segunda-feira, 11 de março de 2024

Sede de Viver

Esse é outro filme que considero essencial para se conhecer melhor o talento do ator Kirk Douglas. Ele deixou os filmes de faroeste, os grandes épicos, as aventuras submarinas de lado, para atuar em um projeto bem artístico, com um roteiro muito humano. O tema do filme era a vida do pintor Vincent van Gogh (1853 - 1890). Filho de um austero pastor protestante, ele sonhava seguir os passos do pai, mas acabava sendo rejeitado por sua congregação. O motivo? Ele não tinha aptidão para a oratória e a pregação nos cultos. Com isso seus sonhos acabaram ficando pelo meio do caminho. Porém o que lhe faltava como orador certamente lhe sobrava como pintor de quadros. Depois da rejeição, ele decidiu então se dedicar ao mundo da pintura. Era um velho sonho esse de se tornar artista, de viver de sua arte. Trabalhando freneticamente, almejava se tornar um sucesso no mundo das artes, mas só conseguiu em vida ser completamente ignorado. Seu irmão Theo, um comerciante de quadros em Paris, até se esforçou para vender suas pinturas, mas o sucesso definitivamente não parecia sorrir na vida de Van Gogh. Alguns grandes nomes da arte só conseguem mesmo o reconhecimento após a morte. Infelizmente para Van Gogh foi esse o caso.

Considerei um filme bem comovente. É bastante louvável que Hollywood tenha produzido algo assim, mostrando um dos maiores gênios da pintura de todos os tempos de uma forma respeitosa, mas também realista. O Vincent van Gogh que surge na tela é um homem que não consegue acertar na vida. Tenta ser pastor protestante, mas sua visão de mundo, de abraçar os mais pobres e humildes, o faz fracassar dentro de sua missão luterana. Seus superiores não querem esse tipo de atitude de abnegação. Depois sonha em se tornar um pintor, trabalha incansavelmente, mas novamente não consegue grande êxito (comercial, é bom frisar). Seus quadros não vendem nada e ele acaba sendo sustentado pelo irmão, um grande sujeito. A falta de um caminho de sucesso acaba destruindo a alma do grande artista. Atacado por uma crise nervosa, vai parar em um manicômio onde dá continuidade às suas crises existenciais. É um grande trabalho da carreira de Kirk Douglas que se entregou de corpo e alma ao papel. Poucas vezes vi o ator em uma interpretação tão intensa como essa. Kirk incorpora Van Gogh de uma forma sobrenatural. Podemos perceber facilmente seu apego ao papel. Foi uma atuação de coração mesmo, do fundo de sua alma. Ele foi indicado ao Oscar de melhor ator, mas por uma dessas injustiças da Academia não foi premiado. 

Anthony Quinn foi mais feliz e levantou a estatueta de Melhor Ator Coadjuvante. Ele interpretou o pintor Paul Gauguin, que era um dos únicos amigos que Van Gogh tinha no mundo das artes. Sua atuação quebrou um estigma na época, pois Quinn era visto como um grandalhão, um gigante amigo, mas não um excepcional ator de cinema. Depois que ganhou o Oscar ganhou o respeito dos críticos em geral. O personagem que interpretou era muito rico, um verdadeiro presente para qualquer ator. Sua amizade mercurial com Van Gogh arranca faíscas em cena. Outro ponto digno de elogios foi a preocupação dos produtores em mostrar os mais famosos quadros do pintor em momentos cruciais da trama, fundindo vida e arte de forma muito adequada e conveniente. Por uma ironia do destino Van Gogh morreu pobre e esquecido, mas hoje em dia seus quadros estão entre os mais valiosos do mundo das artes. Valem milhões! Um artista que mal conseguiu vender um quadro em vida, hoje é considerado um gênio absoluto dos pincéis. Sua arte foi valorizada, tardiamente, temos que reconhecer, mas pelo menos seu talento foi devidamente reconhecido. Esse filme mostra sua história, tudo realizado com grande qualidade. É um grande clássico sem final feliz, pelo menos sob o ponto de vista da existência desse ser humano que foi um artista genial.

