Junho é sempre uma boa oportunidade para colocar a leitura em dia. Nesse período de férias resolvi me dedicar a ler as biografias de dois mitos de Hollywood do passado: Marilyn Monroe e Rock Hudson. Sobre o livro 'A Deusa", que mostra detalhes da vida de Marilyn, ainda tecerei comentários futuramente aqui mesmo no blog. Agora quero falar um pouco sobre a autobiografia de Rock Hudson intitulada "História de sua vida". Em um texto muito bom somos apresentados a uma das trajetórias mais marcantes dos anos dourados do cinema americano. A ascensão e a queda de um dos grandes ídolos do passado são desvendados sem o glamour que tanto conhecemos. Rock desvenda sem pudores os grandes segredos dos estúdios, as intrigas e o star system. Logo no começo do livro o ator deixa bem claro que não devemos acreditar em nada do que nos é repassado pelos grandes estúdios. Tudo não passava de uma grande mentira.
A própria vida de Rock Hudson foi de certa forma construída em cima de uma mentira. Após passar alguns anos na Marinha, Roy Fitzgerald Scherer (seu verdadeiro nome) foi para Hollywood tentar a carreira de ator. Boa pinta, com mais de 1.90 de altura, Roy sabia que poderia encontrar uma boa oportunidade na terra do cinema. Lá começou os primeiros passos rumo ao estrelado. Através de bons contatos profissionais o ator conseguiu ser aceito na "fábrica de atores" da Universal e começou a aparecer numa série de pequenos filmes do estúdio. Era o chamado Star System. As companhias de cinema treinavam, ensinavam como se comportar em eventos sociais e promoviam determinados atores para depois os transformarem em grandes astros. Até mesmo seus nomes eram mudados e transformados, tudo num rígido e bem pensado sistema de promoção à prova de falhas. E foi assim que nasceu "Rock Hudson", um verdadeiro galã americano que em poucos meses já havia se transformado no sonho de todas as mulheres daquele tempo. Rock era considerado o "homem ideal" e o "marido perfeito" e assim foi construído todo o seu mito. Durante mais de uma década foi o ator mais popular de Hollywood, conquistando um sucesso de bilheteria atrás do outro. Era definitivamente a personificação do Sonho Americano. Só havia um pequeno detalhe nessa história de sucesso que era guardado a sete chaves pela Universal: Rock era gay!
A autobiografia de Rock foi escrita quando o ator estava em seu leito de morte, corroído pela AIDS. Com receio de sua história ser distorcida por outros, Rock contratou uma escritora profissional (Sara Davidson) e resolveu contar o seu lado da história. Mesmo debilitado resolveu abrir o jogo sobre a verdade obscura atrás da cortinas douradas de Hollywood. O retrato descrito por ele é demolidor. Rock conta vários segredos de bastidores que deixariam qualquer um de seu fãs dos tempos áureos de queixo caído. Em pouco mais de 400 páginas o ator fala sobre o mecanismo de fabricação de ídolos e revela fatos até então nunca revelados. Entre eles admite que só conseguiu o grande papel de sua carreira, no filme Assim Caminha a Humanidade, após dormir com um dos principais executivos da Universal. O sujeito, casado e pai da família, depois encontraria Rock em um jantar social e sussurraria em seu ouvido que "ainda o amava"!
O homossexualismo de Rock é mostrado sem rodeios. Os vários amantes e companheiros de sua vida são nomeados e descritos sem qualquer problema. Não poderia ser diferente, como Rock morreu antes da conclusão da autobiografia ele pediu aos seus amores do passado que contassem toda a verdade sobre os anos que viveram juntos. Essa parte do livro pode incomodar algumas pessoas pela franqueza. As várias tentativas de encobrir sua vida pessoal também são mostradas em detalhes. Entre elas a maior de todas: o casamento de fachada entre ele e uma secretária de um dos seus agentes. Rock se casou com ela justamente quando os boatos de que era gay ganhavam maior destaque na mídia. Apesar de sempre haver dúvidas Rock conseguiu, a duras penas, manter sua fama de "homem ideal" por várias décadas, tanto que o mundo recebeu com grande surpresa em 1985 a notícia de que estava com AIDS por ser homossexual.
Outro aspecto interessante do livro é mostrar a nítida transição que o cinema sofreu no final dos anos 60 e começo dos anos 70. Rock descreve a dificuldade de se manter trabalhando nesse período, quando os filmes passaram a retratar uma realidade concreta da vida e não apenas uma realidade idealizada dos grandes filmes do passado. Foi a época em que uma nova geração de atores surgiu, como Al Pacino, Robert De Niro e outros. Astros com cara de gente comum, pessoas do povo, bem distante da imagem de galã impecável do qual Rock era o símbolo maior. Sem trabalho Rock teve que se contentar em fazer TV (que odiava) e Teatro (que amava). Enfim, o livro é um excelente retrato de uma período que marcou a história do cinema. Rock é mostrado não apenas como um grande ator desse tempo mas também como uma pessoa muito humana que tentou sobreviver em Hollywood da melhor maneira que podia. Sua coragem no final de sua vida ao revelar todos os seus segredos diz muito sobre sua personalidade. Com sua morte Rock chamou a atenção da grande mídia para a AIDS, que naquele momento ainda era uma doença relativamente desconhecida do grande público. No final da vida soube utilizar bem o maior segredo de sua vida para algo definitivamente positivo, pois despertou o mundo para os perigos que a nova doença trazia. Seu livro é um testemunho de vida e deve ser conhecido por todos.
Pablo Aluísio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário