sábado, 9 de fevereiro de 2013

O Monge

Uma grata surpresa. Assim defino esse “O Monge”. O argumento trabalha brilhantemente com a dualidade que está na base da doutrina cristã: a eterna luta do bem contra o mal. No caso ambos os lados lutam pela posse da alma do monge Ambrósio (Vincent Cassel). Na Espanha do Século XVIII ele é abandonado ainda bebê na porta de um mosteiro Capuchino. Criado pelos monges dentro dos dogmas religiosos da ordem, cresce e se torna ele próprio um monge. Brilhante orador, logo começa a chamar a atenção dos fiéis que começam a caminhar grandes distâncias apenas para ouvirem seu sermão e se confessarem com ele pois tem fama de ser uma alma iluminada que realmente perdoa os pecados de cada cristão que o procura. Rígido, não admite aos membros da Igreja passos em falso em sua disciplina religiosa. Procurado por uma freira acaba descobrindo que ela na verdade nutre uma grande paixão por um homem da região. Não pensa duas vezes antes de denunciá-la para sua madre superiora. O castigo é extremamente severo. Seu caminho pela fé parece forte e inabalável até a chegada de um novo noviço chamado Valério. Ele é um sujeito estranho, que usa uma máscara alegando ter sofrido grandes danos em sua face após um grande incêndio. Na verdade Valério será peça chave nas mudanças que estão por surgir na vida do Monge. Em pouco tempo ele terá que escolher entre fé e paixão, sentimento ou crença.

O roteiro de “O Monge” é muito rico em termos teológicos. Analisando bem encontramos em seu enredo elementos vitais para a religiosidade cristã. O livre arbítrio do personagem principal é muito bem desenvolvido pela trama. Embora esteja na presença de uma entidade sinistra e demoníaca ele acaba caindo nas tentações do pecado por livre e espontânea escolha, demonstrando que o pecador é, em última análise, o único culpado pelos erros que comete ao longo de sua vida. Outro ponto extremamente bem desenvolvido é a luta interna que trava ao escolher entre sua fé ou os prazeres mundanos, que surgem incontroláveis, absolutamente inconfessáveis. Na verdade são três linhas narrativas que parecem correr de maneira paralela entre si, mas que na verdade estão fortemente interligadas. O desfecho não abre margem a concessões e é muito interessante, tanto do ponto de vista da própria conclusão da estória como também em termos de teologia pura. Assim “O Monge” é indicado para pessoas inteligentes que tenham particular interesse em temas religiosos. Poucas vezes a luta pela alma de um homem foi tão bem desenvolvido no cinema como aqui. Não perca!

O Monge (Le Moine,  França, 2011) Direção: Dominik Moll / Roteiro: Dominik Moll, Anne-Louise Trividic / Elenco: Vincent Cassel, Déborah François, Joséphine Japy, Sergi López, Catherine Mouchet / Sinopse: Monge Capuchino vira alvo de disputa entre forças celestiais e demoníacas. Entre a fé e a tentação o religioso tentará salvar sua própria alma.

Pablo Aluísio.

Coração Valente

Certa vez o ator Mel Gibson disse que o esporte preferido dos australianos era falar mal dos ingleses. Talvez por essa razão ele tenha feito esse filme glorificando os escoceses em sua luta para derrotar os vilanescos súditos da rainha. Não é à toa que todos os ingleses retratados no enredo são porcos e cretinos. Historicamente o filme é uma bobagem, o verdadeiro William Wallace (Coração Valente) era uma pessoa muito distante do personagem apresentado na tela. Na realidade ele era um senhor feudal medieval. Isso significa que geralmente quando entrava em guerra o fazia para defender seus interesses feudais, sua supremacia comercial ou econômica. Nada a ver portanto com liberdade ou direitos fundamentais. Gibson ignorou a verdade histórica e o transformou num revolucionário bárbaro ao estilo do que se encontrava na Inglaterra durante a ocupação romana na Idade Antiga. O verdadeiro Wallace não pintava a cara de azul, nem tinha longos cabelos rebeldes, pelo contrário, cultivava o estilo dos nobres ricos e pomposos de sua época. Mas Gibson não parou por ai e encheu Wallace de boas intenções e idéias liberais que só iriam existir e se difundir muitos séculos depois da morte de Coração Valente, mais precisamente durante a revolução francesa, que inclusive foi realizada para acabar com os privilégios de nobres do feudalismo como o próprio Wallace. Basta entender isso para perceber como o roteiro do filme é realmente uma salada histórica sem muito sentido.

