Em abril de 1977 Elvis ficou doente, teve que cancelar uma excursão e voltar para Graceland. Lisa e eu estávamos lá, visitando Dodger (a avó do cantor). Ele me chamou a seu quarto. Não olhou para si mesmo, o rosto e o corpo estavam inchados. Vestia um pijama, o traje que parecia preferir agora quando estava em casa. Tinha nas mãos o livro dos números de Cheiro e disse que queria que eu lesse alguma coisa. Sua busca por respostas não se extinguira. Ainda procurava seu propósito na vida, ainda achava que não encontrara a sua vocação. Se descobrisse uma causa para defender, quer fosse uma sociedade sem drogas ou a paz mundial, teria o papel que procurava na vida. Sua generosidade era a prova dessa parte de sua natureza – a legendária propensão para dar, até mesmo incontáveis pessoas que não conhecia.
Mas Elvis jamais encontrou uma cruzada para tirá-lo de seu mundo enclausurado, uma disciplina bastante forte para anular a fuga nas drogas, naquela noite ele leu para mim, procurando por respostas, exatamente como fizera no ano anterior e em todos outros anos antes. Foi a última vez em que o encontrei.
Embarcamos no avião Lisa Marie por volta das nove horas daquela noite, 16 de agosto de 1977, apenas meus pais, Michele, Jerry Schilling, Joan Esposito e mais uns poucos amigos íntimos. A principio, fiquei sentada sozinha, desesperada. Depois, fui para a parte posterior do avião onde ficava o quarto de Elvis. Deitei ali, incapaz de acreditar que Elvis estava mesmo morto.
Lembrei dos gracejos que Elvis costumava dizer em relação a morte:
"Será sensacional para mim deixar esse mundo"
Contudo, ele usava no pescoço uma corrente com uma cruz e com uma estrela de Davi. Dizia que queria estar coberto por todos os lados "Não quero perder o paraíso por um detalhe técnico". Tinha medo de voar, mas nunca o demonstrava, Elvis nunca deixava transparecer os seus medos. Achava que tinha a responsabilidade de fazer com que todos nós sentissem seguros. Dava a impressão de ser confiante porque não queria que os outros ficassem desanimados.
Lembrei de uma ocasião em que estávamos voando de Los Angeles para Memphis. Havia muita turbulência e o avião sacudia bastante. Todos a bordo estavam assustados. Menos Elvis. Quando o fitei, ele sorriu e pegou minha mão
- "Não se preocupe, Baby. Vamos chegar lá"
No mesmo instante eu me senti segura. Havia uma certeza em Elvis. Se ele dizia que uma coisa aconteceria assim, então não restava a menor dúvida.
A viagem pareceu interminável. Eu estava completamente atordoada ao chegarmos a Memphis. Fomos levados a uma limousine à espera na pista, a fim de evitar os fotógrafos. Partimos a toda velocidade para Graceland, onde fomos recebidos por rostos frenéticos e incrédulos, de parentes, amigos íntimos e criados – as mesmas pessoas que nos havia cercado por tantos anos. Eu passara a maior parte de minha vida com aquela gente e olhar para todos agora foi Terrível.
A maior parte da família de Elvis – Vovó, Vernon, suas irmãs Delta e Hash, e outros – estava reunida no quarto de vovó, enquanto os amigos e os caras que trabalhavam para Elvis se concentrava nos Estúdios. Todos pareciam se limitar a entrar e sair dos cômodos, em silêncio, solenes, olhando ao redor com expressões incrédulas.
Vovó cuidava da casa, cozinhava, mantinha a tudo e a todos sob controle. Tinha o ar de uma pessoa com um propósito resoluto na vida, que no caso de Elvis era providenciar para que ele fosse bem cuidado. Quando morava em Graceland ficávamos por horas a fio juntas conversando, ela me falava dos velhos tempos, sobre Gladys e seu profundo amor por Elvis, sobre a terrível luta que os Presleys haviam travado pela sobrevivência. Ela vivia com Vernon e Gladys desde o nascimento de Elvis, ajudando quando Gladys arrumava um emprego para ajudar no sustento da casa. Uma mulher forte, vovó agüentara firme quando o marido fora embora, deixando-a com cinco filhos. Queria que todos acreditassem que tinha um ressentimento contra J.D. Presley, mas Dodger tinha um coração que a tudo perdoava e tenho a impressão que ainda gostava dele. Sempre falava que Elvis tinha sido um bom menino, nunca se meteu em qualquer encrenca mais grave, sempre saía da escola e voltava direto para casa, cumpria com suas obrigações. Fui informada de que o esforço constante de Gladys para proteger Elvis era o resultado de sua angústia pela morte do irmão gêmeo de Elvis, Jesse Garon. Aprendi a amar Dodger e o que ela representava – compaixão e devoção total a família.
Lisa estava lá fora, no gramado, em companhia de uma amiga, passeando no carrinho de golfe que o pai lhe dera. A princípio, fiquei aturdida por ela brincar numa ocasião como aquela, mas depois compreendi que Lisa ainda não fora ainda plenamente atingida pelo impacto do que acontecera. Vira a ambulância levando Elvis e ele ainda estava no hospital quando cheguei, por isso, Lisa estava confusa
E verdade? – perguntou ela – papai morreu mesmo?
