sábado, 30 de dezembro de 2017

The Beatles - Abbey Road (1969)

The Beatles - Abbey Road (1969) - Muitos ainda pensam que "Let It Be" foi o último disco dos Beatles. De fato ele foi lançado depois, porém gravado antes de "Abbey Road". Esse álbum traz as últimas gravações dos Beatles, antes da separação que iria ocorrer poucos meses depois. As filmagens de "Let It Be" deixaram os Beatles exaustos e desanimados. Não foi uma boa experiência e nem resultou em boa música, como disse Lennon depois. Assim quando retornaram ao estúdio Abbey Road eles procuraram renovar sua sonoridade, voltar ao básico, dar o melhor de si. O resultado foi essa obra prima, um dos grandes discos da banda. Elogiado desde que chegou nas lojas pela crítica, o disco também foi um enorme sucesso comercial, se tornando, para surpresa dos próprios Beatles, em seu disco mais vendido! Quem diria... De qualquer forma a qualidade de "Abbey Road" não se discute. Ainda hoje impressiona por sua originalidade, criatividade e sonoridade única. Abaixo comento faixa a faixa esse grande momento da discografia dos Beatles.

1. Come Together (John Lennon / Paul McCartney) - Eu considero "Come Together" a última grande música de John Lennon nos Beatles. Ela foi lançada no disco "Abbey Road" que de certa maneira era uma colcha de retalhos composta e organizada por Paul McCartney. Havia literalmente um monte de pedaços de canções, letras inacabadas e melodias pela metade. Paul foi genial e com esse material em mãos criou uma verdadeira obra prima, principalmente no lado B do álbum que seguia uma linha bem inovadora, com várias composições de John, Paul e George que se entrelaçavam, quase como se não houvesse uma separação entre elas. Já "Come Together" fugia um pouco dessa linha. Era uma composição cem por cento John Lennon e que havia sido criada de forma independente ao conceito que Paul havia criado para "Abbey Road". A letra de John Lennon era na realidade um jogo de palavras. Isso já havia se tornado uma característica de John desde os tempos de "Revolver". Ele decidira romper com a velha fórmula de canções sobre amor, paixões de adolescente e afins. Para John isso não tinha mais nenhuma importância. Ele supostamente descreve um sujeito nada convencional, fora dos padrões, mas isso é apenas a espinha dorsal de sua composição. Lennon, inspirado por Dylan, não queria mais soar previsível ou convencional. Assim ele procurava sempre romper barreiras, tanto em termos de letra como melodia. Essa música tem um estilo estranho, com tensão em cada linha escrita. O ouvinte fica esperando pelo clímax que parece nunca chegar. Curiosamente ela seria regravada por Michael Jackson e Aerosmith alguns anos depois, mas nada supera realmente a beleza e a originalidade dessa gravação de Abbey Road. Realmente uma grande faixa que marcou a despedida de Lennon dos melhores anos de sua vida artística.

2. Something (Harrison) - Durante anos George Harrison viveu à sombra da dupla John Lennon e Paul McCartney. Em entrevistas John Lennon costumava dizer que o grupo sempre deixava um espaço nos álbuns dos Beatles para que George cantasse ou até mesmo encaixasse uma composição própria dentro do repertório. Além de ser mais jovem do que os colegas de banda, George ainda tinha que conviver com a genialidade deles na composição de dezenas de obras primas. Mesmo assim Harrison foi se aperfeiçoando com o tempo. Para muitos a canção "Something" foi a prova definitiva de seu talento como compositor, a sua melhor canção. Pena que ela veio um pouco tarde demais pois quando foi lançada no álbum "Abbey Road" de 1969 os Beatles já estavam separados. Composta por volta de 1968 George esperou alguns meses para levar a música para o estúdio. Queria trabalhar melhor nela. Uma demo crua, apenas com ele e sua guitarra, foi gravada pelo próprio George e em cima dela os demais Beatles e o produtor George Martin começaram a trabalhar nos arranjos. Logo no começo George Harrison percebeu que apenas uma guitarra seria insuficiente para criar a sonoridade que queria. Por isso tocou várias delas, de diferentes modelos, para que depois fossem unidas na edição da gravação original. O curioso é que John Lennon se ofereceu para tocar a guitarra base, mas George achou por bem ele mesmo tocar todas elas sozinho, dando sua própria marca registrada para cada detalhe da canção. Assim Lennon acabou indo para os teclados onde fez um trabalho apenas básico para o fundo instrumental da melodia. Os demais Beatles foram para seus instrumentos tradicionais, com Paul McCartney no baixo e Ringo Starr na bateria. Para a parte instrumental George Martin criou um arranjo envolvendo violinos, violoncelos e violões. Tudo foi acrescentado bem depois, na sala de edição de Abbey Road. O resultado ficou realmente ótimo, embora alguns críticos tenham reclamado do arranjo que para alguns se tornou excessivo. Ao longo dos anos "Something" (que foi lançada como single ao lado de "Come Together") se tornou um dos maiores sucessos dos Beatles sendo regravada por alguns grandes cantores, entre eles Frank Sinatra e Elvis Presley (que lançou sua versão ao vivo no álbum "Aloha From Hawaii"). Em suma, essa é provavelmente a maior obra prima da carreira de George Harrison. Uma prova de que ele não era apenas mais um nos Beatles.

3. Maxwell's Silver Hammer (John Lennon / Paul McCartney) - Essa é uma das músicas mais interessantes do álbum "Abbey Road" dos Beatles. Essa canção foi uma das mais perfeitas, do ponto de vista técnico, da discografia do grupo. Essa perfeição porém teve seu preço. Os demais membros do grupo começaram a se irritar com Paul McCartney porque a gravação parecia nunca ter fim... Paul sempre aparecia querendo lapidar ainda mais a faixa, acrescentar algum detalhe, alguma novidade em sua sonoridade. O preciosismo absurdo de Paul irritou tanto os outros que Lennon simplesmente sumiu do estúdio por duas semanas apenas para não se envolver mais na gravação dessa faixa. Para ele "Maxwell's Silver Hammer" era de uma chatice indescritível. Depois que John foi embora, George Harrison também começou a criticar a música de Paul, dizendo que ela era uma coisa velha, ultrapassada, Parecia a música que Paul estava fazendo para seu avô - por causa da sonoridade anos 1920 que McCartney queria trazer para a faixa. Tentando amenizar tudo Ringo Starr (sempre ele, o conciliador) afirmou que havia um exagero na rabugice de John e George. Ok, a música tinha um timing envelhecido, de tempos antigos, mas também era verdade que ela resultou em uma gravação absurdamente perfeita, cheia de inovações sonoras, que não eram comuns em discos de banda de rock dos anos 60. Mais uma inovação sem precedentes dos Beatles nesse aspecto.

4. Oh! Darling (John Lennon / Paul McCartney) - Depois ouvimos a bela canção romântica "Oh Darling!". Que Paul McCartney sempre foi um grande compositor de baladas, isso provavelmente todo mundo já sabe. O que poucos conhecem é que nos bastidores dos Beatles sempre havia uma disputa surda envolvendo Paul e John. Enquanto McCartney estava sempre lapidando suas criações românticas, John ficava pegando em seu pé, dizendo que ele estava sempre fazendo canções piegas. O próprio John chegou a declarar sobre isso em uma entrevista: "Eu estava sempre surgindo nos estúdios com rocks pesados, enquanto Paul surgia como o poeta romântico dos Beatles. Eu ficava perplexo com isso porque queria contrabalancear nos discos dos Beatles e como Paul só parecia surgir com músicas de amor eu tinha que me virar criando rocks! Quando os Beatles se separaram eu até mesmo fiquei em dúvida se ainda conseguiria compor alguma música romântica depois de anos de pauleira". Pois é, não foi fácil para John aguentar por anos e anos as intermináveis declarações de amor de Paul em forma de notas musicais... De qualquer forma, indiferente com as críticas de John, Paul surgiu no estúdio Abbey Road com essa nova faixa romântica "Oh Darling!" - aliás mais do que isso, uma das mais sinceras e ternas melodias de sua carreira. A inspiração de Paul veio de velhas músicas americanas dos anos 50, com todos aqueles refrãos pegajosos e ultra românticos. Para gravar seus vocais Paul também decidiu que iria chegar mais cedo no Abbey Road para chegar no tipo de vocalização que considerava a ideal. Ele acreditava que sua voz ficava particularmente mais bonita nas primeiras horas da manhã. Assim mal o estúdio era aberto às sete da manhã e lá estava Paul gravando sozinho, sem os demais Beatles que só apareciam muitas horas depois. Depois que Paul finalmente gravou seus vocais o resto da banda contribuiu com a parte instrumental. John foi para o piano tirar algumas notas evocativas daquele espírito rock romântico dos 50´s. George criou um bonito solo de guitarra e Ringo fez o feijão com arroz com sua bateria. Até Billy Preston (que havia trabalhado em "Let It Be") deu uma pequena canja tocando seu sintetizador (embora na versão oficial Paul tenha eliminado essa parte). Então é isso, uma canção despudoradamente apaixonada, como tem que ser. Afinal grandes amores sempre são melhores quando são loucamente vividos.

5. Octopus's Garden (Starkey) - A canção "Octopus's Garden" tem algumas características bem próprias. Essa música foi composta por Richard Starkey, ou melhor dizendo, Ringo. Desde os primeiros discos dos Beatles sempre uma faixa era separada para ser cantada por Ringo. Segundo John as músicas mais simples eram escolhidas por ele e Paul para o baterista soltar a voz. Em um momento pouco feliz de sua tagarelice, John chegou a debochar do baterista durante uma entrevista nos anos 70 dizendo que ele definitivamente "não era o melhor cantor do mundo!". Não deveria ter dito algo assim. De qualquer maneira era tradicional abrir esse espaço para o bom e velho Ringo. A novidade era que "Octopus's Garden" era uma criação própria de Ringo e não apenas uma música composta por Lennon e McCartney e interpretada por ele. De certa maneira causou até mesmo uma surpresa entre John e Paul o fato de Ringo surgir no estúdio com uma canção nova, feita apenas por ele! Não era algo que eles esperavam acontecer durante aquelas sessões. Desde o momento em que ele mostrou uma demo bem crua para os demais, Paul, John e o produtor George Martin decidiram que ali deveria haver muitos efeitos sonoros, tal como havia acontecido com "Yellow Submarine". Aliás para muitos críticos e especialistas da obra dos Beatles essa canção era mesmo uma espécie de sequência daquela famosa música do álbum "Revolver". Paul e John sentaram no estúdio e escreveram alguns efeitos que deveriam aparecer na gravação. Embora não tenham sido creditados na autoria da canção o fato é que a participação deles foi essencial para que "Octopus's Garden" tivesse aquela sonoridade bem conhecida, diferente de todas as outras músicas desse disco.

6. I Want You (She's so Heavy) (John Lennon / Paul McCartney) - Já  "I Want You (She's So Heavy)" era uma composição inteiramente feita por John Lennon. Na verdade eram duas músicas diferentes, sobre temas diversos que Lennon resolveu unir em uma só para ser lançada no álbum "Abbey Road". A primeira chamada "I Want You" foi composta para Yoko Ono. John dizia que em relação a ela tinha que compor versos primários mesmo, pois sua paixão pela japonesa era algo primal, praticamente visceral. Por essa razão a maioria das letras falando de seu romance com Yoko eram de uma sinceridade e singeleza que chegavam a incomodar. Essa linha seria seguida por John Lennon em praticamente todos os seus discos da carreira solo que invariavelmente também tinha um só tema: seu amor por Yoko Ono. Por outro lado "She´s So Heavy" era bem mais pesada. O "She" (Ela) da letra não se referia a uma mulher, mas sim a uma droga. Na época em que a criou John estava afundado em um pesado vício na heroína, uma droga da pesada que causava forte dependência em seus usuários. John já tinha tido problemas antes em escrever letras sobre drogas, principalmente no que dizia respeito a boicotes em rádios inglesas e americanas. Aqui as coisas foram mais amenizadas pois como a música foi unida a outra criou-se a (falsa) impressão que toda a letra dizia somente respeito a Yoko Ono. No estúdio John também resolveu inovar. Criou uma parede sonora, bem pesada, que anos depois seria associada ao Rock Progressivo. Também resolveu fazer um corte abrupto no final da faixa, o que fez alguns compradores voltarem às lojas dizendo que seus discos estavam com defeito! Não era defeito de fabricação, mas sim um jeito inovador que Lennon resolveu criar na sala de edição do produtor George Martin.

7. Here Comes the Sun (Harrison) - Durante muitos anos "Something" foi considerada a grande música de George Harrison no álbum "Abbey Road". Não havia nada de errado nisso. Realmente é um grande clássico e provavelmente o auge da fase criativa de Harrison nos Beatles. Acontece que esse disco trazia também outra obra prima do repertório de George, a linda "Here Comes The Sun". Ela abria o lado B do vinil original e era realmente um primor. O curioso é que as origens dessa música trazem um claro paradoxo por parte de Harrison. A música, como podemos notar em sua letra e melodia, tem clara inspiração no movimento hippie. A letra evocando amor, natureza e bucolismo, se encaixa perfeitamente bem nesse sentido. A questão é que o próprio George não tinha uma opinião muito favorável sobre esse mesmo movimento. Em mais de uma vez ele criticou os hippies. Em certa ocasião George foi convidado para participar de um encontro hippie na Califórnia. Ele prontamente aceitou o convite pois achou que iria encontrar pessoas comprometidas em criar um novo mundo, baseado na difundida mensagem da paz e do amor. Mas ao chegar lá George encontrou algo completamente diferente. Em suas próprias palavras: "Quando cheguei no encontro tudo o que encontrei foi um bando de jovens drogados... drogados e sujos, ralando pela lama. Ninguém ali queria discutir filosofia, paz ou amor, mas sim tomar drogas...". Apesar da decepção com os hippies, George acabou compondo e gravando essa canção que para muitos é a maior canção hippie já feita. Contraditório? Sim, mas isso fazia parte da personalidade complexa do Beatle.

8. Because (John Lennon / Paul McCartney) - "Because" é mais uma obra prima desse álbum. Para entender bem essa canção é interessante saber de onde ela veio e que movimentos musicais acabaria inspirando. O rock progressivo ficou muito associado a uma característica básica: a união entre o rock, música popular por excelência, e o clássico, com sua erudição. Isso é bem demonstrado em álbuns de grupos como Pink Floyd e Yes. O auge do progressivo aconteceu justamente na década de 1970, quando os Beatles já não existiam mais. Isso porém não significa que o grupo não tenha explorado essa linha mais erudita. Um dos maiores exemplos vem nessa faixa do Abbey Road chamada "Because". Aqui os Beatles usaram um arranjo vocal bem de acordo com sua linha tradicional acompanhados de uma orquestração que nos faz lembrar das peças escritas pelo grande Mozart. O uso de instrumentos clássicos, nada comuns de se encontrar em discos de rock, acentua ainda mais esse aspecto. Nem é complicado entender em gravações como essa a importância de George Martin na produção dos discos dos Beatles. Vou mais além, em minha opinião Lennon e McCartney deveriam ter dado a coautoria da música para Martin pois foi ele, com seus conhecimentos de maestro, que criou toda a sonoridade que aqui ouvimos. Um toque de gênio, com certeza. Ainda insistindo um pouco mais na questão do arranjo vocal penso que esse foi um dos melhores de toda a carreira do grupo. Existe uma versão apenas com as vozes de John, Paul e George, completamente isoladas da parte instrumental, que é de arrepiar. Desde que começaram a cantar, ainda nos tempos de colegiais, sempre seguindo a linha de grupos como The Everly Brothers, os Beatles procuravam a melhorar a cada ano. Pois foi justamente em Abbey Road, nessa canção "Because", que eles atingiram o seu auge de perfeição. Perfeitamente sincronizados e com uma afinação de fazer qualquer amante de boa música, bater palmas, essa faixa e sua execução vocal está certamente entre os grandes momentos do conjunto. "Because" é outro momento desse álbum que pode ser chamado, sem favor algum, de obra prima da música. Um verdadeiro primor musical.

9. You Never Give Me Your Money (John Lennon / Paul McCartney) - Música de Paul McCartney que traz em sua letra uma clara mensagem para Alain Klein que estava passando a mão nos bolsos dos Beatles quando ele se tornou o responsável pela Apple. Obviamente Lennon entendeu o recado de Paul, mas resolveu bancar a provocação. Como se sabe foi John quem trouxe Klein para a Apple, brigou para que ele se tornasse o responsável pelos negócios dos Beatles, mesmo contra a opinião de Paul, e depois acabou sendo processado pelo desonesto agente. Se tivesse ouvido seu companheiro de banda nada disso teria acontecido.... Na parte musical houve algumas pequenas inovações dentro dos estúdios: Paul tocou piano e baixo; John ficou na guitarra; George Harrison no piano, pandeiro e em duas guitarras e finalmente Ringo criou algumas variações em sua bateria. George Martin ainda arranjou espaço para acrescentar um segundo piano para melhorar a harmonia da gravação.

10. Sun King (John Lennon / Paul McCartney) - John Lennon gostava de passar suas férias na Espanha, nas praias que banhavam a costa do mar Mediterrâneo. Foi justamente numa dessas viagens que ele compôs "Sun King". Ele inclusive decidiu colocar algumas palavras em espanhol na letra original(que depois contaria com a preciosa colaboração de Paul que sabia mais algumas frases na língua espanhola). Embora seja um bom momento do disco não há como negar que se trata de mais um pedaço de música inacabada por John que acabou sendo encaixada no lado B do álbum. Como havia muitos trechos como esse, Paul teve a brilhante ideia de juntá-las todas, como se fizessem parte de um grande medley.

11. Mean Mr Mustard (John Lennon / Paul McCartney) - Essa composição era mais uma contribuição de John. Ele havia escrito poucas linhas do que viria a se tornar a canção quando estava na Índia. De certa forma era uma sobra das gravações do "White Album" que John resolveu resgatar. O curioso é que anos depois ele destruiu a música ao comentar sobre ela durante uma entrevista. Ele próprio reconheceu que a composição era "Um lixo que ele havia escrito em algum pedaço de papel quando estava na Índia". Como se pode ver John não deixava pedra sobre pedra com seu estilo mordaz de criticar não apenas os outros, como também a si próprio.

12. Polythene Pam (John Lennon / Paul McCartney) - Depois de Paul era a vez de John apresentar uma nova canção nos estúdios chamada "Polythene Pam". A palavra "nova" deve ser encarada em termos. Embora essa canção tenha sido lançada no álbum "Abbey Road", ela quase entrou no "White Album". Lennon só não a colocou naquele disco porque ele não a considerava ainda finalizada. Uma bobagem já que na verdade a composição nunca foi terminada por John. Assim quando os Beatles gravavam seu último LP John concordou com Paul McCartney em colocá-la no meio do medley do lado B - o que acabou virando uma das marcas registradas desse maravilhoso trabalho do grupo. Anos depois o próprio John iria esclarecer que "Polythene Pam" havia sido composta na Índia, quando os Beatles estavam por lá para meditar e aprender aspectos da religião hindu. Nessa época a rotina de John era fumar muito maconha, assistir as palestras de seu guru (que depois iria se revelar um picareta) e compor, com seu violão nas horas vagas. Assim a música foi criada, de forma bem despretensiosa e sem muita sofisticação. No "Abbey Road" temos uma versão bem básica, praticamente inacabada, servindo apenas como um link entre as diversas faixas. Pelo visto o próprio John cansou da música e nem sequer se preocupou muito em finalizá-la adequadamente. De qualquer maneira o bom solo de guitarra e a garra da gravação já valem a pena por si só.

13. She Came in Through the Bathroom Window (John Lennon / Paul McCartney) - Durante uma entrevista nos anos 70 John Lennon aceitou fazer uma espécie de bate-bola onde o entrevistador ia citando algumas músicas dos Beatles e ele ia respondendo sobre elas, de forma rápida e simples, dizendo o que primeiro lhe vinha a cabeça. Quando surgiu o nome de "She Came in Through the Bathroom Window" do álbum Abbey Road, John disparou: "Essa música é completamente de Paul. Não tenho a menor ideia do que se trata! Provavelmente Linda tenha entrado pela janela do banheiro, não sei, alguém entrou pela janela do banheiro...". Pois é, a origem dessa canção segue sendo um mistério Beatle. Na verdade a música em si não passava de um pequeno refrão sem importância que havia sido ensaiada durante os trabalhos de "Get Back" (que depois iria se transformar no filme e álbum "Let It Be"). Nada sem muita importância, nada muito bem trabalhado por Paul. Alguns boatos dizem que a tal pessoa que entrou pela janela do banheiro foi a filha de Linda, durante um dia em que Paul estava tão drogado que não conseguia nem abrir a porta de seu apartamento, fazendo com que a garotinha pulasse pela janela para abrir a porta por dentro. Quem sabe o que realmente teria acontecido? Acredito que nessa altura do campeonato nem mesmo Paul saiba mais explicar a origem da letra. De qualquer maneira a faixa é um bom momento do super Medley que Paul havia concebido para fazer parte do disco. Sua fusão com o rock "Polythene Pam" de John funciona muito bem. De uma coisa ninguém duvidava: Paul era realmente um mestre de estúdio, fazendo o melhor dentro de Abbey Road ao lado de George Martin. Coisa fina.

14. Golden Slumbers (John Lennon / Paul McCartney) - Paul McCartney tirou a ideia da canção de uma obra infantil, um conto de fadas. Depois escreveu o arranjo como se fosse uma velha canção de ninar. Para a letra Paul usou a obra do poeta Thomas Dekker. Mesmo com tantas fontes de inspiração Paul não se sentiu muito confortável com o resultado final. Para ele ainda estava faltando algo, pois a gravação original realmente tinha ficado bem curta. Assim ele resolveu unir esse trecho com "Carry That Weight", outra de suas composições que ele trazia para o álbum.

15. Carry that Weight (John Lennon / Paul McCartney) - John Lennon ficou um pouco irritado após ouvir a primeira demonstração dessa música por Paul dentro do estúdio porque a letra era obviamente outra indireta contra Allen Klein, o sujeito que John havia trazido para ser o novo empresário dos Beatles. Paul havia ficado muito irritado com essa escolha pois ele queria que seu sogro se tornasse o novo homem de negócios do grupo. John porém passou por cima de Paul, colocando Klein no comando. A troca de farpas entre eles dentro dos estúdios Abbey Road assim se tornou bem óbvia. John inclusive cogitou mais uma vez sabotar a criação de seu colega de banda, colocando todos os tipos de problemas para tocar na gravação. Sua má vontade tinha se tornado bem clara para todos.

16. The End (john Lennon / Paul McCartney) - É um desfecho, a última faixa a ser creditada na contracapa do álbum original de 1969. Nela Paul canta um verso que ficou bem conhecido dos fãs:  "E no fim, todo o amor que você recebe é igual ao amor que você deu". Como a baladinha "Her Majesty" não foi creditada, muitos pensaram na época que ela era na verdade "The End", mas são músicas diferentes, que até hoje confundem os ouvintes.

17. Her Majesty (john Lennon / Paul McCartney) - O que muitos pensam ser "The End" na verdade é "Her Majesty". Depois de uma longa pausa Paul surge repentinamente tocando seu violão, numa baladinha com poucos versos. Essa gravação nem mesmo iria aparecer no disco, mas de última hora Paul achou que seria divertido causar uma "surpresa" aos ouvintes. Quando todos pensavam que o álbum havia terminado eis que surgia do nada Paul e seu violão para um recadinho final.

The Beatles - Abbey Road (1969) - John Lennon (vocais, guitarra, violão e piano) / Paul McCartney (vocais, baixo, violão e piano) / George Harrison (vocais, violão e guitarra) /  Ringo Starr (vocais, bateria e percussão) / Produção: George Martin / Local de gravação: Abbey Road Studios, Londres / Data de gravação: 22 de fevereiro a 20 de agosto de 1969 / Data de Lançamento: Setembro de 1969 / Selo: Apple Records - Emi Odeon / Melhor Posição nas paradas: #1 (Estados Unidos), #1 (Reino Unido).

Pablo Aluísio.

The Beatles - Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (1967)

Muita coisa já foi dita sobre Sgt Pepper´s. Muito provavelmente esse seja o disco mais analisado, comentado e destrinchado trabalho musical da história. Rotular o álbum de revolucionário, impactante seria redundante. Nem os Beatles tinham plena consciência no gigante que esse disco iria se tornar. Depois de tantos anos essa obra ainda continua sendo citada com frequência. Mas afinal de contas o que a torna tão especial? Uma obra de arte não consegue ser totalmente compreendida sem se levar em conta o contexto histórico em que foi produzida. Sgt Pepper´s só é entendido em essência se o ouvinte entender que quando o álbum chegou nas lojas havia todo um clima psicodélico no ar, toda uma busca e um sentimento que hoje muitos associam ao velho chavão hippie “Paz e Amor”. Certamente havia esse sentimento mas também havia mais, existia uma efervescência nas artes em geral e mudanças estavam na ordem do dia. Os Beatles nunca foram ingênuos, eram rapazes inteligentes e antenados com o que acontecia ao redor. Foi assim que o disco nasceu. Em essência era algo que todos esperavam mas que ninguém realmente havia ainda colocado em prática. Havia uma série de pressões comerciais e de estilo em cima de grupos que vendiam muito como os Beatles. O grande mérito deles foi realmente darem a cara à tapa e arriscar. Isso porque Sgr Pepper´s tanto poderia ser um marco como um fracasso monumental. O grupo assumiu uma postura, teve coragem e lançou o álbum e o mundo musical nunca mais foi o mesmo.

Na época muitos críticos e analistas musicais classificaram o disco como “conceitual”, uma denominação que os próprios Beatles desconheciam. Na verdade não foi bem assim. O próprio Paul McCartney, que teve a ideia original do disco, jamais o arquitetou dessa forma. De fato como o próprio Paul explicou mais tarde apenas as 2 primeiras faixas tem algo em si, inclusive são interligadas. Depois disso Lennon apresentou suas canções ao grupo, músicas que tinham sido compostas em separada, sem a concepção do álbum em mente. O curioso é que em termos de sonoridade e avanço realmente havia uma tênue linha ligando todo o material mas isso surgiu de forma bem espontânea, pois John ao compor temas como “A Day in The Life” jamais havia pensado na ideia de Paul para o disco em si. Foi de certa forma um feliz encontro de ideias que resultou em um disco realmente genial, que resistiu a tudo, inclusive ao tempo. Recentemente promovi mais uma audição atenta do conjunto da obra. Realmente as canções, todas psicodélicas, soam seguindo uma proposta, algo indefinido entre o mundo circense, a grande arte da Londres da década de 60, peças de vaudeville, nostalgias dos anos 20 e muito mais. É um caleidoscópio de influências que os Beatles receberam ao longo da vida. O diferencial aqui é que eles jogaram tudo de uma vez, numa só obra musical. Por isso assustou, por isso revolucionou tanto.