Pois bem, se historicamente o filme é um desastre não podemos negar que como entretenimento ele seja de primeira qualidade. Na verdade Mel Gibson não estava interessado nos livros de história mas sim em produzir e dirigir uma grande aventura medieval ao estilo dos antigos filmes épicos da Hollywood clássica. Assim toda a questão da fidelidade histórica foi jogada pela janela e Gibson abraçou o velho estilo de fazer grandes filmes. Tudo é muito rico, bem produzido e grandioso nessa produção. As cenas de batalha, por exemplo, são todas executadas e pensadas para realmente impressionar o grande público. Aliás “Coração Valente” é aquele tipo de filme que se deve assistir no cinema, com tela enorme, para não se perder nenhum detalhe e captar toda a grandiosidade do filme em si. Quando "Braveheart" finalmente chegou nas telas ganhou imediatamente o gosto do público e da crítica, se tornando um grande sucesso de bilheteria. Na esteira das boas críticas também vieram as vitórias nos principais prêmios do ano. O filme teve dez indicações ao Oscar e venceu em cinco categorias (filme, direção, edição de som, fotografia e maquiagem). Enfim, “Coração Valente” é isso, uma produção historicamente incorreta mas que diverte, empolga e impressiona por suas qualidades cinematográficas.

Coração Valente (Braveheart, Estados Unidos, 1995) Direção: Mel Gibson / Roteiro: Randall Wallace / Elenco: Mel Gibson, Angus Macfadyen, James Robinson, Sean Lawlor, Sandy Nelson, Patrick McGoohan, James Cosmo, Sophie Marceau / Sinopse: William Wallace (Mel Gibson), um nobre escocês que viveu entre 1272 a 1305, resolve empreender uma grande guerra contra as forças de ocupação inglesas em suas terras. Na luta acaba criando o sentimento nacionalista de independência da Escócia em relação ao domínio da coroa inglesa na região.

Pablo Aluísio.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Gonzaga - De Pai Para Filho

Se estivesse vivo em 2012 o cantor e compositor Luiz Gonzaga (1912 – 1989) estaria completando 100 anos. Para celebrar seu centenário uma série de eventos e festividades foram realizadas pelo Brasil afora para relembrar esse verdadeiro ícone da cultura nordestina e brasileira. Nascido em uma família humilde do interior de Exu em Pernambuco, Luiz Gonzaga teve uma vida extremamente rica em termos culturais. O filme “Gonzaga – De Pai Para Filho” vem para suprir essa grande lacuna do cinema brasileiro, uma vez que um personagem tão importante de nossa cultura já deveria ter sido objeto de uma cinebiografia há muitos anos. A direção coube ao talentoso cineasta Breno Silveira que já tinha se dado muito bem em um filme de temática parecida, o grande sucesso de público e crítica “Os Dois Filhos de Francisco”. É um diretor que sabe lidar muito bem com a brasilidade dos rincões, do interior de nossa nação. Seu retrato dos primeiros anos de Luiz Gonzaga reforça muito bem esse aspecto. O sertão surge com toda a sua desolação de terra árida, diria até mesmo hostil. É nesse ambiente que surge a figura de Gonzaga pela primeira vez. Filho do também sanfoneiro Januário e da guerreira Santana, Luiz sonha em conquistar a filha do coronel mas isso, dentro daquele contexto histórico, era simplesmente impossível. Pobre e negro jamais conseguiria convencer o pai da moça da realização de suas pretensões românticas pois ela era o extremo oposto disso, branca e rica. Após ser ameaçado literalmente de morte por causa de sua paixão proibida resolve “ganhar o mundo”, numa trajetória que é por demais comum para o povo nordestino.