Mas uma vez eu me senti desolada, sem saber o que dizer. Era nossa filha. Já era difícil para mim acreditar e enfrentar a morte de Elvis. Não sabia como contar a Lisa como nunca mais tornaria a ver o pai novamente. Balancei a cabeça e depois abracei-a Depois Lisa se afastou e voltou a passear de carrinho de golfe. Mas agora eu estava mais contente por ela ser capaz de brincar. Sabia que era sua maneira de evitar a realidade, era apenas uma criança.
A noite parecia interminável. Várias pessoas sentaram em torno da mesa de jantar, conversando. Foi então que tomei conhecimento das circunstâncias da morte de Elvis. Fui informada de que Elvis jogara tênis com seu primo Billy Smith até às quatro horas da madrugada, com a mulher de Billy, Jo, e a namorada de Elvis, Ginger, assistindo. Depois, todos se retiraram para dormir, mas enquanto Ginger dormia, Elvis permaneceu acordado, lendo. Ligou para tia Delta e disse que queria um pouco de água gelada, estava tendo dificuldades para dormir.
Elvis ainda estava lendo quando Ginger acordou, às nove horas da manhã, e quando ela voltou a dormir, por volta de uma hora da tarde. Quando ela despertou, Elvis não estava na cama. Foi encontrá-lo caído no chão do banheiro. Ginger gritou por socorro e Al Strada e Joe Esposito subiram correndo. Depois de chamar a ambulância, Joe aplicou respiração boca a boca em Elvis. Quando a ambulância estava saindo com Elvis para o hospital, seu médico particular, Dr Nick, apareceu e foi junto para o Memorial Batista. Ali os médicos tentaram por meia hora ressuscitar Elvis. Mas foi tudo inútil. Ele foi declarado morto ao chegar, de parada cardíaca. Vernon pediu a autópsia. O corpo foi levado para a agência funerária Memphis, a fim de ser preparado para a exposição no dia seguinte.
Enquanto estava escutando o relato das últimas horas de Elvis, fui me sentido cada vez mais perturbada. Havia dúvidas demais. Elvis raramente ficava sozinho por períodos prolongados. Subitamente compreendi que precisava ficar sozinha. Subi para a suíte de Elvis, onde passáramos boa parte de nossa vida conjugal. Os aposentos estavam arrumados mais do que o normal, muitos de seus pertences pessoais haviam desaparecido, não havia livros na mesinha de cabeceira, onde foi parar seus livros queridos, aqueles que ele jamais se separava? Fui ao seu quarto de vestir e era como se pudesse sentir sua presença viva – sua flagrância característica impregnava o quarto. Era uma sensação fantástica.
Pela janela da sala de jantar pude ver as milhares de pessoas que esperavam no Elvis Presley Boulevard pelo carro que traria seu corpo de volta a Graceland. Sua música enchia o ar, com as emissoras de rádio de todo o país prestando seu tributo ao rei.
Não demorou muito para que o caixão fosse instalado no vestíbulo da frente, aberto à visitação pública. Fiquei no quarto de vovó a maior parte daquela noite, enquanto milhares de pessoas do mundo inteiro apareciam, prestando sua última homenagem. Muitas choravam, alguns homens e mulheres até desmaiaram. Outras se demoravam junto ao caixão, recusando-se a acreditar que era ele mesmo. Elvis fora realmente amado, admirado e respeitado.
Esperei pelo momento certo para Lisa e eu nos despedirmos. Era tarde da noite e Elvis já fora transferido para a sala de estar, onde seria realizado o funeral. Havia silêncio, todos haviam ido embora. Juntas, ficamos paradas ao lado do caixão emocionadas. "Você parece tão sereno, Sattnin, tão descansado...sei que vai encontrar lá toda a felicidade e todas as respostas" Lisa pegou minha mão e pusemos no pulso direito de Elvis uma pulseira de prata , mostrando mãe e filha de mãos dadas.
- "Vamos sentir sua falta... "- murmurei
O coronel Parker compareceu ao funeral usando seu habitual quepe de beisebol, camisa e calça esporte. Disfarçou suas emoções da melhor forma que pôde. Elvis fora como um filho para ele. Um homem da velha escola, o coronel era considerado um homem de negócios de coração frio. Mas, na verdade, permaneceu fiel e leal a Elvis, mesmo quando sua carreira começara a declinar. Naquele dia pediu a Vernon que assinasse um contrato prolongando a sua posição como agente de Elvis. Já estava planejando meios de manter o nome de Elvis na lembrança do público. Agiu depressa, receando que Vernon, com a morte de Elvis, ficasse transtornado demais para cuidar direito das muitas propostas iminentes. Vernon assinou.