Entre as faixas novamente se sobressai o talento de John Lennon como compositor. Não se sabe ao certo a razão, se foram as drogas, se foi seu encontro com Yoko, não sei, o que se pode perceber nitidamente é que ele está numa fase extremamente inspirada por essa época. As três canções mais marcantes do álbum levam sua assinatura pessoal, de digital mesmo. "Lucy in the Sky with Diamonds" não é uma música psicodélica como cantam em prosa e verso por aí. Vou mais além e afirmo que ela é o psicodelismo. Como todos sabem Lennon foi acusado de estar promovendo o ácido lisérgico com a canção pois suas inicias formavam a sigla LSD. Lennon rebateu as acusações dizendo que era mera coincidência pois a letra havia sido inspirada em um desenho de seu filho Julian. Será mesmo? Quem tem a razão? Não importa, LSD, digo, "Lucy in the Sky with Diamonds", é realmente fantástica. Outra faixa forte e marcante é a já citada "A Day in the Life", na verdade uma coleção de músicas inacabadas de Lennon que resolveu unir tudo sob um arranjo extremamente inovador. Paul dá sua contribuição nos arranjos orquestrais. Por fim temos a circense "Being for the Benefit of Mr. Kite!". A letra foi toda inspirada em um velho cartaz que Lennon comprou em um sebo. Vejam como ele era criativo. Compôs toda uma canção apenas utilizando os nomes e eventos que estavam nesse velho comercial de um circo do século passado. O arranjo é um primor e nesse aspecto temos que bater palmas para George Martin, o talentoso maestro que tanto contribuiu para o sucesso do quarteto britânico.

Deixei para falar de Paul por último porque queiram ou não ele é o grande nome por trás desse projeto. Ele concebeu esse conceito de os Beatles surgirem no disco como se fossem um outro grupo musical, justamente o que dá nome ao álbum. Em sua cabeça Paul queria que o consumidor levasse para casa um disco do "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band" e não dos Beatles. Essa metalinguagem desse trabalho eu realmente acho genial. Também é importante frisar que ao contrário de Lennon, sempre instigante, ácido e mordaz, McCartney trazia belas melodias aos discos do conjunto. Aqui não foi diferente. De fato as melhores linhas melódicas levam sua marca registrada. "She's Leaving Home", por exemplo, é belíssima. Evocativa e nostálgica a canção é beleza rara em notas musicais. "When I'm Sixty-Four" segue seus passos. O som lembra o melhor das antigas big bands americanas das décadas de 20 e 30. Paul com nostalgia de um tempo não vivido. Genial. George Harrison, mais envolvido do que nunca com a religião e cultura indianas surge com "Within You Without You". Eu confesso que essa é a única música do disco que não me agrada muito. É um tipo de musicalidade muito específica, não digo que é ruim, apenas que não faz o meu estilo. Enfim, eu poderia ficar dias e noites escrevendo sobre as qualidades de "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band" mas isso é realmente desnecessário. A obra fala por si mesma. Não adianta ficar procurando o conceito ou a falta dele entre as faixas. O importante é ouvir seu som atemporal. É isso que faria o Billy Shears. Quem é o Billy Shears? Bom, essa é uma outra estória que a gente vai contar por aqui... faixa a faixa:

1. Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (Lennon / McCartney) - Paul McCartney sempre foi um gênio criativo. Durante uma viagem a negócios nos Estados Unidos nos anos 60 ele rascunhou em um guardanapo dado pela empresa aérea uma nova ideia. Imagine que os Beatles não mais existissem. Imagine que Paul, George, Ringo e John fossem apenas membros de uma banda ao estilo do século XIX chamada "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band"! Algo bem Old School, era Vitoriana, Vaudeville, do velho teatro inglês do século passado, algo misturado também com o conceito das antigas fanfarras que cruzavam o interior durante as festas regionais, as feiras de produtores rurais de Liverpool e redondezas. Quando retornou a Londres, Paul apresentou a ideia inicialmente para John Lennon. Ele demorou um pouco a pegar o conceito, mas quando finalmente entendeu as intenções de Paul, adorou! Era algo inédito dentro da indústria fonográfica, realmente revolucionário. No começo a gravadora dos Beatles, a EMI, ficou com receios, principalmente depois que Paul disse que não queria a marca "Beatles" nem na capa do disco e nem na propaganda de lançamento do novo álbum. A EMI deveria promover apenas a bandinha do Sgt Pepper. É claro que depois de muitas reuniões Paul voltou atrás, mas o conceito artístico inicial iria prevalecer. Os Beatles basicamente iriam fingir (ou interpretar) que eram parte de um outro grupo musical.

2. With a Little Help from My Friends (Lennon / McCartney) - "With a Little Help from My Friends" é uma das canções mais emblemáticas do álbum "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band". O curioso é que não havia muita pretensão sobre ela quando Paul a compôs. Na verdade ele queria utilizar a música como meramente um link, um elo de ligação entre a faixa principal e as demais canções do disco. Para isso chamou Ringo para os vocais, por causa da simplicidade melódica da faixa. Outro fato muito curioso é que Paul criou uma figura imaginária chamada Billy Shears que depois foi usado pelos fãs de teorias da conspiração como uma das pistas deixadas pelos Beatles após a morte de Paul em 1966! Tem coisa mais maluca do que essa? O sósia de Paul, colocado em seu lugar, seria justamente o tal de Billy Shears! Bizarro! De qualquer forma nada disso impediu uma bela gravação dos Beatles. Hoje em dia também é impossível citar essa música sem falar de Joe Cocker. Ele fez aquele que talvez seja o cover mais famoso de uma canção dos Beatles. Sucesso em Woodstock virou um símbolo dos anos 60, conseguindo ganhar inclusive personalidade própria, algo que surpreendeu os próprios Beatles.

3. Lucy in the Sky with Diamonds (Lennon / McCartney) - Sem dúvida uma das canções mais lembradas desse clássico álbum dos Beatles é a maravilhosa "Lucy in the Sky with Diamonds", uma verdadeira obra prima de John Lennon. Assim que o disco foi lançado começaram as especulações sobre o significado de sua estranha letra. Afinal a frase "Lucy no céu com diamantes" não fazia muito sentido. Várias versões surgiram até que um crítico de Nova Iorque escreveu um artigo dizendo que havia entendido a mensagem cifrada de Lennon. As iniciais da canção formavam a sigla LSD! Bingo! Isso mesmo, John havia composto uma música em homenagem à droga lisérgica que estava se tornando moda na época. Não era segredo para ninguém que John estava consumindo LSD em grandes quantidades nesse período em sua vida. Só que assim que soube dessa interpretação John chamou a imprensa e disse que sua criação psicodélica nada tinha a ver com LSD. Ela havia sido criada após seu filho Julian lhe mostrar um desenho feito na escola. Quando John perguntou a Julian o que aquilo significava o garoto respondeu: "Essa é Lucy, no céu, com diamantes". Ora, isso para uma mente criativa como John foi o bastante. Assim ele acabou criando a música. Para provar seu ponto de vista Lennon chegou até mesmo a mostrar o desenho do garoto para a imprensa.

4. Getting Better (Lennon / McCartney) - "Getting Better" por outro lado nunca foi um grande sucesso dos Beatles. De certa forma é um típico lado B da banda, uma canção que apesar de ser bem gravada só servia mesmo para completar cronologicamente o disco como um todo. Nunca gostei muito dessa composição de Paul McCartney. Sempre achei inclusive uma criação um pouco preguiçosa, que usava e abusava de clichês musicais em praticamente todas as suas linhas. McCartney certamente poderia fazer melhor, porém acredito que ele estava simplesmente exausto depois de meses e meses de estúdio, trabalhando em cada detalhe de cada gravação. Com isso um certo ar de cansaço iria mesmo surgir em algum momento. Para não dizer que era um momento de puro desperdício vale elogiar o trabalho dos vocais secundários, que nos fazem lembrar inclusive dos Beatles de "Please, Please Me" e "Rubber Soul". A letra também fugia bastante do estilo enigmático que John Lennon vinha imprimindo nos discos da banda. É bem simples, quase pueril, falando sobre melhorar a cada ano, a cada dia, procurando sempre ser uma pessoa melhor do que havia sido no passado. Nada filosófico, nada obscuro, nada simbólico, apenas uma mensagem de positividade por parte de Paul, que era um otimista incorrigível.

5. Fixing a Hole (Lennon / McCartney) - Para aliviar um pouco tantas sonoridades estranhas e diferentes, Paul McCartney resolveu trazer uma baladinha bem mais simples chamada "Fixing a Hole". O curioso é que Paul decidiu gravar a faixa fora dos estúdios Abbey Road onde o álbum foi praticamente todo gravado. Outro fato digno de nota é que a canção, tal como havia acontecido com "Lucy in the Sky With Diamonds", também foi alvo de interpretações equivocadas. A letra levou alguns a entenderem que ela se referia a heroína, algo que Paul de pronto negou! Ele disse: "Minha inspiração não foi a heroína, droga que não usava na época. Sempre tive medo de agulhas e a heroína era hardcore demais para mim. Na verdade eu me inspirei em alguns trechos do evangelho de Mateus para criar a canção! Foi algo completamente diferente do que depois chegaram a pensar!".

6. She's Leaving Home (Lennon / McCartney) - Outra gravação extremamente bela em termos de arranjos foi "She's Leaving Home". Já fazia alguns anos que Paul e John realizavam trabalhados próprios, bem autorais, dentro dos discos dos Beatles. Eles nunca mais tinham se sentado juntos para criar em conjunto, como havia acontecido nos primeiros discos dos Beatles. Pois bem, aqui John e Paul voltaram a de fato trabalharem juntos na composição de uma música. Paul escreveu as primeiras linhas e John completou. Isso ficou bem claro inclusive na gravação, com Paul cantando sua parte e John as harmonias que escreveu. O resultado ficou belíssimo. É seguramente um dos momentos mais maravilhosos de todo o disco. Uma legítima composição Lennon e McCartney, com tudo de genial que isso significava.

7. Being for the Benefit of Mr. Kite (Lennon / McCartney) - Outra canção do disco que chamou muito a atenção da crítica e do público foi a estranha (e circense) "Being For The Benefit Of Mr. Kite!". Que loucura era aquela? Na verdade a canção veio da cabeça imaginativa do próprio Lennon. Colecionador de antiguidades o Beatle viu esse cartaz antigo de circo em uma exposição. Ele acabou comprando a peça e a pendurou em sua casa nos arredores de Londres. Quando estava sob pressão para compor novas músicas para o novo álbum dos Beatles,  Lennon simplesmente olhou para o poster e ali viu toda uma letra, todo um universo próprio, com seus artistas, números de circo, enfim, um poster comercial que tinha um belo sabor de nostalgia de um tempo que não existia mais. Com a ajuda do maestro (e quinto beatle) George Martin, Lennon criou uma sonoridade única na discografia dos Beatles. Sons originais, nunca antes usados em discos de grupos de rock, foram adicionados. Um clima de picadeiro, com malabaristas, palhaços, mágicos e tomadores de leões, como bem resumiu Lennon, tomou conta da faixa. Lindamente produzida, cheia de efeitos sonoros, "Being For The Benefit Of Mr. Kite!" demonstrava que a velha reclamação de Lennon, onde afirmava que suas músicas não eram bem trabalhadas em estúdio pelos outros Beatles, simplesmente não tinha razão de ser. Essa faixa, cem por cento Lennon, era a prova de que sua afirmação não se baseava em fatos verdadeiros. É certamente uma das faixas mais trabalhadas e bem produzidas de toda a discografia do grupo.

8. Within You Without You (Harrison) - Outra canção que causou surpresa foi "Within You Without You". Essa era uma criação de George Harrison que parecia bem determinado em trazer para os discos dos Beatles a sonoridade da Índia, terra que o havia fascinado desde que a conheceu alguns meses antes. Por ser tão específica e tão sui generis, com arranjos e instrumentos orientais, John, Ringo e Paul acabaram não participando da gravação. Apenas George e um grupo de músicos indianos tocaram nela. É uma faixa interessante, por seu valor cultural, porém inegavelmente estranha para os nossos ouvidos ocidentais.