Depois de alguns anos no Exército resolve dar baixa e vai para o Rio de Janeiro onde tenta sobreviver de sua música. Essa parte do filme é muito elucidativa pois mostra bem a situação de miséria em que muitos artistas vivem em nosso país. Mesmo com tanto talento não sobrou muito a ele e um amigo de violão a não ser tocar em praça pública em troca de alguns trocados. Um triste retrato de nosso povo desamparado e entregue à própria sorte. Depois de muitas decepções um freqüentador de bar dá a grande idéia para o sanfoneiro. Ele deveria deixar as músicas de tango que vinha apresentando até então para investir na música nordestina de raiz, do baião e é justamente com essa sonoridade que ele finalmente encontra o caminho do sucesso profissional. É óbvio que uma vida tão rica, em uma carreira que durou mais de 40 anos, não poderia ser resumida em apenas duas horas de filme. Por essa razão as lacunas são simplesmente inevitáveis. Em termos de dramaturgia o foco acaba sendo o do complicado relacionamento entre Gonzaga e seu filho Gonzaguinha. Essa foi uma decisão mais do que acertada pois mostra o lado mais humano do biografado. Grande artista, foi um pai ausente. Além disso não concordavam em praticamente nada, nem no estilo musical e nem muito menos no posicionamento político. Gonzaguinha era um homem de esquerda, que criou vários hinos da luta contra a ditadura militar nos anos de chumbo. Já seu pai era um ex-militar que simpatizava com o regime. Bom, ninguém é perfeito não é mesmo? No saldo final é uma bela homenagem a ambos. Luiz Gonzaga que cantou seu povo, sua realidade e sua vida já é imortal. Um nome que não deve ser esquecido jamais.  

Gonzaga – De Pai Para Filho (Idem, Brasil, 2012) Direção: Breno Silveira / Roteiro: Patricia Andrade / Elenco: Adelio Lima, Chambinho do Acordeon, Land Vieira, Julio Andrade, Giancarlo di Tomazzio, Alison Santos, Nanda Costa, Silvia Buarque, Luciano Quirino, Claudio Jaborandy, Cyria Coentro / Sinopse: Cinebiografia de Luiz Gonzaga, cantor nordestino que conquistou o Brasil ao cantar sobre a realidade e o sofrimento do povo do nordeste brasileiro.

Pablo Aluísio.

O Mestre

Freddie (Joaquin Phoenix) é um marinheiro que durante a segunda guerra mundial participa da chamada batalha do Pacífico. De volta aos EUA tenta reconstruir sua vida, geralmente exercendo trabalhos que não exigem muita qualificação profissional. O mais relevante porém é que ao retornar à vida civil ele traz consigo um leve distúrbio mental, de personalidade, o que o faz ter acessos de fúria e raiva. Sua vida só muda completamente quando ele conhece um carismático líder de uma nova seita um tanto quanto exótica, Lancaster Dodd (Philip Seymour Hoffman). Essa nova maneira de pensar e crer se funda na idéia de que todos os seres humanos passam por diversas vidas ao longa de sua existência espiritual, evoluindo e aprendendo em cada reencarnação. Todd assim prega uma série de exercícios mentais que possibilitam descobrir inclusive as existências passadas, em uma regressão psicológica no tempo e espaço. Usando de muita sutileza e poder de sugestão ele vai criando sua fama ao desvendar para pessoas ricas e influentes as suas supostas vidas passadas. “O Mestre” é o novo filme do diretor Paul Thomas Anderson, um cineasta que evita o banal e sempre procura pelo improvável, pelo inesperado. Suas lentes agora são focadas em um tipo de religião que se tornou bastante popular no pós guerra nos EUA. Tentando conciliar crenças espirituais com ciência muitas dessas seitas prosperaram e estão até hoje por lá, sendo uma das mais conhecidas a Cientologia, que é seguida por diversas celebridades como Tom Cruise e John Travolta. O personagem interpretado por Philip Seymour Hoffman é obviamente calcado no criador e líder espiritual da tal Cientologia, L. Ron Hubbard, que acreditava haver ligação entre a humanidade e seres de outro planeta que aqui estiveram e criaram a raça humana em tempos primitivos.

