Em 1953 Marlon Brando entrou no set de seu novo filme, "The Wild One" que no Brasil seria intitulado "O Selvagem". Brando, já naquela altura considerado o maior rebelde de Hollywood, iria interpretar o papel de um jovem motoqueiro chamado Johnny Strabler. A direção seria do cineasta húngaro Laslo Benedek que havia dirigido a adaptação para o cinema do clássico da literatura "A Morte do Caixeiro Viajante" dois anos antes. Inicialmente Brando não viu grande coisa no roteiro. Para ele seria um filme apenas para cumprir contrato com o produtor Stanley Kramer. Como era um filme pequeno, de curta duração e com enredo simples, não haveria muito trabalho à vista.
Nada que poderia se comparar com os filmes anteriores do ator, verdadeiras obras primas como "Espíritos Indômitos", "Uma Rua Chamada Pecado", "Viva Zapata!" e principalmente "Júlio César" que havia exigido muito dele em termos de atuação. Afinal de contas Brando havia suado a camisa para se sair bem em seus primeiros filmes, em especial o último, uma complicada adaptação para o cinema da famosa peça escrita por William Shakespeare, sob direção do austero Joseph L. Mankiewicz. Assim interpretar Johnny era quase como um passeio no parque. Além do mais Brando adorava motos e o universo que as cercava, então foi mesmo a união de algo que gostava de fazer em sua vida pessoal com a possibilidade de dar um tempo nos filmes mais sérios e desafiadores.
Para sua surpresa porém o filme virou um dos maiores cult movies da história. Inicialmente Brando não gostou da película. Como ele próprio recordou em suas memórias a primeira vez que assistiu a "O Selvagem", logo após sua estreia nos cinemas, não gostou mesmo do que viu. Achou o filme violento e sem conteúdo. Curiosamente a fita acabou virando o estopim de uma série de revoluções comportamentais ocorridas na juventude americana nos anos 1950, desembocando na revolução cultural que iria estourar nos anos 1960. Para Brando foi tudo uma grande surpresa. Ele não tinha consciência na época que havia todo um sentimento reprimido por parte dos jovens e que seu filme seria usado para aprofundar todos esses anseios. Johnny, na visão de Brando, era apenas mais um personagem a interpretar. A juventude da época porém viu de outro modo. Aquele motoqueiro, vestido de couro preto da cabeça aos pés, era a personificação da liberdade. O roteiro dava a ele uma conotação ruim, algo que não poderia ser usado como modelo, mas como um aviso contra a delinquência juvenil. Para reforçar isso o estúdio colocou um texto avisando sobre os males de se seguir o exemplo dos personagens. Brando percebeu que o tiro sairia pela culatra. A juventude em geral ignorou a mensagem moralista quadrada e obsoleta e abraçou o personagem como um ícone, um mito, um exemplo a seguir. Para Brando não poderia ser melhor e ele foi elevado à altura de símbolo máximo entre os jovens da época.
Realmente, do ponto de vista puramente cinematográfico "O Selvagem" não pode ser comparado aos demais clássicos que Brando rodou por essa época em sua carreira. Já do ponto de vista meramente cultural e sociológico é de fato um dos mais marcantes momentos de sua carreira no cinema. Isso porque o filme não pode ser visto apenas sob a ótica do que se vê na tela, e sim muito mais além disso, pois teve enorme influência dentro da sociedade, principalmente entre os jovens, que viram ali um modelo de liberdade incrível. Numa época em que havia grande repressão e os controles morais eram extremos, ver Johnny atravessando a América de moto, sem dar satisfações a ninguém, e vivendo com um grupo de rebeldes como ele, era de fato um impacto para o jovem americano típico dos anos 1950. Depois que Brando surgiu com aquela imagem ícone, nasceu toda uma cultura jovem no país, até porque a juventude de um modo em geral era completamente ignorada dentro da sociedade até então, sendo considerada apenas uma transição entre a infância e a vida adulta. Depois de Brando vieram James Dean - o maior símbolo de juventude que o cinema jamais produziu - o Rock ´n´ Roll, Elvis Presley e toda a iconografia da cultura jovem que conhecemos hoje em dia.