9. When I'm Sixty-Four (Lennon / McCartney) - É consenso praticamente geral que o álbum "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band" é um dos maiores discos da história do rock mundial. Mesmo assim é interessante notar que o grupo e seu produtor George Martin não estavam necessariamente focados em gravar um álbum convencional do gênero que investisse em arranjos tradicionais baseados no trio de instrumentos formado por guitarras, baixo e bateria. Eles jogaram as regras e as fórmulas para o alto e inovaram completamente na sonoridade do trabalho. De certa maneira os próprios Beatles não queriam mais seguir o que a gravadora achava melhor para o grupo. Aquela velha história de ser "comercialmente viável". Os Beatles não queriam mais saber disso. Pensando assim acabaram criando uma obra prima. Uma das canções que retratam essa ruptura é justamente essa "When I'm Sixty-Four". Mesmo assinada pela dupla Lennon e McCartney a música foi composta praticamente sozinha por Paul. Isso foi reconhecido pelo próprio John. Durante uma entrevista após o fim do grupo ele respondeu quando perguntado sobre essa faixa: "Essa foi completamente composta por Paul. Jamais sonharia em compor algo parecido". E como vinha acontecendo nas composições de McCartney para esse álbum um arranjo orquestral foi criado, tentando trazer de volta a sonoridade dos anos 20 - afinal a letra era nostálgica. George Martin escreveu também um lindo arranjo de clarinete, pois esse instrumento eram um dos mais populares do começo do século XX. Por fim, depois de tanto trabalho dentro do estúdio, se cogitou lançá-la como single, porém essa ideia foi abandonada. Ela apenas faria parte do álbum Sgt. Peppers. Como era uma música de complexa execução ela jamais foi tocada ao vivo pelo grupo, até porque eles tinham também decidido dar por encerrados os concertos na época de gravação desse disco.

10. Lovely Rita (Lennon / McCartney) - Outra música que foi também uma criação exclusiva de Paul McCartney foi "Lovely Rita". De todas as faixas do álbum essa é considerada uma das mais singelas. Em um disco tão revolucionário do ponto de vista musical e em termos de letras, essa canção é surpreendentemente convencional e pueril. A sonoridade é bem simples e sua letra evoca a figura de uma guarda de trânsito chamada Rita! A letra, em primeiro pessoa, narra essa singela estorinha de amor de alguém que acaba se encantando pela policial. Esse tipo de composição, tão tipicamente selada com o rótulo "McCartney", iria virar alvo de Lennon após o fim dos Beatles. John estaria sempre se irritando com essas baladas românticas escritas por Paul. Para John era um retrocesso, uma perda de tempo.

11. Good Morning Good Morning (Lennon / McCartney) - Talvez para fugir desse tipo de banalidade, John Lennon tenha surgido no estúdio com "Good Morning Good Morning". Sob uma fachada também banal, contando com um momento cotidiano na vida de qualquer um (o acordar pela manhã, o café antes de ir para a escola ou o trabalho, etc), John critica o consumismo e a banalização dos comerciais de TV. Seu alvo era certeiro, pois a canção era praticamente uma sátira aos comerciais televisivos da indústria de cereais Kellogg 's, da marca Corn Flakes. Inclusive durante os anos 70 John iria rasgar o verbo contra o que ele chamava de "indústria do açúcar" que viciava as crianças no consumo de produtos com excesso de açúcar, destruindo a saúde de todos lentamente, ao longo dos anos. Com a explosão dos casos de diabetes que vemos hoje em dia, podemos perceber que ele não estava longe da verdade em sua visão. Coisas de John Lennon, enfim.

12. Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (Reprise) (Lennon / McCartney) - Para que tudo saísse perfeito Paul McCartney e o produtor George Martin trabalharam muito juntos dentro dos estúdios. A canção  "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band" iria aparecer duas vezes no disco. Abrindo o álbum e depois, quase no final, como uma espécie de ligação entre todas as faixas do disco. Essa segunda versão foi chamada por Paul de "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (Reprise)", Era basicamente a mesma música, só que com algumas mudanças sutis na melodia. Paul obviamente queria um arranjo primoroso, com uma grande orquestra por trás de seus vocais. Foi uma gravação extremamente trabalhosa, que levou semanas de gravação árdua dentro do estúdio Abbey Road em Londres.

13. A Day in the Life (Lennon / McCartney) - Durante uma entrevista John Lennon perguntou, com certo cinismo: "Então Sgt Peppers pegou você de surpresa?". Na verdade pegou o mundo musical inteiro de surpresa. A ideia inicial partiu de Paul McCartney. Que tal gravar um novo álbum que não fosse necessariamente dos Beatles, mas de uma banda imaginária chamada Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band? Claro que era algo fora do comum, ainda mais em se tratando de Beatles e toda a sua fama e sucesso mundial. Uma das canções que fez parte desse álbum conceitual (rótulo aliás renegado pelo próprio Paul) foi "A Day in The Life". Essa é uma criação praticamente toda de Lennon. A letra, dividida em três partes, era obviamente uma referência ao período lisérgico pelo qual John passava na época. Longe de ser banal, a canção era aberta a inúmeras interpretações e algumas delas causaram problemas para os Beatles. Há um trecho da letra que diz: "Agora eles sabem quantos buracos são necessários para encher o Albert Hall". A direção da BBC interpretou aquilo como uma referência ao uso de drogas, os buracos seriam os deixados nos braços dos viciados. Lennon reclamou, mas não houve jeito, a música foi banida da programação da emissora.

The Beatles - Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (1967) - John Lennon (guitarra, violão, piano, vocais) / Paul McCartney (baixo, piano, violão, vocais) / George Harrison (guitarra, violão, vocais) / Ringo Starr (bateria, vocais) / Sounds Incorporated (saxofones) / Neil Aspinall (harmônica) / Geoff Emerick (efeitos sonoros) / Mal Evans (piano, efeitos sonoros) / Neill Sanders, James W. Buck, John Burden, Tony Randall (trompas) / Robert Burns, Henry MacKenzie e Frank Reidy (clarinetes) / Arranjos: John Lennon, Paul McCartney, George Harrison, George Martin / Produção: George Martin / Data de gravação: 6 de dezembro de 1966 a 21 de abril de 1967 / Data de Lançamento: 26 de maio de 1967 (Reino Unido) / 2 de junho de 1967 (Estados Unidos) / Melhor posição nas paradas: 1 (Reino Unido) 1 (Estados Unidos).

Pablo Aluísio.

sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

The Beatles - Revolver (1966)

"Revolver" é um disco fenomenal. O primeiro trabalho realmente revolucionário do conjunto britânico, o LP abriu portas no mundo da música que nunca mais foram fechadas. Seu resultado foi tão extraordinário na época que nem os próprios Beatles acreditavam que um dia iriam conseguir superá-lo. De repente os quatro rapazes de Liverpool mostravam ao mundo que o Rock não era apenas um gênero musical bobo falando sobre namoricos, corações adolescentes partidos e versinhos de caderno. O rock poderia se transformar em grande arte e seguramente Revolver foi o primeiro grande trabalho da história do Rock a atravessar essa fronteira. Tirando poucos momentos medianos do ponto de vista artístico (como "Yellow Submarine" e "I Want To Tell You") "Revolver" traz uma série incrível de sonoridades diversificadas que se traduzem em canções antológicas. "Taxman", que abre o disco, é uma parceria entre Lennon e Harrison (só creditada ao segundo) que mostra claramente o rompimento do grupo com seu antigo som. Paul McCartney apresenta duas músicas maravilhosas, a melancólica e linda "Eleanor Rigby" e "For No One", que apesar de subestimada é até hoje uma das melodias mais bonitas da carreira dos Beatles (e isso meu amigo não é pouca coisa); O velho Macca ainda nos brinda com a deliciosa "Got to Get You Into My Life", canção cheia de charme e suingue bebendo diretamente da fonte da herança musical negra americana, estilo Motown e cia. Seu legado no disco termina com "Here, There and Everywhere". Canção excepcionalmente bem escrita e arranjada resultando num momento simplesmente irretocável.

Embora McCartney tenha sido genial nesse disco com suas ternas melodias o legado mais revolucionário do álbum pertence mesmo a John Lennon. Desde a primeira faixa Lenniana, "I´m Only Sleeping", com escala musical incomum, John deixa claro que veio para testar os limites do Rock na época. Sua "She Said, She Said" é uma pedrada no formato convencional (e careta) que predominava na música da década de 60. Dr. Robert, por sua vez, é um manifesto com referências ao movimento psicodélico que nascia naquele momento e "Good Day Sunshine", com sua linha saudosista, vinha para satirizar com muito bom humor o comodismo da classe média e seus valores quadrados. Mas foi com "Tomorrow Never Knows" que Lennon realmente chutou o balde. Essa canção pode ser considerada, sem a menor hesitação, como uma das mais influentes do rock mundial moderno. Não existe sequer uma única banda da atualidade que não beba de sua fonte maravilhosamente enlouquecida e sem freios. "Tomorrow Never Knows" até hoje soa extraordinariamente criativa, imaginativa e acima de tudo revolucionária. Não importa qual seja a sua banda favorita e nem a época, de Radiohead a Oasis, nenhum grupo conseguiu sequer chegar aos pés dessa doce alucinação. Não há como duvidar, Lennon realmente era um gênio musical. Revolver retrata o momento em que os Beatles romperam com tudo o que se fazia na época, inclusive com seu próprio modelo, que definitivamente a partir desse momento era deixado para trás. Apenas pela coragem de romper tabus musicais Revolver já teria garantido seu lugar na história da música do século XX, mas o álbum é muito mais do que isso, é uma obra simplesmente indispensável para se entender a arte de nosso tempo.

1. Taxman (Harrison) - Nesse disco George e John trabalharam juntos em algumas faixas. Essa parceria Lennon e Harrison se mostraria mais forte em "Taxman". Anos depois, após o fim dos Beatles, John Lennon iria reclamar publicamente de George Harrison que segundo ele nunca teria dado os créditos merecidos na gravação dessa música. John afirmava que George havia chegado nos estúdios Abbey Road apenas com um esboço muito primário do que seria Taxman. Assim ele e George passariam horas lapidando a música, com John Lennon fazendo grande parte dos arranjos. Curiosamente a dobradinha "Harrison / Lennon" também não apareceu na contracapa do álbum, sendo a canção creditada apenas a George Harrison. Na época John Lennon pareceu não ligar muito para isso, mas depois, já nos anos 70, reclamou da falta de consideração de seu colega de banda.

2. Eleanor Rigby (Lennon / McCartney) - Paul McCartney compôs "Eleanor Rigby" durante as filmagens de "Help!". Ele inclusive quase escolheu a música para fazer parte da trilha sonora do filme, mas pensou melhor e resolveu trabalhar ainda mais nela, antes de a levá-la para o estúdio. Assim que George Martin a ouviu pela primeira vez percebeu que ali havia uma faixa clássica que não se enquadraria com os instrumentos de um grupo de rock. Era algo completamente novo para um disco dos Beatles. Era necessário escrever um arranjo mais erudito, usando um quarteto de cordas, de preferência. Paul aceitou imediatamente as sugestões. Assim os instrumentos básicos dos Beatles foram deixados de lado. Um grupo de músicos foi contratado e Paul e Martin começaram a lapidar a canção em Abbey Road. Para se ter uma ideia, Ringo Starr nem sequer participou da gravação da música. John e George só colaboraram fazendo os vocais de apoio. Embora John tenha creditada a canção como uma de suas criações, o fato é que sua participação na criação da música foi praticamente nula. Paul esclareceria anos depois que John havia escrito apenas uma linha da letra e feito o backing vocal, nada muito além disso. Aliás nenhum dos Beatles tocou na faixa, sendo tudo providenciado mesmo pelo gênio George Martin. A letra, composta quase que exclusivamente por Paul falava sobre solidão. Essa é certamente uma das letras mais cinematográficas dos Beatles pois em essência narra o enterro de Eleanor Rigby, uma pessoa solitária, em cujo funeral ninguém compareceu a não ser o Padre McKenzie para fazer as orações finais. Durante anos Paul disse que a personagem Eleanor Rigby era ficcional, tanto que antes de escolher esse nome outros foram usados na composição como Miss Daisy Hawkins. A sonoridade desse nome porém não agradou Paul completamente, tanto que depois finalmente encontrou o que procurava em "Eleanor Rigby". A explicação soava até bem plausível, isso até historiadores dos Beatles encontrarem uma lápide real no cemitério de Liverpool com o nome de Eleanor Rigby, cuja data de falecimento constava como o de 1939. Eleanor Rigby assim era o nome real de uma pessoa real, que viveu e morreu em Liverpool bem no começo da II Guerra Mundial. Informado sobre a descoberta, Paul se disse completamente surpreso! Quem sabe seu nome ficou em seu subconsciente, pois Paul costumava frequentar o local quando era mais jovem. Mais um mistério na história desse verdadeiro clássico da carreira dos Beatles.

3. I'm Only Sleeping (Lennon / McCartney) - E a última grande criação de John Lennon para "Revolver" foi "I'm Only Sleeping". Durante anos se especulou que John novamente fazia referências ao uso de drogas na letra dessa canção. Ele porém rechaçou essa interpretação. John dizia que era a pessoa mais preguiçosa do mundo, que amava ficar em sua cama durante o dia inteiro, sem fazer nada. A letra era assim a mais direta possível, uma declaração de um preguiçoso sobre a arte de não fazer absolutamente nada, de ficar apenas dormindo o dia inteiro. Aliás o próprio John admitira esse aspecto de sua personalidade várias vezes ao longo da vida em entrevistas. Certa vez ele declarou: "Os Beatles só voltavam a se reunir em estúdio por insistência de Paul. Ele me ligava e dizia que tínhamos que gravar um novo disco, ao qual eu respondia que não queria, que estava com preguiça. Então Paul ficava ligando por uma ou duas semanas, insistindo, até eu finalmente sair da cama para trabalhar!"

