis Presley respondeu de primeira: "Eu não me pareço com ninguém".

O que ele disse estava próximo da realidade. As duas canções que ele gravou naquele dia - "My Happiness" e "That's When Your Heartaches Begin" - atestam que Elvis não só era diferente de qualquer outro cantor, como também havia uma grande qualidade em sua voz, um tipo de melancolia, de lamento que não se alterava e que grudava na mente. Elvis soava diferente de tudo. Felizmente Sam Phillips não era do tipo de empresário que olhava apenas para as tendências do mercado. Se fosse, Elvis não teria a menor chance. Ao longo de toda sua carreira Phillips sempre acreditou na individualidade e na criatividade. Por exemplo: o segundo grande sucesso na sua gravadora naquele verão (o primeiro tinha sido "Bear Cat" de Rufus Thomas, uma resposta a "Hound Dog" de Big Mama Thornton) foi com um grupo vocal de negros chamado The Prisionaires, que na época era eram presidiários de Nashville.

Continuando sua relação com o grupo, Phillips conseguiu uma nova canção de outro presidiário, cuja voz fez Sam se lembrar daquele rapaz que havia gravado em seu estúdio algum tempo atrás. Imediatamente, Sam pediu que Marion chamasse o garoto ao estúdio. Já havia se passado quase dez meses desde que Elvis gravara seu acetato, com aquele velho sonho de ser "descoberto". Ele já estava quase desistindo de se tornar um artista. Ainda assim, tentava de qualquer jeito entrar para os Songfellows - um tipo de Blackwood Brothers mirim, que era o grupo número 1 Gospel do país e pertenciam a Assembléia de Deus, a mesma Igreja que Elvis Freqüentava. Elvis foi a gravadora e sua audição foi decepcionante. Quando muito a demo de "Without You" lembrava "My Happiness", que ele já havia gravado no compacto. Depois, Elvis cantou para Phillips trechos de músicas que conhecia - "Harbor Lights" de Bing Crosby, "If I Don't Care" de Dean Martin, "tomorrow Night" de Lonnie Johnson, "I Really Don't Want To Know" de Eddy Arnold. Todas baladas e todas cantadas com aquela voz melancólica perdida em algum lugar entre a súplica e o desejo.

O que intrigou Sam Phillips é que o rapaz colocava cada uma de sua emoções em todas as canções. Era como se ele não pudesse controlá-las. E isso era a base de toda grande gravação que fazia, desde que abriu seu estúdio em 1950. Pela Sun Records já haviam passado B.B.King, Howlin Wolf e outros. Mas desta vez, com Elvis, Sam teve a certeza de ter encontrado o cantor ideal. Nos últimos meses, Phillips havia trabalhado com um guitarrista chamado Scotty Moore. Moore tinha um grupo chamado Starlite Wranglers, que já havia gravado pela Sun Records. Phillips contou a Scotty sobre o rapaz que cantava baladas. Ao mesmo tempo, Marion disse o nome do cantor para Scotty: "Elvis Presley", soou como "um nome tirado de um filme de ficção científica", disse Scotty.

Sam começou a falar dele e o guitarrista pediu seu telefone e endereço. Talvez eles poderiam se juntar. Talvez o garoto realmente tivesse algo especial. Marion trouxe a informação e numa tarde de sábado no começo de julho, Scotty ligou para Elvis dizendo que era um "caçador de talentos de Sam Phillips e que gostaria de ouvi-lo se ele estivesse interessado, e ele disse que achava que sim" No dia seguinte eles se reuniram na casa de Scotty com o baixista dos Wranglers, Bill Black. Numa segunda feira, 5 de julho de 1954, os três foram até a Sun Records para o que seria apenas um ensaio. No começo nada dava certo. As primeiras músicas que tocaram eram baladas. E os músicos pareciam ainda procurar uma direção a seguir, tocavam trechos de uma música, de outra e de outra novamente, sem atingir o ponto ideal. Estavam totalmente perdidos.

Mas Sam Phillips era muito, mas muito paciente. E ele não deu nenhum sinal que estava ficando aborrecido ou desencorajado. Então, enquanto os músicos faziam uma pausa para o lanche "repentinamente", disse Scotty, "Elvis começou a cantar e a agir como um louco, e Bill pegou o baixo e começou a agir como um louco também e eu comecei a tocar com eles. Acho que Sam estava com a porta do escritório aberta, ergueu sua cabeça e disse: "O que estão fazendo?" E eu disse: "Não sabemos". "Tudo bem", ele disse "tentem encontrar um ponto para recomeçar e façam tudo de novo" A Música era "That's All Right", um velho blues de Arthur "Big Boy" Grudup, e Sam ficou muito mais surpreso do que Elvis jamais imaginaria. O garoto dançava e cantava com um vigor inacreditável. Sam teve a certeza de ter encontrado a música que havia procurado por tanto tempo.