O curioso no roteiro desse filme é que sem fazer um juízo de valor explícito o enredo se contenta em apenas mostrar as pessoas que giram em torno do líder Lancaster Todd. Sua esposa, por exemplo, é uma jovem convicta em suas crenças, bem ao contrário de sua filha que não pensa duas vezes antes de seduzir o marujo Freddy praticamente na frente de todos. Os tipos são pouco comuns, excêntricos e até mesmo bizarros. O filme se desenvolve de forma gradual, sem pressa. Seu grande mérito é o elenco, realmente em ótimo momento. Philip Seymour Hoffman sempre impressiona, pois é realmente um grande ator. Sua interpretação do “mestre” é marcante. Um sujeito que parece viver em seu próprio mundo, com suas próprias verdades absolutas. Dono de uma retórica rebuscada (e muitas vezes vazia de sentido e conteúdo) ele vai agrupando simpatizantes por onde passa. Philip Seymour Hoffman se saí excepcionalmente bem em sua caracterização, ora surgindo como um sujeito bonachão, de fala suave e personalidade cativante, ora tendo acessos de intolerância com quem ousa contestar suas idéias malucas. Se Philip Seymour Hoffman brilha o que podemos dizer de Joaquin Phoenix? Aqui ele realmente parece incorporar seu papel. Excessivamente magro, torto, como se transferisse toda a sua confusão mental para o seu próprio corpo, o ator realmente surge com um trabalho impressionante, o melhor de sua carreira até o momento. Seu Freddie é praticamente uma força da natureza, que não consegue chegar nem perto da sofisticação da lábia de Lancaster Todd, mas que o segue, como se ele fosse sua única tábua de salvação em sua confusa existência. Não é à toa que filme ganhou indicações para todos os principais atores em cena, sendo indicado aos Oscars de Melhor Ator (Joaquin Phoenix), Ator Coadjuvante (Philip Seymour Hoffman) e Atriz Coadjuvante (Amy Adams). Em termos de atuação o filme é realmente maravilhoso. Assim, em conclusão, podemos dizer que "O Mestre" é um belo trabalho sensorial que procura através de seus personagens diferentes desvendar o lado mais sombrio da alma humana. Consegue como poucos filmes mostrar o lado mais patético de algumas crenças religiosas e espirituais, mas tudo feito com muita elegância e estilo. É outro excelente filme com a assinatura de Paul Thomas Anderson, que consegue lidar com um tema tão complicado de forma muito talentosa.

O Mestre (The Master, Estados Unidos, 2012) Direção: Paul Thomas Anderson / Roteiro: Paul Thomas Anderson / Elenco: Joaquin Phoenix, Philip Seymour Hoffman, Amy Adams, Laura Dern, Rami Malek, Jillian Bell, Kevin J. O'Connor, W. Earl Brown / Sinopse: Durante o pós guerra um líder carismático de uma seita denominada "A Causa" consegue formar um grupo de seguidores ao seu redor. Pregando a existência de diversas vidas passadas em reencarnações, ele saiu doutrinando a todos por onde passa na América da década de 1950. Vencedor do Leão de Prata de Melhor Direção e de Melhor Ator para Joaquin Phoenix e Philip Seymour Hoffman, no Festival de Veneza.

Pablo Aluísio.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

O Solista

Nathaniel Ayers (Jamie Foxx) tinha tudo para ter um futuro brilhante. Ainda bastante jovem conseguiu ser aceito em uma das escolas de música mais prestigiadas e concorridas dos Estados Unidos, a Juilliard de Nova Iorque. Músico talentoso tinha realmente um caminho excepcional para trilhar nos anos que viriam. O problema é que em seu segundo ano estudando na Juilliard ele acabou desenvolvendo uma das mais devastadoras doenças mentais, a esquizofrenia. Sem condições psiquiátricas para seguir em frente teve que abandonar praticamente tudo. Sem meio de vida ou apoio de quem quer que seja, acabou nas ruas de Los Angeles, virando mais um dos milhares de sem teto que vagam pelas grandes metrópoles dos Estados Unidos. Certamente uma história bem triste e melancólica que acabou sendo descoberta meio que ao acaso pelo jornalista Steve Lopez do jornal Los Angeles Times. Sua reportagem sobre Nathaniel tocou fundo no público americano que se impressionou com a descida aos infernos do músico que vagava pelas ruas da grande cidade. Foi justamente em cima dessa série de matérias que o roteiro de “O Solista” foi escrito. Para interpretar o pobre músico esquizofrênico o estúdio escalou Jamie Foxx, que tão bem já havia interpretado outro grande músico, Ray Charles, em “Ray”. Para o papel do jornalista do Times surge Robert Downey Jr, dando um tempo em seus personagens de blockbusters como “Homem de Ferro” e “Sherlock Holmes”.

Como se vê tudo parece se encaixar em “O Solista” – trama edificante, assunto importante e temática mais do que humana. Infelizmente o filme não consegue decolar. Não há dúvidas que o cineasta  Joe Wright é talentoso. O problema é que particularmente nessa produção ele surge com a mão pesada demais. O filme não tem sutileza e nem ameniza o tema para o público em geral. O excesso de crueza e melancolia acaba tornando a obra cinematográfica um exercício muito enfadonho e complicado de acompanhar. A música que poderia ser a salvação da película surge muito tímida e em segundo plano. Além disso o excesso de exploração em torno da doença mental do protagonista deixa aquela sensação ruim de que estão forçando a barra para sensibilizar os membros da Academia para quem sabe depois concorrer a algum Oscar. Não é por aí. Temas difíceis como esse exigem uma certa sensibilidade e sutileza que certamente faltam em “O Solista”. Foxx até está bem mas não empolga e nem consegue transformar seu personagem em alguém carismático que cative o espectador. Robert Downey Jr também não ajuda muito, repetindo à exaustão todos os seus maneirismos que já conhecemos tão bem. No saldo final “O Solista” promete mais do que cumpre. A sensação de desapontamento no final da sessão resume bem o resultado final do filme.