4. Love You To  (Harrison) - Outra surpresa em termos de arranjo do "Revolver" veio com a gravação de  "Love You To". Que George Harrison estava completamente imerso na religião hindu, todos já sabiam. De todos os Beatles ele foi aquele que mais caiu de cabeça dentro da cultura oriental, quando o grupo foi até a Índia atrás dos ensinamentos de um guru indiano, o Maharishi Mahesh Yogi. O que ninguém esperava era que George iria trazer o som da Índia para dentro dos discos dos Beatles. No começo houve uma certa resistência de Paul em colocar a música dentro do álbum. Era estranha demais para os ouvidos dos ocidentais, dos fãs dos Beatles. Depois cansado das brigas com Harrison, finalmente cedeu. A música serve de certa maneira como uma forma de enriquecimento cultural maior dos trabalhos dos Beatles, mas Paul tinha razão em dizer que ela não deveria ter entrado no disco. Teria sido bem melhor que George Harrison a tivesse lançado em um single solo, até mesmo porque ele foi o único Beatle a participar da gravação. Todos os demais, por questões óbvias, ficaram de fora. Ninguém sabia tocar aqueles estranhos instrumentos musicais indianos.

5. Here, There and Everywhere (Lennon / McCartney) - Bom, o que não poderia faltar em um bom disco dos Beatles nos anos 60 era uma bela e romântica balada. Invariavelmente essas lindas canções de amor eram compostas por Paul McCartney. Aqui não houve exceção. "Here, There and Everywhere" fazia jus a esse legado. Uma das melodias mais bonitas compostas por Paul. Ele a criou em homenagem à sua namorada na época, a ruivinha Jane Asher. Todos os Beatles acreditavam que Paul um dia iria se casar com Jane. Eles estavam juntos há muito tempo e ela foi a fonte de inspiração de algumas das melhores músicas de amor de Paul. John vivia provocando Paul, querendo saber quando seria o dia do casamento pois ele estava cansado de ser o único Beatle casado! Curiosamente Jane e Paul romperiam alguns anos depois. "Uma surpresa e tanto, pensei que eles iriam se casar!" - resumiria depois John em uma entrevista. Pelo menos as ótimas canções românticas que embalaram esse romance sobreviveram ao tempo.

6. Yellow Submarine (Lennon / McCartney) - Até hoje ninguém sabe ao certo quem teve a ideia de compor uma música psicodélica chamada "Yellow Submarine". Pelo tema de fantasia poderíamos dizer que foi Paul, mas as contribuições de John Lennon também não foram poucas. O que se sabe com certeza é que todo álbum dos Beatles, desde o primeiro, tinha que trazer uma música mais simples para ser cantada pelo baterista Ringo Starr. O próprio John explicaria isso ao dizer: "Eu e Paul sempre fazíamos alguma música para Ringo cantar. Ele não era o melhor cantor do mundo, então as músicas dadas a ele eram as mais simples!". Bom, olhando para o resultado final podemos dizer que esse nem foi bem o caso da música. "Yellow Submarine" foi intensamente trabalhada por Paul, John e George Martin dentro dos estúdios. Tudo para criar aquela sonoridade única que ouvimos, algo parecido com um desenho animado segundo a opinião de Paul. O curioso é que de fato ela iria virar uma animação futuramente, mas na época em que foi gravada ninguém realmente pensava que isso iria acontecer. Era apenas mais uma faixa do "Revolver" que fugia completamente dos padrões do que os Beatles tinham gravado antes.

7. She Said She Said (Lennon / McCartney) - Para o álbum "Revolver" John Lennon parecia estar mesmo muito inspirado. Tanto que ele iria trazer outra "pauleira" para ser gravada. A música se chamava apenas "She Said She Said". Ao contrário de "Tomorrow Never Knows" essa já estava praticamente feita quando John a apresentou aos demais membros da banda. Ele havia gravado uma fita demo e tudo já estava ali, sem precisar trabalhar muito nela. Mais uma vez a presença do produtor George Martin se mostrou vital. Ele sugeriu a John que aumentasse a distorção das guitarras, já que ele queria um rock bem ao velho estilo. O resultado saiu melhor do que o esperado. A composição surgiu de uma conversa entre John e Peter Fonda. A inspiração obviamente veio do LSD, o ácido lisérgico, que ia se tornando cada vez mais popular. John e Paul não se deram muito bem durante as gravações. Eles discordaram muito sobre como a música deveria ser gravada. Paul queria mais melodia, enquanto John queria um som bem mais cru. Como não chegaram a um acordo satisfatório, Paul resolveu abandonar sua participação na música. John então pediu a George Harrison que tocasse o baixo. Isso demonstrava que o stress e as brigas entre John e Paul já vinha de algum tempo. Algo que iria destruir o grupo em alguns anos.

8. Good Day Sunshine (Lennon / McCartney) - "Good Day Sunshine" era outra boa composição de John Lennon. Aliás se formos analisar bem veremos que o último álbum de grande colaboração de John na seleção musical havia sido mesmo o "Revolver". Depois dele o próprio John admitia que havia entrado numa fase de pasmaceira criativa, onde ele geralmente chegava sem canções finalizadas dentro do estúdio, precisando da ajuda dos demais Beatles para completar aquelas ideias inacabadas, muitas vezes sendo apenas trechos e esboços de músicas, tudo sem arte final. A letra, composta ao piano, parecia em uma primeira audição bem bobinha. John porém queria criticar exatamente a chatice da vida das pessoas, todas embaladas por sonhos de consumo medíocres, como se fossem grande coisa.

9. And Your Bird Can Sing (Lennon / McCartney) - "And Your Bird Can Sing" também fugia do lugar comum. Aqui John Lennon quis dar uma espécie de resposta para a faixa anterior de Paul, também com um arranjo diferente. Porém ao contrário de Paul, John não quis deixar as guitarras debaixo da cama. Ao contrário disso as deixou em primeiro plano, em excelentes solos que iam se revezando ao longo de toda a faixa. Curiosamente o principal parceiro de John na elaboração dessa música dentro do estúdio não foi Paul McCartney, mas sim George Harrison. Afinal ambos eram os guitarristas da banda, então era natural que eles se sentassem para escrever juntos as linhas de melodia que iriam usar. Apesar disso, da intensa colaboração de Harrison, a música acabou sendo creditada, mais uma vez, como uma criação de Lennon e McCartney, apesar da participação de Paul ter sido mínima.

10. For No One (Lennon / McCartney) - Paul também foi o criador de outro momento sublime do álbum. A música se chamava "For No One". Assim como aconteceu com "Eleanor Rigby", Paul e o produtor e maestro George Martin sentaram para discutir como seria gravada essa linda balada. Usar os instrumentos básicos dos Beatles (guitarras, baixo e bateria) parecia soar banal demais para Paul McCartney. Ele queria algo mais erudito, mais clássico. Assim Paul dispensou as participações de John Lennon e George Harrison. Ao invés deles Paul trouxe para o estúdio o músico Alan Civil. Dos demais Beatles apenas Ringo compareceu fazendo uma percussão bem mais sutil. A letra foi mais uma vez inspirada no relacionamento de Paul com Jane Asher. Paul descrevia pequenos detalhes que revelavam como o namoro entre eles estava chegando ao fim. Uma grande composição de Paul McCartney, sem dúvida.

11. Doctor Robert (Lennon / McCartney) - É a tal coisa, se tivesse que escolher o melhor rock do álbum "Revolver" certamente apontaria para a canção "Doctor Robert". Essa canção, como diria John Lennon anos depois, tinha realmente um grande pulso, uma grande pegada! A letra foi composta por John durante a excursão americana dos Beatles. A letra era meio enigmática, porém a ligação com as drogas que os Beatles estavam consumindo na época era bastante óbvia! E afinal quem era o tal Doutor Robert citado na letra? John costumava dizer que era ele mesmo, assim apelidado pelos demais Beatles por estar sempre com todas as pílulas na mão! Se algum membro da banda quisesse tomar alguma droga, já sabia, deveria procurar por Doutor Robert, ou seja, Lennon, que guardava as drogas com ele. Ele costumava andar com uma pequena maletinha onde guardava as substância químicas ilegais. Outros porém dizem que Lennon quis preservar a identidade do verdadeiro Dr. Robert, que seria na verdade o médico Robert Freymann, que vendia prescrições médicas falsas para os figurões do mundo da música em Londres. Era uma espécie de traficante travestido de médico!

12. I Want to Tell You (Harrison) - Por falar em George Harrison ele também trouxe suas próprias composições para o disco. Uma delas foi "I Want to Tell You". Nessa todos os Beatles estavam presentes. No começo Paul não gostou muito da melodia e disse a George que era necessário trabalhar mais na música antes de gravá-la. Era precisa escrever mais algumas linhas de melodia, acrescentar mais notas musicais, mas Harrison recusou a ajuda de Paul. No final a música foi gravada do jeito que George queria, embora ao ouvi-la se chegue na conclusão de que Paul McCartney realmente tinha razão. A música parece não ir para lugar nenhum, exagerando no uso e abuso do refrão, algo que no final das contas se torna até mesmo cansativo.

13. Got to Get You into My Life (Lennon / McCartney) - O álbum "Revolver" foi de fato o primeiro a romper completamente com aquela sonoridade dos primeiros discos dos Beatles. Não havia mais necessidade de seguir uma determinada fórmula comercial à risca. Ao contrário disso eles queriam mesmo arriscar, sondar novos territórios musicais. Em "Got to Get You into My Life" Paul quis recriar o som da gravadora negra Motown, Por isso pediu a George Martin que ele providenciasse um arranjo com muitos metais. Praticamente foi dispensada a formação clássica de instrumentos dos Beatles. Guitarras e baixo foram colocados em segundo plano. O destaque ficou concentrado mesmo apenas naquele tipo de som que ficaria muito adequado em um lançamento da gravadora de Detroit.

14. Tomorrow Never Knows (Lennon / McCartney) - A obra prima de John Lennon em "Revolver" foi justamente essa estranha (para a época)  "Tomorrow Never Knows". Para muitos especialistas em rock essa canção foi o verdadeiro marco zero no que viria a ser depois chamado de Rock Psicodélico. Quando John entrou em Abbey Road pela primeira vez com o esboço da letra dessa música ele não tinha exatamente ideia do que ela iria se transformar. Ao lado do maestro e produtor George Martin ele passou dias, horas e mais horas de estúdio, tentando reproduzir o tipo de sonoridade que ele procurava. John queria que George Martin recriasse o som que ele definia como a de uma fita de gravação sendo rebobinada. Algo inédito na época. Depois de muitas tentativas e erros finalmente a gravação foi finalizada, se tornando a primeira grande experimentação musical dos Beatles em sua discografia. Não havia mais limites a respeitar em termos de criatividade dentro dos estúdios.

The Beatles - Revolver (1966) - John Lennon (vocais, guitarra, violão e piano) / Paul McCartney (baixo, violão, piano e bateria) / George Harrison (vocais, violão, guitarra) / George Harrison (vocais, guitarra, violão) / Ringo Starr (vocais, bateria) / Jurgen Hess (violino) / Tony Gilbert (violino) / Sidney Sax (violino) / John Sharpe (violino) / Stephen Shingles (viola) / John Underwood  (viola) / Derrick Simpson (Cello) / Norman Jones (Cello) / George Martin (Órgão, piano, backing vocals) / Geoff Emerick (backing vocals) / Mal Evans (backing vocals, bumbo) / Neil Aspinall (backing vocals) / Brian Jones (backing vocals, efeitos sonoros) / Marianne Faithful (backing vocals) / Alan Civil (Trompa) / Peter Coe (Sax Tenor) / Eddie "Tan Tan" Thornton (trompete) / Alan Branscombe (Sax Tenor) / Les Conlon (Trompete) / Ian Hammer (Trompete) / Data de gravação: 6 de Abril a 21 de junho de 1966 / Local de gravação: Abbey Road Studios, Londres / Data de Lançamento: 5 de agosto de 1966 / Produção: George Martin.  

Pablo Aluísio.

Paul McCartney - Tug of War (1982)

Paul McCartney - Tug of War (1982)
Após a separação dos Beatles, Paul McCartney resolveu formar seu próprio grupo musical. Assim ele reuniu o músico Denny Laine e sua esposa Linda McCartney e fundou o Wings. Paul passaria praticamente toda a década de 70 promovendo o conjunto mas no começo dos anos 80 resolveu encerrar suas atividades. A partir daí ele próprio assinaria seus discos, assumindo definitivamente uma carreira solo. Tug Of War seria assim seu próximo projeto estritamente pessoal desde McCartney II em 1980. Porém ao contrário desse primeiro disco nos anos 80, que foi extremamente experimental, Paul iria desenvolver um disco bem mais produzido e feito para fazer bonito nas paradas. Para tanto chamou o produtor dos Beatles, George Martin, para conduzir as gravações. Paul tinha claras ambições de voltar a reconduzir sua carreira para o caminho do grande sucesso. Com Martin ao seu lado, Paul conseguiu produzir aquele que, muito provavelmente, foi seu melhor trabalho musical nos anos 80, Tug Of War. Além da presença marcante de George Martin, Paul resolveu escalar um grupo de excelentes músicos para lhe acompanhar no projeto. Assim ele convidou Steve Wonder para participar (e dividir a autoria) em dois belos momentos do disco: What's That You're Doing? e Ebony and Ivory, essa última lançada em single de grande sucesso. Para homenagear suas raízes musicais trouxe o lendário cantor da Sun Records, Carl Perkins e com ele gravou uma das faixas mais deliciosas de Tug Of War, Get It. Stanley Clarke, famoso músico de jazz também se uniu ao grupo que ficou completo com a participação muito especial do ex-Beatle Ringo Starr. Como o disco foi gravado meses após a trágica morte de John Lennon, Paul resolveu homenagear seu antigo amigo e parceiro musical na linda faixa Here Today. A faixa título traria uma temática que seria depois desenvolvida no próximo trabalho de McCartney, Pipes Of Peace, e Ballroom Dancing se tornaria uma das mais conhecidas (e dançantes) faixas de toda a carreira de McCartney. Completando o LP, Paul ainda emplacou aquela que está entre algumas de suas mais bonitas melodias, Wanderlust. Em suma o disco é ótimo em qualquer aspecto que se analise. Com ele Paul foi logo aclamado pela crítica e pelo público, fazendo com que o álbum logo se tornasse o mais vendido nas principais paradas musicais do mundo, como a Billboard e a NME (em ambas Tug Of War chegaria ao primeiro lugar). Esse grande sucesso comercial acabou colocando Paul em contato com Michael Jackson, que naquele mesmo ano desenvolvia seu fenomenal disco Thriller. Paul até mesmo participaria do disco do astro na faixa The Girl Is Mine e no ano seguinte lançaria um single ao lado de Michael, Say, Say, Say, mas essa é uma outra história...