Sede de Viver (Lust for Life,  Estados Unidos, 1956) Estúdio: Metro-Goldwyn-Mayer (MGM) / Direção: Vincente Minnelli, George Cukor (não creditado) / Roteiro: Norman Corwin, baseado no livro de Irving Stone / Elenco: Kirk Douglas, Anthony Quinn, James Donald, Pamela Brown / Sinopse: O filme conta a história real e trágica da vida do pintor Vincent Van Gogh. Suas lutas, seus fracassos e suas desilusões. Filme vencedor do Oscar na categoria de Melhor ator coadjuvante (Anthony Quinn). Também indicado nas categorias de Melhor Ator (Kirk Douglas), Melhor Roteiro Adaptado (Norman Corwin) e Melhor Direção de Arte (Cedric Gibbons e Hans Peters). Filme vencedor do Globo de Ouro na categoria de Melhor Ator (Kirk Douglas). Também indicado na categoria de Melhor Filme - Drama.

Pablo Aluísio.

16 comentários:

  1. Cinema Clássico
    Sede de Viver
    Pablo Aluísio.

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  2. Era louco e gênio. Loucura e genialidade numa mesma pessoa. Uma Uma combinação perigosa, mas que deu ao mundo pessoas como Einstein, Newton, etc

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  3. Perfeito. Aliás a história do Vincent van Gogh me lembra muito a do Friedrich Nietzsche. Inclusive ambos eram filhos de pastores e tiveram que carregar uma culpa na alma a vida toda. E os dois tiveram existências trágicas culminando com finais de vidas bem precoces. Gênios imcompreendidos pelas pessoas de seu tempo.

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  4. Nossa, vc sacou da cartola agora uma semelhança precisa. O bigode morreu completamente louco, falando com cavalos no meio da rua. O Gogh, coitado, também trilhou o caminho da loucura. No final da vida arrancou a orelha fora em um surto psiquiátrico. Ser uma pessoa genial traz também seus problemas!

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  5. A genialidade muitas vezes se torna bem auto destrutiva. Essas pessoas, principalmente quando são artistas, procuram por sua própria destruição. A mutilação vem no pacote.

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  6. Enquanto isso geralmente os medíocres são pusilânimes

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  7. O quarto onde ele vivia e onde morreu, uma verdadeira pocilga, virou atração turística!!! O Van Gogh no final da vida praticamente dormia com os porcos, mas isso agora virou motivo para se fazer turismo! Não há salvação fora do capitalismo kkkkk

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  8. Lord Erick Von Steve... isso era esperado. Os seres humanos conservam muito bem suas pequenas e grandes hipocrisias.. rsrs

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  9. Nois meses que antecederam seu suicídio o Van Gogh pintou 70 quadros, um mais bonito que o outro. Estranho uma pessoa assim se matar.
    Serge Renine.

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  10. Correção: Nos dois meses que antecederam seu suicídio.

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  11. Ele se matou de tédio, por ter que conviver com gente tragicamente patética. Ele nem gostava muito de gente para falar a verdade. O que ele gostava era de ir para o campo, no meio da natureza, para pintar seus quadros fenomenais. Gente normal é um tédio. Ele era um gênio com ares de doce loucura.

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  12. E não é verdade? A maioria desses gênios gostam de viver vidas solitárias. Pintar no meio da natureza era algo solitário. Perfeito para ele. O bigode só se socializava quando ia nos puteiros para satisfazer suas necessidades animalescas. Pena que nesse processo acabou pegando sífilis, ficando completamente maluco!

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  13. O Friedrich Nietzsche, que você chama de bigode, coitado, foi massacrado pela vida... uma das histórias mais tristes...

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  14. A unica coisa que faltou pra o Kirk Douglas ser um Van Goch perfeito foi ter um aspecto mais doentio. O Van Gogh parecia um morto vivo e o Kirk Douglas, bom, ele era o Spartacus.

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  15. De fato nesse aspecto puramente físico não há comparação. O Van Gogh passou inclusive fome, já que era um artista muito pobre. Com isso a magreza absurda. Já o Kirk Douglas, como você bem escreveu, era um homem atlético e de boa saúde.

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