O Solista (The Soloist, Estados Unidos, 2008) Direção: Joe Wright / Roteiro: Susannah Grant / Elenco: Jamie Foxx, Robert Downey Jr., Catherine Keener, Rachael Harris / Sinopse: Após estudar por dois anos na prestigiada escola de música Juilliard em Nova Iorque um músico negro começa a desenvolver sintomas de esquizofrenia. Diagnosticada e abandonado à própria sorte ele tenta sobreviver da melhor forma possível pelas ruas de Los Angeles até sua história ser resgatada por um famoso jornalista de um dos grandes jornais dos EUA, o Los Angeles Times.

Pablo Aluísio.

Lilo & Stitch

Uma garotinha do Havaí de apenas cinco anos chamada Lilo ama animais de estimação. Ela compensa o fato de ser órfã com o amor que nutre pelos bichinhos. Como não consegue fazer muitos amigos sua irmã mais velha concorda que tenha um animal de estimação. Assim Lilo acaba escolhendo o estranho Stitch que mais parece um cãozinho mas que na verdade é um ser espacial perigoso pois é fruto de um avançado experimento genético. Mal criado, feroz e nada simpático o ser de outro mundo acaba criando afeição por Lilo, mesmo estando sob perigo ao ser perseguido por caçadores intergalácticos. “Lilo e Stitch” foi uma das últimas animações no estilo tradicional dos estúdios Disney. Embora certas partes tenham sido feitas com uso de computação gráfica o que predomina nessa animação é realmente a velha (e charmosa) técnica do passado. Os personagens são bem carismáticos e bem elaborados, em especial Stitch, que acabou com sua personalidade explosiva criando muita simpatia entre as crianças (principalmente com as mais peraltas). Seu design inclusive foi reaproveitado em outras animações, como por exemplo “Como Treinar o Seu Dragão”, onde o próprio monstrinho surge com os mesmos traços de Stitch.

Outro fator que diferencia “Lilo & Stitch” das demais animações é a sua trilha sonora, formada basicamente por músicas de Elvis Presley. Como a estorinha se passa no Havaí a Disney pensou ser uma boa idéia rechear a trilha com canções do cantor americano. Após uma negociação pelos direitos autorais com a EPE, que controla o catalogo de Elvis, as músicas do Rei do Rock foram finalmente adicionadas à animação. A fusão deu muito certo, até porque a maioria das faixas foram pinceladas da fase mais pop de Elvis na década de 1960. Essas canções são ótimas e mantém a jovialidade, mesmo após tantos anos de seu lançamento original. Presley é aquele tipo de artista atemporal, sua voz suave e melódica desse período faz a diferença, cativando bastante a garotada. Assim ganharam todos, a Disney pela possibilidade de trazer uma ótima seleção musical para sua animação, a EPE pela chance de divulgar a obra de Elvis Presley entre as crianças e a BMG que colecionou ótimos números com as vendas da trilha sonora no mercado. Um belo desfecho para essa animação muito simpática e carismática que vale a pena ser assistida.

Lilo & Stitch (Lilo and Stitch, Estados Unidos, 2002) Direção: Chris Sanders, Dean DeBlois / Roteiro: Chris Sanders / Elenco (vozes):  Daveigh Chase, Jason Scott Lee, Tia Carrere, Ving Rhames, Chris Sanders, David Ogden Stiers./ Sinopse: Ao som de Elvis Presley a garotinha Lilo e o ET Stitch vivem grandes aventuras e confusões no paradisíaco Havaí.