Tug of War (Paul McCartney) - Linda canção tema desse que considero um dos grandes discos da carreira solo de Sir Paul McCartney. Aqui temos mais um exemplo do grande trabalho de arranjo e orquestra por parte do maestro George Martin. É interessante notar que Paul continuou a trabalhar com ele após o fim dos Beatles. Isso trouxe muita qualidade para os trabalhos solos do cantor, ao contrário de John Lennon, por exemplo, cujos discos gravados após o final dos Beatles sempre foram criticados por causa dos arranjos simples, sem muita sofisticação. A falta de George Martin era sempre realçada e lembrada quando qualquer novo álbum do ex-beatle chegava nas lojas. A melodia de "Tug of War" é até simples. Embora seja uma faixa onde a parte orquestral é sentida desde o primeiro segundo, o fato é que Martin e Paul chegaram na conclusão que sua simplicidade - como o inicial acompanhamento de violão, onde foi composta - deveria ser mantida. Em cima disso toda a orquestral seria construída, sem nunca porém se sobressair ao seu refrão singelo, diria até naturalista. A letra também é destaque porque é aberta a todo tipo de interpretação. Estaria Paul falando de um cabo de guerra dentro de um relacionamento, onde o casal acaba se vendo em uma disputa por poder e controle, ou ao contrário Paul estaria se referindo a um aspecto maior, envolvendo toda a sociedade humana como um todo? Ambas as formas de entender a canção são válidas. Em suma, mais uma bela composição do gênio Paul, sempre surpreendendo a cada novo álbum.

Take It Away (Paul McCartney) - Muito bem. Dando sequência aos textos sobre esse excelente disco de Paul McCartney (desde sempre um dos meus preferidos em sua discografia), vamos tecer alguns comentários sobre essa canção "Take It Away". Como era praxe nos álbuns de Paul durante os anos 80, ele sempre escolhia duas ou três músicas que se tornariam os "cavalos de batalha" do disco, ou melhor dizendo, as canções de trabalho, como se diz no Brasil. Eram as músicas que deveriam fazer sucessos nas rádios, puxando as vendas do álbum. Também como era comum desde o começo, Paul lançava essas faixas, que ele acreditava ter mais potencial para o sucesso nas rádios, em singles. Tudo acompanhado de um bom clipe musical para ser exibido na TV e isso, percebam bem, antes do surgimento do canal MTV, que era em seu começo especializado na exibição desse tipo de vídeo promocional, algo que foi muito difundido por Michael Jackson justamente a partir dessa época, no comecinho dos anos 80. Por falar em clip esse era quase uma paródia dos próprios Beatles. Paul aparecia ao lado de seu grupo musical (Ringo, Linda e George Martin!) como se fossem membros de um conjunto bem no começo da carreira. Depois surge um empresário (interpretado pelo ator John Hurt) que os eleva para o sucesso máximo. Claro que tudo de forma bem rápida e instantânea. Esse clip é curioso por algumas coisas, entre elas o fato de que visualmente tudo é muito colorido, plastificado, como era comum nos anos 80. Já o single (com "I'll Give You a Ring" no lado B), lançado em junho de 1982, conseguiu alcançar o Top 10 da parada de sucessos da revista Billboard, se tornando assim o primeiro grande hit do álbum, demonstrando o grande potencial comercial do disco que acabaria se transformando em um grande sucesso de vendas.

Somebody Who Cares (Paul McCartney) - "Somebody Who Cares"é uma balada ao estilo voz e violão que conquista o ouvinte por causa de sua simplicidade. Poderia ter sido gravada pelos Beatles em sua primeira fase. Não há maior sofisticação em seu arranjo e talvez essa seja sua principal qualidade. A vocalização é ao estilo Wings, inclusive com Linda McCartney no coro. Paul ainda inseriu um instrumento não muito comum em seus discos, a flauta doce, que aparece em determinado momento da canção. O destaque instrumental porém vai para o violão - tocado pelo próprio Paul que depois explicaria que havia composto a música na praia, quando estava passando férias nas Bahamas. Por isso a simplicidade de um luau. O resultado é dos melhores, sem dúvida.

What's That You're Doing? (Paul McCartney) - Já "What's That You're Doing?" tem a marca característica do som da Motown. Também pudera, essa é uma parceria - tanto na composição como no vocais, entre Paul McCartney e Stevie Wonder, o garoto maravilha da Motown. Para falar a verdade essa canção é, se pudesse dizer em termos percentuais, oitenta por cento Stevie Wonder e apenas vinte por cento Paul McCartney. A batida, o arranjo, a letra, tudo nos remete aos discos de Wonder. Curioso perceber como Paul abriu mão de sua sempre conhecida força dentro dos estúdios em prol do convidado Stevie Wonder. Em termos gerais ele virou coadjuvante em seu próprio disco, vejam só! No geral é uma ótima faixa, extremamente bem gravada (o velho perfeccionismo de Paul se fez presente de novo), porém com as portas abertas para que Wonder deitasse e rolasse em seus próprios termos. Poucas vezes em sua carreira Paul abriu tanto espaço para outro artista como aqui. Ele o faria de novo, com Michael Jackson, no disco que viria, mas essa é obviamente uma outra história.

Here Today (Paul McCartney) - A morte de John Lennon foi um choque em todo o mundo. Agora imagine para Paul McCartney que foi seu amigo mais próximo desde quando era apenas um mero adolescente em Liverpool. É verdade que o fim dos Beatles abalou muito a amizade entre ambos. Houve até processos judiciais entre eles, principalmente envolvendo a gravadora e empresa Apple, que foi um desastre comercial de proporções épicas. Eles não eram homens de negócios, mas músicos e quando tudo deu errado começou o jogo de culpas, um culpando o outro pelo fracasso. Coisas ásperas foram ditas e John e Paul ficaram anos sem se falar - nem por telefone! Segundo o próprio Paul meses antes de John morrer eles voltaram a se falar e as velhas mágoas pareciam superadas. Paul ligava constantemente para John em Nova Iorque e chegou a visitá-lo em seu apartamento na cidade. Enfim, não era mais a bela amizade da juventude, mas havia uma pequena luz de aproximação entre eles. E então quando as coisas começavam a melhorar veio o desastre. John Lennon foi assassinado brutalmente por um louco na frente do Dakota. A ficha para Paul demorou a cair e só dois anos depois, no maravilhoso álbum "Tug Of War" ele resolveu homenagear o velho amigo de banda. Assim foi escrita "Here Today", uma canção simples, de arranjo bem modesto, quase violão e voz, mas que trazia um grande sentimento em sua melodia e letra. Um dos mais belos momentos da carreira solo de Paul McCartney e uma canção à altura da genialidade musical de seu parceiro de longos anos.

Ballroom Dancing (Paul McCartney) - Algumas coisas são bem interessantes na obra solo de Paul. Ele sempre disse que tinha atração muito especial pela década de 1920 e sua sonoridade. Isso foi uma herança de seu pai que também era músico e chegou a ter um grupo vocal no passado. Assim Paul acabou desenvolvendo uma grande cultura musical, passada principalmente por James McCartney, o seu velho. É até divertido o depoimento do pai de Paul recordando da primeira vez que ouviu os Beatles em sua própria casa. Na época o grupo era na verdade apenas um bando de adolescentes que não acertavam muitas notas e não tinham qualquer tipo de experiência. Anos depois James diria: "Eles eram completamente horríveis, mas com o tempo fui percebendo que eles melhoraram muito. Um dia cheguei em casa e tive uma surpresa ao ver como estavam bons com seus instrumentos". Com a morte da mãe de Paul, ainda muito jovem, e com seu pai trabalhando o dia todo fora, a casa de Paul acabou virando o primeiro "estúdio" de ensaio dos jovens Beatles. Pois bem, em 1982 Paul resolveu gravar esse sua antiga composição, "Ballroom Dancing", que lembrava justamente os anos 20. Essa foi uma das faixas que mais exigiram a atenção de Paul dentro do álbum "Tug of War". Uma pequena orquestra foi contratada para dar a sonoridade de uma velha banda de bailes. Ao lado do produtor e amigo George Martin (sim, o gênio por trás dos melhores discos dos Beatles), Paul escreveu um dos melhores arranjos de sua carreira solo. A letra era completamente nostálgica, louvando o clima e a musicalidade dos grandes bailes de salão e dança da velha Inglaterra. Paul sempre teve um carinho muito especial por essa gravação, a tal ponto que a usaria novamente (com nova gravação em estúdio) para usar na trilha sonora de "Give My Regards to Broad Street", dois anos depois. Em termos técnicos não há o que criticar. É realmente um trabalho primoroso.

The Pound Is Sinking (Paul McCartney) - Bom, se você ainda tinha dúvida sobre o fato de Paul McCartney ser um excelente e astuto homem de negócios, que tal ouvir essa faixa fora do comum do disco "Tug of War"? Embora o ritmo e a melodia sejam bem no estilo de Paul, sua letra é completamente surreal e incomum. Na verdade até hoje não sei aonde McCartney estava com a cabeça quando escreveu esses versos. Vou além, se formos prestar bem a atenção notaremos que provavelmente a canção seja a fusão de duas músicas diferentes, com duas letras bem diversas. Na primeira estrofe Paul faz um joguete com as principais moedas do mundo (Libra esterlina britânica, Marco alemão e o Dólar americano, entre outras). Em tempos pré-União europeia, Paul parece se divertir em sair nomeando todas elas em uma canção, mostrando a oscilação do mercado mobiliário de valores (não disse que ele era um business man?... pois é...). Depois dessa introdução singular Paul começa a tecer pensamentos sobre um relacionamento em crise. Inicialmente ele começa a relembrar o passado com quem está falando. Os anos que se foram voltam à tona. Então, seguindo em frente, o bom e velho Paul conclui tudo o que tenta dizer usando uma máxima do Darwinismo social que diz: "Apenas os fortes sobrevivem"! Depois disso, sem maiores explicações, fecha a canção de maneira um pouco precipitada! Fez muito sentido para você? Estranho realmente. A conclusão que chegamos é que Sir Paul McCartney quis fazer uma analogia entre o mundo do capitalismo e o mundo dos relacionamentos e sentimentos humanos. O resultado ficou apenas surreal e diferente (bem diferente!). O melhor mesmo dessa canção é sua melodia. George Martin criou efeitos parecidos com a de moedas caindo ao chão em sua introdução. Depois entra a harmonia. O arranjo ora é simples (com violão despojado), ora lembra os melhores rocks da fase Wings. Uma montanha russa melódica que sempre gostei bastante. Paul que sempre foi um compositor realmente criativo demonstra nessa faixa que não há limites para quem procura sempre por algo mais inovador.

Wanderlust (Paul McCartney) - Em poucas palavras: adoro "Wanderlust", Aliás é uma das minhas preferidas nesse disco. Eu gosto de dizer que Paul McCartney foi um dos mais brilhantes compositores de baladas de todos os tempos. Quando ele se viu distante das críticas e amarras de John Lennon, que sempre estava falando mal de suas canções de amor, as coisas ficaram ainda melhores. Provavelmente se ainda tivesse nos Beatles Paul seria soterrado por ironias ácidas por parte de John se aparecesse no estúdio com uma música como "Wanderlust", mas como esse tempo já havia passado, John já estava morto e ele já se considerava seguro de si em sua carreira solo não houve maiores problemas em gravar essa faixa. Além da boa letra (nada demais, porém evocativa), a canção ainda se sobressaiu pelo ótimo arranjo. Paul sempre afirmou em entrevistas que suas canções soavam diferentes, se compostas no piano ou no violão. Para compor as músicas do álbum "Tug of War" Paul mandou instalar um belo piano de calda em sua casa de praia nas Bahamas. Uma foto desse lugar inclusive aparece na capa interna do vinil original lançado em 1982 (pois é, eu ainda tenho uma cópia até hoje!). Como as músicas foram criadas em sua grande maioria nesse piano podemos perceber claramente sua riqueza em termos de melodia e escala. "Wanderlust" assim se tornou mais uma bela balada da discografia de Paul, tão boa que ele resolveu gravar uma outra versão para aparecer na trilha sonora do filme "Give My Regards to Broad Street", quatro anos depois de sua gravação original. Em suma, temos aqui outro ponto alto desse LP que é realmente um dos melhores da discografia solo do genial ex-Beatle. Excelente mesmo.