Durante o serviço religioso, Lisa e eu sentamos junto de Vernon e sua nova noiva, Sandy Miller, Dodger, Delta, Patsy, meus pais, Michelle e o resto da família. George Hamilton estava presente. Ann-Margret compareceu em companhia do marido, Roger Smith. Ann apresentou suas condolências com tanta sinceridade que senti um vínculo genuíno com ela.
J.D. e os Stamps Quartet cantaram as músicas evangélicas prediletas de Elvis. Vernon escolhera o pregador, um homem que mal conhecia Elvis e falou principalmente de sua generosidade. Elvis provavelmente teria rido e diria ao pai: "Não poderiam Ter arrumado um comediante ou algo parecido?" Elvis não queria que o lamentássemos.
Encerrado o serviço, fomos para o cemitério, Lisa e eu acompanhamos Vernon e Sandy. Ficava a cinco quilômetros da casa e por todo o percurso havia pessoas nos dois lados da rua, com outra milhares de pessoas no cemitério. Os carregadores do caixão – Jerry Schilling, Charlie Hodge, Dr Nick e Gene Smith – levaram-no até o mausoléu de mármore. Houve uma breve cerimônia e depois, um a um, todos nos aproximamos do caixão, beijamos ou tocamos, murmuramos algumas palavras finais de despedida. Depois, por medida de segurança, Elvis foi transferido para o jardim de Graceland, seu local de repouso eterno.
Antes de Lisa e eu voltarmos a Los Angeles, Vernon pediu-me que fosse ao escritório. Ele estava desesperado. Eu sabia de qualquer coisa que pudesse ajudá-lo a compreender por que o filho morrera? Vernon jamais aceitou plenamente e creio que a angústia o levou a morte, assim como vovó também não se recuperou da morte de Vernon.
Eu sabia que minha vida nunca mais seria a mesma. A morte de Elvis tornou-me muito mais consciente de minha própria mortalidade e das pessoas que eu amava. Compreendi que era melhor começar a partilhar mais com as pessoas com quem me importava, cada momento que tinha com minha filha ou meus pais se tornou mais precioso.
Aprendi com Elvis, muitas vezes – lamentavelmente – com seus erros. Aprendi que Ter muitas pessoas ao redor pode minar suas energias. Aprendi o preço de tentar fazer todos felizes. Elvis dava presentes a alguns e deixava outros ciumentos, freqüentemente criando rivalidades e ansiedades no grupo. Aprendi a confrontar as pessoas e os problemas – duas coisas que Elvis sempre evitara.
Aprendi a assumir o controle da minha vida. Elvis era tão jovem quando se tornara um astro que nunca fora capaz de manipular o poder e o dinheiro que acompanhavam a fama. Sob muitos aspectos, ele foi uma vítima, destruído pelas próprias pessoas que atendiam a todos os seus desejos e necessidades. Foi também uma vítima de sua imagem. O público queria que ele fosse perfeito, enquanto a imprensa implacavelmente exagerava os seus defeitos. Nunca teve a oportunidade de ser humano, de crescer para se tornar um adulto amadurecido, experimentar o mundo além de seu casulo artificial.
Quando Elvis Presley morreu, um pouco de nossas próprias vidas nos foi tirado, de todos que conheciam e amavam Elvis Presley, que partilharam suas Músicas e filmes, que acompanharam sua carreira. Sua paixão era divertir os amigos e os fãs. O público era seu verdadeiro amor. E o amor que Elvis e eu partilhamos foi profundo e permanente.
Passei muitas horas recordando momentos de meu passado que são para mim pedaços da história, significativos e memoráveis. Quando decidi contar essa história, não tinha a menor idéia de como seria uma tarefa difícil e emocionada. Muito se disse e escreveu a respeito de Elvis, por aqueles que o conheciam e outros que não conheciam mas diziam que conheciam. Espero Ter oferecido uma perspectiva melhor do que ele foi como um homem. Outros livros apresentaram uma imagem não muito lisonjeira, ressaltando suas fraquezas, excentricidades, explosões violentas, perversões e abuso de drogas. Eu queria escrever sobre amor, momentos preciosos e maravilhosos, outros repletos de sofrimento e desapontamento, sobre os triunfos e derrotas de um homem, uma grande parte com uma criança mulher ao seu lado, sentindo e experimentando suas angústias e alegrias como se fossem uma só pessoa.
Eu não seria honesta se não dissesse, ao revelar nossa vida, tão invejada, que não foi fácil para mim. Houve muitas ocasiões em que desejei pular fora, desistir, esquecer ou abrir mão daquele amor tão penoso. Alguns vão achar que omiti muitas datas importantes, fatos específicos e histórias incontáveis. Não creio que alguém possa sequer começar a captar a magia, sensibilidade, charme, generosidade e grandeza desse homem que tanto influenciou e contribuiu para a nossa cultura através de sua arte e sua música. Nunca tive intenção de realizar tal feito, queria apenas contar uma história. Elvis foi uma alma gentil, que emocionou e proporcionou felicidade a milhões de pessoas no mundo inteiro e continua a ser respeitado por seus semelhantes.
Ele era um homem, um homem muito especial.
Escrito por Priscilla Presley em seu livro "Elvis e eu" (Elvis and me, 1985)
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