Logo depois de executarem "That's All Right", os rapazes tocaram "Blue Moon of Kentucky" de Bill Monroe, de uma maneira mais ou menos parecida. "Nós achamos aquele tipo de música muito excitante" disse Scotty "Mas o que era aquilo? Era tão diferente de tudo". Não importa. O que realmente importa era que aquela música tinha realmente empolgado Sam Phillips. Assim nasceu o "Rockabilly". A Passagem de Elvis Presley pela Sun Records, representou - em muito aspectos - a descoberta de uma musicalidade latente que nunca apareceu antes. Sam Phillips faria com os novos artistas - os Rockbillys - o que já havia feito com os bluesmen que passaram pela Sun Records. Ele descobriria e produziria caras como Roy Orbinson, Gene Vincent, Jerry Lee Lewis e Johnny Cash. Sam Phillips viu seu papel de "descobridor" como uma missão "que era a de abrir as portas para esse novo grupo de artistas, ajudá-los a expressar a mensagem que carregavam dentro de si"

Sam realmente ficou espantado ao descobrir a capacidade intuitiva de Elvis para a música. "É como se ele tivesse uma memória fotográfica para cada música que ouvia. Elvis jamais rotulava um canção". No estúdio sua vontade era a de trazer para fora toda a criativa diferença de Elvis. Phillips não queria desperdiçar nada. "Eu tinha na mente o que desejava ouvir. Não nota por nota, claro. Mas uma essência. Eu queria simplicidade. Queria ouvir aquele tipo de som e poder dizer: "É isso!". Sam Phillips se orgulhava de sua habilidade como engenheiro de som. Afinal, ele havia trabalhado por mais de dez anos em várias estações de rádio. Phillips trabalhava exaustivamente para criar um som diferente de tudo em suas gravações, combinando clareza, presença e um tipo de reverberação que ele chamou de "Slapback". Quando ele introduziu uma bateria pela primeira vez, no quarto single da gravadora, foi com a idéia de criar um som totalmente específico. Sam acreditava piamente no acidental, no inesperado, no único. Ele confiava na espontaniedade. O que incluía alguns erros. E era assim que os discos de Elvis eram gravados. As gravações de Elvis Presley pela Sun Records são diferentes. Elas jamais soam datadas. Elas diferem-se uma das outras, e refletem as circunstâncias como cada uma delas foi feita.

Sam continuou a gravar baladas que tanto chamaram sua atenção. Só que ele queria também aquele ritmo que surgiu com "That's All Right". Então, cada sessão de gravação era uma questão de esperar os músicos se "transformarem", de fazer de novo aquela simbiose e esperar que a "Luz" se acendesse novamente. Phillips era paciente com todos. com Bill Black era muito mais uma questão de apreciar suas poucas boas qualidades como baixista do que ressaltar seus defeitos. "Bill era o pior baixista do mundo, tecnicamente, mas ele sabia fazer um "Slap" como ninguém", dizia Sam. Para Scotty Moore, Phillips vivia dizendo para que o desse ênfase no ritmo. "Eu dizia a ele: Nós não queremos nenhuma dessas bobagens suaves. Nós queremos uma bobagem aguda e cortante! Tudo tinha que ser pungente, mordaz e ter muito ritmo"

E em músicas como "Baby, Let's Play House" e "Mistery Train" é possível notar a mudança. A guitarra de Scotty Moore é tocada de uma maneira cortante, parecida com o blues de Memphis. Os instrumentos se fundem numa levada que Scotty definiu como "um ritmo total e - Sam não se aborrecia se errássemos uma nota, era só continuar tocando". Em Julho de 1955 o som do grupo estava afinado. "I Forgot to Remember to Forget" era uma canção country que Sam teve que praticamente empurrar Elvis para a gravação. "Ele não queria gravar a música de jeito nenhum, primeiro porque era muito country, e também porque era muito lenta. Mas eu queria gravar para mostrar um pouco mais de diversificação. Então eu disse a Johnny Bernero (o baterista) mantenha isso em 4/4 até entrarmos no coro, então entra o baixo em 2/4. E fazendo isso a música soou duas vezes mais rápida do que era. E Elvis adorou"

Em "Mistery Train" não havia necessidade de nenhum truque. A Canção era a mais espontânea e livre que já havia sido gravada naquele estúdio. "Essa música foi o maior trabalho que eu fiz com Elvis" disse Sam "Era uma grande canção. Puro Ritmo" "I Forgot to Remember to Forget" foi o primeiro grande sucesso nacional de Elvis. Em 1955 ele chegou ao primeiro lugar nas listas de música country e foi eleito o "O mais promissor artista country do país" pela revista Billboard. Foi aí que pintou o Coronel Tom Parker a a RCA Victor na vida de Elvis Presley, mas essa é uma outra história...

Artigo escrito por Peter Guralnick, Jornalista e pesquisador, colaborador de revistas como "Rolling Stone" e "Village Voice" e autor de diversos livros sobre música como os best sellers "Last Train To Memphis" e "Careless Love: The Unmaking of Elvis Presley" contando a história de Elvis Presley. Guralnick é hoje considerado o maior especialista mundial sobre Elvis e o nascimento do Rock'n'Roll.

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