sábado, 30 de novembro de 2019

O Homem do Prego

Filme intenso. Se eu fosse definir esse filme clássico dos anos 60 eu diria que ele é um soco no estômago. Um forte, concentrado e bem dado soco no estômago. O título nacional ficou estranho, mas tem sua razão de ser. Antigamente se dizia que aquele que deixava uma conta a pagar ou então que desse em garantia algum objeto estava na verdade colocando sua conta "no prego". É uma expressão antiga mesmo, mas que ainda se usa em certos lugares do Brasil. O termo jurídico certo seria colocar algo em penhor. E por falar em penhor o principal personagem do filme é um velho dono de uma loja de penhores em Nova Iorque.

Ele sobreviveu ao campo de concentração de Auschwitz. Sua tragédia pessoal é que foi o único de sua família que conseguiu escapar do inferno. Sua esposa e seus dois filhos, ainda crianças, foram executados pelos nazistas. Como ele próprio resume em um diálogo: "A minha desgraça foi que consegui viver. Tudo o que amava nesse mundo morreu, mas eu não! Eu sobrevivi... para minha tragédia!". Assim, como era de esperar, ele volta arrasado psicologicamente do holocausto. Para tentar sobreviver ele se torna uma pessoa fria, sem emoções, beirando a psicopatia. É uma forma de se defender do mundo. Judeu, não acredita em Deus! (suprema contradição). Revoltado, diz ao seu empregado que a única coisa que vale a pena no mundo é o dinheiro. "O dinheiro é tudo!" - resume, mostrando sua visão da vida.

Só que tanta amargura acaba pesando demais. Ele começa a ter recaídas psicológicas. Qualquer frase, palavra ou imagem, traz as lembranças terríveis de Auschwitz. Sua vida perde sentido e ele simplesmente rasteja em sua existência. O cotidiano vira um inferno a mais. Esse personagem é bem complexo e apenas um grande ator poderia lhe dar vida com convicção. Rod Steiger está particularmente brilhante nesse papel. Ele não consegue esconder mais seu estado depressivo, sua tortura na alma. Numa cena muito simbólica ele abre a boca em desespero, mas não consegue sequer gritar. É um grito surdo, que vem de dentro da alma. O espectador não fica menos do que boquiaberto com sua atuação. É coisa de mestre mesmo. Acabou sendo indicado ao Oscar, mas não venceu. Mais um injustiça histórica da Academia. De qualquer forma não vá perder esse filme. Ele não é fácil, não é entretenimento de rápida digestão e não se enquadra no gosto de quem vê cinema apenas como diversão  Muito pelo contrário. É um filme pesado, melancólico e em certos aspectos bem triste. E tudo embalado com uma ótima trilha sonora de puro jazz organizada por Quincy Jones. Ninguém em busca de grande cinema poderia esperar por algo melhor do que isso.

O Homem do Prego (The Pawnbroker, Estados Unidos, 1964) Direção: Sidney Lumet / Roteiro: Morton S. Fine, David Friedkin / Elenco: Rod Steiger, Geraldine Fitzgerald, Brock Peters / Sinopse: Sobrevivente do campo de concentração de Auschwitz, um velho judeu solitário e amargurado, tenta viver um dia de cada vez na sua loja de penhores. Só que conforme o tempo vai passando ele vai sucumbindo aos traumas que adquiriu durante o terrível holocausto nazista. A vida vai se tornando pesada demais para ele suportar tudo sozinho.

Pablo Aluísio. 

10 comentários:

  1. Cinema Clássico
    O Homem do Prego
    Pablo Aluísio.

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  2. Olha só Pablo! Quer dizer que o grito mudo, que é um dos pontos altos de um filme fraco, que o Al Pacino faz o Michael Corleone dar na cena da morte da Mary Corleone não era um interpretação original? Era um plag..., digo, uma homenagem? Todo dia eu descubro um nova decepção com esse ídolos do cinema.

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  3. Al Pacino obviamente se inspirou na cena final e crucial desse filme clássico. O clímax vem justamente nesse "grito mudo" do Rod Steiger, que aliás sempre foi um dos maiores atores da história de Hollywood. Muito subestimado, apesar de seu imenso talento.

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    1. Isso tem acontecido muito ultimamente. Eu vi em um vídeo no You Tube em que aquele que é o golpe mais icônico nós filmes do Bruce Lee, em Operação Dragão, em que ele no torneio de luta, pego pela perna pelo oponente, da um salto mortal pra trás e ao mesmo tempo chuta o adversário no rosto caindo em pé, enquanto o oponente se esparrama no chão humilhado.
      Bom, nesse vídeo mostra que o tal mortal foi executado por um dublê e não pelo extraterrestre Bruce Lee. Se fosse outro ator, seria normal, mas um sujeito que fez fama de ser um super homem humano, pega mal. De novo me vem aquela cena do Lee em Era Uma Vez em Hollywood. O Tarantino deve saber do que fala.
      Serge Renine.

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    2. Segue link do vídeo do dublê do Bruce Lee.
      https://youtu.be/GTAmDnZtHVQ

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    3. A cena que relato está no minuto 2:30.

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    4. Eu nunca fui fã do Bruce Lee e nem tampouco dos filmes dele. Pode ser que de fato o retrato irônico do Tarantino esteja mais próximo da realidade do que podemos pensar. De qualquer forma como não sou nenhum especialista no Lee, vou evitar tomar alguma posição nesse ou naquele sentido.

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    5. Pois é Pablo, o problema é que eu sou um especialista em Bruce Lee a mais de 30 anos e confesso que fiquei bem decepcionado, não tanto por existir um dublê, mas pelo fato que deveria ser uma coisa muito fácil de executar, feijão com arroz, para alguém que se declarava a todos um artista marcial de altíssima performance, o melhor do mundo, como você viu no filme do Tarantino. Aliás aquela declaração que causou tanta celeuma com a filha do Lee, existe no You Tube com próprio falando daquela forma.
      Serge Renine.

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    6. Ele poderia ser apenas um charlatão. Um tipo falante que se auto elogia. Tipos perigosos esses. Na maioria das vezes são meros farsantes. Agora o melhor farsante, já dizia o ditado, é aquele que acredita nas próprias mentiras. Sim, o Bruce Lee pode ter sido um tipo desses, quem sabe...

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  4. PS: Esqueci de escrever que esse filme está atualmente na grade de programação do canal Telecine Cult.

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