Ao morrer, Henry Van Cleve (Don Ameche) decide por conta própria se dirigir até o inferno onde é recebido cordialmente por um sujeito que responde apenas por “Excelência” (uma metáfora para o diabo em pessoa mesmo). Embora Henry queira ir logo para o “andar de baixo” o diabo não está convencido que esse seja realmente o seu lugar. Para convencer o dito cujo, Henry começa a recordar toda a sua vida, como que tentando demonstrar que o céu definitivamente também não era o seu lugar. Assim começa a trama sui generis de “O Céu Pode Esperar” (também conhecido como “O Diabo Disse Não”). O roteiro, muito bem escrito, se desenvolve enquanto o narrador-defunto vai contando os acontecimentos de sua existência. É um estilo narrativo que lembra inclusive o nosso Machado de Assis em sua famosa obra “Memórias Póstumas de Brás Cubas”. Nascido em família rica de Nova Iorque, Henry é cercado por luxo e riqueza desde a infância. Garoto travesso e desobediente, segue implicando com empregados e membros de sua família. Quando se torna jovem acaba roubando a noiva de seu primo, o advogado almofadinha Albert Van Cleve (Allyn Joslyn). O que parece ser um caso de impulso típico de jovens se revela porém um grande amor que atravessa décadas. Ao lado de Martha (Gene Tierney) ele finalmente encontra o equilíbrio em sua vida.
“O Céu Pode Esperar” é um filme acima de tudo muito elegante. Figurinos luxuosos, cenas bem realizadas, com muita pompa e glamour. A sociedade rica de Nova Iorque do final do século XIX é muito bem retratada e reconstituída. De certa forma a produção classe A mostra bem a fina elegância que rondava todos os filmes assinados pelo brilhante diretor Ernst Lubitsch. Veterano, gostava de realizar filmes que enchiam os olhos. Era adepto do cinema espetáculo, que mostrava pessoas ricas e sofisticadas. Curiosamente o cineasta não se deu muito bem com a atriz Gene Tierney. Em entrevistas ela chegou ao ponto de chamá-lo de “ditador”. Na realidade Lubitsch sempre foi um perfeccionista nato, que chegava quase às raias da obsessão. Quem ganhava no final das contas era o espectador.
O resultado como se pode conferir aqui era dos melhores, com muita sofisticação. O roteiro foi baseado em uma peça de teatro que fez grande sucesso no rádio. Nessa versão radiofônica o personagem Henry já havia sido interpretado por Don Ameche e por isso ele foi novamente escalado. Sua atuação foi tão bem realizada que ele próprio, muitas décadas depois, afirmou que essa sempre fora a atuação preferida de sua filmografia, dentre tantas que realizou ao longo da vida. No final tudo saiu a contendo. O filme fez bastante sucesso e acabou sendo indicado nas principais categorias do Oscar, entre elas Melhor Filme, Melhor Fotografia e Melhor Direção. Para quem aprecia o cicnema do passado é uma ótima dica conhecer esse excelente filme.
O Céu Pode Esperar / O Diabo Disse Não (Heaven Can Wait, Estados Unidos, 1943) Direção: Ernst Lubitsch / Roteiro: Samson Raphaelson baseado na peça de Leslie Bush-Fekete / Elenco: Gene Tierney, Don Ameche, Charles Coburn, Marjorie Main, Laird Cregar / Sinopse: Após morrer aos 70 anos de idade, Henry Van Cleve (Don Ameche) resolve se dirigir até as portas do inferno para pagar por seus pecados. Ao chegar lá o diabo em pessoa (Laird Gregar) decide ouvir sua história para ver se ele realmente merece ir para lá.
Pablo Aluísio.
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