Pablo Aluísio.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Os Infratores

Três irmãos durante a vigência da lei seca começam a fabricar, contrabandear e vender bebidas mesmo sob a proibição das autoridades. “Os Infratores” é baseado em fatos reais e tenta trazer aquele velho charme dos antigos filmes de gangster. Se nas décadas de 40 o tema era laureado com o melhor do cinema noir, agora surge com pretensões bem mais modestas. O roteiro tenta explorar esse universo, mostrando todo o contexto histórico dos chamados pequenos infratores, geralmente pessoas pobres que destilavam bebida no meio das montanhas do sul americano. Nada do glamour de um Al Capone, que vivia como um rei em Chicago, aqui o foco realmente se desvia para esses pequenos meliantes que tentavam ganhar algum trocado com a proibição da comercialização de bebidas alcoólicas. Assim vamos acompanhando a estória desses três irmãos durões que enfrentavam a tudo e a todos para vender suas bebidas caseiras (geralmente licores de maçã ou então whiskys de milho, em combinações indigestas que eram aceitas pois eram a única alternativa para os beberrões de plantão). Dentre os manos contrabandistas se destaca a figura de Jack (Shia LaBeouf), o caçula que ao mesmo tempo em que vende bebida ilegal acaba se apaixonando justamente pela filha do pastor local.  O trio é completado por Howard (Jason Clarke), um grandalhão durão e bom de punhos e Forrest (Tom Hardy) que acaba criando a fama de ser “invencível” pois mesmo após várias tentativas de assassinato nunca se dobra totalmente.

O roteiro não esconde o fato de simpatizar completamente com esses personagens criminosos. Eles são tratados com grande simpatia e mesmo quando cometem crimes (como assassinatos e mutilações) são justificados como meros justiceiros. Na verdade não existem pessoas de bem no enredo pois todos são bandidos, até mesmo os policiais, vistos apenas como corruptos e sujos. Por falar em homens da lei a melhor coisa do elenco é a atuação de Guy Pearce como um agente almofadinha que comete as maiores barbaridades sem amassar o paletó da moda! O elenco é muito bom analisando os nomes que fazem parte dele mas são praticamente todos mal aproveitados. O ótimo Gary Oldman, por exemplo, interpreta um gangster famoso mas suas cenas são poucas e esporádicas. Em suma, “Os Infratores” não é um grande filme de gangsters e para falar a verdade não chega nem perto dos grandes clássicos do gênero mas pode ser encarado como um mero entretenimento. Sua maior falha talvez seja o tom ameno e de leve farsa, suavizando a figura dos criminosos, mas isso acaba sendo de menor importância. Fora isso pode ser assistido sem maiores pretensões.

Os Infratores (Lawless, Estados Unidos, 2012) Direção: John Hillcoat / Roteiro: Nick Cave / Elenco: Tom Hardy, Guy Pearce, Gary Oldman, ShiaLaBeouf, Jessica Chastain, Mia Wasikowska, Dane DeHaan, Noah Taylor, Jason Clarke, / Sinopse: Três irmãos começam a vender bebidas ilegais durante a década de 1930 na vigência da lei seca. Pressionados a pagarem propina para as autoridades, para assim continuarem suas atividades ilegais se rebelam e enfrentam a ira dos “homens da lei”, entre eles um procurador sujo e um agente especial corrupto.

Pablo Aluísio.

Até o Limite da Honra

Na semana passado o presidente Obama sancionou uma nova lei que garante às mulheres uma posição de igualdade dentro das forças armadas americanas. Pela lei anterior as mulheres podiam participar de operações de apoio dentro dos conflitos armados mas não propriamente combater na linha de frente, no front de guerra. Agora não há mais barreiras, as militares poderão entrar nas áreas de fogo cerrado. A notícia me pegou de surpresa para falar a verdade. Sempre pensei que as combatentes femininas americanas tinham amplo acesso ao campo de batalha. Só depois tomei conhecimento que apesar da lei revogada proibir esse tipo de situação era comum e corriqueiro nas guerras do Iraque e Afeganistão a participação de mulheres nos combates, praticamente sem restrição nenhuma. De certa forma a lei anterior tinha caído em desuso e agora com a nova regulamentação tudo fica de acordo com o que já vinha acontecendo de fato. Um exemplo da situação anterior pode ser conferido nesse “Até o Limite da Honra”, filme em que Demi Moore interpreta uma militar que tenta provar aos seus superiores que nada tem a dever em relação aos homens dentro da rígida disciplina de treinamento das forças especiais americanas.