Para Brando o filme passou logo, mas os efeitos dele se tornaram duradouros. Assim que terminou as filmagens da fita ele foi procurado novamente por Elia Kazan. Ele o convidou para participar do filme "On the Waterfront" (no Brasil, "Sindicato de Ladrões"). Assim que leu o roteiro Brando entendeu do que se tratava. Era uma grande metáfora em forma de película, que justificava de certa forma o comportamento do próprio Kazan durante o Macartismo, onde ele havia dedurado vários colegas de profissão. Depois disso a biografia do cineasta havia sido manchada para sempre. Ele tencionava com o filme resgatar parte de seu prestígio dentro da comunidade cinematográfica, ao mesmo tempo em que justificava seu ato e pedia desculpas pelo que fez. No começo Brando relutou em fazer o filme. Desde sempre ele se considerava um liberal e o que Kazan havia feito era realmente algo desprezível. A vontade porém de realizar mais uma obra prima foi maior do que seus escrúpulos pessoais. Assim, ainda vestido de Johnny, ele se encontrou nos corredores da MGM e assinou o contrato com Kazan. Mal sabia que estaria prestes a realizar um dos maiores filmes de toda a sua carreira.
Pablo Aluísio.
Marilon Brando em Hollywood
ResponderExcluirCinema Clássico
Pablo Aluísio.
Se pensarmos no Marlon Brando ícone, O Selvagem é o seu filme mais emblemático, depois vem O Poderoso Chefão.
ResponderExcluirVendo essa foto que você ilustrou o post, me vem à cabeça o Elvis e da pra entender porque ser um grande ator era tudo o que ele desejou.
Essa imagem influenciou toda uma geração de jovens, inclusive com Elvis no meio de tudo isso. Ele tinha Marlon Brando como seu grande ídolo no cinema (ao lado de James Dean).
ResponderExcluirPablo:
ResponderExcluirEu comento tanto na sua holding blogueira que acho que está na hora de você me conferir um cargo de destaque na sua organização. rsrsrs...
Ah, você é mais do que membro VIP aqui nos blogs.
ResponderExcluirJá virou sócio fundador! Obrigado por sempre comentar.
Isso é bem importante para quem escreve em blogs.
Fico honrado com a deferência.
ResponderExcluirEu que agradeço a oportunidade e a paciência que tem tido com as minhas idiossincrasias.
Continue sempre.
É sempre um prazer ler suas observações e comentários Serge.
ExcluirAo contrário do que desejava, Brando era uma espécie de rei Midas do cinema: tudo que tocava,virava ouro. Mesmo detestando aquilo que tocava. Brando quebrou paradigmas e revolucionou comportamentos. Era o maior crítico de suas próprias obras e o anti-herói de seus personagens. Parecia que mantinha em sua mesa de cabeceira um livro de Baudelaire, tamanha era o seu desprezo e azedume pelas vias alegres e positivas. Era tão genial e tão carismático que nem ele mesmo conseguia diminuir sua própria luz. Suas atuações dispensavam comentários. Brando era uma mistura perfeita do ungido com o possesso,tanto no conteúdo, como na forma. Não tenho a menor dúvida que o cinema se divide entre antes e depois de Marlon Brando.
ResponderExcluirMuito bom Telmo!
ExcluirO Brando que disse em uma entrevista: vou parafrasear, "ator não é artista, mas apenas um operário da arte, artista é o Mozart".
Ótimo texto, Telmo.
ExcluirCaptou muito bem a essência de Marlon Brando. Aliás era de se esperar uma vez que você sempre foi um dos grandes admiradores do ator. Brando é isso. Nada mais a dizer.
Obrigado Sérgio e Pablo pelas palavras.
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