Get It (Paul McCartney) - Uma das melhores faixas desse álbum "Tug of War" de Paul McCartney é essa canção chamada "Get It" que ele gravou em dueto com o cantor e compositor Carl Perkins. Paul, como todos sabemos, sempre foi um fã declarado da geração de inigualáveis roqueiros que surgiram na pequenina gravadora Sun Records de Sam Phillips em Memphis. Foi nesse estúdio acanhado e quase amador que gravaram pela primeira vez verdadeiros gênios e ícones da primeira geração do rock americano como Elvis Presley, Jerry Lee Lewis, Johnny Cash e, é claro, Carl Perkins. Esse ídolo da Sun foi inclusive o autor de um dos maiores hits da carreira de Elvis, "Blue Suede Shoes". Assim quando pintou a chance em 1982 para Paul trabalhar com Perkins ele não deixou a oportunidade passar em branco. Paul queria acima de tudo homenagear esse seu verdadeiro ídolo de sua juventude. Ao aceitar cantar com Paul, esse logo organizou a viagem de Perkins para a Inglaterra, pois Paul queria que ele gravasse no lendário estúdio Abbey Road ao lado de George Martin, o famoso produtor dos Beatles, que também estava trabalhando com Paul em "Tug of War" e que também tinha grande vontade de trabalhar ao lado de Perkins. O resultado foi inesquecível. O curioso de tudo é que Paul resolveu fazer uma gravação bem acústica, onde ouvimos praticamente apenas ele e Perkins tocando seus respectivos violões. Nada de sofisticado ou muito super produzido. Em entrevistas Paul explicou que queria recriar um pouquinho a sonoridade da Sun Records, onde todos aqueles seus ídolos do passado estiveram. Assim nada de orquestrações ou coisas do tipo. Apenas voz, violão e muita descontração. Inclusive o próprio Paul resolveu deixar na edição final do disco uma gostosa risada de Perkins que ele deu logo após o fim da gravação. Não poderia terminar melhor esse dueto realmente histórico. Foi a única vez que Paul McCartney e Carl Perkins trabalharam juntos pois o grande rockstar da Sun Records morreria poucos anos depois, com apenas 65 anos de idade. Uma grande perda para a história do rock certamente. Seu ótimo dueto com Paul porém sempre será eterno no repertório desse excelente disco.

Be What You See (Link) / Dress Me Up as a Robber (Paul McCartney) - Sempre associei muito "Dress Me Up As A Robber" à fase Wings de Paul. Apesar de tecnicamente "Tug Of War" ser um álbum solo de Paul, quando ele definitivamente já tinha abandonado a ideia do grupo Wings, o fato é que velhas composições daquela época que Paul ainda não havia gravado vieram à tona novamente. Essa faixa deveria ter entrado em "McCartney II", mas Paul sabiamente quis deixá-la fora daquele disco, caracterizado pela som mais fora do comum, experimental. No meio de tantas "maluquices" não convinha enfiar uma canção como essa, que tinha um sabor de balada antiga. Já que "Dress Me Up As A Robber" tinha uma linha melódica mais tradicional, Paul resolveu que iria trabalhar melhor na canção depois. Quando voltou aos estúdios para trabalhar ao lado de George Martin em "Tug of War" Paul chegou na conclusão que havia chegado a hora de trabalhar melhor a música. Ele trouxe a composição para Martin em Abbey Road e ambos começaram a discutir seu arranjo. O resultado mais uma vez se mostrou excelente. Curiosamente a gravação começa com uma guitarra forte, solada. Depois ela ganha um balanço bem agradável, puro swing, com Paul vocalizando como se estivesse em um disco de sua banda Wings. Esse tipo de melodia me lembra também dos discos de Marvin Gaye da época, por volta do começo dos anos 1980. George Martin criou um arranjo soul, intercalado com um belo solo de violão ao estilo ibérico. Nada mal. Depois Paul faz contra-voz de sua própria vocalização. E assim como começa, as guitarras vão pontuando toda a música, preparando o terreno para o grande sucesso comercial do disco, a ótima "Ebony and Ivory". A dupla McCartney & Martin pelo visto ainda funcionava extremamente bem.

Ebony and Ivory (Paul McCartney) - O grande sucesso nas rádios do álbum "Tug of War" de 1982 foi a canção "Ebony And Ivory". Seu single foi um dos grandes campeões de vendas naquele ano, sucesso que inclusive se repetiu no Brasil. Quando Paul resolveu deixar de lado o projeto do grupo Wings ele decidiu que iria se lançar apenas como artista solo, sem a necessidade de dividir a autoria e o nome de seus álbuns com um conjunto. Depois de mais de dez anos do fim dos Beatles, Paul finalmente parecia pronto para se assumir como um cantor e compositor solo. Isso porém não significaria que ele iria trabalhar sozinho pelo resto de sua carreira. Uma boa ideia seria convidar outros astros para cantar e tocar ao seu lado. Um dos primeiros convidados foi o cantor Stevie Wonder. Paul admirava seu trabalho desde os tempos em que Wonder era apenas um jovem contratado do selo Motown. Com o passar dos anos sua admiração só aumentou. Quando os Wings acabaram, Paul decidiu convidar Stevie para ir até Londres, trabalhar lado a lado em seu novo disco. Inicialmente eles tinham planejado a gravação de duas faixas, sendo "Ebony And Ivory" a primeira delas. O tema da letra é bem óbvio, uma analogia entre as teclas de um piano (onde vivem em harmonia teclas brancas e negras) e a própria sociedade, onde homens brancos e negros também poderiam viver em paz, sem conflitos raciais. A letra poderia até parecer um pouco pueril demais, mas obviamente foi salva por suas boas intenções. Também se sobressai a linda harmonia composta por Paul McCartney, um verdadeiro gênio nesse tipo de balada. Enfim, um ótimo momento da discografia do mais talentoso ex-beatle.

Tug Of War - Paul McCartney / Data de gravação: Outubro de 1980 a Setembro de 1981 / Local de Gravação: Abbey Road Studios, Londres / Produtor: George Martin / Músicos: Paul McCartney (vocais, violão, guitarra, piano), Steve Wonder (vocais, teclados), Denny Laine (guitarra), Eric Stewart (guitarra), Ringo Starr (bateria), George Martin (piano), Linda McCartney (órgão), Stanley Clark (baixo), Carl Perkins (violão), Adrian Shepard (bateria).

Pablo Aluísio.

sábado, 23 de dezembro de 2017

Filmes no Cinema - Edição XVII

Aos poucos, ainda muito lentamente, os cinemas vão retomando suas programações. Conforme a vacinação for avançando a tendência é a normalização das estreias e sessões regulares. Nessa semana teremos a estreia de apenas dois filmes no Brasil. "Dente por Dente" é uma produção nacional que conta a história de um sócio que descobre que seu parceiro de negócios está envolvido em um perigoso esquema do crime organizado. O filme é dirigido pela dupla Júlio Taubkin e Pedro Arantes e conta no elenco com Paolla Oliveira, Juliano Cazarré e Paulo Tiefenthaler. A outra estreia da semana é uma produção europeia chamada "Minha Irmã". A talentosa atriz Nina Hoss interpreta a esposa de um professor que decide voltar para sua cidade natal para ajudar seu irmão que foi diagnosticado com leucemia. Com direção de duas cineastas (Véronique Reymond e Stéphanie Chuat), esse drama europeu ainda traz no elenco Lars Eidinger e Marthe Keller.

E entre os filmes em cartaz se destacam algumas produções. "Mulher-Maravilha 1984" continua em exibição na maioria das salas de cinema no Brasil. O filme não teve boa recepção nem da crítica e nem do público. A diretora Patty Jenkins foi bastante criticada por trazer um filme com roteiro sem foco e considerado até mal realizado por muitos que o assistiram. Até os fãs de quadrinhos reclamaram bastante. O filme também não convenceu nas bilheterias, faturando apenas 37 milhões de dólares dentro do mercado americano. No mercado internacional foi bem melhor, chegando perto dos 150 milhões. Porém mesmo com esses números o filme ainda não conseguiu se pagar.

"Legado Explosivo", dirigido por Mark Williams, traz novamente o ator Liam Neeson como herói de filmes de ação (sim, ele não desiste!). O filme havia sido colocado em toque de espera até o fim da pandemia, mas como essa ainda não acabou, o estúdio, para evitar maiores prejuízos finaneiros, decidiu lançar nos cinemas mesmo no meio dessa crise que o mundo vive. E como era de esperar a bilheteria foi pequena, com pouco mais de 14 milhões arrecadados dentro do mercado americano e 30 milhões no mercado internacional. Essa produção vai tentar recuperar seu investimento dentro do mercado de streaming.

Outra produção que segue em cartaz nos cinemas brasileiro é o dark e sombrio "Pinóquio". Dirigido pelo cineasta Matteo Garrone, esse filme passa longe da animação infantil da Walt Disney e procura encontrar um caminho mais de acordo com o conto original, que tinha passagens completamente fora da curva, com momentos até mesmo assustadores. Não é recomendado para crianças. Em breve irei publicar resenha em nosso blog.

Pablo Aluísio.

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

A Primeira Noite de um Homem

Esse filme é considerado um dos grandes clássicos do cinema americano dos anos 1960. Curiosamente levei algum tempo para assistir. Eu me lembro que esse filme foi lançado no Brasil nos tempos do VHS pela Globo Vídeo. Vira e mexe o via na prateleira da locadora, mas nunca cheguei a assistir na época. Só mais recentemente finalmente conferi. A história do filme é até bem conhecida dos cinéfilos (e o sugestivo título em português ajuda a entender melhor do que se trata). Tudo começa quando Benjamin (Dustin Hoffman) finalmente se forma na universidade. Com canudo na mão é a hora de pensar no futuro! O que fazer da vida? Bom, Benjamin não tem a menor ideia do rumo a seguir, essa é a verdade. Enquanto ele não faz plano nenhum (e passa mico nas mãos de seus pais que são pessoas sem muita noção), acaba sendo seduzido por uma mulher mais madura e sensual, a Senhora Robinson (Anne Bancroft).

Ela pede carona a Ben e quando chega em casa literalmente parte para o ataque. Sem muita sutileza, sem muita perda de tempo. Simplesmente abre o jogo e tenta levar o jovem para a cama. Claro que ele declina e fica nervoso, ainda mais quando o marido dela chega em casa. Só que sendo um homem, bom, você já sabe, logo sucumbe à tentação, por mais errado que seja levar aquela mulher para a cama. Ele não perde muito tempo e logo liga para a senhora Robinson para um encontro em um hotel da cidade. E depois daí começam todos os seus problemas, que definitivamente não serão poucos. Uma coisa que chama a atenção nesse filme é sua narrativa, que de certa forma procura imitar a falta de jeito do protagonista, um sujeito que parece sempre estar meio constrangido, até mesmo um pouco atrapalhado. A trilha sonora - ainda uma das grandes qualidades dessa produção - é toda da dupla Simon & Garfunkel e a não ser que você não conheça absolutamente nada de música dos anos 60, vai imediatamente assoviar todas as melodias. "Mrs. Robinson" e "The Sounds of Silence" são grandes sucessos da dupla. Ainda hoje verdadeiros hinos daquela geração.

O filme é muito simpático e tem um roteiro muito coeso, diria até bem inovador para aquela época. Afinal tratar da infidelidade de uma mulher madura com um fedelho recém saído da universidade era algo até bem surpreendente, pois mexia com tabus que até hoje se fazem presentes na sociedade. O único deslize do roteiro é a cena final, que de certa maneira revive velhos clichês das fitas românticas da velha Hollywood. Isso porém não chega a ser um problema pois quando o filme chega nessa parte final o jogo já está ganho. O espectador já se divertiu o bastante e gostou de todo o desenvolvimento da história. Então é isso. Um excelente momento do cinema folk americano, com um Dustin Hoffman bem novinho, passando por alguns apertos por ter se relacionado com a senhora Robinson!

A Primeira Noite de um Homem (The Graduate, Estados Undos, 1967) Direção: Mike Nichols / Roteiro: Calder Willingham, Buck Henry/ Elenco: Dustin Hoffman, Anne Bancroft, Katharine Ross / Sinopse: Benjamin (Hoffman) é um jovem recém formado na universidade que volta para a casa dos pais sem saber direito o que fará de sua vida dali em diante. Após um jantar ele atende o pedido da esposa do sócio de seu pai, a senhora Robinson (Bancroft), para levá-la para casa. Uma vez lá ela o seduz, de forma direta, algo que vai trazer muitos problemas para Ben! Filme vencedor do Oscar na categoria de Melhor Direção (Mike Nichols). Também vencedor do Globo de Ouro nas categorias de Melhor Ator (Dustin Hoffman), Melhor Atriz Coadjuvante (Katharine Ross), Melhor Direção (Mike Nichols), Melhor Atriz (Anne Bancroft) e Melhor Filme - Comédia ou Musical.

Pablo Aluísio.

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Maria Antonieta

Título no Brasil: Maria Antonieta
Título Original: Marie Antoinette
Ano de Produção: 1938
País: Estados Unidos
Estúdio: Metro-Goldwyn-Mayer (MGM)
Direção: W.S. Van Dyke
Roteiro: Claudine West, Donald Ogden Stewart
Elenco: Norma Shearer, Tyrone Power, John Barrymore
  
Sinopse:
Marie Antoinette (1755-1793) é uma jovem princesa austríaca que é enviada para a França para se casar com o herdeiro do trono, Louis XVI. O casamento arranjado pelas duas monarquias logo se revela problemático por causa da personalidade infantil e boba do jovem príncipe francês. Para Marie Antoinette porém tudo é válido, até porque ela se tornará em breve a nova rainha da França, um dos títulos de nobreza mais cobiçados da Europa de seu tempo. Filme indicado ao Oscar nas categorias de Melhor Atriz (Norma Shearer), Melhor Ator Coadjuvante (Robert Morley), Melhor Direção de Arte e Melhor Música (Herbert Stothart).

Comentários:
Drama histórico que foca a atenção na rainha Maria Antonieta (interpretada aqui pela bonita e talentosa atriz Norma Shearer, que inclusive foi indicada ao Oscar). A produção é luxuosa, com lindo figurino e filmagens realizadas no próprio Chateau de Versailles. Tecnicamente se trata de um filme irrepreensível. Também é muito instrutivo por mostrar a vida daquela foi a última rainha da França, em seu tempo absolutista. Maria Antonieta, como todos sabemos, foi decapitada pelos revolucionários franceses, em um banho de sangue irracional e violento. Ela foi acusada de crimes que nunca cometeu, além de ter sido alvo de uma verdadeira campanha de difamação promovida por publicações anônimas que inventavam mentiras sobre ela. De bom é interessante saber que o roteiro não deu voz a esse tipo de mentiras, como àquela que dizia que ela teria dito: "Se não tem pão, que se dê brioches ao povo" - algo que ela nunca disse. Um boato para destruir sua imagem pública. Curiosamente o elenco não traz nenhuma grande estrela de Hollywood, com exceção talvez do galã Tyrone Power no papel do conde Axel de Fersen. John Barrymore e sua figura imponente como o monarca Louis XV também ajudam bastante no resultado final. Então é isso, um filme bonito, bem produzido. Vale como entretenimento com ares românticos, acima de tudo.

Pablo Aluísio.

A Viúva Negra

Título no Brasil: A Viúva Negra
Título Original: Black Widow
Ano de Produção: 1954
País: Estados Unidos
Estúdio: Twentieth Century Fox
Direção: Nunnally Johnson
Roteiro: Nunnally Johnson, Hugh Wheeler
Elenco: Ginger Rogers, Van Heflin, Gene Tierney, Peggy Ann Garner
  
Sinopse:
Nancy 'Nanny' Ordway (Peggy Ann Garner) é uma garota do interior que decide se mudar para Nova Iorque com o sonho de se tornar escritora de sucesso. Os primeiros meses na grande cidade porém não parecem muito animadores. Sem dinheiro ela acaba aceitando a oferta de se tornar garçonete. Sua ambição porém continua intacta. Durante um jantar ela acaba conhecendo casualmente o produtor de teatro Peter Denver (Van Heflin). O que começa como uma simples amizade para ele acaba se revestindo de tragédia em seu próprio apartamento.

Comentários:
Bom filme que explora o lado mais sórdido e ambicioso de seus personagens. O enredo se desenvolve basicamente em cima da suposta amizade entre um homem mais velho, veterano produtor da Broadway, e uma garota muitos anos mais jovem do que ele que sonha se tornar escritora. Depois de uma aproximação casual ambos se tornam amigos e Peter Denver (Heflin) lhe concede uma gentileza. Ela reclama que mora em um pequeno cafofo sem qualquer luxo, o que de certa forma inibe sua inspiração ao escrever. Como Peter passa o dia todo fora trabalhando ele lhe oferece seu maravilhoso apartamento para que ela possa escrever seus livros durante à tarde, fitando pela janela o arborizado Central Park e toda a beleza da cidade de Nova Iorque. Como sua esposa está em outra cidade, cuidando de sua mãe, Peter não vê maiores problemas sobre isso. O problema é que tragicamente a garota é encontrada enforcada em seu próprio quarto! Depois desse evento sinistro sua vida vira do avesso pois a polícia começa a formar a convicção de que ele estaria envolvido romanticamente com a jovem e que a teria assassinado após sofrer algum tipo de chantagem! Teria Peter alguma coisa mesmo a ver com a tragédia? O roteiro é muito bem armado e aos poucos a solução do caso vai sendo tecendo na tela. Curiosamente apesar de lidar com morte, traição e interesse, os personagens estão sempre impecavelmente bem vestidos, com toda a elegância típica dos moradores da cidade. A estrela Ginger Rogers lidera o elenco, mas seu personagem é coadjuvante, uma atriz veterana que se diverte soltando farpas de maldades para todos os seus convidados. Para apreciadores de moda em geral a produção também chama a atenção por causa dos luxuosos figurinos em cena. Com direção enxuta, eficiente e segura e boa trama de mistério, o filme realmente é uma boa pedida para os fãs de cinema que gostam de desvendar intrigados casos policiais. 

Pablo Aluísio.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Os Desgraçados não Choram

Clássico noir estrelado pela atriz Joan Crawford. Ela interpreta uma dona de casa, mãe de um garoto de seis anos, que é atropelado enquanto andava de bicicleta. A morte do menino faz com que ela repense sua vida. Seu casamento vai mal, o marido é um tipo rude, grosseiro e miserável. Assim depois da morte do menino nada mais a segura nessa união falida. Ela dá um basta e vai para Nova Iorque. Na nova cidade ela começa a trabalhar como balconista. As coisas começam a dar certo e em pouco tempo ela faz novas amizades. Só que entre seus novos conhecidos se encontram membros da máfia.

Em pouco tempo ela se infiltra dentro da organização criminosa e é enviada para a costa oeste, com a finalidade de descobrir se um gângster que toma conta de um cassino na Califórnia está roubando os chefes da quadrilha. Essa parte do roteiro é obviamente baseado na história real do mafioso Bugsy Siegel, que teve inclusive uma versão de sua vida levada para o cinema, com direção e atuação de Warren Beatty. A situação que ela se coloca é perigosa, pois ao menor deslize pode ser eliminada. O filme, quando começa, mostra a polícia encontrando um corpo no deserto. Então começa um grande flashback, justamente para contar a história da personagem de Joan Crawford.

O filme tem todo aquele charme das produções ao estilo noir dos anos 50. Os cenários são escuros, com farto uso de luz e sombras em cada cena. Joan Crawford está bastante convincente como essa mulher que decide tomar as rédeas do destino em suas próprias mãos, embora com desdobramentos sequer imaginados por ela. Chegando ao ponto de assumir uma falsa identidade, com o sobrenome dos milionários Forbes, ela começa a afundar cada vez mais em sua ganância pessoal. Joan Crawford que ficou tristemente marcada por causa do livro biográfico de sua filha que a retratava como uma mulher cruel e louca, aqui mostra seu talento de atriz. Embora fosse perturbada em sua vida pessoal. na tela do cinema se mostrava uma atriz bem talentosa. Sua atuação é o grande atrativo para se assistir a esse filme nos dias de hoje.

Os Desgraçados não Choram (The Damned Don't Cry, Estados Unidos, 1950) Direção: Vincent Sherman / Roteiro: Harold Medford, Jerome Weidman / Elenco: Joan Crawford, David Brian, Steve Cochran / Sinopse: Após a morte de seu filho de seis anos, Ethel Whitehead (Joan Crawford) decide acabar seu casamento, que já vinha muito mal e parte para Nova Iorque. Assume outra identidade, passando-se a se chamar Lorna Hansen Forbes e se envolve com a máfia local.

Pablo Aluísio.

Quinteto

Paul Newman só fez um filme do gênero ficção em toda a sua longa carreira e foi justamente esse, chamado simplesmente de "Quinteto". É um filme realmente estranho. Newman interpreta um homem que vaga em um planeta congelado, após o que parece ser o advento de uma nova era glacial. A civilização humana está em escombros, poucos sobreviveram em pequenas instalações isoladas no meio do nada. O clima é mesmo de universo pós apocalíptico. Para passar o tempo os poucos sobreviventes jogam "Quinteto", um bizarro jogo de tabuleiro com cinco pessoas, com regras não muito claras.

Não é incomum pessoas serem mortas durante essas jogatinas. Pelas paisagens desertas e geladas há muitos corpos sendo devorados por cães selvagens. O personagem de Newman tem uma mulher que está grávida. O fato logo causa espanto nos demais membros da comunidade, já que há muito não se ouvia falar de mulheres esperando bebês. O roteiro não explica a situação, mas fica subentendido que o mundo vive uma crise de fertilidade, causada principalmente pela radiação. Teria sido efeito de uma guerra nuclear? Novamente nenhuma resposta é dada pelo roteiro.

Após um tempo na nova comunidade, Essex (Newman) descobre que de fato há uma lista com o nome de cinco pessoas que vão morrer muito em breve.Tudo soa como se o jogo tivesse entrado na vida real das pessoas. Os perdedores não perderiam apenas o jogo em si, mas suas vidas também. O fato é que logo Newman entende também que está em um jogo do quinteto do mundo real, onde ele próprio pode ser eliminado a qualquer momento, tal como se fosse um jogador desse estranho tabuleiro. Seu objetivo então passa a ser sobreviver de todas as formas, já que sua vida corre sério risco. Ir além disso seria estragar parte das surpresas do filme.

O fato é que o diretor Robert Altman fez um filme não apenas esquisito, mas frio também. E isso não se refere ao cenário polar onde tudo acontece. Os personagens que rondam essa trama não parecem ter muitas emoções humanas. São indiferentes a pessoas sendo mortas, à violência e a todo tipo de barbárie. O próprio protagonista interpretado por Paul Newman passa longe de ter atitudes heroicas. Ele simplesmente vai vivendo um dia de cada vez, sem muita emoção, procurando apenas sobreviver. Eu acredito que Altman quis realizar uma ficção bem inovadora, mas no final das contas só conseguiu ser esquisito e estranho, diria até mesmo bizarro em certos momentos. Não é um filme para todo mundo, não pense que é uma espécie de Mad Max passado no círculo polar ártico. É muito mais singular do que se possa imaginar.

Quinteto (Quintet, Estados Unidos, 1979) Direção: Robert Altman / Roteiro: Frank Barhydt, Robert Altman / Elenco: Paul Newman, Vittorio Gassman, Fernando Rey / Sinopse: Em um mundo pós-apocalíptico congelado, o caçador Essex (Paul Newman) chega em uma pequena comunidade de sobreviventes. São pessoas estranhas, frias, que não se importam mais com a violência e a barbárie. Elas passam o dia inteiro jogando "Quinteto", um estranho jogo de tabuleiro. A mulher de Essex está grávida, mas logo ele percebe que entrou em um território perigoso, onde sua vida corre um sério perigo. 

Pablo Aluísio.

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

O Trem do Diabo

Título no Brasil: O Trem do Diabo
Título Original: Grand Central Murder
Ano de Produção: 1942
País: Estados Unidos
Estúdio: Metro-Goldwyn-Mayer (MGM)
Direção: S. Sylvan Simon
Roteiro: Peter Ruric, Sue MacVeigh
Elenco: Van Heflin, Patricia Dane, Cecilia Parker
  
Sinopse:
Baseado no romance de suspense e mistério escrito pela autora Sue MacVeigh, "Grand Central Murder" explora a figura do detetive particular 'Rocky' Custer (Van Heflin) que deverá usar de toda a sua técnica, intuição e perspicácia investigativa para descobrir quem teria sido o autor de um assassinato durante uma longa e obscura viagem de trem. A vítima é uma jovem mulher, que parece ter tido problemas no passado com vários dos passageiros, incluindo aí um foragido e diversos homens que, de uma forma ou outra, tinham contas a acertar com ela. Todos são suspeitos no final das contas.

Comentários:
Esse enredo me lembrou muito do clássico de Agatha Christie "Assassinato no Expresso do Oriente". Não precisa ir muito longe para perceber que o argumento é extremamente parecido. A premissa é a mesma, coloca-se um grupo de personagens em um trem, durante uma viagem, explora-se o assassinato de alguém e depois insere-se um detetive no meio para descobrir quem seria o autor do crime. Para complicar ainda mais o mistério, cada passageiro parece ter sua própria motivação para ter cometido o crime. É o tipo ideal de filme para o espectador que gosta de desvendar crimes misteriosos. Deixando isso de lado o que mais se sobressai nessa produção é sua inegável linguagem noir, usando e abusando das sombras, dos personagens dúbios e do lado mais sórdido da natureza humana. Praticamente não existem personagens completamente íntegros pois cada um parece esconder um aspecto desprezível em sua própria personalidade. As mulheres são fatais e os homens se movem por motivos sombrios e inconfessáveis. Resumindo, todos os ingredientes que fizeram do cinema noir uma preciosidade da sétima arte estão presentes. O diferencial vem também de um bem inserido humor negro em seu texto, que vai inclusive chocar os mais adeptos do politicamente correto que impera nos dias atuais. É realmente surpreendente que um filme que foi realizado em plena década de 1940 tenha tanta acidez e morbidez como esse, em seu roteiro. Um exemplo perfeito de uma era em que Hollywood conseguia ousar e ser realmente revolucionária em suas produções cinematográficas.

Pablo Aluísio.