O roteiro e o argumento são auto afirmativos, combatem um preconceito que ainda existia dentro das forças armadas americanas. De fato o que estamos presenciando é a quebra de mais um tabu social, fundado em puro preconceito. O exemplo veio do mercado de trabalho da iniciativa privada onde homens e mulheres já gozam, de forma em geral, de uma situação de igualdade. Faltava instalar essa isonomia dentro dos quartéis e o filme em seu enredo reforça essa situação. Na estória acompanhamos os esforços de uma senadora, Lillian DeHaven (Anne Bancroft), para que a Marinha americana aceite pela primeira vez uma mulher dentro de seu grupo de elite. Obviamente que se trata de uma luta contra o preconceito de índole sexual pois era necessário provar aos oficiais que uma mulher conseguiria passar e ser bem sucedida até mesmo nos mais fortes e puxados treinamentos. A escolhida para enfrentar esse desafio acaba sendo a oficial L.T. O´Neil (Demi Moore). Exposta a grandes desafios, que incluem tortura física e mental, ela se mostra focada em levar suas próprias capacidades físicas ao extremo, A própria atriz Demi Moore teve que passar por um rígido treinamento físico para encarar o papel. Além disso abriu mão de sua vaidade feminina ao aparecer em cena careca e musculosa. O resultado final se justifica pelas boas intenções do roteiro e por algumas boas cenas de treinamento e combate, muito embora nunca consiga de fato perder aquele tom ufanista que tanto prejudica os filmes de guerra em Hollywood. O que fica de bom é sua mensagem, a de que homens e mulheres devem ser tratados de forma igualitária, sem discriminações.

Até o Limite da Honra (G.I. Jane, Estados Unidos, 1997) Direção: Ridley Scott / Roteiro: David N. Twohy, Danielle Alexandra / Elenco: Demi Moore, Viggo Mortensen, Anne Bancroft, Jason Beghe, Daniel von Bargen, John Michael Higgins / Sinopse:  Militar americana se propõe a participar do rígido sistema de treinamento das forças especiais da Marinha para provar aos seus superiores que uma mulher pode perfeitamente ser aprovada e fazer parte da tropa de elite dessa força.

Pablo Aluísio.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Assédio Sexual

Que tal começarmos o texto com uma definição de Assédio Sexual? Pois bem, assédio sexual é toda tentativa, por parte do superior hierárquico (chefe), ou de quem detenha poder hierárquico sobre o subordinado, de obter dele favores sexuais por meio de condutas reprováveis, indesejá­veis e rejeitáveis, com o uso do poder que detém, como forma de amea­ça e condição de continuidade no emprego. É justamente em torno desse conceito que o enredo do filme “Assédio Sexual” gira. Michael Douglas nunca foi bobo em sua carreira, procurando sempre se envolver em filmes cujos roteiros tratavam sobre aspectos polêmicos, da ordem do dia. Foi assim em várias produções estreladas por ele. No filme ele interpreta Tom Sanders que é subordinado em sua empresa à executiva linha dura Meredith Jonhson (Demi Moore). Ela obviamente tem uma queda por ele mas é sutilmente rejeitada. Inconformada ela começa a usar de seu poder dentro da empresa para forçar a barra com seu subordinado. A situação fica insustentável, caracterizando de forma cabal o chamado “Assédio Sexual”. Perceba que esse filme inverte os papéis. No cotidiano, na vida real, é muito mais comum as mulheres sofrerem assédio, se tornando vítimas. No filme ao contrário temos uma mulher como agressora. No lançamento do filme inclusive surgiram as inevitáveis piadinhas pois era de se perguntar se poderia ser chamado mesmo de assédio o fato de um avião como Demi Moore ficar dando em cima do pobre Michael Douglas. Se ela usar de seu cargo para pressionar uma situação de conotação sexual é claro que sim!

O roteiro foi baseado em mais um best seller de Michael Crichton. É curioso pois ele deu um tempo em seus dinossauros e temas de ficção para adentrar em um tema pé no chão, de conteúdo jurídico. Sua visão sobre o tema é um tanto quanto sensacionalista. Mesmo derrapando na questão legal e jurisprudencial conseguiu ao menos criar um bom entretenimento cujos efeitos logo se fizeram sentir também pois o tema voltou ao centro das conversas e debates, popularizando e conscientizando as pessoas em geral sobre o tema em estudo. Muitos até ficaram repletos de dúvidas sobre seu próprio comportamento dentro do ambiente de trabalho até porque qual seria a linha definitiva que marcaria a separação entre a paquera de boa fé e o assédio sexual? Obviamente esse é um tema que envolve várias vertentes mas o roteiro do filme é até bem didático sobre isso ao mostrar que o assédio começa quando a superioridade hierárquica dentro da empresa começa a funcionar como fator de pressão e constrangimento para que se concretize o enlace sexual. Tirando o assunto da esfera puramente jurídica e voltando ao filme não deixa de ser irônico o fato dessa produção ser estrelada por Michael Douglas. Conforme o ator mesmo esclareceu em diversas entrevistas ele foi por muito tempo viciado em sexo, o que tornaria a situação do filme completamente surreal caso fosse transposta para sua vida pessoal. Inclusive não faltaram fofocas que afirmavam que Douglas e Moore foram muito além do profissional durante as filmagens. Bem, isso não importa muito. De qualquer modo fica a dica desse “Assédio Sexual”, um thriller com ares de manual de direito privado. Só não tente imitar os personagens em sua vida pessoal, pois pode ser bem perigoso.

Assédio Sexual (Disclosure, Estados Unidos, 1994) Direção: Barry Levinson / Roteiro: Paul Attanasio baseado no livro de Michael Crichton / Elenco: Michael Douglas, Demi Moore, Donald Sutherland, Roma Maffia / Sinopse: Executiva poderosa começa a assediar seu subordinado dentro da empresa em que trabalha, prejudicando assim sua vida profissional e pessoal.

Pablo Aluísio.

Desventuras em Série

Alguns filmes se destacam mais por algum aspecto técnico do que propriamente por suas virtudes artísticas. “Desventuras em Série” se encaixa nesse caso. O filme tem uma direção de arte de encher os olhos pois tudo é muito bem realizado nesse aspecto. Figurinos e maquiagem também impressionam, em especial a que foi realizada em Jim Carrey, o transformando em um velho ganancioso e cruel. Infelizmente param por aqui as qualidades do filme. Na realidade é uma adaptação de uma série de livros – totalizando 13 volumes – que contam a estória de três órfãos que acabam indo parar nas mãos de um tio ranzinza e inescrupuloso. Acontece que as crianças são herdeiras de uma grande fortuna deixada por seus pais, o que obviamente desperta a cobiça do tio ganancioso, o Conde Olaf (Jim Carrey). O tom obviamente é de fábula mas o resultado deixa a desejar talvez por se incompleto – o roteiro se baseou em apenas três dos treze livros que compõe o enredo. Diante disso as lacunas se acumulam e a sensação de que está faltando algo se torna obviamente evidente. A intenção original do estúdio era praticamente inaugurar uma nova franquia ao estilo Harry Potter mas a bilheteria não justificou a produção de novos filmes com esses personagens. Assim tudo ficou pelo meio do caminho, praticamente sem desfecho ou conclusão.

No final das contas o que se salva nesse “Desventuras em Série” é a já citada produção classe A e as presenças de carismáticos atores juvenis que dão muito bem conta do recado. Violet (Emily Browning), Klaus (Liam Aiken) e Sunny (Kara/ Shelby Hoffman) Baudelaire chamam atenção pelo talento precoce. Não é para menos, tanto nos EUA como na Inglaterra há uma longa tradição de ensino de teatro e arte dramática nas escolas (algo inexistente em nosso país) que acaba formando toda uma nova geração de bem desenvolvidos atores mirins. É incrível como conseguem atuar sem receios ao lado de gente como Meryl Streep (aqui fazendo uma pequena participação como a tia Josephine, uma mulher que tem medo de tudo e nutre uma verdadeira obsessão pela gramática falada e escrita corretamente). Já Jim Carrey segue seu estilo. O ator já está acostumado a trabalhar usando forte maquiagem e não se intimida com sua transformação física exigida pelo papel. No making off podemos inclusive ver como era penosa a construção dos vários tipos que o Conde Olaf se utiliza ao longo do filme. Em alguns casos Carrey ficava por até três horas no processo de maquiagem – algo realmente incômodo e complicado. Em suma, “Desventuras em Série” provavelmente irá agradar a garotada, mesmo sendo incompleto como é. Se pelo menos despertar a curiosidade dos mais jovens em relação aos demais livros da série, despertando assim o gosto pela leitura, já terá valido a pena.

Desventuras em Série (Lemony Snicket's A Series Of Unfortunate Events, Estados Unidos, 2004) Direção: Brad Silberling / Roteiro: Robert Gordon, Daniel Handler / Elenco: Jim Carrey, Meryl Streep, Jude Law, Emily Browning, Liam Aiken, Kara Hoffman. / Sinopse: Três órfãos que acabam indo parar nas mãos de um tio ranzinza e inescrupuloso. Acontece que as crianças são herdeiras de uma grande fortuna deixada por seus pais, o que obviamente desperta a cobiça do tio ganancioso, o Conde Olaf (Jim Carrey) que deseja se apoderar do dinheiro.

Pablo Aluísio.